Introdução
Em setembro de 2015, durante a Cúpula de Desenvolvimento Sustentável realizada em Nova Iorque-EUA, a Organização das Nações Unidas (ONU) propôs que os seus 193 países membros assinassem um plano global, denominado Agenda 2030, composto por 17 objetivos (ODS), desdobrados em 169 metas, envolvendo os países desenvolvidos e os em desenvolvimento (Santos e Nascimento-Pontes, 2019).
A questão urbana representa o cerne do ODS 11, que propõe tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis (Rozhenkova et al., 2019), o que evidencia a problemática da habitação, que é alvo da meta 11.1, estudada por Dahiya e Das (2020), por exemplo, no que trata do acesso de todos à habitação segura, adequada e a preço acessível. A periferia e os territórios vulneráveis têm sido estudados em estudos sobre modos de vida (Vieira e Gastal, 2021; Fontes, 2022; Santos Neto et al., 2022), níveis de pobreza e propriedade da terra (Pereira, 2021; Ultramari e Andreoli, 2021), precariedade dos serviços públicos (Catalá e Carmo, 2021). Entretanto, não se identifica na literatura estudos que dialoguem com a questão dos aglomerados subnormais no contexto do cumprimento da meta 11.1 dos ODS. Dito isso, este artigo tem o objetivo de debater a questão da moradia e dos aglomerados subnormais no contexto dos municípios selecionados, bem como avaliar se o desafio de se cumprir a meta 11.1 dos objetivos de desenvolvimento sustentável em um período de apenas 15 anos é viável, ao menos em escala regional. Nesse sentido, este estudo se mostra relevante porque busca contribuir com o debate à cerca da redução de assimetrias urbanas, ao lançar um olhar para a questão da habitação em uma região de pobreza.
Tanto o ingresso desta temática na Agenda Pública como o seu desdobramento para escalas geográficas menores são fundamentais porque atraem atenção para projetos de interesse local no território (Tonucci Filho e Freitas, 2019; Tzortzi et al., 2022), aproximando-se das demandas das regiões desfavorecidas. A conscientização da sociedade e o uso de campanhas para esse fim, são maneiras de atrair um maior número de pessoas para os movimentos sociais (Martins e Santos Pereira, 2019; Salomón, 2020; Araújo e Gomes, 2022; Mamby, 2022), que se mostram, muitas vezes, cruciais e indispensáveis para a transformação da realidade.
No tocante ao seu desenvolvimento, além desta introdução, este artigo apresenta uma seção de metodologia, que explica a obtenção dos dados e o foco do trabalho. A seção posterior apresenta a revisão bibliográfica que dá o suporte teórico para o estudo. Em seguida, há uma seção de resultados, que contextualiza a meta 11.1 no âmbito regional, bem como discute a questão urbana nos aglomerados subnormais da região estudada. Por fim, se apresenta uma seção de conclusões e as referências.
Revisão de literatura
Segundo Bonnefoy (2007) estudos epidemiológicos sugerem uma forte associação entre as condições habitacionais e a saúde das pessoas, afetando tanto o aspecto físico como o mental. Tanto o ambiente interno da moradia e sua relação com a segurança e a privacidade que este é capaz de promover, como o entorno imediato da habitação e o bairro onde se localiza, por fazerem parte da paisagem cotidiana das pessoas, impactam, segundo o autor, no bem estar e na saúde de seus habitantes.
Além dessa relação mencionada, é importante destacar que uma habitação adequada é mais do que um teto sobre a cabeça (Bonnefoy, 2007), pois abarca muitos outros elementos, como garantia e sensação de privacidade; espaço e acessibilidade física; garantia e sensação de segurança; situação de posse regular; estabilidade e durabilidade estrutural; iluminação, aquecimento e ventilação adequados; infraestrutura básica; qualidade ambiental e fatores que se referem à saúde; localização e acessibilidade no que se refere ao trabalho; e acesso a facilidades básicas; tudo a um custo acessível.
Dada a importância das condições de habitação para a saúde e qualidade de vida da população, a urbanização de assentamentos precários e a disponibilização de habitações seguras, adequadas e acessíveis se fazem presentes no ODS 11, da Agenda 2030, contemplando o atendimento da demanda atual e futura - quantidade de novas moradias necessárias, dentro de certo período de tempo, para atender ao crescimento demográfico e do número de famílias -; a superação do déficit - o que se refere às moradias que se enquadram nas condições de habitação precária, de coabitação familiar, com ônus excessivo de aluguel e; por fim, ao déficit relacionado à inadequação da habitabilidade devido à carência de infraestrutura, à ausência de banheiro e ao adensamento excessivo.
Essas áreas com ausência e negligência do Estado, onde se encontram os assentamentos informais, com todas as suas mazelas, de acordo com Fahlberg et al. (2020), além de enfrentarem uma série de desafios, que impactam no cotidiano de sua população, tem maior dificuldade para se recuperar e se regenerar após a ocorrência de desastres naturais ou daqueles causados pelo homem.
