Introdução
Pode-se definir a comunicação como uma maneira de interação entre os indivíduos, abrangendo a habilidade de compartilhar e debater ideias e informações, além da capacidade de dialogar, em prol do entendimento entre tais indivíduos.1 Nesse sentido, a comunicação interprofissional é a capacidade de interlocução efetiva e colaborativa entre os profissionais.2 A comunicação respeitosa é interação social, seja ela verbal ou não, respeitando valores, crenças e culturas, alcançando a equidade no cuidado1,2 Assim, trata-se de um processo que implica em entender e partilhar mensagens e, dependendo da forma como ocorre, irá refletir no comportamento das pessoas envolvidas.2
Os danos relacionados ao cuidado em saúde ainda são um grande desafio na saúde pública em todo o mundo, sendo uma das principais causas de morte e incapacidade.3 Nesse sentido, a Organização Mundial da Saúde (OMS) elaborou o Plano de Ação Global de Segurança do Paciente 2021-2030 para eliminar danos evitáveis nos cuidados de saúde, trazendo a comunicação eficiente como indispensável para garantir a segurança do paciente3
Além disso, no Brasil, em 2013 através da Portaria nº 529 foi instituído o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), o qual sugere medidas a serem tomadas a fim de diminuir os casos de eventos adversos e orientar métodos para que a segurança do paciente se torne um hábito nos serviços de saúde, pois a comunicação eficiente foi vista como essencial para manter a segurança do paciente em todas as faixas etárias, sendo reconhecida como uma meta.4
Erros durante a comunicação dos profissionais são apontados como um dos principais motivos para que os eventos adversos ocorram, prejudicando, assim, a qualidade do cuidado.5
A comunicação é essencial nas relações entre os indivíduos, assim como no trabalho em equipe entre os profissionais da saúde em qualquer cenário, inclusive na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), onde a comunicação influencia na segurança e no cuidado dispensado ao neonato. Ela permeia todas as etapas do processo de trabalho,5 sendo considerada a conexão para que o profissional trabalhe e se expresse como ser social.
A UTIN é destinada à assistência do neonato grave ou potencialmente grave,6 sendo necessário adotar modelos tecno-assistenciais debatidos e produzidos pelos próprios profissionais. Nesse contexto, uma equipe multidisciplinar com profissionais especializados, visando uma assistência articulada e que dê sustentação para uma linha de cuidados progressivos, favorece a adequação entre a capacidade instalada e a condição clínica do bebê.
Frente a complexidade do ambiente e as particularidades dos pacientes internados na UTIN, aumenta o risco de ocorrerem eventos adversos quando comparado a outras unidades, exigindo dos profissionais uma comunicação efetiva e articulação entre a equipe multiprofissional, visando o cuidado e a garantia da segurança do paciente.1
O cuidado ao neonato na UTIN é complexo, sendo essencial que o profissional seja capaz de atender as demandas dessa unidade e dos pacientes, elaborando soluções e remodelando formas de cuidar, com pensamento crítico de intervenção em conjunto com a equipe interdisciplinar. Portanto, a comunicação efetiva é indispensável para garantir a segurança do paciente, evitando eventos adversos e, assim, impactando na qualidade do cuidado, sendo necessário espaços permanentes para o diálogo entre os profissionais, manutenção de canais de divulgação de informações, como por exemplo, uso de protocolos, listas de verificação e registros apropriados, o que refletirá diretamente na segurança do paciente.7
Então, compreende-se a comunicação como recurso essencial no trabalho da equipe de saúde, influenciando diretamente na segurança do paciente, sendo assim, elaborou-se a seguinte questão de pesquisa: Como ocorre o processo de comunicação interprofissional para a segurança do paciente na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal? Com o objetivo de compreender como ocorre o processo de comunicação interprofissional para a segurança do paciente na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal.
