Introdução
A obesidade apresenta-se como um problema mundial de saúde pública cada vez mais prevalente em adolescentes. É uma Doença Crônica Não-Transmissível (DCNT), evitável, caracterizada pela elevação da massa adiposa corporal, que pode resultar em inúmeros prejuízos à saúde, como doenças cardiovasculares, diabetes e alguns tipos de câncer1,2.
De acordo com Organização Mundial de Saúde (OMS), a obesidade quase que triplicou no período de 1975 a 2016, constatando-se que mais de 340 milhões de crianças e adolescentes na faixa etária de 5 a 19 anos apresentavam índice de massa corporal (IMC) fora da curva-padrão no ano de 2016, com aumento de 18% na prevalência deste problema crônico1.
Estudos realizados nos Estados Unidos3 e Emirados Árabes4 destacam a obesidade como importante problema de saúde pública, com implicações graves para a saúde, como comorbidades relacionadas com fatores fisiológicos e psicológicos. Pesquisa realizada em escolas de 21 países europeus identificou números preocupantes de adolescentes com obesidade grave, e assim, destacou a relevância de a obesidade ser tratada por meio de uma variedade de intervenções educativas, desde a prevenção precoce do sobrepeso e da obesidade, até o tratamento daqueles que precisam5.
Intervenções educativas têm sido relatadas como estratégia potencial de fomento a mudanças de estilo de vida de adolescentes, acompanhada de melhoria do perfil antropométrico e de composição corporal. Protocolo de intervenção com teor educativo pode oferecer metodologia de fácil adaptação e baixo custo para serviços de saúde, com alta adesão e baixa taxa de abandono6.
Estudos consultados inferem que intervenções educativas podem contribuir significavamente para redução IMC, massa gorda relativa e absoluta, melhora na autoestima e imagem corporal em relação à percepção do estado físico e diminuição de medo7,8.
Assim, o desenvolvimento de intervenções e programas educativos voltados para promoção de comportamentos de saúde positivos podem favorecer a redução e controle da incidência de sobrepeso e obesidade. Ressalta-se a importância da orientação de profissionais de saúde em relação aos hábitos saudáveis que podem ter impacto significativo na redução dos agravos à saúde decorrentes da obesidade e melhorar a qualidade de vida dos adolescentes9,10.
Deste modo, a identificação da efetividade de programas e intervenções educativas na prevenção ou tratamento da obesidade, disponíveis na literatura científica, pode contribuir para a prática profissional ao disponibilizar evidências sobre estratégias eficazes e adequadas ao público-alvo. Além disso, permitirá a identificação de lacunas do conhecimento e suscitar novas práticas de prevenção e tratamento para esta problemática.
Ante o exposto, este estudo objetivou identificar a efetividade de intervenções educativas na prevenção ou tratamento da obesidade em adolescentes.
Método
Trata-se de revisão integrativa da literatura, método de pesquisa que permite a análise da literatura de forma sistemática, além de divulgar dados científicos produzidos por outros autores11. O corpus do estudo foi formado por produções científicas que evidenciavam intervenções para prevenção da obesidade em adolescentes por meio de seis etapas metodológicas12.
A questão norteadora foi construída com base na estratégia População Interesse Contexto (PICo): Qual a efetividade de intervenções sobre prevenção/tratamento da obesidade em adolescentes? Considerou-se P = adolescentes; I = intervenções de prevenção ou tratamento contra obesidade; e Co = redução/prevenção da obesidade13.
Os critérios de inclusão delimitados foram estudos nos idiomas português, inglês e espanhol, que respondessem à questão norteadora e estivessem disponíveis na íntegra eletronicamente, no período de 2000 a 2020. Foram excluídas publicações repetidas, revisões de literatura, editoriais, manuais, dissertações e teses.
A busca dos estudos foi realizada durante o mês de julho de 2020. Esse processo ocorreu em bases de dados relevantes e de impacto para o contexto da saúde, sendo elas: Medical Literature Analysis and Retrieval Sistem Online (MEDLINE), Scientific Electronic Library Online (SciELO), Cochrane, Science Direct, Base de Dados de Enfermagem (BDENF) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS).