No tocante aos desafios, Carvalho e Cabral (2021), ao buscarem o entendimento sobre a geografia urbana da pobreza no Brasil, percebem a falta de infraestrutura no que se refere ao fornecimento de água potável, a existência de banheiro privativo na unidade habitacional, de rede de esgoto, de coleta de lixo e de fornecimento regular de energia elétrica, além da baixa proporção de imóveis atendidos por serviços públicos. Outro aspecto notado quando se trata de pobreza e habitação é, de acordo com Lima e Marrara (2022), a questão da regularização fundiária, já que em várias cidades brasileiras há uma quantidade significativa de pessoas que residem nesses aglomerados subnormais - cortiços, favelas, morros, assentamentos, dentre outros - de forma totalmente irregular. Segundo estes últimos, as conexões existentes entre os mercados de trabalho - com a discriminação dos trabalhadores oriundos de determinadas localidades - e de habitação - com a segmentação dos mais pobres em regiões afastadas e desprovidas de recursos - agravam a vulnerabilidade das pessoas que residem nessas comunidades, pois se reforçam mutuamente, criando e sustentando um círculo vicioso.
Não bastassem as questões ora sinalizadas, há os aspectos fisiográficos das localidades onde se encontram os aglomerados subnormais. O tipo de inclinação do terreno, por exemplo, influencia no potencial de riscos com os quais a população convive, envolvendo a ocorrência de deslizamentos, desabamentos e/ou inundações. Embora os terrenos planos, quando comparados àqueles de colina e/ou de encosta, sejam preferíveis, nas regiões de Baixada, as enchentes tendem a se fazer presentes, afetando principalmente os aglomerados localizados em margens de córregos, de rios ou de lagos/lagoas.
As condições inadequadas também são vistas quando a unidade habitacional se encontra em faixas de domínio de rodovias e/ou de ferrovias ou no domínio de linhas de transmissão de alta tensão e quando há deficiências ou ausência de arruamentos e/ou da regularização fundiária.
Von-Paumgartten et al. (2021), ao comentarem sobre os riscos enfrentados nas cidades, apontam para o incremento da incidência de eventos naturais nas áreas urbanas, e para o fato de que a população mundial está vivendo em centros urbanos cada vez mais vulneráveis. Para estes, os riscos relacionados ao meio ambiente compõem a principal, porém os autores ressaltam que há riscos que são enfrentados pela população que são bi ou multidimensionais, ao perpassarem mais de uma categoria. Por exemplo, as enchentes, embora impulsionadas por causas naturais, podem ser influenciadas pela ação humana quando são feitas alterações na impermeabilização do solo, no sistema de drenagem e com a construção de habitações em áreas de inundação.
Prazeres (2018) apresenta e categoriza uma série de indicadores de acordo com critérios de vulnerabilidade - social, ambiental e de infraestrutura. No primeiro grupo se encaixam, por exemplo, o número de unidades habitacionais, o quantitativo de famílias por unidade habitacional, a situação fundiária, além de outros. Na segunda categoria há questões de fisiografia da área, declividade, desmatamento e, por fim, na terceira categoria estão a tipologia da unidade habitacional, a existência de instalações sanitárias desmembradas, a irregularidade do abastecimento de água, a instalação elétrica ilegal, o despejo irregular de esgoto, a iluminação pública precária, a falta de pavimentação, de drenagem pluvial e de coleta de lixo.
Além destes, outros autores como Alvarenga et al. (2018) e Silva Júnior (2020), além da própria Secretaria de Habitação do Ministério das Cidades do Brasil, apresentam metodologias, com suas respectivas variáveis e indicadores, que permitem conhecer, caracterizar, mapear e diagnosticar as condições de vida e habitação e, principalmente, o risco e a vulnerabilidade enfrentados por boa parte da população brasileira. A importância da aplicabilidade destes levantamentos está atrelada ao argumento de Maricato (2010), quando esta afirma que dar visibilidade a cidade real é uma das formas de se construir um ambiente mais adequado ao planejamento urbano.
Considerando, como destaca Alves (2006), que a questão da vulnerabilidade socioambiental envolve a coexistência, cumulatividade ou sobreposição espacial de situações de pobreza/privação social e de situações de exposição a risco e/ou degradação ambiental, verifica-se uma diversidade de indicadores que podem ser utilizados para esse tipo de análise.
Alvarenga et al. (2018) utilizam, dentre eles, o quantitativo de pessoas residindo em assentamentos subnormais e o quantitativo de assentamentos com esse perfil em determinada localidade (ambos observados neste estudo); Silva Júnior (2020), num olhar mais abrangente, engloba em suas análises o índice de vulnerabilidade social e o índice de vulnerabilidade ambiental. No primeiro índice há elementos das esferas: habitacional; de saneamento e urbanização; e demográfico enquanto no segundo há o uso e apropriação do relevo, a declividade, as características específicas do solo, a cobertura vegetal e a dinâmica climática e pluviométrica da região.
Em seu estudo, Silva Júnior (2020) observa, dentre outras fatores, o déficit habitacional, a inserção e distribuição de domicílios em áreas urbanas, as estruturas das habitações, a disposição das ferramentas e serviços de infraestrutura de urbanização, o abastecimento de água, o esgotamento sanitário, os resíduos sólidos, a energia elétrica e iluminação pública, a pavimentação e a infraestrutura, e elementos relativos aos moradores e moradias, ao gênero, a faixa etária, a etnia e a renda.
Tendo-se também como referência importante o Guia para o Mapeamento e Caracterização de Assentamentos Precários da Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades (2010), o qual contribui com a proposta de produção de conhecimento e formação de uma base de dados com o objetivo de sistematização da mesma em todo o território nacional, verifica-se 11 variáveis relevantes para a caracterização dos assentamentos precário, que são: a renda domiciliar da população residente, a situação fundiária, o domínio da área, a população, a infraestrutura urbana, o padrão urbanístico do viário interno e dos lotes, as áreas de risco, a densidade do assentamento, o material de construção, a localização em terrenos com restrições absolutas de ocupação, a localização em áreas de proteção ambiental e de zoneamento municipal.