Metodologia
O presente estudo é uma Pesquisa Convergente Assistencial (PCA) que visou construir o conhecimento por meio da convergência entre a assistência e a pesquisa, bem como alterar a prática assistencial. A PCA dividiu-se em quatro fases: concepção, instrumentação, perscrutação e análise: a fase de concepção é onde acontece a definição da área a ser estudada; na instrumentação é estabelecido quem serão os participantes, local e técnicas utilizados na coleta dos dados; na perscrutação ocorre a coleta dos dados; e a análise consiste em realizar codificação, criar categorias empíricas e análise de conteúdo.8
A fase de concepção surgiu devido a uma problemática encontrada na prática assistencial8 em cuidados intensivos neonatais, especificamente, quanto ao uso de uma linguagem compreensível e uniformizada a ser utilizada por toda equipe para reduzir os eventos adversos e riscos ao paciente. Frente ao exposto, elaborou-se a questão de pesquisa: qual a percepção dos profissionais da UTIN acerca da que forma deve ser estruturado o processo de comunicação interprofissional, para promover a segurança do paciente, na perspectiva dos profissionais da UTIN?

Fonte: Adaptado de Trentini & Paim (2004) pelos autores, 2024.
Figura 1: Representação da produção de dados na PCA deste estudo.
pós essa etapa, os profissionais da equipe da UTIN do referido hospital foram consultados presencialmente, assim como a sua Unidade de Produção (órgão gerente multiprofissional, onde os profissionais são trabalhadores dessas unidades, assim como membros da gestão e direção do hospital) acerca da realização da pesquisa e sua configuração convergencial, sendo a proposta recebida positivamente e considerada importante para a melhoria da assistência ao neonato. Na fase de instrumentação ocorreu a negociação da proposta na instituição.8 Na PCA o campo de pesquisa deve ser onde a assistência acontece,8 o que neste estudo correspondeu a UTIN de um Hospital Universitário, de um município ao sul do Brasil.
A pesquisa obedeceu a Resolução 466/20129 e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa. O anonimato dos participantes foi mantido nomeando-os pela letra “P” seguida por um numeral com a ordem das entrevistas (P1, P2, P3...).
Participaram do estudo profissionais da equipe de saúde, que desempenhavam suas atividades integralmente ou majoritariamente na UTIN em questão, esses foram selecionados por meio de sorteio a partir da população total de 63 elegíveis. A inserção de profissionais foi cessada quando a saturação das informações foi atingida, o que ocorreu com 17 participantes. Como critério de inclusão selecionou-se os profissionais que atuavam na unidade há pelo menos um ano e, excluiu-se, aqueles que estavam de férias ou licença saúde no período de coleta das informações, totalizando duas exclusões por esses critérios. Destaca-se que nenhum profissional convidado recusou-se a participar da pesquisa. Foi utilizado o critério de saturação, sendo a coleta de dados realizada com representação de todas as classes profissionais (enfermeiro, técnico de enfermagem, nutricionista, médico, fisioterapeuta e fonoaudiólogo) que atuam na unidade. Destaca-se que no caso de fisioterapeuta, nutricionista e fonoaudiólogo a totalidade dos que atuam na unidade foi entrevistada (correspondendo a 5 entrevistados). Enquanto que, para enfermeiro, técnico de enfermagem e médico uma parte deles foi entrevistada, considerando os critérios de saturação dos dados.
Na fase da perscrutação foram coletados os dados e as informações junto aos participantes da pesquisa.8 A coleta foi realizada pela autora principal, pesquisadora e enfermeira com treinamento, a qual ocorreu entre julho e agosto de 2019 e foi composta por entrevista semiestruturada, observação participante e registro em diário de campo. As atividades dessa fase ocorreram de forma simultânea com as atividades da prática assistencial, pois buscaram mudanças no contexto da prática,8 o que foi observado neste estudo.
As entrevistas foram realizadas em local reservado do próprio ambiente de trabalho, estando presente apenas a pesquisadora e o participante. Essas foram realizadas após o aceite do convite pelo participante, ocasião em que foram explicados os objetivos da pesquisa e assinado o termo de consentimento livre e esclarecido, agendando-se data e hora para sua realização.
As questões utilizadas para coleta dos dados na entrevista relacionaram-se à percepção dos profissionais acerca do processo de comunicação na UTIN, e ao entendimento desses sobre as facilidades e dificuldades encontradas na comunicação interprofissional, considerando a medidas de segurança do paciente. A duração média de cada entrevista foi de 40 minutos, as quais foram gravadas com dispositivo eletrônico de áudio e após foram transcritas na íntegra de forma manual em arquivo word, sendo realizada a dupla conferência, para interpretação das informações.
