1. Introdução
No início do ano letivo de 2020 o professorado de escolas públicas e municipais situadas na região metropolitana de Porto Alegre tiveram suas atividades suspensas devido à pandemia causada pelo vírus da Covid-19 que assolou o mundo todo. Considerando o ineditismo da situação foram adotadas medidas emergenciais, temporárias e necessárias para a prevenção do contágio pelo novo Coronavírus. Devido à necessidade de distanciamento social para evitar o contágio da doença foram definidos em decretos municipais e estaduais o fechamento das escolas e a proposição de ensino remoto[1] para não haver desconexão de estudantes com o objeto de conhecimento e o ambiente escolar. Até o presente momento da submissão deste artigo (fevereiro de 2021) e considerando o atual panorama, as expectativas quanto à reabertura das escolas no modo presencial ainda não são definitivas. O objeto deste artigo é fazer algumas reflexões sobre como irão se dar as relações no ambiente escolar, nas escolas públicas de ensino fundamental, no município de Canoas no estado do Rio Grande do Sul, no Brasil no período pós-pandemia. Compreendemos que durante este período se deram diferenciadas modificações no relacionamento fora escola que impactarão o retorno às atividades escolares e que precisam ser discutidas de modo a contribuir para uma reflexão mais ampla e holística com à comunidade escolar.
Partimos do pressuposto de que paradigmas foram postos em cheque na dinâmica das relações interpessoais pelo fato de quebrarmos literalmente os muros da escola fazendo com que geograficamente os territórios se misturassem ao ponto de entrarmos numa crise de identidade (tarefas/fazeres). Ou seja, a casa vira escola e a escola está na casa; os pais e as mães tornam-se professores/as (ou co-mediadores) de seus filhos e suas filhas e o professorado entra em crise profissional devido ao impacto das TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) no seu escopo pessoal e profissional, tendo que adaptar-se em full time com novos aplicativos e aulas remotas (Zurawski, Boer e Scheid, 2020). Percebemos que as rotinas nos foram roubadas da noite para o dia com uma enxurrada de informações que se modificam a cada momento, fazendo com que sentimentos de impotência e medo se instalassem. Neste cenário pandêmico e inédito, e porque não dizer frenético, no qual tivemos tão pouca ação decisória, intencional e autônoma, sem que pudéssemos refletir sobre nossos sentimentos ou interagir uns com os outros para resolver as demandas relacionadas ao novo e inédito contexto. Desta forma, criou-se um clima propenso à insegurança com as situações relacionadas à aprendizagem, socialização escolar e profissionalismo dos educadores.
Neste panorama, o ambiente escolar consiste em um território de múltiplas facetas e identidades com as quais iremos interagir num provável retorno presencial às aulas. Para tal, no próximo tópico vamos começar com as considerações introdutórias, em seguida o detalhamento dos procedimentos metodológicos utilizados. Na sequência refletimos sobre os tempos de pandemia, o fechamento das escolas, a introdução do ensino remoto e a continuidade da aprendizagem de estudantes. No item seguinte abordamos os novos e inexplorados territórios (escola versus casa), as novas rotinas, o papel da família e docentes neste novo contexto, a crise profissional na educação e o acesso às TIC. Para finalizar, fizemos uma análise da pesquisa realizada com o professorado de quatro escolas de Ensino Fundamental na cidade de Canoas, município da região metropolitana de Porto Alegre e fechamos com as considerações finais. Compreendemos que, como sujeitos sociais que somos, necessitamos interagir e retornar a uma normalidade que ainda não sabemos qual será. As incertezas advindas da pandemia pedem capacidade de recriação, reinvenção e novos horizontes que contemplem o acolhimento e a empatia. Há que se pensar sobre o recomeço, o restabelecimento de novas formas de convívio que promovam a vontade de recomeçar uma nova fase de vida pós-pandemia.
A escola jamais será a mesma do período antes da pandemia. Da mesma forma, o professorado e famílias também mudaram. O mundo mudou e com ele mudamos hábitos, comportamentos, valores e criamos novas formas de existir (Santana e Borges Sales, 2020). A escola, como organismo vivo, também se reinventa para continuar sua existência na interação com crianças e jovens que, a partir de agora, viverão cenários de incertezas e vulnerabilidades com maior frequência e intensidade.
2. Referente teórico
Neste momento do artigo, optamos por abordar dois subtópicos no referencial teórico, sendo o primeiro sobre as incertezas dos tempos de pandemia vivenciadas enquanto escrevemos o texto. No segundo momento, abordamos o uso das novas tecnologias digitais no contexto da pandemia.
2.1 Tempos de pandemia, Tempos incertos
O advento da pandemia no mundo mostrou o quanto nós seres humanos somos frágeis diante das mudanças e incertezas. Neste panorama de alterações tão drásticas e frenéticas ao nosso redor e, no intuito de minimizar o contágio da doença, vimos as escolas fecharem os seus portões e as crianças irem para suas casas sem previsão de retorno às aulas presenciais. Tal fato nos desestruturou, houve a necessidade de lidar com a imprevisibilidade dos acontecimentos. As palavras de Moran (2013, p. 16) nos fazem refletir quando diz que “Aprendemos pouco quando nos acomodamos na rotina, na segurança da previsibilidade, e não nos esforçamos para evoluir mais”. Talvez tenha sido este o caminho, o mais cômodo, que tenhamos seguido antes da pandemia, aquele que nos trazia mundos previsíveis, organizados e padronizados, mas que não nos prepararam para os tempos incertos.