No planejamento voltado para a construção e alcance de condições de vida saudáveis e socialmente justas, as diversas variáveis e indicadores mencionados se mostram relevantes e são necessários para o diagnóstico da realidade e para a adoção de políticas aderentes capazes de promover sua transformação, atendendo o propósito mais amplo do desenvolvimento sustentável e também ao que se refere ao ODS 11, comentado a seguir.
O objetivo de desenvolvimento sustentável (ODS) 11
O crescimento demográfico acelerado observado, principalmente, em países pobres ou em desenvolvimento, torna crucial um olhar dedicado a essas populações, pois segundo Motta et al. (2017), em decorrência dessa realidade, as circunstâncias se apresentam mais críticas e desafiadoras. Esse panorama também está relacionado ao grande desafio global para o desenvolvimento sustentável, que é a erradicação da pobreza, em todas as suas formas e dimensões.
Pode-se dizer que os ODS são um aprimoramento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), e destinam-se a incorporar uma visão de desenvolvimento universalmente compartilhada em direção a um espaço seguro, justo e sustentável para todos os seres humanos (Leal Filho et al., 2019). Álvarez (2016) destaca que a Agenda 2030, com seus ODS traz transformações no sentido de focalizar as necessidades das pessoas e Parnell (2016) sugere que uma das diferenças entre os antigos ODM e os atuais ODS está no fato dos últimos serem universalmente aplicáveis a todos os lugares, não apenas aos países “pobres”, com as dimensões econômica, social e ambiental do desenvolvimento sustentável sendo colocadas de forma explícita e mais integrada às questões de limites ecológicos e geopolítica, e considerando que o desenvolvimento global está explicitamente vinculado às finanças globais.
Para Balogh et al. (2017), o crescimento populacional no decorrer do século XXI cria uma série de pressões sobre o meio ambiente e os recursos, de uma forma geral, requerendo, para a efetiva implementação da Agenda 2030, um fortalecimento adicional das estruturas institucionais relevantes e o uso de novas tecnologias que favoreçam a realização de diagnósticos, as transformações e o monitoramento. Shulla et al. (2019) reforçam a importância dos mecanismos de acompanhamento que analisam o progresso nos níveis nacional e subnacional, e que devem ser inclusivos e devem fornecer uma plataforma para parcerias dos principais grupos e stakeholders. Os indicadores nacionais devem ser alinhados aos atuais indicadores locais ou regionais para facilitar a análise do progresso dos ODS (ONU, 2020).
Entretanto, Miola e Schiltz (2019) avaliam que a complexidade e a riqueza do debate atual sobre como medir o desempenho dos ODS nos países é técnica e política, o que dificulta o desembaraço entre uma diversidade de índices e indicadores para medir o desempenho dos ODS e, na mesma perspectiva, Yang et al. (2017), também sinalizam a dificuldade de seleção de uma estrutura de indicadores apropriada para medir o progresso em direção ao desenvolvimento sustentável, especialmente em nível local.
Klopp e Petretta (2017) lembram que, dentro dos antigos ODM, havia uma meta com uma dimensão especificamente urbana, relativa aos moradores de favelas. E dentro dos 17 ODS, o de número 11 é o que se direciona de forma mais explícita a questão urbana, propondo “tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis” (ONU, 2020). Ou seja, a Agenda 2030 intenta modificar a relação entre pessoas e suas cidades em uma escala global, considerando fatores relevantes como moradia, transporte, qualidade da água e do ar, patrimônio histórico, planejamento urbano e integração entre planos nacionais e regionais. Para Szopik Depczyńska et al. (2018), as áreas urbanas estão se desenvolvendo muito rapidamente em todo o mundo e, por esse motivo, a prioridade deve ser levar em consideração o conceito de desenvolvimento sustentável nas ações para cidades e regiões.
De acordo com Almeida (2019), a localização (localising) é o processo de considerar o contexto subnacional na consecução da Agenda 2030 e compreende dois processos principais: planejar e implementar os ODS e monitorar o progresso dos ODS, sendo o ODS 11 considerado um ponto de apoio para os governos locais. Desse modo, indicadores de cidades sustentáveis são ferramentas úteis para monitorar, avaliar o progresso da sustentabilidade e promover a participação social ativa.
ODS 11 e a realidade brasileira
No caso brasileiro, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), como órgão de assessoramento técnico à Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (CNODS) publicou, em 2018, o documento ODS - Metas Nacionais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, com o intuito de adequar as metas globais à realidade nacional, com aderência a problemas e prioridades brasileiros e com a possibilidade de dimensionar ou redimensionar as metas originais. Segundo o documento (IPEA, 2018), a adequação das metas seguiu os seguintes requisitos: a) aderência às metas globais, com o intuito de não reduzir o seu alcance e a sua magnitude; b) objetividade, por meio do dimensionamento quantitativo; c) respeito aos compromissos assumidos pelo governo brasileiro - nacionais e internacionais -; d) coerência com os planos nacionais aprovados pelo Congresso Nacional (Plano Plurianual e outros); e) observância às desigualdades regionais; e f) observância às desigualdades de gênero, raça, etnia, geração, condições econômicas, entre outras.