Concomitantemente, a observação participante aconteceu em todos os turnos de trabalho da UTIN, com todas as equipes, por no mínimo duas horas, e acompanhamento das passagens de plantão. Esse período de observação foi acordado junto à chefia do setor e às equipes envolvidas. Ademais, houve o registro em diário de campo, sendo este um documento pessoal no qual fundamentou-se o conhecimento teórico-prático, relacionado à realidade vivenciada no cotidiano profissional. Esses registros foram realizados por meio de alguns apontamentos, com palavras-chave e impressões durante as entrevistas e observações e, após estas, foi registrado um relato completo do acompanhado na entrevista/observação.
Considerou-se saturada a coleta de dados quando não surgiu nenhum elemento novo e acrescentar novas dados não seria necessário, pois não mudaria a compreensão do fenômeno estudado.10 Após a coleta dos dados ocorreu a transcrição integral e a organização destas, facilitando sua codificação, reconhecendo nas informações palavras, frases, parágrafos ou termos-chave que mais se repetiram nos depoimentos dos participantes. As transcrições foram enviadas aos participantes para validação, estando eles de acordo. Após a finalização do estudo, o mesmo foi retornado ao serviço, para que todos pudessem ter acesso aos dados produzidos.
A fase da análise divide-se em três etapas: apreensão, síntese e teorização.8 Portanto, depois de ocorrida a codificação foram elaboradas as categorias empíricas, ou seja, foram agrupados os termos com atributos correlatos ou interdependentes, em concordância com os critérios especificados, visando propiciar por condensação uma representação simplificada dos dados brutos, seguida da aplicação da análise de conteúdo. O quadro 1 trata-se de uma exemplificação de como ocorreu a fase de síntese no estudo.
As informações foram organizadas e codificadas, incluindo a identificação do tipo de informação. Para as informações oriundas das observações e do diário de campo utilizou-se a seguinte nomenclatura: Notas de Observação (NO) para o relato das informações obtidas nas observações; Notas da Assistência (NA) para as ações de cuidado/assistência, desenvolvidas durante o processo de pesquisa que envolveram pesquisador e pesquisados. Para aproximação dos dados foi realizada a leitura aprofundada do material codificado. As informações registradas foram organizadas de maneira cronológica, com data e número da entrevista ou observação e identificação do participante.8
Quadro 1: Exemplificação da execução da fase de síntese de dados nesse estudo.
P1 | “Olha, dependendo do profissional é bem precária (...); com os médicos mesmo é que a gente tem mais problema”. | Fator dificultador na comunicação - falta de comunicação entre a equipe interdisciplinar |
P7 | “(...) pelo olhar, pelos gestos (...)” | Comunicação não verbal |
P9 | “A forma de comunicação acho que é, passar a informação verbalmente (...). eu gosto de prescrever e passar verbalmente as alterações” | Comunicação verbal |
P16 | “Eu considero que esse processo é fácil (...) porque existe um bom relacionamento entre as equipes (...)” | Fator facilitador na comunicação - vínculo entre profissionais |
Fonte: Os autores, 2024.
O processo de apreensão foi atingido quando os resultados representaram uma descrição completa e minuciosa do grupamento de informações.8 Iniciou-se então a síntese, nela realizaram-se leituras sucessivas a fim de imergir nas informações trabalhadas na fase de apreensão,8 proporcionado ao pesquisador argumentos para a continuidade das mudanças iniciadas na prática assistencial.8 Neste estudo, ter identificado como ocorreu o processo de comunicação interprofissional para a segurança do paciente na UTIN permitiu o levantamento dos dificultadores e dos facilitadores nesse processo.
A etapa de teorização ocorreu quando os significados foram estabelecidos, sendo as relações entre eles pormenorizadas, conferindo-lhes as concepções presentes nas informações, favorecendo, assim, a formulação de suposições e novos questionamentos.8
Ademais, foram seguidos os critérios que envolvem a qualidade e o rigor conforme a lista de verificação Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ).11
Resultados
Dentre os 17 participantes, quatro eram enfermeiros, três médicos, cinco técnicos em enfermagem, três fisioterapeutas, um fonoaudiólogo e um nutricionista, com idades entre 25 e 51 anos e tempo de atuação na unidade de cinco a 25 anos.