Na visão de Perrenoud (2001) decidir num contexto de certeza e controle de resultados difere de decidirmos num contexto onde estes mesmos controles não são mais possíveis, sendo tudo inesperado, pouco previsível e indeterminado, ou seja, as incertezas fazem parte da complexidade do mundo contemporâneo. Quando fecharam as escolas para controlar o fluxo de pessoas e circulação do vírus, as mudanças geradas neste ambiente tomaram proporções inusitadas, não planejadas antecipadamente e indeterminadas do ponto de vista das ações seguintes. Segundo Oliveira, Silva e Silva (2020, p.27) “[...] a educação se vê na urgência de reinventar-se para acompanhar essas transformações, e, ao mesmo tempo, precisa pensar numa nova concepção da ação pedagógica, de sala de aula.” Neste contexto de imprevisibilidade e mudanças frenéticas vemos ruir diante dos nossos olhos os muros da escola, as paredes das salas de aula e, com isso, novos territórios nos são desnudados de forma inesperada. Neste tempo de pandemia no qual precisamos educar na incerteza e urgência, Oliveira et al. (2020) relatam que:
A sala de aula, por ora fechada, já não pode ser entendida apenas como espaço físico, com alunos e carteiras enfileiradas ou em círculo. Na prática, esse cenário tem inquietado professores, familiares e gestores, que tentam dar continuidade ao processo educacional, mediados pelas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), em especial, as digitais. Entra em cena, o ensino remoto emergencial, que exige que gestores, coordenadores e professores se posicionem e ajam na intenção de adaptar conteúdos curriculares, dinâmicas de sala, até avaliações, visando dar continuidade às aulas, mediados por tecnologias digitais. (Oliveira et al., 2020, pp. 27-28)
Neste cenário imposto pelo vírus que não vemos, mas que afeta profissionais da educação e comunidade escolar vislumbramos novos paradigmas. A área da educação é diretamente impactada, necessitando lançar mão de estratégias alternativas para dar continuidade ao ensino e manter a conexão com o alunado e suas famílias. Na compreensão de Santana e Borges Sales (2020, p.82) “[...] o ensino remoto é uma alternativa emergencial e pontual adotada [...] por instituições de ensino para tentar que o vínculo pedagógico não seja rompido totalmente.” Com isso não podemos pensar que os problemas a serem enfrentados serão fáceis, simples ou não refletirão nas relações do ambiente escolar na pós-pandemia. Refletimos com Santana e Borges Sales (2020) sobre o surgimento do ensino remoto como alternativa de minimizar os impactos na educação pois,
[...] o que caracteriza o remoto é a impossibilidade de professores e estudantes frequentarem as escolas em razão da tentativa de contenção da propagação do novo coronavírus. Já o emergencial, situa a temporalidade desta alternativa, uma vez que os planejamentos pedagógicos de todas as instituições de ensino foram interrompidos abruptamente, com riscos de não mais serem aproveitados no ano de 2020 e novas alternativas precisaram ser adotadas na mesma velocidade (Santana e Borges Sales, 2020, p. 82)
Ponderamos que as escolas não estavam preparadas, ainda, para as tendências tecnológicas do século XXI e concordamos com Moran (2013, p.16) que “A educação é eficaz quando nos ajuda a enfrentar as crises, as etapas de incerteza, de decepção, de fracasso em qualquer área e a encontrar forças para avançar e achar novos caminhos e realizações”. Vejamos no próximo tópico uma discussão sobre as novas rotinas e a introdução das tecnologias digitais diante dos novos desafios impostos por esta cultura movente.
2.2 Novas Tecnologias digitais
O ser humano, durante muito tempo e ao longo da história foi nômade, vivia numa sociedade movente e muitas vezes sem territórios definidos, travando diversas crises e incertezas. Ao decorrer da história da humanidade fomos nos territorializando, nos colonizando e os enfrentamentos foram sob certo ponto de vista se tornando cada vez mais previsíveis e controláveis. As sociedades se adaptaram a novos modos de viver quando isso foi necessário ao bem comum. Autores como Oliveira et al. (2020, p. 31) dirão que nós vivemos numa “era de mudanças frenéticas”. Nesse aspecto, Führ (2019, p. 51) enfatiza que “[...] num cenário marcado de muitas incertezas para a humanidade, provocadas pela rápida mudança tecnológica e seus efeitos no nível dos sistemas e o impacto sobre as pessoas [...] gerará muitas inseguranças.” E é neste sentido que os autores Zurawski et al. (2020) contribuem com a afirmação:
A escola não é a mesma de alguns meses atrás: mudou a funcionalidade e a modalidade escolar. Observa-se que algumas ferramentas e metodologias se tornaram insuficientes para suprir o atual cenário educacional, em que muitas redes de ensino suspenderam as aulas presenciais e passaram ao uso de meios digitais de aprendizagem (Zurawski et al., 2020, p. 84)
Com isso, podemos pensar o quanto os territórios (escola versus casa) se modificaram durante este tempo de pandemia e os impactos que causaram nas rotinas familiares. Segundo Zurawski et al. (2020, p.89) “[...] não há dúvida de que a formação humana de crianças e jovens está relacionada ao cotidiano da escola, à sala de aula e ao fazer pedagógico docente. Nesse processo, antes de tudo, o que importa é a vida das pessoas.” Foi com este propósito que muitas famílias tiveram acesso às salas de aula Google for Education por meio das suas escolas e receberam orientações para a realização de atividades remotas. Neste contexto, Santana e Borges Sales (2020, p.85) reiteram que:
A escola precisa apresentar o diferencial nesses processos de ensino que são remotos e emergenciais. Esse diferencial, certamente, é a prática docente que deveria acumular conhecimento específico e didático para apresentar ao estudante em isolamento o que ele efetivamente precisa num cenário de incertezas que uma pandemia carrega. (Santana e Borges Sales, 2020, p. 85)
Conforme foi se estendendo o período de isolamento, muitas famílias começaram a entrar em situações de stress por não dominarem os artefatos tecnológicos oferecidos, ou por estarem sendo conduzidas a orientar as crianças nos estudos domiciliares. Para Santana e Borges Sales (2020, p. 77) “[...] a educação tem sido convocada a reconhecer novas representações dos contextos de ensino-aprendizagem na atualidade e, mesmo que ainda de maneira tímida, instituindo novos processos educativos.” Nesse sentido, Nóvoa (2019, p. 4) argumenta que “É impossível ignorar o impacto da revolução digital, bem como a necessidade de diferenciar os percursos dos alunos, mas isso não implica que a escola abdique de ser um lugar de construção do comum”. Esse autor se refere à construção do comum no sentido de haver o sentimento de pertencimento, de comunidade entre as pessoas. No entanto, percebemos que há uma cobrança forte das famílias em relação ao ensino e aprendizagem das crianças e, ao mesmo tempo, dificuldades com a continuidade de uma rotina de estudos em casa. O que as famílias precisam compreender daqui para a frente é que a aprendizagem segue novos rumos e conceitos e aqui mencionamos as aprendizagens ativas e o ensino híbrido. Na visão de Moran (2018, p. 4) o ensino híbrido “destaca a flexibilidade, a mistura e compartilhamento de espaços, tempos, atividades, materiais, técnicas e tecnologias [...]”. Dito isso, citamos novamente Moran (2018, p.4):
As metodologias ativas dão ênfase ao papel protagonista do aluno, ao seu envolvimento direto, participativo e reflexivo em todas as etapas do processo, experimentando, desenhando, criando, com orientação do professor; a aprendizagem híbrida destaca a flexibilidade, a mistura e compartilhamento de espaços, tempos, atividades, materiais, técnicas e tecnologias que compõe esse processo ativo. (Moran, 2018, p. 4)
Por outro lado, o professorado, diante de uma crise sanitária e humanitária se ve no enfrentamento de uma educação complexa, global e holística, tendo que migrar para uma nova modalidade de ensino que ainda lhe é desconhecida. Segundo a opinião de Bacich (2018, p. 130) "Tornar o professor proficiente no uso das tecnologias digitais de forma integrada ao currículo é importante para uma modificação de abordagem que se traduza em melhores resultados na aprendizagem dos alunos.” De fato, o distanciamento social criou outros hábitos e comportamentos, tanto para as famílias quanto para as instituições, obrigando a todos/as a reverem processos, estruturas e metodologias.
3. Metodologia
Esta pesquisa tem foco qualitativo com estudo de casos múltiplos, cujas unidades de análise são quatro escolas municipais de Ensino Fundamental, localizadas em Canoas, no estado do Rio Grande do Sul, estado brasileiro, com o tema das relações no ambiente escolar no período pós-pandemia. A coleta de dados foi realizada no período de dezembro (2020) com envio de questionário online por WhatsApp para o professorado das referidas escolas. O questionário foi aplicado de forma anônima para que as pessoas da pesquisa se sentissem mais à vontade para responder. Para a análise de dados foi utilizada a técnica de Análise de Conteúdo de Laurence Bardin (2011). Trata-se de uma metodologia inferencial, que permite categorizar os resultados obtidos. Como a amostra é pequena, a análise foi realizada utilizando-se nuvens de palavras (Office Word Clouds), sem a necessidade de nenhum software específico.
3.1 Enfoque
A pesquisa qualitativa foi o enfoque escolhido por deixar em aberto as possibilidades de resposta, o que proporciona riqueza de informações, bem como imprevisibilidade. Por isso, pode instigar novas pesquisas para compreendê-las conforme afirma Triviños (1987, p.131) sobre a abordagem qualitativa: “As informações que se recolhem, geralmente, são interpretadas e isto pode originar a exigência de nova busca de dados”. Considerando este estudo com quatro instituições diferentes, a pesquisa qualitativa se mostra apropriada, devido à possibilidade de apresentar diferentes perspectivas referentes ao ambiente escolar no período pós-pandemia.
Dessa forma, esse estudo trata de casos múltiplos, pois segundo Yin (2015, p. 19) “o estudo de caso inclui tanto os estudos de caso único, quanto de casos múltiplos”. Para o autor, o estudo de caso trata de uma unidade de análise e o estudo de casos múltiplos se difere por analisar mais de uma unidade de análise referente à pesquisa.
De acordo com Branski, Franco e Lima (2010) para que uma pesquisa seja caracterizada como um estudo de caso, deverá seguir pelo menos as seguintes etapas: “delineamento da pesquisa; desenho da pesquisa; preparação e coleta de dados; análise dos casos de forma individual e comparativa e, finalmente; elaboração dos relatórios”. A partir desse protocolo, em um primeiro momento foi definida a problemática da pesquisa, os objetivos e a escolha dos instrumentos mais adequados para a coleta dos dados. Durante a análise, apoiados também em Bardin (2011), os dados foram analisados, comparados e então partiu-se para a escrita do presente artigo.