A adequação das ODS à realidade brasileira é um passo importante na viabilização de indicadores e políticas adequadas às condições regionais e locais. Como relembram Almeida et al. (2018), no Brasil, quatro grandes ações com vistas a promover a sustentabilidade nas cidades foram implementadas desde meados dos anos 90: a iniciativa Municípios e Comunidades Saudáveis, a Agenda 21 Local, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e os Planos Diretores. A estratégia empregada nessas ações direcionadas ao planejamento local envolveram uma visão intersetorial e participativa, com o objetivo de melhorar e transformar as condições sociais e ambientais. Segundo os autores, até 2014, essas iniciativas já haviam sido implementadas pelos Municípios Brasileiros de maneira a influenciar positivamente o desenvolvimento sustentável local, porém, no que se refere à questão habitacional, o sucesso das proposições do ODS 11 é um importante passo para a redução da desigualdade e ainda é uma fragilidade.
Metodologia
Este artigo apresenta como um estudo de caso, utilizando-se como fontes de dados estudos recentes encomendados e divulgados pelo Governo Federal, como o ODS - Metas Nacionais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (2018) e Cadernos ODS (ODS 11) - “O que mostra o retrato do Brasil (2019) e pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, como o Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (PDUI/RMRJ, 2018). Informações divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2013), em especial referentes ao Censo 2010 e relatórios divulgados por outras instituições também foram utilizados para obtenção de dados relativos à população residente em condições inadequadas e às características dessas localidades onde se concentram os aglomerados subnormais. O uso do Censo 2010 como fonte de dados populacionais se deve ao adiamento do Censo 2020 pelo governo federal brasileiro em decorrência da crise orçamentária.
O foco do estudo são as áreas definidas pelo IBGE como aglomerados subnormais, comunidades com situação fundiária irregular e com carência de infraestrutura existentes em um espaço territorial composto por seis municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Os municípios de Belford Roxo, Japeri, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu e Queimados, que fazem parte da sub-região denominada Baixada Fluminense somam, ao todo, quase dois milhões de habitantes, de acordo com dados do IBGE (2022) e sofrem com a falta de planejamento e de infraestrutura urbana adequada, especialmente em suas regiões periféricas, que abrigam as camadas mais pobres da população.
As análises desenvolvidas neste estudo se baseiam em elementos destacados na revisão de literatura, quais sejam: a) demanda por habitação atual e futura; quantitativo de aglomerados, domicílios em aglomerados, população residente em aglomerados - como em Alvarenga et al. (2018); b) características fisiográficas locais - como em Silva Júnior (2020) e Guia para o Mapeamento e Caracterização de Assentamentos Precários da Secretaria de Habitação do Ministério das Cidades (2010); c) população residente em faixas de domínio de rodovias, de ferrovias e de linhas de transmissão de energia de alta tensão - como o Guia para o Mapeamento e Caracterização de Assentamentos Precários da Secretaria de Habitação do Ministério das Cidades (2010).
Resultados e discussão
O déficit habitacional da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), divulgado no estudo Déficit Habitacional no Brasil (Fundação João Pinheiro, 2018), referente ao ano de 2015, é de 340.083 moradias, o que corresponde a cerca de 7,7% do estoque existente. Em relação à inadequação, dentre os critérios utilizados pelo estudo, a RMRJ apresenta indicadores relevantes em Inadequação Fundiária (313.840 domicílios, ou 7,2% do total), Carência de Infraestrutura (211.563 domicílios, ou 4,8% do total), e Adensamento Excessivo (152.469 domicílios, ou 3,5% do total). Nos critérios Domicílio Sem Banheiro e Cobertura Inadequada, a RMRJ apresentou índices abaixo dos 0,5%.
Dentro deste contexto, se encontram os municípios periféricos contemplados neste estudo. O município de Nova Iguaçu, em especial sua região central, é hoje uma importante centralidade metropolitana e sendo, ao lado de Duque de Caxias, um dos maiores centros de comércio, serviços e empregos da Baixada Fluminense. O recorte selecionado para esse estudo, conforme ilustrado na Figura 1, levou em consideração municípios que, por terem se emancipado de Nova Iguaçu em décadas recentes, ou mesmo por proximidade geográfica, guardam certa dependência com a centralidade metropolitana Nova Iguaçu.
Conforme pode ser visto na Tabela 01, o crescimento demográfico observado nas últimas décadas não ocorreu de maneira uniforme entre os municípios, com variações totais entre 6% (mínimo) e 27,6% (máximo) observados nos municípios de Nilópolis e Japeri, respectivamente.
Considerando os números do conjunto, os municípios cresceram em média 13,1% no período entre 2000 e 2021, com um acréscimo total de 225.108 habitantes. Esse crescimento sinaliza a necessidade de incremento na quantidade de moradias e na adequação de infraestrutura habitacional.
