Introdução
Os policiais militares (PM) são um grupo distinto de trabalhadores responsáveis pelo desempenho de atividades em prol da segurança pública, reprimindo qualquer tipo de violência e criminalidade, além de atuar em situações de conflito e tensão pública.1 Essa profissão lida constantemente em ambientes estressantes e com risco de morte e não possuem uma boa qualidade do sono devido ao trabalho intenso o que acarreta problemas de saúde e, consequentemente, influenciando negativamente a qualidade de vida no trabalho (QVT).2,3Os policiais que não possuem uma boa qualidade vida no trabalho estão mais susceptíveis aos afastamentos e ausências no serviço desfalcando o efetivo nesses períodos. 3
A QVT pode ser entendida como sinônimo de satisfação, motivação, possibilidade de crescimento, bem-estar, humanização do trabalho, participação nas decisões de gestão e capacitação para realizar as tarefas de trabalho.4 Assim, a temática QVT torna-se relevante, uma vez que facilita o engajamento da gestão estratégica de recursos humanos e proporciona maior eficiência de trabalho.4
Por sua parte, a qualidade de sono pode ser influenciada pelo ambiente, sobrecarga de trabalho e fatores psicológicos.5 Desse modo, profissionais que realizam atividades com jornada de trabalho extensa, muitas vezes sem local apropriado para o descanso favorece ao adoecimento desse trabalhador, o que dificulta o trabalho e modifica a rotina do serviço.5,6O cansaço físico e a falta de equilíbrio emocional podem levar os trabalhadores a adotarem atitudes irracionais durante a atividade policial em detrimento de situações de alta periculosidade e estresse, uma vez que podem acarretar déficit no desempenho do exercício profissional e expor esses trabalhadores e a população ao risco de dano e morte. Os policiais militares por serem profissionais de segurança pública estão constantemente sob pressão e risco comprometendo a qualidade do sono e a QVT. 6
Durante o período do sono, os processos neurobiológicos são essenciais para a manutenção da saúde física e o cognitivo.6 No entanto, a privação do sono, em caráter recorrente, pode desencadear a diminuição da capacidade mental e o esgotamento físico, dificuldade de participação em eventos sociais e o aumento do nível de estresse e ansiedade e problemas cardiovasculares.6
A profissão policial é considerada de alto risco e exige um vigor físico e mental do trabalhador diante do serviço realizado. De tal modo que uma boa qualidade do sono é importante, pois impacta diretamente em diversos aspectos na saúde desses trabalhadores.5 Sendo assim, os policiais em geral, essencialmente os que realizam atividade especializada, trabalham em situações de alto risco com elevado grau de estresse físico e mental. Esses profissionais são capacitados a lidar com situações como assaltos, sequestros, tráfico de drogas, rebeliões em presídios, dentre outras.7 Dessa forma, o trabalho sob tensão, sem o devido descanso predispõe estes policiais a apresentarem transtornos do sono e, por sua vez, ocasionar prejuízos na QVT e no desempenho laboral.6
Os prejuízos na QVT incluem a necessidade de afastar do trabalho e diminuição do quantitativo de policiais para a realização do serviço, sobrecarregando muitas vezes os demais policiais por necessitarem de maior número de policiamento efetivo nas ruas.6
Considerando a avaliação da qualidade do sono e suas consequências na QVT dos policiais do serviço especializado, é necessário a elaboração de estudos acerca dos possíveis transtornos do sono desse grupo populacional, tendo em vista que essa classe trabalhadora é susceptível ao adoecimento e desenvolvimento de doenças, em detrimento da realização das atividades laborais.8 Assim, o estudo tem como objetivo, avaliar a associação entre a qualidade do sono com a qualidade de vida no trabalho de policiais militares.
Metodologia
Estudo quantitativo, correlacional, de corte transversal. A coleta dos dados foi realizada no primeiro semestre de 2019, nas Companhias Independentes de Policiamento Especializado (CIPE) de três municípios da Bahia, Brasil (CIPE1, CIPE2, CIPE3). As CIPEs compõem o serviço policial militar ao exercer atividades especializadas de combate ao crime, como o combate direto a situações de sequestro, tráfico de drogas e rebeliões em presídios dentre outras.
O estudo foi composto por policiais do sexo masculino, dentre os quais se encontraram oficiais e praças que atuavam em atividades administrativas ou operacionais com pelo menos 01 ano de efetivo. Para obter os dados mais homogêneos, as policiais do sexo feminino não participaram do estudo devido ao baixo número de efetivo (CIPE1= 01 mulher, CIPE2= 05 mulheres, CIPE3= 04 mulheres). Foram excluídos do estudo os policiais que estavam afastados por problemas de saúde, férias ou licença, no período da coleta dos dados (CIPE1=08, CIPE2=09, e CIPE3=12). Desse modo, de uma população de 337 policiais, obteve-se o número de 298 participantes, representando o total da amostra.