A partir da análise dos dados foram elaboradas duas categorias: Comunicação verbal e não verbal; Fatores facilitadores e fatores dificultadores na comunicação. Após, apresentou-se a convergência construída entre o enfoque prático e o enfoque conceptual.8
Comunicação verbal e não verbal
Os participantes destacaram a linguagem verbal, do tipo falada, como a principal forma de comunicação entre os profissionais. Além disso, a utilização da forma escrita também foi citada, sendo constituída por registros em prontuários físicos e eletrônicos, checklists, prescrições e sistemas virtuais para resolução de demandas:
“Acho que ela ocorre através de documentos (...) e de forma mais informal também, como as conversas que nós temos no dia a dia, dentro da própria rotina” (P4).
“A forma de comunicação acho que é, passar a informação verbalmente (...). eu gosto de prescrever e passar verbalmente as alterações” (P9).
“Eu enxergo mais a verbal” (P15).
“(...) a principal é comunicação verbal entre os profissionais, comunicação de como está o paciente (...) e eu acho que também, a comunicação via prontuário, seja no sistema ou seja escrito e também uma outra forma de comunicação, que não deixar de ser comunicação, é a prescrição. Então eu acho que são as principais” (P17).
Os registros eletrônicos ou físicos, em suas mais variadas formas, representaram para os participantes do estudo, um meio seguro e formal de buscar e passar informações:
“Eu procuro no sistema, onde a gente tem as evoluções, tanto evolução médica, como a da enfermagem, da fonoaudiologia e da fisioterapia, ou as vezes também no próprio prontuário físico” (P10).
Além da comunicação verbal também a comunicação não verbal foi mencionada pelos participantes, como sendo utilizada na UTIN:
“(...) pelo olhar, pelos gestos (...)” (P7).
“Entre nós, tu trabalhando com a enfermeira que tu conhece, tu consegue entender só pelo olhar, mas se tu está com a enfermeira que não é do teu cotidiano já fica mais difícil” (P12).
“A forma mais comum é verbal, e tem a forma escrita, as evoluções, as prescrições, e às vezes, tem gestual também” (P14).
A passagem de plantão foi percebida como uma importante forma de obter informações na unidade:
“(...) passagem de plantão entre os colegas” (P6).
“Ah então, o processo de comunicação começa a partir da passagem de plantão, que a gente coloca todas as intercorrências do paciente, como foi o plantão, tudo que aconteceu no plantão (...). Eu acho que o processo de comunicação que possui maior representatividade é realmente a passagem de plantão” (P11).
Em uma das notas de observação do campo foi possível observar que a passagem de plantão teve caráter empírico, caracterizado pela ausência de um instrumento que possibilitasse a execução deste processo com qualidade, fragilizando a segurança dos pacientes.
“Repara-se que a passagem de plantão se dá a beira leito, porém não há padronização das informações a serem passadas. Então, fica a critério do emissor classificar o que julga de maior representatividade para a continuidade do cuidado. Outro fator que se destaca é que, por vezes, a transmissão das informações é realizada de forma breve e apressada, pois é necessário que os membros da equipe atendam a regras da instituição, no que tange o registro de horário. Sendo assim, é possível que nem toda a informação seja passada ao profissional que chega para assumir o paciente” (NO - Diário de campo, jul/2019).
Fatores facilitadores e fatores dificultadores na comunicação
Como fatores facilitadores na comunicação os entrevistados citaram a interação e o vínculo entre as equipes.
“(...) a comunicação da equipe de enfermagem é razoável até (...) entre os turnos a gente consegue se passar e se comunicar razoavelmente bem (...)” (P1).
“Eu considero que esse processo é fácil (...) porque existe um bom relacionamento entre as equipes (...)” (P16).
Em contrapartida, como fatores dificultadores foram citadas a falta de comunicação entre equipes distintas e de discussões interdisciplinares.
“Olha, dependendo do profissional é bem precária (...) com os médicos mesmo é que a gente tem mais problema” (P1).
“Eu acho que em primeiro lugar, sempre é o diálogo (...) a conversa às vezes a gente não tem, a gente não sabe muito, porque o médico, eles falam entre si e a gente não fica sabendo muito bem o todo do paciente” (P13).