Municípios | 2000a | 2010 | 2021b | b/a |
Nova Iguaçu | 754.519 | 796.257 | 825.388 | 9,40% |
Belford Roxo | 434.474 | 469.332 | 515.239 | 18,60% |
Japeri | 83.278 | 95.492 | 106.296 | 27,50% |
Mesquita | 166.080 | 168.376 | 177.016 | 6,60% |
Queimados | 121.9931 | 137.962 | 152.311 | 24,90% |
Nilópolis | 153.712 | 157.425 | 162.893 | 6% |
Total | 1.716.050 | 1.826.854 | 1.941.164 | 13,10% |
Fonte: Elaborado pelos autores, com base em dados do Censo Demográfico IBGE (2022)
A meta 11.1 no âmbito regional e um breve panorama habitacional da RMRJ
O objetivo 11 (ODS 11) da Agenda 2030 trata de “tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”. Para isso, o texto (ONU, 2020) estabelece um total de dez metas universais a serem desenvolvidas pelos países mediante a devida adequação às realidades locais, dentre as quais pode-se destacar:
11.1. Até 2030, garantir o acesso de todos à habitação segura, adequada e a preço acessível, e aos serviços básicos e urbanizar as favelas;
No caso brasileiro, as metas indicadas sofreram alterações, visando adequá-las ao cenário local, de acordo com estudos realizados pelo governo federal e publicados no documento elaborado pelo IPEA (IPEA, 2018), tendo a seguinte redação no Brasil:
11.1 Até 2030, garantir o acesso de todos a moradia digna, adequada e a preço acessível; aos serviços básicos e urbanizar os assentamentos precários de acordo com as metas assumidas no Plano Nacional de Habitação, com especial atenção para grupos em situação de vulnerabilidade.
A necessidade de superação das desigualdades econômicas e sociais dos municípios brasileiros vai ao encontro dos objetivos e metas estabelecidos pela Agenda 2030. Porém, uma vez tratando-se de um país de grandes dimensões, federalizado, composto por cidades de portes diversos e condições específicas, o diagnóstico, planejamento e execução de políticas de habitação precisam ser realizados em escala local para pleno atendimento das populações atingidas.
No Rio de Janeiro e sua região metropolitana, a forma como ocorreu a ocupação do solo ao longo do século XX, privilegiando as regiões litorâneas em detrimento das regiões periféricas, gerou sérias distorções no acesso a moradias, muitas das quais resultantes do espraiamento da metrópole em direção a regiões cada vez mais afastadas do centro metropolitano. Uma das consequências desse processo foi a criação de comunidades irregulares em locais carentes de infraestrutura e que, muitas vezes, oferecem riscos a seus habitantes, demandando planejamento e políticas públicas. Esse tipo de ocupação está atrelado não apenas aos riscos sociais, mas especialmente à cumulatividade destes com os riscos ambientais decorrentes de características de relevo e de aspectos climáticos, que predispõem aos movimentos do solo como deslizamentos, que afetam significativamente os residentes de áreas de encosta, especialmente no verão, quando há chuvas torrenciais.
Nesse contexto, o Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (PDUI/RMRJ, 2018) é um importante instrumento para diagnóstico da situação atual e para o planejamento da região, trazendo indicadores que, embora não estejam específicos à sub-região objeto desse estudo, são importantes para sua contextualização. Os indicadores utilizados para análise da questão da habitação são a demanda, que diz respeito à quantidade de novas moradias necessárias, dentro de certo período de tempo, para compensar o crescimento demográfico e do número de famílias, o déficit, onde se incluem as moradias existentes, mas que precisam de substituição por enquadrar-se nas condições de: habitação precária, coabitação familiar, ônus excessivo de aluguel ou adensamento excessivo e, por fim, inadequação habitacional, onde se considera as unidades existentes, cujas condições de habitabilidade necessitam de melhorias devido à carência de infraestrutura, à ausência de banheiro e ao adensamento excessivo.
A demanda decorre diretamente da pressão demográfica, que é um fenômeno observado em todos os municípios da região estudada. Esse indicador não representa o passivo habitacional dos municípios, apenas a quantidade de novas unidades necessárias para manter o passivo estável. Os dados levantados pelo PDUI/RMRJ (2018), projetam uma desaceleração do crescimento demográfico na região metropolitana no período entre 2010 e 2040, chegando a uma possível inversão (decrescimento) durante a década de 2030. Entretanto, a desaceleração no crescimento do número de domicílios tende a ser menor, chegando ao final do período analisado com taxa positiva de 0,34% ao ano.
Esse descolamento entre o crescimento populacional e a demanda por domicílios tem como uma de suas consequências uma taxa menor de habitantes por domicílio (por volta de 3hab/dom em 2010 projetado para 2,28hab/dom em 2040). A capital, que possui mais da metade da população da RMRJ, tende a ser responsável apenas pela terça parte desse crescimento populacional, de modo que a tendência é de deslocamento do crescimento populacional para os municípios periféricos, que pela desigualdade característica da RMRJ, são os que apresentam piores condições de vida.
O déficit habitacional da RMRJ divulgado no estudo Déficit Habitacional no Brasil (Fundação João Pinheiro, 2018), referente ao ano de 2015, é de 340.083 moradias, o que corresponde a cerca de 7,7% do estoque existente. Em relação à inadequação, dentre os critérios utilizados pelo estudo, a RMRJ apresenta indicadores relevantes em Inadequação Fundiária (313.840 domicílios, ou 7,2% do total), Carência de Infraestrutura (211.563 domicílios, ou 4,8% do total), e Adensamento Excessivo (152.469 domicílios, ou 3,5% do total). Nos critérios Domicílio Sem Banheiro e Cobertura Inadequada, a RMRJ apresentou índices abaixo dos 0,5%.