3.2 Unidades de Análise
As unidades de análise deste estudo são quatro escolas municipais de Ensino Fundamental, localizadas em Canoas, no estado do Rio Grande do Sul no Brasil. A escolha dessas instituições ocorreu devido ao fato de elas estarem em bairros diferentes, o que proporciona heterogeneidade e riqueza de percepções diferentes do professorado. Além disso, uma das autoras do presente artigo possui acesso à gestão das escolas, o que facilitou a coleta de dados. Sendo assim, foi realizado contato com o total de 80 docentes que foram informados sobre o anonimato e confidencialidade quanto à participação na pesquisa.
3.3 Técnicas de coleta
O instrumento utilizado para coleta de dados foi um questionário enviado ao professorado das quatro escolas municipais de ensino fundamental. O questionário foi aplicado de forma online, com o uso do Google Formulários, que preserva o anonimato das pessoas que responderam. Conforme Gil (2010, pp. 103-104), o questionário consiste em “traduzir os objetivos específicos da pesquisa em itens bem redigidos”.
Destacamos que as perguntas do questionário foram formuladas entre novembro e dezembro de 2020, quando as aulas estavam encerrando de forma remota e voltava o cenário de incerteza quanto ao retorno das aulas. Ao todo foram elaboradas 10 questões, sendo 3 descritivas e 7 objetivas. Para Yin (2001, p. 26) “Definir as questões da pesquisa é provavelmente o passo mais importante a ser considerado em um estudo de pesquisa.”. No dia 14 de dezembro de 2020 o questionário foi enviado via Whatsapp de forma simultânea para as quatro escolas municipais de ensino fundamental. Não foi necessário reforço, visto que houve aderência de 56 participantes quanto à devolutiva do questionário enviado para 80 docentes.
3.4 Processamento de Análise
Como técnica para a análise de dados foi utilizada a Análise de Conteúdo de Laurence Bardin (2011). Salientamos que a análise de conteúdo possui dois objetivos principais: ultrapassar as inconsistências para conseguir uma visão geral da temática e enriquecer a leitura com maior foco à investigação da pesquisa (Bardin, 2011).
Com esses objetivos em mente, desenvolvemos a análise de conteúdo conforme Bardin (2011) em etapas:1) pré-análise: organização da pesquisa, definição do objetivo, leitura flutuante, e escolha dos materiais que atendessem a representatividade, homogeneidade e pertinência; 2) exploração do material: leitura detalhada dos recursos selecionados e sua organização e 3) tratamento dos resultados obtidos e interpretação, mostrando as compreensões dos autores a partir dos dados da pesquisa, incluindo suas inferências. Este último momento correspondente à fase três possibilita a análise dos dados de forma que tenham significados válidos.
Nessa etapa surgem as categorias “que permitem a classificação dos elementos de significação constitutivos da mensagem” (Bardin, 2011, p. 43). Essas categorias são uma espécie de gavetas com as informações que mostram similaridades. A partir dessas categorias e do referencial teórico emergiram as inferências da pesquisa.
4. Análise e discussão dos resultados
Esta pesquisa analisa as respostas do professorado de quatro escolas de Ensino Fundamental da cidade de Canoas no Estado do Rio Grande do Sul. Ao todo 80 pessoas receberam o questionário e 56 responderam, o que mostra aderência de 70% do total. Salientamos que o questionário foi respondido de forma anônima com o intuito de que as pessoas participantes se sentissem mais à vontade para responder às questões.
A primeira pergunta refere-se à caracterização das pessoas participantes quanto ao ciclo em que praticam a atividade docente. De acordo com a pesquisa, 60% responderam a esse questionamento, sendo que 40% atuam nos anos iniciais e 20% nos anos finais, conforme podemos verificar no figura 1. A partir dessa informação, entendemos que a maioria (60%) trabalha nas séries iniciais e acompanha o processo inicial da vida escolar na infância das crianças.
A seguinte questão foi: “Você pretende aproveitar algum método de aprendizagem que aplicou durante a pandemia para as aulas presenciais?” Constatamos que 89,3% responderam que pretendem aderir a novas metodologias de aprendizagem, conforme podemos identificar no figura 2 a seguir.
Nesse sentido, Santana e Borges Sales (2020) estão de acordo com Moran (2018) quando ressaltam a importância de instituir novos processos educativos e inovadores que enfatizam o protagonismo estudantil durante o processo de ensino-aprendizagem, com orientação docente e sob a mediação tecnológica. Já os autores Zurawski et al. (2020) dizem que ferramentas e metodologias se tornaram insuficientes para suprir o atual cenário educacional e que a escola não é mais a mesma de alguns meses atrás. Com isso, podemos compreender que o professorado pretende modificar as suas práticas no retorno presencial, adicionando metodologias diferenciadas e mais ativas. Assim, a pandemia foi uma oportunidade de desenvolvimento profissional docente, a ponto de existir perspectiva de continuidade da utilização dos métodos de aprendizagem aplicados durante esse período para o retorno das aulas presenciais.
A questão número 3 foi a seguinte: “Qual a possibilidade do seu plano de aula incluir a utilização de tecnologias como recurso pedagógico no retorno às aulas no pós-pandemia?”. Percebemos que 73,2% consideram muito provável o uso das tecnologias em sala de aula e 21,4% consideram provável, conforme apontado no gráfico 3. Salientamos que ninguém considerou a resposta "improvável" e isso sinaliza uma intencionalidade bastante alta no uso destas ferramentas e artefatos tecnológicos.
