Introdução
A COVID-19 é uma infecção respiratória, potencialmente grave, causada pelo vírus SARS-CoV-2, também chamado novo coronavírus.1Trata-se de uma doença com alta taxa de transmissibilidade, cuja as manifestações clínicas variam desde um resfriado comum de evolução benigna até o desenvolvimento de síndrome respiratória aguda grave, capaz de evoluir para óbito.1
Após a confirmação de milhares de casos e de centenas de mortes relacionadas ao novo coronavírus, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o surto como uma emergência de saúde pública de importância internacional, ganhando o status de pandemia.2 Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), até o dia 20 de setembro de 2022 foram registrados 610.000.539 casos e 6.509.791 óbitos no mundo relacionados à COVID-19.3 No Brasil, até a presente data, foram contabilizados 34.600.768 casos e 685.518 óbitos, o que coloca o país na 5ª posição em número de casos e 2ª em número de óbitos no planeta.3,4
A declaração da COVID-19 como uma urgência internacional chamou a atenção dos países a fim de buscar esforços para garantia do acesso aos serviços de saúde, a assistência adequada, controle da disseminação e redução das taxas de morbimortalidade. Em junho de 2020, o International Council of Nurses (ICN) conclamou as autoridades do mundo a monitorar as infecções pelo novo coronavírus e as mortes dos profissionais de enfermagem e de saúde, uma vez que, até aquela data, estimava-se que cerca de 7% de todos os casos da COVID-19, internacionalmente, estavam entre os profissionais de saúde, o que representava 450 mil casos, com a morte de 600 enfermeiros à época.5
Nota-se que a pandemia colocou os sistemas de saúde, especialmente profissionais de enfermagem, sob enorme pressão e exposição ao vírus, uma vez que atuavam na linha de frente do cuidado prestado às pessoas contaminadas.6
No Brasil, a força de trabalho em enfermagem é constituída por cerca de 2.540.715 trabalhadores, sendo 24,6% enfermeiros, 58,1% técnicos de enfermagem e 17,3% auxiliares de enfermagem. As inúmeras possibilidades de formação e de atuação dos profissionais de enfermagem nos serviços de saúde marca o perfil heterogêneo dessa expressiva força de trabalho.7
Entretanto, mesmo com esse vasto quantitativo de trabalhadores, há historicamente uma profunda luta por melhores condições de trabalho. Diante dessa complexidade, em 2020 o Conselho Federal de Enfermagem alertou para uma possível taxa alarmante de morbimortalidade entre profissionais de enfermagem pela COVID-19.5 Diante disso, delimitou-se a seguinte pergunta de pesquisa: Qual o perfil de morbimortalidade dos profissionais de enfermagem pela COVID-19 no Brasil nos anos de 2020 a 2022? Para responder tal problema de pesquisa, tem-se como objetivo avaliar o contexto da enfermagem na pandemia através da descrição do perfil de morbimortalidade dos profissionais de enfermagem por COVID-19 no Brasil entre os anos de 2020 e 2022.
Metodologia
Trata-se de um estudo epidemiológico descritivo, do tipo ecológico, guiado pelo Strengthening the reporting of observational studies in epidemiology (STROBE). Esse tipo de estudo, observacional, agregado e transversal, permite, a partir de arquivos de dados existentes, descrever o panorama de internações e óbitos desses profissionais.8
O estudo foi realizado na República Federativa do Brasil, país com aproximadamente 215 milhões de habitantes.9 Os dados foram coletados através de um formulário criado pelos autores para nortear o levantamento das informações presentes no Observatório da Enfermagem do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) do Brasil.
Coletou-se dados da morbimortalidade dos profissionais de enfermagem durante o período de 20 de fevereiro de 2020 a 20 de setembro de 2022, pois se trata do período de maior incidência da COVID-19 no Brasil. As variáveis estudadas foram: casos notificados, casos confirmados, casos suspeitos, casos descartados, óbitos confirmados, sexo, faixa etária, região/Unidade da Federação (UF) de notificação.