O problema da habitação em municípios da Baixada Fluminense e os aglomerados subnormais
O aumento no número de habitantes observado na região tem como consequência a necessidade de novas residências. No caso dos municípios selecionados, localizados em regiões periféricas e que não contaram com políticas urbanas e sociais suficientes ao longo das últimas décadas, a manutenção de taxas altas de crescimento, como as observadas em Belford Roxo, Japeri e Queimados tendem a ampliar o problema.
O aumento projetado de novos domicílios para os municípios analisados no período 2010-2040, como a Tabela 02 apresenta, indica a necessidade de políticas habitacionais adequadas para evitar o aumento do passivo habitacional. O desafio está no atendimento da demanda futura em paralelo ao atendimento das populações que já vivem em condições inadequadas, de modo a atender a meta proposta pela ONU.
A Tabela 02 mostra o aumento total de domicílios por município e o aumento projetado nas principais centralidades municipais, que coincidem com suas regiões centrais. Em Mesquita e Nilópolis, municípios de extensão territorial diminuta e densamente povoados, a tendência majoritária é de adensamento na região central, mais bem servidas de serviços e acessibilidade. Porém, em Nova Iguaçu e Belford Roxo, apenas um terço das novas moradias tendem a ser estabelecidas nas regiões centrais, o que demanda planejamento e políticas públicas nas periferias, que hoje sofrem de carências estruturais e onde se encontram as principais deficiências em termos de habitação. O mesmo se aplica a Queimados e Japeri, antigos bairros periféricos de Nova Iguaçu e que guardam problemas semelhantes.
Segundo o relatório Cadernos ODS (ODS 11) - “O que mostra o retrato do Brasil?” divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2019, o estado do Rio de Janeiro possui cerca de 41,1% da população vivendo em domicílios considerados inadequados. O indicador nacional (Indicador 11.1.1) leva em consideração seis das nove dimensões propostas pela ONU para avaliação de inadequação de moradia, a saber: abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta de lixo, densidade de moradores por cômodos servindo como dormitório, ônus excessivo de aluguel no orçamento familiar e condição de domicílio subnormal.
Municipio | Aumento Projetado da Centralidade (a) | Aumento Projetado do Município (b) | % (alb) |
---|---|---|---|
Nova Iguaçu | 27.169 | 84.796 | 32% |
Belford Roxo | 14.275 | 43.907 | 33% |
Queimados | N/l | 13.913 | |
Nilópolis | 14.460 | 22.002 | 66% |
Mesquita | 20.367 | 20.367 | 100% |
Japeri | Nil | 9.093 | |
Total | 194.078 |
Fonte: PDUI/RMRJ (2018)
Uma vez que o indicador é calculado apenas para estados, além do índice nacional, não existem números relacionados aos municípios. Porém, indicadores relativos a algumas das dimensões consideradas podem ajudar a montar um cenário local. Um indicador interessante diz respeito aos aglomerados subnormais. Segundo o IBGE, aglomerado subnormal é uma forma de ocupação irregular de terrenos de propriedade alheia - públicos ou privados - para fins de habitação em áreas urbanas e, em geral, caracterizados por um padrão urbanístico irregular, carência de serviços públicos essenciais e localização em áreas restritas à ocupação, o que se aproxima da ideia das nucleações conhecidas como favelas.
Ainda que nem todo domicílio subnormal faça parte de um aglomerado subnormal, o que impacta nos números levantados pelo IBGE na publicação Áreas de Divulgação da Amostra para Aglomerados Subnormais, a mesma continua sendo a principal fonte para esse tipo de informação, ao menos até a divulgação dos dados relativos ao Censo 2022.
De uma forma geral, os números demonstram uma quantidade relativamente baixa de aglomerados subnormais na maioria dos municípios analisados, como aponta a Tabela 03. Parte do fenômeno pode ser explicado pelo fato de que boa parte dos municípios analisados são formados por loteamentos formais, mesmos em seus bairros periféricos e carentes, diferente do que ocorre em muitas áreas carentes da capital ou de outros municípios da RMRJ. Com isso, muitas dessas localidades não se encaixam nos critérios utilizados pelo IBGE. Ainda assim, podemos verificar informações relevantes.
Cruzando as informações das Tabelas 01 e 03, temos que os municípios com maior crescimento demográfico - Belford Roxo, Queimados e Japeri - são também os que apresentam as maiores proporções de domicílios em aglomerados subnormais em relação ao total de domicílios.
Municípios | Número de domicilias em aglomerados subnormais (2010) (a) | Total Domicilios (2010) (b) | alb(%) | Total de Aglomerados (2010) | Populaçao residente em ag lomerados |
---|---|---|---|---|---|
Belford Roxo | 10.398 | 145.743 | 7,10% | 49 | 35.480 |
Japeri | 671 | 28.424 | 2,40% | 5 | 2.377 |
Mesquita | 320 | 53.117 | 0,60% | 2 | 1.061 |
Nilópolis | 983 | 50.535 | 1,90% | 5 | 3.557 |
Nova Iguaçu | 2.853 | 248.321 | 1,10% | 18 | 9.541 |
Queimados | 1 624 | 42.241 | 3,80% | 8 | 5.428 |
Total | 16.849 | 568.381 | 2,96% | 87 | 57.444 |
Fonte: Atlas do Censo 2010 (IBGE, 2013)
O caso de Belford Roxo é o mais impactante. O município apresentava, em 2010, cerca de 7,13% de seus domicílios em aglomerados subnormais, totalizando um número de aglomerados (49), de domicílios (10.398) e de população residente nessas localidades (35.480) razoavelmente maior que a soma de todos os demais municípios. Considerando que, em números absolutos, o município teve o maior crescimento demográfico entre 2010 e 2021, com 45.907 habitantes, não acompanhado de políticas habitacionais de grande escala, estima-se que essas estatísticas tenham piorado na última década.