A coleta de dados foi acompanhada por pesquisadores treinados e instruídos para orientar o autopreenchimento dos questionários do estudo, a fim de evitar vieses. Os instrumentos utilizados foram três: inquérito sociodemográfico e de características laborais; inquérito sobre a qualidade de vida no trabalho; e, inquérito sobre qualidade do sono.
O inquérito sociodemográfico verificou características como: sexo, faixa etária, situação conjugal, escolaridade, renda mensal como policial; em relação às características laborais foram verificadas as seguintes características: outros vínculos empregatícios, tempo de trabalho como policial e como CIPE, graduação, punição no serviço como advertência ou suspensão no serviço (sim ou não), motivação quanto a exercer atividade policial (sim ou não), situações traumáticas no trabalho (morte de colega, roubo), acidentes de trabalho(sim ou não).
No inquérito sobre QVT foi utilizado o instrumento Total Quality of Work Life-42 (TQWL-42) composto por 42 questões fechadas que utiliza uma escala de respostas do tipo Likert, compostas por cinco elementos, variando entre 1-5. Esses extremos representam 0% e 100%, respectivamente. Os maiores escores representam melhor QVT. Este instrumento foi criado no Brasil e validado para uso entre profissionais. 9
As questões estão divididas igualmente em cinco esferas, classificados como: Biológica/ Fisiológica (disposição física e mental, capacidade de trabalho, serviços de saúde e assistência social, tempo de repouso), Psicológica/Comportamental (autoestima, significância da tarefa, feedback, desenvolvimento pessoal e profissional), Sociológica/Relacional (liberdade de expressão, relações interpessoais, autonomia, tempo de lazer), Econômica/ Política (recursos financeiros, benefícios extras, jornada de trabalho, segurança de emprego) e Ambiental/Organizacional (condições de trabalho, oportunidade de crescimento, variedade e identidade da tarefa). As duas questões restantes, representam o aspecto “autoavaliação da QVT”. 9
Foi utilizado o instrumento Pittsburgh Sleep Quality Index (PSQI), aplicado para avaliar a qualidade do sono em relação ao último mês, o qual consiste em dez questões agrupadas em sete componentes duração do sono, qualidade subjetiva do sono, latência do sono, eficiência habitual do sono, distúrbios do sono, uso de medicações para dormir, sonolência diurna e distúrbios durante o dia, com pesos distribuídos numa escala de 0 a 3. A soma da pontuação máxima desse instrumento é de 21 pontos, sendo os escores superiores a cinco pontos indicativos de qualidade ruim no padrão de sono.10 Para critérios de análise a pontuação da escala de qualidade do sono foi invertida, ou seja, quanto maior for a pontuação na escala melhor será a qualidade do sono do trabalhador. Esse instrumento foi validado no Brasil por Bertolazi et al. (2011).11
Para tabulação e análise de dados foi utilizado o Stata, versão 14. O padrão de distribuição dos dados foi realizado através do teste de Kolmogorov-Smirnov, sendo observado a não normalidade (p-valor < 0,05). Assim, os resultados foram apresentados em frequência relativa e absoluta para variáveis categóricas, e medianas e intervalo interquartílico (IQ) para as contínuas. Foi aplicado o teste do qui-quadrado para as variáveis sociodemográficas e ocupacionais. Posteriormente, foi aplicado o teste de correlação de Spearman entre a qualidade do sono com a as dimensões da QVT. O nível de significância adotado para ambos os testes foi de p-valor <0,05.
O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade local sob parecer nº. 2.346.591, em atendimento à Resolução Nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde. Foram esclarecidos aos participantes da pesquisa os objetivos e natureza do estudo e diante da concordância assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados
Quanto às características sociodemográficas, a média da idade foi de 40 anos (IQ =35-44 anos), a maioria tinha companheiro, escolaridade ensino médio, cor negra e renda inferior a 4000 mil reais (Tabela 1). Quanto às características do trabalho, a maioria não tinha outro vínculo empregatício e tinha menos de 15 anos de atuação na polícia e menos de 7 anos na polícia militar, graduados como praças. Além disso, a maioria não sofreu punição no ambiente de trabalho, possuíam motivação para trabalhar, sofreram alguma situação traumática no trabalho. Quanto aos acidentes evidenciou-se que a maioria não chegou a sofrer (Tabela 1).