Nessa perspectiva, Bacich (2018) afirma que tornar o professorado proficiente no uso das tecnologias digitais e integrar esses artefatos ao currículo trará melhores resultados na aprendizagem estudantil. Já Santana e Borges Sales (2020) fazem uma crítica dizendo que uma vez que os planejamentos pedagógicos foram abruptamente interrompidos, faz-se necessário adotar novas alternativas na mesma velocidade. Com isso, podemos vislumbrar que um número significativo do professorado tende a se capacitar para o uso das novas ferramentas e artefatos tecnológicos, bem como incentivar o alunado a se inserir nas plataformas digitais. Essa capacitação se faz necessária para que a docência consiga desfrutar da tecnologia de forma efetiva, uma vez que continuará sendo utilizada no período pós-pandemia, segundo as pessoas participantes da pesquisa.
A questão número 4 foi: “Em sua opinião, qual o nível de importância em trabalhar questões comportamentais em aula?”. Nesta resposta averiguou-se que 91,1% definem como muito importante trabalhar as questões comportamentais em aula e 8,9 % dizem ser importante, conforme indica o gráfico 4. Isso nos leva a perceber que a unanimidade é bastante considerável entre o professorado participante da pesquisa.
Nesse sentido, Moran (2013) diz que a educação é eficaz quando nos ajuda a enfrentar as crises, as etapas de incerteza entre outros e encontrar a força para seguir novos caminhos. Segundo Zurawski et al. (2020), a formação humana de crianças e jovens está relacionada ao cotidiano, à sala de aula e à ação pedagógica do professorado, tendo em mente que, neste processo, o que importa é a vida das pessoas. Dessa maneira, percebemos o quão importante é para a docência a conexão emocional e afetiva com o alunado, visando o seu bem-estar. Na pós-pandemia sabemos que o acolhimento emocional e empatia será a primeira medida para curar as feridas deixadas por esta lacuna de tempo fora do ambiente escolar.
Na questão: “Quais são os seus maiores receios em relação ao retorno às aulas na modalidade presencial?” destacamos algumas colocações apresentadas, tais como a restrição do contato físico, distanciamento nas salas de aula, questões emocionais ligadas ao stress, falta de condições de estrutura e de higiene, receio de que não haja vacina para todas as pessoas, ser responsabilizado pela contaminação das crianças, imprevisibilidade, lacunas deixadas pelo isolamento, stress docente para fazer as crianças seguirem e obedecerem protocolos. Uma pessoa participante da pesquisa afirmou que teme “A falta de tudo, desde estrutura na escola até condição emocional”.
Outros questionamentos surgiram como os relacionados à aprendizagem “Ter que cumprir os conteúdos estipulados para cada ano, sendo que seja bem provável que muitos estudantes ficaram uma grande lacuna de aprendizagem”, “Usar tanto tempo cuidando das medidas de prevenção, que fique pouco para aplicar as aulas propriamente ditas”, "Desinteresse das famílias em continuarem ajudando filhos e filhas nas tarefas, ansiedade em relação à aprendizagem das crianças, falta de protocolos sanitários e distanciamento, contágio pela covid caso não haja vacinação”, “[...] o abismo na aprendizagem”, [...] adaptações pedagógicas a serem realizadas que exigirão mais planejamento e reinvenção.”
Além disso, nas respostas apontaram preocupação com o uso das tecnologias digitais e de comunicação, relatando: “Cada aluno está tendo um ano de experiências escolares (ainda que remotas) que, para nós, professoras, é desconhecido e abstrato (no sentido que só podemos supor como vem sendo a rotina de cada um)”. Percebemos que dar conta de entender o que foi o 2020 para cada pessoa, buscando práticas sensíveis às diferentes realidades das famílias, será um desafio imenso: “Como implementar no presencial a nova ideia de uso das tecnologias digitais com sua devida possibilidade de interação e necessária avaliação e fazer alunos e familiares assimilarem que isso não é uma brincadeira, mas ferramentas efetivas de ensino e aprendizagem?”, [...] a falta de recursos tecnológicos que parece ser uma coisa que ainda não foi pensada pela escola”.
Outras respostas chamaram a atenção pela relevância social, como: “Não termos a maioria dos alunos na escola” e “A evasão escolar, o compromisso do aluno com a escola [...].”, “As crianças de inclusão.”, “A falta de rotina escolar e problemas emocionais, como por exemplo, a ansiedade que essa situação pode ter causado.”, “O estado emocional das crianças.”. Acreditamos que o período da pós-pandemia na escola trará uma quebra de paradigmas e necessitará de um olhar sistêmico e holístico para o mundo que se torna a cada dia mais imprevisível e complexo.
Ainda verificamos na fala do professorado participante da pesquisa: "Acho que dar conta de entender o que foi o 2020 para cada um, buscando práticas sensíveis às diferentes realidades das famílias, será um desafio imenso.”, “Educação Física, penso que a gurizada possa querer participar cada vez menos das atividades práticas.” e uma resposta bastante diferenciada “Em princípio não tenho receios.”.
Analisando todas as colocações sobre o questionamento proposto quanto às relações no ambiente escolar no pós-pandemia, emergem as categorias: contágio, Covid e escola. A partir da análise, percebemos que para as pessoas participantes da pesquisa, a volta às aulas presenciais, na pós pandemia, trará sentimentos bastante contraditórios que demandam cuidados com a vida. Nesse contexto, Führ (2019) entende que o cenário é de muitas incertezas. A percepção do ambiente de incerteza aparece nas respostas quanto à preocupação com a vacinação da comunidade escolar. No entendimento de Perrenoud (2001) as incertezas fazem parte da complexidade do mundo contemporâneo e, desta forma, precisamos aprender com as crises e dificuldades apresentadas para um bem comum.