Para a realização das buscas nas bases de dados, foram utilizados descritores controlados presentes no Medical Subject Headings (MeSH), os quais: obesity e adolescente, que foram associados com palavra-chave “intervention”, formando uma estratégia de busca ampla: (Obesity AND Adolescent AND Intervention).
Após a exclusão de duplicatas por meio do gerenciador de referências do Mendeley, o processo de seleção dos estudos foi realizado de forma independente por dois revisores. Destaca-se que quando havia discordância sobre o julgamento da elegibilidade, bastava apenas um revisor julgar o artigo elegível que ele passava para a etapa seguinte.
A seleção dos estudos ocorreu em duas etapas. Inicialmente, os estudos potencialmente elegíveis foram pré-selecionados por meio da avaliação dos títulos e resumos das publicações recuperadas nas buscas. Na segunda etapa, foi realizada avaliação do texto na íntegra para confirmação da elegibilidade. A extração dos dados das publicações incluídas também foi realizada de forma independente entre os pesquisadores e as informações foram confrontadas. Para extrair as variáveis necessárias para atingir o objetivo proposto, utilizou-se formulário próprio de coleta de dados, elaborado pelos autores, com as seguintes variáveis: autores, ano, país do estudo, tipo de estudo, nível de evidência, amostra, ambiente, idade, nível de obesidade, tempo de seguimento, tipo de intervenção e seus elementos educativos e efetividade.
A análise dos dados da revisão integrativa foi elaborada na forma descritiva. Cada estudo incluído foi analisado minuciosamente pelos autores e elaborou-se dois quadros síntese contendo as seguintes informações: autores, ano de publicação, objetivo, cepas causadoras das epidemias/pandemia, cidade e ano de ocorrência, dimensões e construtos relacionados com a Síndrome de Burnout.
O nível de evidência definido seguiu a classificação: nível I - metanálise de estudos controlados e randomizados; nível II - estudo experimental; nível III - estudo quase experimental; nível IV - estudo descritivo/não experimental ou com abordagem qualitativa; nível V - relato de caso ou experiência; nível VI - consenso e opinião de especialistas14.
Resultados
Foram selecionados 31 estudos, com base nos critérios de inclusão estabelecidos. Os dados compilados contemplaram a caracterização dos estudos e as intervenções descritas em cada artigo sobre prevenção ou tratamento da obesidade em adolescentes. O fluxograma do processo de seleção está apresentado na Figura 1.
Característica da amostra
Foram selecionadas 31 publicações, provenientes de estudos realizados em países diversos, com predomínio do cenário brasileiro, efetivados majoritariamente em ambiente familiar e escolar, com adolescentes.
A maioria dos estudos usou como critérios de inclusão a avaliação do IMC, que variou de 19,94 a 36,6. Os programas de intervenção tiveram acompanhamento longitudinal, com duração de no mínimo dois e no máximo 36 meses. Estas informações estão exemplificadas no Quadro 1.
Ver en pdf. Quadro 1 - Distribuição das características metodológicas dos artigos incluídos na revisão integrativa. Sobral (CE), Brasil, 2020.
Métodos de intervenção
Os estudos selecionados abrangeram variados elementos de intervenção para educação em saúde, com predomínio de orientações baseadas no apoio nutricional7,8,18,28,34,35,36,38e prática de atividade física ou exercício físico7,15,29,34,35. Os estudos apontaram que é importante que as intervenções atendam às necessidades e interesses da população-alvo; e que sejam iniciadas precocemente e mantidas por período de tempo adequado.
Efetividade das intervenções
Observou-se efetividade das intervenções educativas em 29 estudos. Os principais desfechos evidenciados relacionaram-se com aumento na prática de exercícios físicos20,21,23,24melhor conhecimento ou comportamento alimentar16,38,41e redução de medidas de peso e outras variáveis relacionadas com o IMC8,27,28,34,36.