De modo semelhante, Japeri e Queimados vem apresentando crescimento demográfico relevante nas últimas décadas, em torno dos 27% e 25% no período entre 2000 e 2021. Embora sejam os dois menores municípios dentro do universo estudado, a manutenção da taxa de crescimento observada pode torná-los municípios mais populosos, superando Mesquita e Nilópolis nas décadas vindouras. Além disso, também são os municípios com as maiores proporções de domicílios em aglomerados subnormais (depois de Belford Roxo) e que, dadas suas taxas elevadas de crescimento demográfico e sua localização geográfica relativa mais afastada do centro metropolitano e da principal centralidade da região, tendem a apresentar menor valor de mercado para os terrenos existentes e maior tendência de posse irregular dos mesmos, indicando a possibilidade de piora nas estatísticas nos últimos anos.
Nilópolis e Mesquita apresentam taxas menores de crescimento, ainda que se localizem mais próximos da capital e da região central de Nova Iguaçu. Parte do fenômeno pode ser explicado pelo fato de que há poucos terrenos disponíveis na mancha urbana dos dois municípios, já bastante consolidados. Mesmo estando em situação mais confortável que os demais municípios, o aumento projetado no número de domicílios visualizado na Tabela 02 para os dois municípios demostra que é necessário planejamento para que não haja ampliação das comunidades com grande inadequação domiciliar já existentes.
Em Nova Iguaçu, maior município e centralidade da região, o crescimento demográfico esteve mais próximo às taxas observadas em Mesquita e Nilópolis que nos demais municípios observados, ainda que esteja em situação mais favorável em termos de extensão territorial e áreas disponíveis para ocupação. Mesmo em números absolutos, o incremento populacional no município (70.869 habitantes) foi menor que o observado em Belford Roxo (80.765 habitantes) no período analisado, mas o quantitativo de aglomerados subnormais é o segundo maior (mesmo que em termos relativos compreenda apenas 1,15% do total de domicílios).
Verifica-se também, conforme a Tabela 02, que Nova Iguaçu corresponde, com folga, ao maior aumento projetado no número de moradias necessárias. Parte dessa demanda está sendo atendida pelo mercado formal, com o lançamento de diversos empreendimentos imobiliários ao longo dos últimos anos, fenômeno que ocorre também nos demais municípios, porém, em menor escala. Mas é importante notar que apenas um terço dos novos domicílios previstos ficam na região central, com infraestrutura, serviços e empregos. Desse modo, é indispensável não apenas um melhor planejamento da região central, como um olhar atento às regiões periféricas, pois segundo a estimativa realizada do PDUI/RMRJ, em 2040 as regiões periféricas de Nova Iguaçu terão 57.627 moradias a mais que em 2010.
O recorte estabelecido pelo IBGE, ainda que não abarque a totalidade do problema da habitação, traz informações valiosas sobre o perfil de comunidades que estão entre as mais carentes da RMRJ e permite traçar políticas adequadas para a solução de seus problemas. Sendo assim, a tabela 04traz dados sobre as características predominantes dos aglomerados existentes por número de domicílios. A grande maioria dos aglomerados encontram-se em terrenos inclinados como colinas e encostas, somando 57% do total de domicílios. Outra parcela relevante é a de aglomerados existentes em terrenos planos, que totalizam aproximadamente 30% dos domicílios.
Dentre os municípios analisados, Belford Roxo destaca-se não apenas pelo número absoluto de aglomerados, como pelo fato de a grande maioria localizarem-se em terrenos inclinados, e um total de 1902 moradias estarem em encostas, suscetíveis aos riscos de deslizamentos e a uma baixa qualidade de vida devido às condições precárias de habitação encontradas nesse tipo de assentamento e às condições climáticas na região, que enfrentam fortes chuvas no período do verão. Nos demais municípios há uma variação maior entre as características das localidades, com tendência maior para aglomerados em terrenos planos.
Municípios | Margem de corregos, nos ou lagos/lagoas | Faixa de domínio de rodovias | Faixa de domínio de ferrovia | Faixa de domínio de linhas de transmissão de alta tensão | Encosta | Colina Suave | Plano | Outras |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Belford Roxo | 1 902 | 5643 | 2276 | 577 | ||||
Japeri | 82 | 157 | 203 | 229 | ||||
Mesquita | 267 | 53 | ||||||
Nilópolis | 108 | 342 | 533 | |||||
Nova Iguaçu | 573 | 66 | 131 | 424 | 195 | 1 273 | 191 | |
Queimados | 466 | 427 | 731 | |||||
Total | 1 030 | 66 | 131 | 157 | 2792 | 6810 | 5095 | 768 |
Percentual | 6,10% | 0,40% | 0,80% | 0,90% | 16,60% | 40,40% | 30,20% | 4,60% |
Fonte: Atlas do Censo 2010 (IBGE, 2013)
O segundo município com maior número de aglomerados subnormais, Nova Iguaçu, destaca-se por ser o município com maior número de aglomerados em margens de córregos, rios ou lagos/lagoas. Ainda segundo levantamento feito pelo IBGE, é o único município com aglomerados estabelecidos nas faixas de domínio de rodovias e ferrovias. A entrada em operação do Arco Metropolitano do Rio de Janeiro (em 2014), que corta as periferias dos municípios de Nova Iguaçu e Japeri (dentre os municípios analisados) e o início da ocupação irregular de suas margens tendem a causar um aumento desses números em levantamentos futuros.