Na NO e na NA, do diário de campo, foi possível perceber que a comunicação ocorreu de forma fragmentada e sem a presença de todas as categorias profissionais:
“As passagens de plantão acontecem apenas com a presença de enfermeiros e técnicos de enfermagem, demais profissionais realizam passagens de plantão em salas e horários diferentes” (NO - Diário de campo, jul/2019).
“Espaços de troca entre os profissionais, como os rounds, não ocorrem em todos os turnos. Porém, é possível observar que, quando esses são desenvolvidos, há profissionais que não se sentem confortáveis em participar da partilha de informações” (NO - Diário de campo, jul/2019).
“No desenvolvimento de atividades na assistência percebe-se que as informações partilhadas em espaços como rounds e reuniões da unidade de produção se perdem, isto é, não chegam a todos os profissionais da equipe. A informação não mantém um trajeto padrão entre o emissor e o receptor, o que interfere na qualidade e representatividade da ação entre os membros da equipe” (NA - Diário de campo, ago/2019).
Os profissionais também relataram situações que interromperam o fluxo de informações entre os membros da equipe, fragilizando o processo de comunicação.
“(...) a falta de comunicação e a falta de reuniões, e de um representante em si para divulgar as coisas faladas nas reuniões (...)” (P2).
“Às vezes vem pessoas de outro setor avaliar o paciente e acabam não passando para a equipe da enfermagem, principalmente as intercorrências, acabam só passando de um médico para outro e se a gente quiser as informações a gente tem que buscar, então eu acho que ainda tem déficit na comunicação” (P11).
“O acesso, por exemplo, se tu quer conversar com o médico, mas sabe que ele está no descanso, alguma coisa, ou gera algum constrangimento, tu deixa aquela informação para depois, pensa: "ah não é tão relevante para agora", então é uma comunicação boa, mas que poderia ser melhor” (P17).
Nesse sentido, os entrevistados explicitaram a necessidade de padronizar a linguagem no processo de comunicação:
“Eu acho que a gente deveria ter mais reuniões de equipe, a comunicação falha aí, porque, como uma das coisas que eu acho (...) é que a equipe não fala a mesma linguagem (...) todo mundo deveria falar uma mesma linguagem, e para isso a gente teria que se reunir mais, entendesse, conversar mais, e aí eu falo em interdisciplinar (...)” (P8).
“Como o trabalho é feito por profissionais de diversas áreas, como o profissional de uma área vai entender o que a outra área diz, questão de abreviatura, se não está bem especificado, não tem como saber. Pode ser óbvio para mim, mas não pode ser óbvio para outra pessoa, acho que o conhecimento na área da saúde é enorme (...)” (P10).
“Acredita-se que protocolos e documentos de padronização de siglas e abreviaturas são necessários para manter registros escritos inteligíveis a todos os profissionais da unidade, estes são discutidos junto da unidade de produção” (NA - Diário de campo, ago/2019).
Os profissionais explicitaram a necessidade de ações de educação permanente e de equipamentos adequados, para uniformizar a comunicação:
“Mais recursos, equipe mais capacitada. Ter mais equipamentos adequados” (P3).
“Acho que às vezes, em alguns momentos, acredito que a falta de base teórica, uma coisa que dificulta muito a comunicação, porque acaba banalizando informações que seriam importantes e relevando algumas que não seriam de tanta importância” (P5).
Convergência construída entre o enfoque prático e o enfoque conceptual
A partir da análise dos dados e reflexões foi elaborada a convergência com a prática assistencial da UTIN. Primeiramente, discutiu-se os resultados do estudo com as quatro equipes de profissionais da unidade (turnos manhã, tarde, noite 1 e noite 2), em encontros marcados com duração média de 40 minutos, traçando-se, assim, o plano de convergência. Nesses encontros, explanou-se sobre o processo de comunicação e sua influência na segurança do paciente neonato, expondo os achados da pesquisa, discutindo-os com a literatura científica, contextualizando e construindo, junto com a equipe, a compreensão e a reflexão crítica sobre o tema.