Na pergunta dirigida ao professorado: “Como você acredita que serão as relações no seu ambiente escolar no período pós-pandemia?” Obtivemos respostas com percepções negativas, positivas, intermediárias que colocam a questão da adaptação e duas pessoas não souberam informar. Quanto à visão negativa, 37% entendem que as relações no ambiente escolar são complicadas, difíceis, desafiadoras, estranhas, confusas, incertas, duvidosas, inseguras, com muitas restrições, com medo, com risco de contágio e distantes. Nesse sentido, em uma das respostas à pesquisa se afirmou que as relações no ambiente escolar serão "difíceis de serem conduzidas, com situações tensas para os profissionais e confusas para as crianças.”
Outra resposta trouxe a questão dos cuidados: “Todo cuidado será pouco”. A questão do distanciamento também foi indicada e destacamos duas respostas: “Vai ser bem estranho, pois teremos saudade mas precisaremos permanecer distantes. Também teremos que lidar com muitos protocolos, e tenho receio de que isso tire o foco dos processos de ensino e aprendizagem” e “Mais distantes e num clima estressante, com o autocuidado e o cuidado com o aluno”. Outra questão levantada trouxe o fato do toque não ser permitido, o que pode gerar maior superficialidade nas relações: “Acredito que irá demorar muito para termos o afeto que o toque traz às relações. Aquele abraço, que recarrega nossas energias. Acredito que isso irá gerar relações mais superficiais.”
Já as percepções positivas estão centradas na humanização e valorização das relações, considerando o momento de pandemia vivenciado. Dentre as respostas que tivemos podemos destacar algumas relacionadas com a afetividade: “De retomada aos poucos da afetividade e sociabilidade”, “De muita acolhida e ressignificados”, “Acredito que deverão ser baseadas no cuidado e no apoio mútuo”, “Depois da vacina… só alegria”. Também tivemos respostas relacionadas com o diálogo e escuta: “Da minha parte sem estresse, apenas seguindo os protocolos estabelecidos”, “Relações serão de compreensão e muita paciência em relação à aprendizagem” e “Acredito que haverá maior escuta por parte dos alunos e familiares em relação ao que os professores têm a dizer.” Destacamos também respostas que acreditam no Comprometimento e valorização das relações: “acredito que haverá mais empatia e um comprometimento maior devido às experiências vividas durante a quarentena” e outra pessoa participante da pesquisa nos chamou a atenção com a seguinte colocação:
Acredito que teremos que nos adaptar novamente às rotinas escolares. Entender as adaptações das crianças, das famílias, do espaço... Acho que compreender que a função da escola na vida vai além de conteúdos programáticos. É sobretudo social. É sobretudo valorizar as relações sociais possíveis no espaço escolar.
A tabela 1 traz os principais apontamentos dos respondentes a este respeito.
Percepções docentes | Alguns apontamentos |
Positivas | “De retomada aos poucos da afetividade e sociabilidade” |
- | “De muita acolhida e ressignificados.” |
- | “Acredito que deverão ser baseadas no cuidado e no apoio mútuo.” |
- | “Depois da vacina… só alegria”. |
- | “Da minha parte sem estresse, apenas seguindo os protocolos estabelecidos.” |
- | “Relações serão de compreensão e muita paciência em relação à aprendizagem.” |
- | “Acredito que haverá maior escuta por parte dos alunos e familiares em relação ao que os professores têm a dizer.” |
- | “Acredito que haverá mais empatia e um comprometimento maior devido às experiências vividas durante a quarentena.” |
Negativas | Complicadas, difíceis, desafiadoras, estranhas, confusas, incertas, duvidosas, inseguras, com muitas restrições, com medo, com risco de contágio e distantes. |
Fonte: Autoria própria, a partir dos dados da pesquisa (2020)
Analisando todas as colocações do professorado quanto ao questionamento proposto sobre as relações no ambiente escolar no pós-pandemia, emergem as categorias: complicada, humanização e adaptação. A partir da análise, compreendemos que a volta às aulas, enquanto não houver vacina para todas as pessoas, será complicada, por isso espera-se maior humanização para a melhor adaptação nas relações do ambiente escolar. Nesse contexto, Führ (2019) discorre sobre as incertezas geradas por mudanças repetidas como foi o caso da pandemia. A percepção do ambiente de incerteza aparece nas respostas. Mesmo assim, existe um olhar de esperança para o futuro, principalmente após a vacinação. Enquanto isso, as relações precisam ser valorizadas para que a adaptação nesse retorno das aulas presenciais seja mais suave para todos, o que pode lembrar o sentimento de pertencimento defendido por Nóvoa (2019). Complementamos que Perrenoud (2001) nos desafia a aprender nos momentos de crise e inseguranças, pois não temos controle de tudo, mas podemos, por meio da educação, contribuir no enfrentamento dos mais diversos problemas.
Com base nas colocações do professorado participante da pesquisa e do referencial teórico, compreendemos que no cenário angustiante é possível manter a esperança, pois a realidade está em constante transformação. No cenário inesperado da pandemia, pode-se valorizar a nossa humanidade com o fortalecimento de relações entre as pessoas envolvidas com a educação, principalmente crianças, família, docentes e direção escolar. É possível que o retorno seja complicado, conforme foi colocado, porém, a adaptação será necessária com humanização para que esse momento seja mais um aprendizado a ser trabalho nas escolas.