Ver en pdf. Quadro 2. Descrição dos elementos das intervenções educativas e efetividade das intervenções. Sobral (CE), 2020.
Discussão
Esta revisão incluiu 31 estudos que abrangeram programas de intervenção com foco na redução de peso de adolescentes. Os cenários predominantes foram os espaços familiares e escolares, por constituírem-se como ambientes de fácil acesso aos adolescentes. Deles, 29 estudos apresentaram resultados significativos nos parâmetros avaliados após as intervenções.
Os estudos analisados buscaram a inclusão de adolescentes com IMC elevado (>19). A determinação do IMC tem sido adotada como método simples de avaliação do estado nutricional de diferentes grupos populacionais, inclusive adolescentes16,18,19. Na América Latina, a prevalência do excesso de peso oscila de 19 a 37% na faixa etária de 5 a 11 anos e de 17 a 36% na faixa etária de 12 e 19 anos43.
Estudos têm demonstrado que isso se deve ao fato de adolescentes possuírem preferências alimentares inadequadas, com alto consumo de alimentos processados e ultraprocessados, por interferência das relações sociais existentes e midiáticas, o que favorece elevação do peso e, consequentemente, do IMC44,45. Além disso, adiciona-se a ocorrência do uso generalizado da tecnologia inclusive em atividades de lazer como televisão, videogames, computadores, tablets e celulares, que impulsionam o comportamento sedentário46, demonstrando a necessidade de intervenções nesta condição crônica18.
Para contribuir com a redução da prevalência do excesso de peso entre adolescentes, estudos clínicos têm buscado desenvolver programas de intervenção educativa longitudinais que possam favorecer a mudança no estilo de vida, reeducação alimentar, perda de peso e melhor qualidade de vida6,22.
No presente estudo, foram observadas intervenções que abrangeram orientações pautadas no apoio nutricional e psicológico, prática de atividade física ou exercício físico e estilo de vida saudável. Tais estratégias correspondem aos principais tipos de tratamentos não farmacológicos da obesidade e costumam ter influência significativa na saúde do indivíduo18.
No que se refere aos programas de intervenção pautados em exercícios físicos é importante ressaltar sua relevância na redução da obesidade em adolescentes, devido ao aumento da taxa metabólica de repouso e massa livre de gordura, que consequentemente aumentam o gasto energético diário47. Estudo consultado que avaliou os efeitos de programas de exercícios físicos na composição corporal, aptidão física e risco cardiometabólico em adolescentes identificou impacto positivo na composição corporal e nas variáveis antropométricas19.
A prática de 60 minutos de atividade física por dia, permeada por movimentos que aumentem o consumo de energia, está associada a resultados fisiológicos e psicológicos, que podem propiciar melhora no perfil da composição corporal48. Exercícios físicos orientados podem ser importante estratégia na redução de medidas antropométricas e no desenvolvimento físico do adolescente, porém, é válido destacar a necessidade de associar exercícios com mudanças nos hábitos alimentares e apoio familiar para redução efetiva na obesidade e manutenção dos resultados obtidos.
Outra intervenção de destaque foram os programas comportamentais com elementos de intervenção interdisciplinares, uma vez que favoreceram a redução do peso corporal, promoção de práticas saudáveis e mudanças nos comportamentos relativos ao estilo de vida28.
Estudos consultados reportam a relevância desse método para redução de peso de adolescentes com IMC elevados7,8. Intervenções com elementos interdisciplinares, em associação com educação física, enfermagem, fisioterapia, nutrição e psicologia podem impactar positivamente na redução de circunferências, massa gorda e percentual de gordura corporal de adolescentes, além da melhora na imagem corporal7,49. Esses achados ressaltam a importância no cuidado interdisciplinar no combate à obesidade infanto-juvenil e no envolvimento dos profissionais em ações de promoção da saúde destinadas a essa população.