O Observatório da Enfermagem é um site oficial, criado em meados de 2020 pelo Comitê de Gestão de Crises do COFEN. Trata-se de um sistema de tecnologia da informação e comunicação que possui um formulário eletrônico estruturado, o qual permite a coleta, identificação e análise de dados sobre a incidência da COVID-19 nos profissionais de Enfermagem em todo o território brasileiro. Configurando-se assim, em um ambiente computacional em tempo real de análise de dados e uma ferramenta de apoio à tomada de decisão.10
Foi realizado um estudo censitário, no qual a amostragem representa toda a população acometida pela doença. Segundo o COFEN, há no Brasil, 2.540.715 profissionais de enfermagem, subdividos em 4 categorias: enfermeiros, técnicos, auxiliares de enfermagem e parteira.7 Trata-se de uma população de destaque diante a pandemia de COVID-19, uma vez que, além de se configurar como a maior categoria profissional da saúde, é composta por profissionais que fazem parte de toda a produção do cuidado às pessoas com COVID-19.
Os dados foram tabulados no software Microsoft Excel e posteriormente exportado para o software SPSS, versão 21. A análise de dados se deu mediante análise descritiva, por meio de frequência relativa e absoluta. A taxa de letalidade foi calculada utilizando o número de óbitos confirmados por COVID-19 divido pelo número total de casos confirmados de COVID-19, multiplicado por 100, para transformar em porcentagem. A partir dos resultados obtidos construiu-se gráficos e tabelas para apresentação dos resultados.
O presente estudo foi realizado exclusivamente com dados secundários, de acesso público, por isso, não houve submissão no Comitê de Ética em Pesquisa. Os dados foram extraídos de forma anônima, sem identificação dos profissionais e o estudo seguiu todas as recomendações presentes na Lei Geral de proteção de dados do Brasil.11
Resultados
Durante o período analisado foram reportados 64610 casos de COVID-19 entre os profissionais de Enfermagem no Brasil, dentre os quais 3135 foram ignorados pois não foram reportados os respectivos desfechos, o que representa 4,8%. A tabela 1, apresentada abaixo, descreve os casos reportados relacionados a COVID-19, segregados em casos confirmados, descartados, suspeitos e ignorados. Dentre os demais, 36425 (56,4%) foram confirmados, 7541 (11,7%) foram descartados e 17509 (27,1%) foram considerados suspeitos.
Tabela 1: Quadro geral de casos reportados de COVID-19 em profissionais de enfermagem no Brasil.
CONFIRMADO | DESCARTADO | SUSPEITA | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | ||
Ignorado | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | |
Falecido | 833 | 2,29 | 0 | 0,00 | 39 | 0,22 | |
Internado | 318 | 0,87 | 0 | 0 | 241 | 1,38 | |
Quarentena | 35274 | 96,84 | 7541 | 100 | 17229 | 98,40 | |
Total | 36425 | 100 | 7541 | 100 | 17509 | 100 |
Fonte: Observatório da Enfermagem - COFEN
A taxa de letalidade entre os profissionais de enfermagem foi de 2,29% durante todo o período estudado, sendo que o ano de 2020 foi o responsável pelo maior acometimento da doença e maior número de óbitos.
A tabela 2 apresenta a distribuição de casos, óbitos e letalidade pela COVID-19, segundo ano, sexo, faixa etária e região do país. No que se refere ao acometimento da doença, a COVID-19 mostrou-se prevalente entre mulheres, na faixa etária de 31 a 40 anos, residentes no sudeste do país e infectadas no ano de 2020. Com relação aos óbitos, a prevalência dos casos ocorreu em 2020, entre mulheres, de 41 a 50 anos, residentes na região Norte do Brasil.
O gráfico 1 apresenta a distribuição de morbimortalidade por COVID-19 nas unidades federativas do país. Houveram registro de casos e óbitos por COVID-19 em todos os Estados brasileiros, entretanto a maior concentração de casos confirmados da COVID-19 em profissionais de Enfermagem está em São Paulo (5902) e Bahia (5079).
Tabela 2: Variáveis e letalidade por COVID-19 em profissionais de enfermagem do Brasil.