Na sétima questão: “Quais as demandas emocionais você levará para o ambiente escolar no seu retorno às aulas?”, foi dada a liberdade para marcarem mais de uma alternativa. Constatamos que 67,9% escolhem a alternativa do sentimento de “afeto com os alunos”; 64,3% de alegria com o retorno; 53,6% de medo e ansiedade do desconhecido; 23,3% de tristeza pela pandemia; e 7,1% de raiva por prever que algumas coisas não irão mudar. Tais índices podem ser identificados no gráfico 5 na sequência.
Nessa perspetiva, percebemos uma mistura de demandas emocionais do professorado quanto ao retorno presencial das aulas, o que caracteriza um ambiente complexo (Perrenoud, 2001). Destacamos que para Zurawski et al. (2020) o contato por meio da tecnologia durante o período de isolamento mostrou que a vida tem valor e isso pode ser um fator relevante na volta ao presencial. Bacich (2018) e Nóvoa (2019) complementam a relevância do uso das tecnologias para a educação que até mesmo, conforme Santana e Borges Sales (2020), auxiliou para manter as relações entre discentes e docentes durante o período de isolamento social. Entretanto, Oliveira et al. (2020) discorrem sobre a necessidade da educação se reinventar perante tantas incertezas.
A partir das respostas e com base na teoria, podemos compreender que o professorado participante da pesquisa tem suas demandas emocionais relacionadas com afeto, alegria, medo, tristeza e raiva. Contudo, o fato de terem trabalhado com o alunado durante o período de isolamento, com o intermédio das tecnologias, pode amenizar e facilitar a adaptação na volta para as aulas presenciais. Destacamos que as crianças possuem a capacidade de perceber os sentimentos do professorado, o que influencia na aprendizagem. Por isso, a relevância da preparação profissional e emocional, dentro do possível, para os enfrentamentos do ambiente escolar pós pandemia.
Na oitava pergunta, foi colocada a seguinte questão: “Quais são as suas expectativas quanto à aprendizagem e progressão dos/as alunos/as no retorno às aulas?” Percebemos que 60,7% dizem que haverá enfraquecimento do ensino/currículo e 33,9 % dizem que são novas possibilidades de aprender e ensinar novas metodologias.
Neste ponto de vista, Zurawski et al. (2020) criticam que algumas ferramentas e metodologias se tornaram insuficientes para suprir o atual cenário educacional. Já Santana e Sales (2020) são mais positivos, dizendo que é a prática docente que acumula conhecimento específico e didático para apresentar ao alunado em isolamento o que precisa num cenário de incertezas de uma pandemia. Sendo assim, percebemos certa angústia e contradição relacionados ao entendimento de que profissionais da educação consideram-se autores e protagonistas de uma história que se inicia neste período tão contraditório e inédito da educação. O empoderamento e capacitação profissional de quem trabalha na educação mostra-se imperativo diante da velocidade das mudanças que a pandemia desnudou, levando-os a romper paradigmas até então postos como certezas absolutas.
Na penúltima pergunta foi colocada a seguinte questão: “Quais serão as suas metodologias para enfrentamento das perdas referentes aos conteúdos de aprendizagem?” Reparamos que 82,1% dizem que irão adotar o ensino híbrido nas suas metodologias de enfrentamentos a conteúdos de aprendizagem e 7,1% acreditam que a metodologia para o mesmo enfrentamento será o ensino remoto. Para Moran (2018) a aprendizagem híbrida é flexível, misturada e compartilhada nos diversos espaços, tempos, atividades, materiais, técnicas e tecnologias, compondo um processo ativo de conhecimento.
Com isso, acreditamos na mobilização e vontade do professorado em migrar para um ensino mais ativo e disruptivo que venha a quebrar paradigmas de uma educação que não condiz mais com o século em que vivemos. A pandemia mostrou de forma escancarada que a juventude não precisa mais exclusivamente da escola para aprender, pois os artefatos tecnológicos lhes dão acesso a diferentes ferramentas de aprendizagem e conhecimento em tempo real. O que precisamos é de uma nova cultura de aprendizagem, na qual a pessoa que atua na docência realiza mentoria com o alunado, levando a desenvolver habilidades e competências utilizando o conhecimento em prol do bem comum da humanidade.
Na última pergunta: “Quais demandas você acredita que serão trazidas pelas famílias e que impactarão nas ações pedagógicas?”. As respostas mostram em sua maior proporção (37%) a ansiedade das famílias quanto ao retorno das aulas e esta ansiedade está relacionada principalmente com a pandemia e aprendizagem. Salientamos que duas pessoas participantes informaram não ter resposta e uma não respondeu ao questionamento.
Com relação à ansiedade, destacamos algumas colocações quanto à saúde: “Ansiedade das famílias em relação a pandemia e saúde”, Ansiedade e preocupação com as questões relativas à pandemia”, “Medo, receio do contato” e “Ansiedade, apreensão, medo e muito questionamento em relação à conduta durante as aulas.” Também percebemos a relação entre o sentimento de ansiedade com a aprendizagem e destacamos algumas respostas nesse sentido: “Ansiedade, medo do desconhecido, preocupação com a progresso na aprendizagem dos filhos”, “Dificuldade de aprendizagem; Dificuldade de concentração; Falta de limites e consequentemente de afeto.” Duas respostas chamaram atenção, pois mostram o quanto os desafios do ano de 2020 podem impactar no ambiente escolar no retorno às aulas presenciais:
Acredito que a maior demanda será fruto da falta de conhecimento pedagógico por parte da maioria das famílias para dar conta das atividades remotas nesse ano de 2020, afetando diretamente o ano letivo de 2021. Além disso, a dificuldade financeira e de organização familiar que impossibilitou muitos estudantes de realizarem as atividades ao longo do ano, será um desafio para as propostas pedagógicas de 2021.
