Introdução
As doenças infecciosas permearam a história e exigiram esforços coletivos para o seu controle. No contexto atual, apesar dos avanços na medicina, o novo coronavírus (severe acute respiratory syndrome coronavirus - SARS-CoV-2) disseminou-se rapidamente em todo o mundo causando a Coronavirus Disease 2019 (COVID-19), uma doença respiratória potencialmente grave, que se configura como uma ameaça à vida de milhares de pessoas.1
Considerando, surtos anteriormente causados por coronoavírus, observa-se que o espectro clínico da COVID-19, inclui desde as infecções assintomáticas, quadros leves de síndrome gripal, até condições respiratórias mais severas, como a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).2 A elevada transmissibilidade do vírus e a falta de recursos materiais e humano no sistema de saúde, fez com que profissionais de enfermagem que estão na linha de frente no atendimento à população, se deparassem com grandes desafios no que tange na prestação do cuidado em saúde.3
Diante disto, os profissionais de enfermagem envolvidos direta e indiretamente no enfrentamento da pandemia, tornaram-se expostos cotidianamente ao risco de adoecer ou morrer pelo novo coronavírus. Além disso, a heterogeneidade que caracteriza este contingente da força de trabalho determina diferentes formas de exposição, tanto ao risco de contaminação, quanto aos fatores associados às condições de trabalho a que são submetidos.4 À vista disso, compreende-se, que a enfermagem se apresenta para o enfretamento à pandemia em condições desfavoráveis e com um cenário desanimador no que tange a gestão do trabalho.5
No entanto, apesar das adversidades impostas, pode-se afirmar que o enfrentamento da atual crise sanitária provocada pelo novo coronavírus no Brasil, só tem sido possível, exatamente, em razão do serviço de saúde público oferecido ao cidadão brasileiro, o Sistema Único de Saúde (SUS), que atribui um enorme contingente de profissionais de enfermagem, os quais representam nesse contexto mais de 60% da força de trabalho que atua no SUS, integrando todas as etapas do cuidado em saúde, e prestando, portanto, um serviço de alto valor social.5
A partir dos registros do Observatório da Enfermagem brasileira, site vinculado ao Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), é possível avaliar o panorama de disseminação da doença e seus desfechos, associado à exposição ocupacional e identificação de problemas que aumentaram suas vulnerabilidades, seja pela falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), sobrecarga de trabalho, baixo contingente de pessoal, medo, angústia, estresse, perdas e luto. Essas demandas revelam a urgência de intervenções junto a esses profissionais, que vem integrando as estatísticas de casos, óbitos e letalidade.6 Destacando o Brasil como um dos países com maior impacto da doença entre profissionais de enfermagem.7
Em função da relevante situação epidemiológica e do risco potencial de contaminação pelo novo coronavírus enfrentada cotidianamente pelos profissionais de enfermagem na prestação do cuidado em saúde, o presente estudo se justifica frente à necessidade concreta de reconhecer e acompanhar os riscos eminentes de adoecimento e morte aos quais os profissionais de enfermagem estão expostos, como forma de fornecer informações úteis aos gestores, à sociedade e ao Estado, para a definição de propostas, ações e estratégias voltadas para o seu controle e combate, visando à proteção dos profissionais da enfermagem que estão na linha de frente no enfrentamento à pandemia.
Pelo exposto, buscou-se descrever a situação epidemiológica dos profissionais de enfermagem no Brasil acometidos pela COVID-19.
Materiais e método
Estudo epidemiológico, observacional seccional e descritivo de série de casos realizado por meio de dados secundários, obtidos através de notificações disponibilizadas no Sistema de Informação do Observatório da Enfermagem. A descrição da pesquisa foi norteada pelas diretrizes Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE).8
O Observatório da Enfermagem consiste em um portal eletrônico, construído em meados de março de 2020, pelo Departamento de Tecnologia de Informação e Comunicação (DTIC), do Comitê Gestor de Crise do Conselho Federal de Enfermagem (CGC-COFEN), com o propósito de dar visibilidade, acompanhar e gerenciar os dados epidemiológicos do avanço da COVID-19 entre os profissionais da Enfermagem Brasileira.9
Destaca-se ainda, que os registros no Observatório são realizados diariamente, e atualizados a cada seis horas, por meio de um formulário eletrônico estruturado online (Google Docs), sendo um ambiente computacional em tempo real de análise de dados (planilha eletrônica do Excel) com disponibilização automática de todos os dados na página do COFEN, a partir do site http://observatoriodaenfermagem.cofen. gov.br/.