Observou-se associação estatística dos policiais do serviço especializado com idade ≤ 40 anos (54,6%, (n=100), p=0,007*) e renda familiar ≤ 4000 mil reais com a qualidade do sono ruim (65,0%, (n=119), p=0,014*). Ainda foi possível evidenciar, quanto as características laborais, associação estatística entre a má qualidade do sono com tempo de serviço ≤ 7 anos de tempo de serviço especializado (57,2%, (n=103), p=0,041*) (Tabela 1).
Verificou-se que o domínio que apresentou a mediana mais elevada foi a dimensão psicológica/comportamental, 59,3 (IQ=45,0-71,8) e a menor mediana foi observada na dimensão econômica/política 50,0 (IQ=42,9-52,3) (Tabela 2).
Evidenciou-se associação estatisticamente significante entre todas as dimensões da QVT com a qualidade do sono (p<0,001). Percebeu-se correlação positiva moderada (r= 0,508) entre a dimensão biológica/fisiológica com a qualidade do sono. As demais dimensões apresentaram associação positiva fraca (p<0,001). Desse modo, constatou-se que quanto menor a QVT menor será a qualidade do sono (Tabela 3).
Discussão
A qualidade do sono está relacionada diretamente ao bem estar físico e mental, sendo uma das necessidades básicas do ser humano.12 Verificou-se que os policiais das companhias independentes de policiamento especializado apresentaram uma qualidade do sono ruim. Em um estudo envolvendo 4.957 policiais americanos observou-se a prevalência de distúrbios do sono em 60% dos policiais. Foi constatado que esses policiais que apresentavam algum transtorno do sono tinham maior probabilidade de cometerem erros no serviço, como, violações de segurança, dormir ao volante, raiva descontrolada em ocorrências e absenteísmo. 17Ademais, no estudo realizado envolvendo 379 policiais norte-americanos, observou que 39% dos profissionais com qualidade do sono ruim informaram sofrer de sintomas relacionados à depressão, estresse e pior qualidade de saúde.13
Observou-se a partir dos resultados elencados que os policiais com idade ≤ 40 anos apresentaram uma qualidade do sono ruim. Esse fato pode estar relacionado às condições de ingresso na polícia. Os policiais, em sua maioria, são jovens e ao ingressarem na corporação se submetem aos treinamentos, capacitações e trabalho sob estresse, o que predispõe estes policiais a apresentarem má qualidade de sono. 14,15
Em relação à renda mensal, constatou-se associação entre os policiais com renda ≤ 4 mil reais e a qualidade do sono ruim. Os policiais que ganham esse salário normalmente possuem o único vinculo e dedicam-se somente ao serviço policial, já que essa profissão devido a carga horária extensa impossibilita a maioria dos indivíduos a terem flexibilidade na gerência de outros vínculos, exceto os de atuação na saúde e educação.8 Os baixos salários consequentemente não permitem que os policiais tenham melhores condições de entretenimento, lazer e descanso, afetando a qualidade do sono. A baixa qualidade do sono acarreta prejuízos nas atividades diárias do indivíduo, comprometendo o rendimento no trabalho e a qualidade de vida em geral, o que provoca forte impacto social e econômico.16
Variáveis | Qualidade do Sono | p-valor Qui Quadrado | |||
---|---|---|---|---|---|
Boa | Ruim | ||||
n (115) | 38,6% | n (183) | 61,4% | ||
Características sociodemográficas | |||||
Idade | |||||
≤ 40 | 61 | 53 | 100 | 54,6 | 0,007* |
> 40 | 54 | 47 | 83 | 45,4 | |
Situação conjugal | |||||
Com companheira | 72 | 62,6 | 116 | 63,4 | 0,892 |
Sem companheira | 43 | 37,4 | 67 | 36,6 | |
Escolaridade | |||||
Ensino Médio | 69 | 60,0 | 116 | 63,4 | 0,557 |
Ensino Superior | 46 | 40,0 | 67 | 36,4 | |
Raça/cor autodeclarada | |||||
Não Negros | 17 | 14,8 | 29 | 15,8 | 0,804 |
Negros | 98 | 85,2 | 154 | 84,2 | |
Renda familiar mensal | |||||
≤ R$ 4.000,00 | 65 | 56,5 | 119 | 65,0 | 0,014* |
> R$ 4.000,00 | 50 | 43,5 | 64 | 35,0 | |
Características ocupacionais | |||||
Outro vínculo de trabalho | |||||
Não | 94 | 81,7 | 156 | 85,2 | 0,423 |
Sim | 21 | 18,3 | 27 | 14,8 | |
Tempo de polícia | |||||
≤ 15 anos | 69 | 60 | 97 | 53,0 | 0,137 |
> 15 anos | 46 | 40 | 86 | 47,0 | |
Tempo na CIPE | |||||
≤ 7 anos | 65 | 56,5 | 103 | 57,2 | 0,041* |
> 7 anos | 50 | 43,5 | 80 | 42,8 | |
Graduação | |||||