VARIÁVEL | CASOS REPORTADOS | ÓBITOS | LETALIDADE | |||
---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | |||
Ano | ||||||
2020 | 24328 | 66,79% | 434 | 52,10% | 1,78% | |
2021 | 7839 | 21,52% | 398 | 47,78% | 5,08% | |
2022 | 4258 | 11,69% | 1 | 0,12% | 0,02% | |
TOTAL | 36425 | 100% | 833 | 100% | ||
Sexo | ||||||
Masculino | 5740 | 15,76% | 266 | 31,93% | 4,63% | |
Feminino | 30685 | 84,24% | 567 | 68,07% | 1,85% | |
TOTAL | 36425 | 100% | 833 | 100% | ||
Faixa Etária | ||||||
20-30 anos | 7895 | 21,67% | 33 | 3,96% | 0,42% | |
31-40 anos | 15059 | 41,34% | 161 | 19,33% | 1,07% | |
41-50 anos | 9750 | 26,77% | 259 | 31,09% | 2,66% | |
51-60 anos | 3170 | 8,70% | 233 | 27,97% | 7,35% | |
61-70 anos | 506 | 1,39% | 130 | 15,61% | 25,69% | |
71-80 anos | 45 | 0,12% | 17 | 2,04% | 37,78% | |
TOTAL | 36425 | 100% | 833 | 100% | ||
Região | ||||||
Sudeste | 10844 | 29,77% | 219 | 26,29% | 2,02% | |
Nordeste | 9318 | 25,58% | 139 | 16,69% | 1,49% | |
Sul | 7928 | 21,77% | 107 | 12,85% | 1,35% | |
Norte | 4376 | 12,01% | 241 | 28,93% | 5,51% | |
Centro-Oeste | 3959 | 10,87% | 127 | 15,25% | 3,21% | |
TOTAL | 36425 | 100% | 833 | 100% | 2,29% |
Fonte: Observatório da Enfermagem - COFEN

Fonte: Observatório da Enfermagem - COFEN
Gráfico 1: Distribuição de acometimento e óbitos por COVID-19, por unidade federativa. AC - Acre | BA - Bahia | GO - Goiás | MT - Mato Grosso | PI - Piauí | RO - Rondônia | SE- Sergipe | AL - Alagoa | CE - Ceará | MA - Maranhão | PA - Paraná | PR - Paraná | RR - Roraima | SP - São Paulo | AM - Amazonas | DF - Distrito Federal | MG - Minas Gerais | PB - Paraíba | RJ - Rio de Janeiro| RS - Rio Grande do Sul | TO - Tocantins | AP - Amapá | ES - Espírito Santo | MS - Mato Grosso do Sul | PE - Pernambuco | RN - Rio Grande do Norte | SC - Santa Catarina
Discussão
Mais de 50% dos casos notificados de COVID19 entre os profissionais de enfermagem foram confirmados, resultando em uma letalidade de 2,29%, taxa 14% superior à taxa de letalidade nacional, que é de 2,0%.4
Trata-se de um panorama que coloca os profissionais de enfermagem como o grupo mais acometido pela COVID-19 entre os profissionais de saúde, com 27,3%, o que representa aproximadamente o dobro do percentual de médicos acometidos (13,2%). Por outro lado, fisioterapeutas, psicólogos, dentistas, e trabalhadores de apoio representam apenas 4% dos profissionais acometidos pela patologia.12
Historicamente a enfermagem se consolidou no campo científico e assistencial como a profissão responsável pela produção do cuidado, caracterizando-se como um ato vivo, no qual sua materialização ocorre no contato direto com o paciente. Essa característica peculiar do processo de trabalho faz com que, dentre as diversas profissões da saúde, a enfermagem seja a categoria mais próxima ao paciente, o que, consequentemente, implica em maior tempo de exposição quando comparado aos demais profissionais.7 É de responsabilidade da enfermagem, por exemplo, a coleta de exames e o manejo clínico dos pacientes infectados, o que aumenta a exposição desses profissionais ao vírus.6
Outro fator que pode contribuir com a vulnerabilidade da equipe de enfermagem é a falta de aderência de muitos profissionais à utilização de equipamentos de proteção individual e o desconhecimento em relação aos riscos ocupacionais.13 Contudo, acredita-se que tais profissionais também são vítimas nesse contexto, uma vez que a estrutura das instituições de saúde, sobretudo as de cunho privado, privilegiam a produtividade e geração de lucros em detrimento do incentivo à qualificação profissional. 14
Acrescenta-se ainda a histórica precarização do trabalho da enfermagem. Durante o período pandêmico tal precarização se exacerbou devido à elevada jornada de trabalho, uma vez que, no Brasil, não há regulamentação de carga horária para a categoria. Nesse cenário pandêmico, os profissionais necessitaram aumentar sua carga horária para atender a demanda dos serviços de saúde, o que aumentou sua exposição ao vírus.15
Além disso, durante a pandemia, as instituições de saúde apresentaram forte carência ou inadequação de equipamentos de proteção individual (EPI), insuficiência de recursos materiais e humanos e escassez de treinamento para desempenho do trabalho, penalizando sobretudo os profissionais de enfermagem, uma vez que a categoria desenvolve seu trabalho no contato com o paciente.15 Essa precarização levou uma parcela dos profissionais de enfermagem a apresentar exaustão física e emocional relacionado ao trabalho e, consequentemente, aquisição da Síndrome de Burnout. 16
No que se refere ao ano de acometimento pela COVID-19, notou-se que o ano de 2020 apresentou maior número, tanto de casos confirmados, quanto de óbitos. Acredita-se que as altas taxas de morbimortalidade em 2020 se deve ao fato de se tratar do período inicial da pandemia da COVID-19, o que inicialmente foi acompanhado de desconhecimento dos profissionais acerca das características da doença e adequação das estruturas hospitalares para assistência às vítimas, que vai desde a ampliação de leitos a aquisição de equipamentos de proteção individual.