Foram incluídos neste estudo todos os casos notificados no Observatório da Enfermagem, desde o primeiro caso suspeito ou confirmado de COVID-19 entre os profissionais de enfermagem, no dia 03 de abril de 2020 até o dia 26 de maio de 2021. Foram excluídos os registros, cujo preenchimento das variáveis de interesse para esse estudo encontravam-se incompletas, totalizando 3062 casos.
Desse modo, as variáveis de interesse para este estudo foram: sexo (feminino e masculino); faixa etária: (20 a 30 anos); (31 a 40 anos); (41 a 50 anos); (51 a 60 anos); (61 a 70 anos); (71 a 80 anos); região: (Centro-Oeste, Sul, Nordeste, Sudeste, e Norte); Unidade Federativa (26 estados e o Distrito Federal); óbito, taxa de mortalidade (sim, não); taxa de letalidade (sim; não); e situação da infecção: (casos com suspeita de COVID-19 em quarentena; com suspeita de COVID-19 falecidos; com suspeita de COVID-19 internados; com diagnóstico confirmado de COVID-19 em quarentena; diagnóstico confirmado de COVID-19 falecidos; diagnóstico confirmado de COVID-19 internados; diagnóstico não confirmado de COVID-19; profissional confirmado com COVID-19 e com alta). Cabe destacar que, neste estudo, foram adotadas as definições de taxa de letalidade que mede a severidade de uma doença e é definida como a proporção de mortes dentre aqueles doentes por uma causa específica em um certo período de tempo e a taxa de mortalidade avaliada segundo a razão entre o número de óbitos em um dado período e a população no mesmo período.9
Os dados foram coletados no dia 26 de maio de 2021, a partir da interface do painel eletrônico interativo do Observatório da Enfermagem que gera e fornece em tempo real descritivamente, por banco de dados do Excel, os valores: total de casos, total de óbitos e letalidade dos casos confirmados. Estes resultados foram submetidos a uma análise descritiva, seguida de correlações simultâneas com as variáveis: sexo, faixa etária, situação da infecção, região, unidade federativa, óbito e letalidade. Os dados foram tratados e apresentados sob a forma de tabelas confeccionadas pelo software Microsoft Excel2016.
Por se tratar de estudo a partir de dados secundários e agregados de domínio público e uso de dados não identificados, não foi necessário submeter o estudo para aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, estando, portanto, em conformidade com a Resolução nº 510 de sete de abril de 2016 do Conselho Nacional de Saúde.
Resultados
No Brasil, no período analisado, foram notificados no site do Observatório do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), um total de 56.114 (100%) casos, com predomínio do sexo feminino correspondendo 47.889 (85,34%), de igual modo a taxa de mortalidade reunindo 531 (67,72%) registros. Todavia, o sexo masculino somou maior letalidade em quase todos os grupos etários com maior expressividade na faixa etária entre 61 a 70 anos correspondendo 50 (50%) dos casos registrados. Com relação ao segmento etário, a faixa etária entre 31 a 40 anos somada a idade de 41 a 50 anos, foram às idades mais acometidas pela COVID-19, conforme pode ser evidenciado na (Tabela 1).
Considerando o total de 56.114 (100%) casos, os estados como São Paulo, Bahia e Rio Grande do Sul, respectivamente obtiveram os maiores índices de notificação de casos de COVID-19 registrados entre os profissionais de enfermagem, com predomínio no sexo feminino.