Oficiais | 12 | 10,4 | 17 | 9,3 | 0,745 |
Praças | 103 | 89,6 | 166 | 90,7 | |
Punição no trabalho | |||||
Não | 92 | 80,0 | 154 | 84,2 | 0,358 |
Sim | 23 | 20,0 | 29 | 15,8 | |
Motivação no trabalho | |||||
Não | 15 | 13,0 | 27 | 14,8 | 0,680 |
Sim | 100 | 87,0 | 156 | 85,2 | |
Vivência de situação traumática | |||||
Não | 37 | 32,2 | 59 | 32,2 | 0,990 |
Sim | 78 | 67,8 | 124 | 67,8 | |
Acidente de trabalho | |||||
Não | 60 | 52,8 | 95 | 51,9 | 0,965 |
Sim | 55 | 57,2 | 88 | 48,1 |
Dimensões da QVT | Mediana | IQ |
Biológica/Fisiológica | 56,2 | (43,7-65,6) |
Psicológica/Comportamental | 59,3 | (45,0- 71,8) |
Sociológica/ Relacional | 56,2 | (46,8-68,7) |
Econômica/ Política | 50,0 | (42,9-52,3) |
Ambiental/ Organizacional | 53,1 | (46,7-62,5) |
IQ: intervalo interquartil
Dimensões da QVT | Qualidade do sono R | p-valor |
Biológica/ Fisiológica | 0,508 | <0,001* |
Psicológica/ Comportamental | 0,357 | <0,001* |
Sociológica/ Relacional | 0,371 | <0,001* |
Econômica/ Política | 0,278 | <0,001* |
Ambiental/ Organizacional | 0,330 | <0,001* |
*p-valor < 0,05
Quanto às características ocupacionais, percebe-se que os policiais que trabalham há um período ≤ 7 anos na CIPE apresentaram pior qualidade do sono. Pode-se inferir que os policias da CIPE por serem pessoas que passaram por um treinamento de nivelamento e por serem pessoas incorporadas recentemente, podem não estar adaptadas ao serviço, bem como, sofrer em virtude do trabalho que exige inúmeras horas de comprometimento, além de lidar com a pressão psicológica do dia a dia.
Considerando que a QVT é uma noção que envolve elevado grau de subjetividade e se associa às condições sociais, econômicas e de ambiente do trabalho.9 Foi possível desvelar no estudo, uma pior percepção de QVT na dimensão econômica/política. A exposição às jornadas de trabalho extensivas e situações estressantes vivenciadas pelos policiais, favorecem o desenvolvimento de problemas de saúde que podem evoluir ao longo do tempo, de modo que necessitem de recursos financeiros em busca de tratamento para a resolução dos agravos à saúde. Ademais, as condições internas relacionadas às pressões dos superiores podem contribuir para o desenvolvimento de estresse, influenciando diretamente na QVT.18
Ao analisar a associação entre a QVT com a qualidade do sono, foi evidenciado que os policiais com pior qualidade do sono apresentaram pior QVT na dimensão biológica/fisiológica. O estudo realizado com 464 policiais da cidade de Buffalo em Nova York, EUA, entre 2004 e 2009, constatou que o trabalho relacionado a uma má qualidade do sono, pode resultar em várias doenças crônicas, como, hipertensão arterial sistêmica, lombalgia, apneia do sono, sinusite, sonambulismo, artrose e diabetes.19
É interessante observar a relação entre a dimensão psicológica/comportamental com a qualidade do sono. Os policiais com pior percepção no respectivo domínio tinham a qualidade do sono ruim. Diante disso, a literatura demonstra que a má qualidade do sono produz problemas psicológicos como a deterioração da memória, dificuldade em se concentrar e discernir as ações praticadas, déficit nas tarefas psicomotoras, comprometimento cognitivo, irritabilidade, fadiga e disfunções das habilidades psicossociais. 20 Esses achados reforçam os resultados do estudo realizado na Alemanha sobre o sono, no qual evidenciou os efeitos psicológicos, baixa satisfação com os transtornos do sono. 21 Os policiais que não possuem uma boa qualidade de vida no trabalho estão mais susceptíveis aos afastamentos, atestados e ausências no serviço desfalcando o efetivo nesses períodos, aumentando a sobrecarga dos colegas no trabalho.3
Foi verificado nesse estudo, correlação entre a qualidade do sono com a QVT na dimensão sociológica/relacional. Os policias com má qualidade do sono apresentaram pior QVT na dimensão sociológica/relacional. Esse achado justifica a observação dos profissionais que possuem problemas quanto ao sono, os quais tendem a ter dificuldades em se relacionar e realizar o trabalho coletivo. O trabalho policial requer atenção e trabalho em equipe devido aos riscos inerentes da profissão durante as ocorrências. Estudo norte-americano corrobora de que os policiais com pior qualidade do sono tendem a ter pior desempenho no trabalho, maiores taxas de absenteísmo e maior chance de acidentes de trabalho.3 Ademais, a responsabilidade assumida pelos superiores, associada à doutrina e ao cumprimento do Estatuto da Polícia Militar, podem comprometer a dimensão sociológica/relacional da QVT. 22