As famílias têm uma preocupação muito grande com o conteúdo e com o aprendizado. Acreditam que as alunas e os alunos só aprendem quando estão respondendo à lista de exercícios e fazendo provas. Acredito que a maior demanda será a realização de atividades "tradicionais", será uma ótima oportunidade para demonstrar as muitas formas de ensinar/aprender e a importância da escola.
Ainda, salientamos as respostas no sentido de maior integração das famílias com a escola, conforme colocado em uma das respostas: “acredito que teremos uma participação mais sólida e efetiva das famílias fortalecendo o veículo família e escola.” De acordo com outra afirmativa, haverá “Autonomia e organização da aprendizagem”.
Analisando todas as colocações nos questionários quanto às demandas que serão trazidas pelas famílias e que poderão impactar nas ações pedagógicas no período pós-pandemia emergem as categorias: ansiedade e aprendizagem. As ansiedades são diversas, quanto à preservação da saúde, aprendizagem e carência de recursos tecnológicos. Esse contexto de incertezas está de acordo com a reflexão de Perrenoud (2001) que nos convida a pensar que não temos controle de muitas variáveis no momento que vivemos, devido à sua complexidade. Já Führ (2019) alerta sobre as rápidas mudanças que trazem inseguranças, as quais, segundo Oliveira et al. (2020) contribuem para nosso crescimento enquanto seres humanos. Ainda, para Moran (2013) aprendemos muito quando saímos da rotina e nos aventuramos em universos distantes da nossa zona de conforto.
Assim, a partir das afirmações do professorado e da teoria citada, compreendemos que a ansiedade caracteriza esse momento complexo que vivemos. O professorado participante da pesquisa acredita que essa ansiedade estará presente nas famílias e a aprendizagem está dentre essas apreensões. A ansiedade está relacionada com a incerteza sobre o futuro e entendemos que quanto mais houver uma boa preparação de ambas partes, melhor será para o alunado e isso vai refletir na aprendizagem. A gestão escolar também tem o seu papel para a condução do processo de retorno às aulas que, integrada com toda a comunidade escolar, será mais democrática e leve para todos. Dessa forma, com as respostas da pesquisa conseguimos atender ao objetivo de trazer algumas reflexões sobre como irão se dar as relações no ambiente escolar, nas escolas de ensino fundamental, no período pós-pandemia, na perspectiva do professorado de quatro instituições públicas de ensino fundamental do município de Canoas – RS, Brasil. Assim, tivemos a oportunidade de constatar que a maioria das pessoas que participaram da pesquisa exercem a atividade docente nos Anos Iniciais do 1º ao 5º ano, sendo que a maior parte (89,3%) pretende aproveitar algum método de aprendizagem que aplicou na pandemia para as aulas presenciais.
5. Conclusão
O objetivo desse artigo foi trazer reflexões sobre como irão se dar as relações no ambiente escolar, nas escolas de ensino fundamental, no período pós-pandemia. Para isso, a discussão esteve em torno da temática sobre os enfrentamentos do retorno às aulas presenciais no pós-pandemia. As referências mais utilizadas nesse artigo foram Oliveira et al. (2020) que discorrem sobre os desafios enfrentados pelo professorado ao vivenciar a experiência do ensino remoto mediado pelas tecnologias digitais; e Santana e Sales (2020), que abordam as práticas pedagógicas na interface da educação e tecnologias digitais no contexto pandêmico causado pelo novo coronavírus. Para cumprir ao objetivo também foi aplicado um questionário, o que possibilitou analisar a percepção docente quanto ao retorno às aulas no período pós- pandemia. Esse questionário foi enviado para o professorado de quatro escolas de Ensino Fundamental, localizadas em Canoas, no estado do Rio Grande do Sul, sendo que 56 docentes responderam, o que equivale a 70% de aderência.
Os resultados da pesquisa mostram que 89% pretendem aproveitar algum método ativo de ensino e aprendizagem na pós-pandemia. Assim, o período de pandemia foi uma oportunidade de desenvolvimento profissional. Outro resultado é que 91,1% acreditam na importância de trabalhar questões comportamentais em sala de aula Compreendemos que isso será relevante para a reaproximação entre docentes e estudantes e poderá suavizar a lacuna de tempo longe do ensino presencial. Ainda salientamos que 82,1% têm receio de enfrentar as demandas de defasagem na aprendizagem utilizando o ensino híbrido Com isso, podemos estar diante de uma nova cultura de aprendizagem, com maior protagonismo estudantil e mentoria docente para o desenvolvimento de suas competências.
Sugerimos que esse assunto tenha continuidade, visto que possui limitações por ser uma reflexão sobre as relações no ambiente escolar no pós pandemia e não abordou a visão familiar, estudantil e da gestão escolar, sendo que o foco foi o ensino fundamental de quatro escolas públicas somente no município de Canoas – RS, Brasil. Desse modo, pesquisas futuras podem explorar o ano que será vivido em 2021 as percepções das famílias e da gestão, inclusive no Ensino Médio e em outras cidades. Também pode-se abordar em estudos futuros o protagonismo na formação docente com maior colaboração em rede, a avaliação das defasagens de aprendizagem e evasão escolar com um comparativo antes e pós- pandemia e o ensino híbrido com novas metodologias, inclusive a alfabetização digital.