Além disso, durante o ano de 2020 não havia disponibilidade de vacina no Brasil, fazendo com que a única forma de prevenção existente no período fosse a implantação de medidas de distanciamento social, etiqueta respiratória, utilização de máscaras e manutenção de hábitos de higiene, o que, apesar de reduzirem o risco de contaminação, não combatem a progressão natural da doença após contaminação. 17
O processo de vacinação iniciou no Brasil no mês de janeiro de 2021, com prioridade para a imunização dos profissionais de saúde, o que contribuiu para a redução das notificações de casos e óbitos pela COVID-19 nos anos de 2021 e 2022. A vacina contra COVID-19 confere proteção direta, reduz as taxas de transmissão do vírus e o surgimento de novas variantes.18
No que se refere à faixa etária, a prevalência de acometimento pela COVID-19 ocorreu no grupo de 31 a 40 anos (41,34%). Isso se deve ao fato dessa faixa etária (31 a 40 anos) comportar o maior número de profissionais de enfermagem no Brasil (36,4%), conforme o relatório final do perfil da enfermagem no Brasil realizado pelo COFEN em parceria com a Fundação Osvaldo Cruz (FIOCRUZ). Por outro lado, em números absolutos, o maior percentual de óbitos ocorreu entre os profissionais de enfermagem da faixa etária de 41 a 60 anos.19
Existem vários fatores que aumentam o risco para o desenvolvimento de casos graves da COVID-19, com destaque para a idade e a presença de comorbidades como hipertensão arterial, diabetes mellitus, insuficiência renal, o que justifica a maior taxa de letalidade em pacientes nas faixas etárias mais elevadas (61-80 anos). Pacientes idosos podem apresentar uma expressão mais elevada de receptores ACE2 que servem como entrada celular para SARS-CoV-2, que quando somado ao processo natural de imunossenescência, pode contribuir para a evolução mais grave da doença.20,21
No que tange a variável sexo, as mulheres foram mais acometidas, tanto no que se refere ao total de casos, quanto ao número de óbitos. Esse dado por ser explicado a partir da condição estrutural e histórica da profissão, uma vez que, por tradição e cultura, esta categoria contribuiu pelo processo de feminilização da saúde, uma vez que a profissão é composta majoritariamente por pessoas do sexo feminino.7
Segundo Machado,7 o Censo realizado para definir o perfil da equipe de enfermagem no Brasil evidenciou que 85,1% de profissionais são do sexo feminino. Apesar da recente tendência de crescimento do contingente masculino na profissão desde a década de 1970, a população masculina representa apenas 14,4% da categoria profissional.