De uma forma geral, vê-se que um dos principais riscos enfrentados pelos residentes dos aglomerados subnormais dos municípios analisados são aqueles relativos à declividade do relevo, em que, somando-se as encostas e a colina suave, alcança-se 60% dos aspectos analisados, com riscos de deslizamentos e seus reflexos. Vale ressaltar que, mesmo 30,2% dos aglomerados estando em relevo plano, os mesmos estão altamente propensos às inundações por condições de drenagem inadequadas ou pela presença de lixo nas ruas ou entorno. Apenas Belford Roxo e Queimados não possuem aglomerados subnormais nas margens de córregos, rios ou lagos/lagoas, de acordo com dados oficiais, enquanto os outros municípios, especialmente Nova Iguaçu, se deparam com essa vulnerabilidade. Nova Iguaçu também se destaca por construções no entorno de ferrovias e rodovias, aumentando os riscos de acidentes para sua população urbana.
Dentre as informações levantadas pelo Censo, destaca-se o fato de que, apesar das condições gerais precárias das moradias, os aglomerados dos municípios organizados contam com índices razoáveis de arruamento regular, com cerca de 81,6% dos aglomerados com arruamento em mais de 60% do setor, sendo 67,8% com arruamento em 95% ou mais do setor. Ao consideramos o número de moradias, 86,2% tem acesso a arruamento em mais de 60% do setor, sendo 74,7% em mais de 95% do aglomerado.
É importante frisar que muitos bairros periféricos dos municípios analisados, mesmo que não caracterizados como aglomerados subnormais, uma vez que são loteamentos formais e bem definidos, possuem deficiências semelhantes e carências em infraestruturas básicas, como fornecimento de água, saneamento básico, asfalto, transporte, entre outros. Desse modo, o atendimento das necessidades dessas comunidades, muitas das quais pouco densas, além de trazer benefícios a população já residente, se mostra como uma oportunidade de planejamento e consolidação de novos bairros e centralidades municipais.
No escopo do PDUI/RMRJ, os Programas de Ações Prioritárias são conjuntos de políticas que visam o direcionamento do planejamento urbano e econômico da RMRJ. De acordo com o documento, a aprovação da Nova Agenda Urbana, na Conferência HABITAT III e os ODS serviram como orientação para a formulação das políticas, ainda que o horizonte das propostas seja 2040.
O Programa Habitar a Metrópole (PHM) é mais direcionado à questão da habitação, ainda que muitos dos demais programas tenham efeitos diretos ou indiretos nessa área, defendendo a progressiva urbanização e regularização fundiária de aglomerados subnormais, loteamentos irregulares, conjuntos habitacionais degradados e outros assentamentos precários. Em complemento, o programa indica a necessidade de produção de moradia de mercado para baixa renda, moradias para reassentamento de famílias moradoras em áreas de risco, moradias para aluguel social, entre outras medidas.
A execução das propostas do Governo do Estado do Rio de Janeiro encontra desafios de ordem econômica e política, uma vez que a situação fiscal do Estado e de muitos municípios está em patamar crítico, especialmente considerando-se o contexto da pandemia da COVID-19. Ainda assim, é interessante que haja um diagnóstico atualizado da situação, com proposições concretas de melhoria. Os municípios selecionados possuem problemas e deficiências semelhantes, mas em escalas e com especificidades diferentes, o que demanda coordenação entre os entes na efetivação de políticas específicas.
Conclusão
A questão da habitação representa um grande desafio para um país como o Brasil. Ainda que o governo tenha ajustado as metas do ODS 11 às características do país, ao observarmos de forma mais próxima, as especificidades de cada cidade ou região, temos melhor noção do desafio hercúleo que se apresenta.
O recorte escolhido, com seis municípios vizinhos da RMRJ, e com foco nas situações de moradia das mais precárias, em aglomerados subnormais, demonstra que esse desafio comum se apresenta com variação de escala e características. Dado o contexto, o planejamento local com horizonte para 2040 não é menos desafiador que as metas globais estabelecidas para 2030.
No universo estudado, especial atenção deve ser dedicada a Belford Roxo, que em 2010 já apresentava índices alarmantes de comunidades e domicílios em contexto de aglomerados subnormais, com tendência de piora dos índices respaldada pelo crescimento demográfico na última década, bem como pela demanda projetada por moradias. Também inspiram maior atenção os municípios de Japeri e Queimados, que embora sejam atualmente os dois menores entre os municípios estudados, apresentam as maiores taxas de crescimento nas últimas duas décadas.
Nova Iguaçu, Mesquita e Nilópolis possuem, em termos relativos, as menores parcelas de suas populações vivendo em aglomerados subnormais sendo, em tese, os municípios com melhores condições de cumprir a meta 11.1 do ODS11 até 2030. Ainda assim, a alta demanda prevista de novos domicílios nos próximos anos exige planejamento.
Como sugestão de estudos futuros, é interessante um olhar para os números a serem divulgados após a realização do Censo 2022, para confirmação ou não das tendências e para a confecção de um panorama atualizado para a próxima década