Logo, intervenções interdisciplinares com adolescentes podem favorecer a aquisição de melhores hábitos alimentares e serem mantidos durante toda a vida adulta50. Além disso, foi possível associar as intervenções comportamentais com outras estratégias, sejam educativas, sociais e ambientais, garantindo melhores resultados a longo prazo.
A educação nutricional e alimentar também foi utilizada para reduzir o IMC e outros aspectos de saúde de adolescentes. Essa intervenção é considerada estratégia de tratamento não farmacológico de baixo custo para promoção da saúde em adolescentes com sobrepeso e obesidade, uma vez que, a medida que o estado nutricional adequado é restabelecido, as médias do IMC o acompanharão49,51.
Programa de intervenção que mantém os adolescentes mais próximos com nutricionista e equipe de saúde pode propiciar maior eficácia na perda de peso. Contudo, os adolescentes precisam de tempo para mudar seus hábitos alimentares e exigem esforço contínuo para manter um novo estilo de vida52. Isso reforça a relevância de programas de intervenção de cunho longitudinal para que as ações gerem resultados positivos e duradouros, além de beneficiarem alcance da perda ponderal e melhor estado de saúde.
Alguns programas focaram em intervenção no estilo de vida, em que a maioria associou estratégias de mudanças comportamentais que pudessem favorecer a adoção de práticas alimentares saudáveis e atividade física. Intervenções de estilo de vida saudável em vários níveis com adolescentes, principalmente quando envolvem a família, são abordagens promissoras para melhorar os comportamentos individuais26.
Pesquisa na Espanha identificou que intervenção intensiva no estilo de vida em crianças e adolescentes com obesidade abdominal alcançou redução no IMC, melhor adesão às recomendações nutricionais e escores mais altos de qualidade da dieta22. Esse dado infere na importância da manutenção do estilo de vida saudável para alcance de resultados favoráveis relacionados ao peso corporal.
Dentro dos cuidados de saúde com a obesidade em adolescentes, destaca-se que a inclusão de um componente de aconselhamento psicológico na prevenção e tratamento multidisciplinar para obesidade pode fornecer melhores benefícios6.
Os estudos analisados na revisão sugerem efetividade dos programas de intervenção educativa em promover mudanças positivas no conhecimento dos adolescentes sobre estilo de vida saudável16, redução do IMC8,18,19,22,26, diminuição no consumo de alimentos ultraprocessados18, melhora na imagem corporal7 e melhor qualidade de vida6,18.
Ao interpretar tais resultados também foi preciso levar em consideração que diversos fatores podem influenciar a efetividade de programas de intervenção com foco na obesidade, como condição social, acesso aos serviços de saúde, aspectos culturais e nível de instrução educacional, além da participação interdisciplinar nessas atividades.
Apesar da inclusão de estudos primários com altos níveis de evidência, observaram-se limitações na padronização dos desfechos e na redação dos estudos, fato que limitou a coleta de informações importantes.
Outra limitação potencial do estudo é o viés de publicação, uma vez que os achados positivos têm maior probabilidade de serem publicados, resultando em uma valorização do efeito benéfico das intervenções no controle ou tratamento da obesidade. Destaca-se ainda o fato da busca ter ocorrido com os descritores no idioma inglês, de forma que os artigos sem a disponibilização no referido idioma e que seriam elegíveis para integrar a amostra do estudo podem não ter sido encontrados.
Novos estudos sobre a temática são esperados, a fim de produzir novas evidências sobre mudanças no comportamento de adolescentes com sobrepeso e obesidade de modo que se tenham mais controle sobre os benefícios e a adesão a intervenções que objetivam prevenir e tratar a obesidade.
Conclusão
As intervenções educativas analisadas demonstraram efetividade das intervenções educativas no conhecimento dos adolescentes e estilo de vida saudável, que contribuiu com redução do IMC e outros parâmetros corporais, como gordura corporal e circunferência abdominal, menor ingestão de alimentos ultraprocessados, melhora na imagem corporal e qualidade de vida.
Conflito de interesse
Os autores declaram que não possuem conflito de interesse de qualquer natureza relacionado ao artigo.