Portanto, com essas atividades grupais possibilitou-se mostrar a configuração do processo de comunicação entre os profissionais da equipe, assim como os reflexos individuais, sociais e culturais na comunicação. Além disso, foi possível mostrar as influências desses fatores sobre a qualidade da assistência e segurança do paciente, discutindo-se possíveis soluções para melhorar a comunicação e tornar eficaz a segurança do paciente, bem como melhorar a qualidade da assistência ao neonato dentro da unidade.
Como resultado dessas discussões elaborou-se um protocolo de Procedimento Operacional Padrão de Comunicação Efetiva em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, visando uniformizar o processo de comunicação entre os profissionais na unidade e destes com os profissionais de outras unidades. Após discussão com as equipes, construção e revisão realizada pelos próprios profissionais, inclusive aqueles que não participaram do estudo, o protocolo foi encaminhado para chefia da unidade, seguindo o fluxo para sua validação interna e posterior implantação.
Discussão
A linguagem oral foi destacada pelos entrevistados como pilar da comunicação interprofissional, sendo muitas vezes usada de forma informal, esteve presente nas passagens de plantão e nos diálogos entre componentes da equipe. Nesse sentido, a passagem de plantão configurou-se como uma importante ferramenta de comunicação, contudo, ela ainda é permeada por conversas informais, por vezes, não recebendo a atenção devida. Na passagem de plantão é preciso estabelecer uma comunicação clara e objetiva, enfocando os principais aspectos subsidiados por protocolos que auxiliem na organização do processo e proporcionem a segurança do paciente.1,12,13
Compreender a comunicação como processo contribui com a qualidade das relações que deverão ser estabelecidas no trabalho, evitando o comprometimento da eficiência da assistência ao neonato, e do próprio exercício profissional. A comunicação é, portanto, um instrumento que o profissional de saúde utiliza para desenvolver e aperfeiçoar o saber-fazer.14
Dessa forma, utilizar métodos de padronização reflete positivamente no processo de passagem de plantão, pois dá sustentação para o fluxo de informações na utilização de uma sequência de questões julgadas importantes à continuidade da assistência, ajudando no não esquecimento e promovendo organização.15
Para essa padronização algumas medidas são importantes, tais como: tempo previamente estabelecido, presença da equipe receptora e transmissora, local adequado, ausência de interrupções desnecessárias, informações transmitidas de forma clara, objetiva e completa, atenção e postura profissional, bem como entrosamento e respeito interpessoal.14
O uso da linguagem não verbal configurou-se como estratégia importante no processo de comunicação, sendo que as expressões corporais complementam a transmissão das mensagens. Nesse ponto, durante a execução da comunicação, emissor e receptor trabalham em sinergia para garantir a eficácia do processo.
A comunicação não verbal amplia a interação, difundindo sentimentos e emoções, permitindo que as pessoas possam compreender o significado das palavras, bem como interpretar os sentimentos umas das outras.5 Entretanto, o silêncio também possui significados, podendo passar várias mensagens.
O vínculo entre os profissionais mostrou-se importante na comunicação não verbal na UTIN. Quando os membros da equipe de saúde estão afinados no desenvolvimento do processo de trabalho a assistência é melhor executada, constituindo-se um processo de comunicação mais fluido e resoluto.
A Teoria dos Vínculos Profissionais,16 corrobora com o acima discutido, propondo o fortalecimento das relações de trabalho, com base na qualificação da equipe e na elaboração do convívio saudável entre seus membros. Consequentemente, introjeta-se nos membros da equipe de saúde à reflexão sobre a dinâmica das relações grupais e o desenvolvimento de capacidades intra e interpessoais dos indivíduos, evidenciando-se que o subjetivo nas relações de trabalho é refletido na execução do cuidado.16
Dessa forma, neste estudo, o vínculo e a formação continuada foram apontados como fatores qualificadores para uma comunicação efetiva, visando a segurança do paciente. Entretanto, houve fatores que interferiram na qualidade da comunicação interprofissional como a falta de comunicação entre equipes distintas e a falta de padronizações que facilitem e uniformizem o processo entre os profissionais.