A dimensão econômica/política apresentou associação com o nível de qualidade do sono ruim. A baixa qualidade do sono acarreta prejuízos nas atividades diárias do trabalhador afetando o rendimento e a QVT, além de provocar um forte impacto social e econômico. Além disso, a insatisfação com a remuneração faz com que esses indivíduos possam procurar outras alternativas de fonte de renda, embora não sejam a maioria, devido à dedicação exclusiva da profissão impossibilitando a ascensão econômica.23 O trabalho sob estresse e em turnos estendidos predispõe estes policiais a apresentarem má qualidade de sono.24
Outro importante achado deste estudo foi o de que os policiais com QVT insatisfatória na dimensão ambiental/ organizacional apresentaram qualidade do sono ruim. A esfera ambiental/organizacional avalia os aspectos ergonômicos do ambiente laboral, oportunidade de crescimento, variedade da tarefa.9 Assim, a má qualidade do sono dos policiais pode estar relacionada aos aspectos e dificuldades do ambiente de trabalho como déficit de equipamentos, a falta de contingente humano e recursos, progressão na carreira. Além do mais, a depender do local de trabalho do profissional pode acontecer dificuldades na comunicação e diálogo com superiores para reaver melhorias no labor.25Vale destacar as dificuldades relacionadas á promoção no trabalho o que acarreta a desvalorização do profissional. Isso reforça a tendência de insatisfação dos policiais em relação ao bem estar no ambiente de trabalho, proporcionando adoecimento e problemas com a QVT. 26
O presente estudo apresentou algumas limitações, foram evidenciados poucos estudos na literatura que abordem as condições de trabalho dos militares de policiamento especializado. Assim, novas investigações são necessárias para confirmar os achados deste estudo. Além disso, o desenvolvimento de novos estudos ter-se-á proposições para que profissionais de saúde como médicos, enfermeiros e psicológicos possam intervir nessa classe trabalhadora através de um atendimento direcionado, principalmente relacionado aos problemas psicológicos e físicos.
Conclusão
Os achados deste estudo apontam para a prevalência de policias militares do serviço especializado com idade acima de 40 anos, renda menor que 4 mil reais e tempo de serviço menor ou igual a 7 anos de CIPE apresentaram má qualidade do sono. Além disso, observou-se que os policiais com pior qualidade do sono apresentaram QVT insatisfatória em todas as dimensões (biológicas/fisiológica; psicológica/comportamental; sociológica/relacional; econômica/política, ambiental/organizacional).
Em suma, os distúrbios do sono são comuns entre os policiais militares de elite e as diversas consequências advindas de um sono de má qualidade. Esses profissionais lidam com situações de alta periculosidade, sendo trabalhadores susceptíveis ao adoecimento e complicações com a saúde. Nessa perspectiva, considera-se a carência da necessidade de desenvolvimento de pesquisas que abordem as consequências da qualidade do sono na QVT dos policiais.
Desse modo, os polícias militares devem ser alvo de ações políticas em qualquer país ou contexto, e que devem ser levadas em conta para a sua a criação e implementação, já que não existe uma política específica para esse grupo de trabalhadores. Salienta-se, também, que não existe uma política nacional de saúde específica para esse grupo de trabalhadores no país. Destaca-se que a instituição militar possui profissionais de nível superior na área da saúde que poderiam contribuir com seu conhecimento no auxilio e prevenção de problemas psicológicos, desencadeados por uma má qualidade do sono, na saúde dos demais policiais do serviço especializado. Assim, poderiam diminuir os afastamentos de profissionais, sobretudo, os causados por problemas de saúde.
Conflicto de interesse
Os autores declaram não haver nenhum conflito de interesse.