Entretanto, apesar do sexo feminino apresentar maior prevalência de acometimento, os homens apresentaram maior taxa de letalidade, com 4,63%, enquanto a letalidade entre mulheres foi de apenas 1,85%. Esse dado pode ser explicado pelo fato de o homem praticar menos o autocuidado e acessar de forma mais incipiente os serviços de saúde, quando comparado às mulheres.22 Soma-se a isso, o fato da população masculina apresentar alta carga de comorbidades, além de estarem mais expostos ao consumo de álcool e outras drogas, o que reforça o lado perverso do machismo enraizado socialmente.22
Com relação à distribuição de casos por região, notou-se que a região Sudeste (29,77%) e Centro-oeste (10,87%), representaram as maiores e menores taxas de contaminação pela COVID-19. Isso se deve ao fato de a região Sudeste contabilizar quase a metade de todo contingente de profissionais de enfermagem no Brasil (40,4%), além de ter apresentado nos últimos anos, maior expansão na fundação nos cursos de graduação em enfermagem.23
Por outro lado, no que se refere ao número de óbitos, a Região Norte, apesar de apresentar menos que 50% dos casos da Região Sudeste, possui maior número de óbitos e apresenta a maior letalidade entre as regiões do país. Estes dados refletem a existência de um sistema de saúde que não é “único”, mas multifacetado pela desigualdade, já que a distribuição de recursos em saúde não é igualitária entre as unidades federativas do Brasil. 24
A região Norte apresenta, proporcionalmente, as menores quantidades de médicos, leitos de UTI e ventiladores, os quais são amplamente necessários no tratamento e no combate das complicações desencadeadas pela COVID-19.26 Tal problemática se intensificou durante a pandemia, pois a região apresentou elevada incidência da doença, o que dificultou o acesso aos serviços de saúde.25
Chama a atenção o fato do Observatório da Enfermagem não apresentar dados relacionados a morbimortalidade estratificada por raça/cor, sobretudo pelo fato da profissão ser composta majoritariamente por pessoas negras, como mostra o Censo da enfermagem.7 Tal situação não se configura uma falha isolada, uma vez há uma vasta invisibilidade das questões raciais na construção de indicadores em saúde. Acredita-se que a busca por tal visibilidade necessita estar associada ao combate ao racismo estrutural, que historicamente implicou em piores desfechos para a população negra, em todo o ciclo vital.26
Os achados desse estudo levantam a necessidade de consolidação de políticas públicas voltadas para os profissionais de enfermagem, que devem incluir a valorização profissional e educação permanente. No que se refere à valorização profissional, é fundamental que exista uma política de valorização salarial e de redução de carga horária de trabalho, o que reduzirá a necessidade de acúmulo de cargos para garantia da subsistência.
Cita-se, por exemplo, a aprovação da Lei 14.434/2022, que estabeleceu o piso salarial para a enfermagem no Brasil, entretanto, a lei não conseguiu atender aos anseios da categoria.27 Não houve a implementação de dispositivos capazes de garantir o reajuste salarial, fazendo com que a remuneração se torne defasada ao longo do tempo. Além disso, após disputa judicial com o setor patronal no Supremo Tribunal Federal, houve forte desidratação dos efeitos da Lei, que fez com que o cenário de precarização do trabalho permanecesse.
Ademais, é fundamental que seja garantido e implementado ações de educação permanente de forma contínua. As capacitações poderão contribuir para que os profissionais reduzam o risco de contaminação durante a assistência prestada aos pacientes com COVID-19.
Tem-se como principal limitação o fato do estudo ser construído a partir de dados secundários, o que leva o risco de haver subnotificação no banco de dados. Entretanto, como se trata de uma amostra robusta, foi possível evidenciar de forma precisa o perfil de morbimortalidade dos profissionais de enfermagem.
Conclusão
Através do estudo foi evidenciado que os profissionais de enfermagem apresentaram letalidade 14% superior à população geral. Houve prevalência na contaminação durante o ano de 2020 entre de mulheres, com idade produtiva. Por outro lado, os homens apresentaram maior taxa de letalidade pela COVID-19.
Acredita-se que a precarização do trabalho, a desigualdade de gênero, a carência ou inadequação de EPIs, a insuficiência de recursos materiais e humanos e escassez de treinamento para desempenho do trabalho são fatores que poderiam explicar esse perfil de acometimento.
Os achados sinalizam para a necessidade de efetivação de políticas públicas voltadas para a proteção dos trabalhadores de enfermagem a partir de uma valorização que tenha como base a melhoria das condições de trabalho. Isso faria com que fosse possível reduzir a necessidade de dupla ou tripla jornada de trabalho para garantia da subsistência, reduzindo assim a exposição à doença. Além disso, é fundamental que ocorra educação permanente a fim de que seja possível reduzir o risco de contaminação durante a assistência.
Conflito de interesse
Não se aplica.