Nesse contexto, nota-se que os profissionais da saúde possuem dificuldades para ter uma comunicação que auxilie no trabalho em equipe, interferindo diretamente na segurança do paciente. Destaca-se que a hierarquia, o poder e os conflitos no ambiente de trabalho exercem impactos sobre a forma de comunicação estabelecida, fazendo com que as categorias profissionais atuem de forma análoga no trabalho em equipe.17
Assim, a fragmentação da comunicação entre equipes distintas e a posição de hierarquia de algumas equipes sobre as outras infere e, mesmo que proporcionados espaços de trocas e discussão como os rounds, o contexto de representação sociocultural das profissões parece agir sobre o processo de comunicação, sendo que nem todos os profissionais sentem-se confortáveis em contribuir neste momento.
Por outro lado, nos rounds a equipe consegue realizar pactuações de forma mais homogênea, sendo preciso pensar neles como instrumentos de apoio e qualificação do trabalho em equipe. Os rounds interdisciplinares, quando bem estruturados, contribuem com o processo de comunicação entre os membros da equipe, aprimorando a assistência e reduzindo os eventos adversos.14
Para que a comunicação verbal e a escrita sejam eficazes, é necessário que se tenha clareza nas mensagens transmitidas por meio de uma linguagem homogênea. Também é preciso padronizar as informações, sendo indispensável para a compreensão entre quem ouve ou lê, tornando o processo comunicativo efetivo.18
O presente estudo mostrou a necessidade de padronizar o processo de comunicação seja ele nos registros escritos, por meio de prontuários e checklists, ou na assistência baseada em protocolos, equalizando as informações. Quanto à comunicação oral, os encontros regulares de membros da equipe, para discussão de rotinas de trabalho, também se constituíram como forma de uniformizar a informação, facilitar a interlocução e qualificar a assistência.
Nesse sentido, é necessário que a execução do processo de comunicação seja uniforme e contínua, permitindo a discussão e a participação de todos os membros da equipe, a fim de aparar arestas e conduzir a informação, sem falhas no processo. Para tanto, a instrumentalização da comunicação dos profissionais de saúde precisa ocorrer desde os bancos da academia, reavaliando-se os currículos para incorporar os conceitos de Segurança do Paciente e o desenvolvimento de práticas interdisciplinares. Logo, a compreensão do processo de comunicação é preditora de uma assistência de qualidade e de garantia à segurança do paciente.19
Ademais, reforça-se a necessidade de ampliar esse processo por meio da Educação Permanente, de forma a responder às necessidades e demandas propostas pela instituição e pelo Sistema Único de Saúde.20
Como limitação do estudo tem-se o fato de ter abordado apenas os profissionais que atuavam na UTIN. Acredita-se que um estudo buscando conhecer a perspectiva dos profissionais que atuam na maternidade e na pediatria, poderia complementar a discussão acerca do fluxo das informações entre os setores diversos da instituição, pelos quais o neonato passa do nascimento até a alta hospitalar e, assim, facilitar o desenvolvimento de protocolos mais eficazes no processo de comunicação.
Sendo assim, a comunicação interprofissional é indispensável para garantir a segurança do paciente neonatal, pois quando as informações são transmitidas de forma clara e organizada entre a equipe, evitam falhas e garantem qualidade no cuidado.
Conclusão
Conclui-se que a comunicação verbal por meio da passagem de plantão constituiu-se como principal ferramenta utilizada pelos profissionais, sendo qualificadora da assistência e da segurança do paciente. A construção do vínculo entre os profissionais foi um importante fator para melhorar a comunicação verbal e não verbal que, associada à educação permanente, favorece uma comunicação efetiva. Identificou-se ainda algumas falhas na comunicação como a falta de padronização, a perda de informações e a falta de espaço físico para trocas de informações.
Faz-se necessário que os profissionais entendam a influência do fator humano no diálogo e suas consequências para a comunicação efetiva e na qualidade da assistência, através da corresponsabilização de cada um da equipe. Dessa forma, compreende-se que o estudo traz contribuições valiosas para repensar as estratégias e os protocolos adotados nas UTIN, sendo que a organização do fluxo das informações, entre equipes e profissionais das diversas áreas da saúde que prestam assistência ao neonato, favoreceria um processo de comunicação mais eficaz, melhorando a segurança do paciente. Ademais, o uso da PCA possibilitou conhecer a perspectiva dos profissionais investigados acerca da comunicação na UTIN, discutir e elaborar estratégias para a melhoria da prática assistencial, mostrando a convergência entre a assistência e a pesquisa.
Conflito de interesses
Não há conflitos de interesse.