Com relação à taxa de mortalidade, o estado de São Paulo, proporcionalmente ao número de casos notificados, somou os maiores índices com 102 registros (13,01%). Destaca-se que o estado de Amazonas, apesar de não registrar índices tão expressivos de casos, somou a maior taxa de letalidade entre os estados brasileiros com (53,38%), superando o estado de São Paulo com maior número de casos e de morte registrados. Por outro lado, o estado da Bahia se apresenta como o segundo estado com maior notificação de casos 6536 (11,64%), inversamente proporcional à taxa de letalidade (0,45%), que apresenta a menor entre todos os estados brasileiros. Esses achados encontram-se descritos na (Tabela 2).
Na tabela 3, levando em conta o número total de casos por situação da doença, foi possível observar que o sexo feminino se destacou em todos os segmentos etários. Nota-se que a faixa etária de 31 a 40 anos, somada a faixa etária de 41 a 50 anos, reuniram respectivamente, os maiores índices com relação ao afastamento dos profissionais com suspeita de COVID-19 e, em quarentena com 6.074 (36,46%) e 3.765 (22,60%) registros. De igual maneira, essa mesma faixa etária prevaleceu no que tange a suspeita de COVID-19 internados e em quarentena, perfazendo respectivamente, um total de 78 (33,05%), 5699 (35,83%) registros. Por outro lado, em relação aos registros de óbito com o diagnóstico confirmado de COVID-19, os profissionais de enfermagem na faixa etária entre 41 a 50 anos e 51 a 60 anos, reuniram, respectivamente, as maiores taxas com 151 (20,24%) registros, cada faixa etária.
Variáveis | Faixa Etária | |||||||||||
20 - 30 anos (N: 12358) (O: 29) (L: 0,44%) | 31 - 40 anos (N: 23238) (O: 154) (L: 1,20%) | 41 - 50 anos (N: 14682) (O: 253) (L: 3,09%) | 51 - 60 anos (N: 5003) (O: 216) (L: 7,73%) | 61 - 70 anos (N: 766) (O: 118) (L: 27,03%) | 71 - 80 anos (N: 67) (O: 14) (L: 37,14%) | |||||||
Sexo | F | M | F | M | F | M | F | M | F | M | F | M |
Nº de Registros | 10359 | 1999 | 19761 | 3477 | 12596 | 2086 | 4438 | 565 | 678 | 88 | 57 | 10 |
Óbito | 20 | 9 | 95 | 59 | 156 | 97 | 159 | 57 | 89 | 29 | 12 | 02 |
Letalidade | 0,38% | 0,72 | 0,88% | 2,83% | 2,26% | 7,74% | 6,52% | 16,12% | 23,20% | 50,0% | 37,93% | 33,33% |
Fonte: Observatório da Enfermagem do Conselho Federal de Enfermagem, 2021.
Unidade Federativa (UF) | Variáveis | ||||
Casos por UF | Mortalidade | Letalidade | Feminino | Masculino | |
Acre | 747 (1,33%) | 12 (1,53%) | 1,79% | 581 (O: 8 / L: 1,47%) | 166 (O: 4 / L: 2,90%) |
Alagoas | 171 (0,30%) | 08 (1,02%) | 13,79% | 140 (O: 8 / L: 16,0%) | 31 (O: - / L: -) |
Amazonas | 286 (0,50%) | 80 (10,20%) | 53,38% | 229 (O: 55 / L: 50,0%) | 57 (O: 25 / L: 63,16%) |
Amapá | 1478 (2,63%) | 19 (2,42%) | 1,67% | 1194 (O: 10 / L: 1,09%) | 284 (O: 9 / L: 3,96%) |
Bahia | 6536 (11,65%) | 19 (2,42%) | 0,45% | 5669 (O: 12 / L: 0,33%) | 867 (O: 7 / L: 1,21%) |
Ceará | 2232 (3,98%) | 31 (3,95%) | 2,97% | 1911 (O: 24/ L: 2,67%) | 321 (O: 7 / L: 4,70%) |
Distrito Federal | 1777 (3,16%) | 24 (3,06%) | 1,75% | 1497 (O: 16 / L: 1,40%) | 280 (O: 8 / L: 3,54%) |
Espírito Santo | 1153 (2,05%) | 10 (1,27%) | 1,49% | 998 (O: 7 / L: 1,15%) | 115 (O: 3 / L: 3,66%) |
Goiás | 1418 (2,52%) | 29 (3,69%) | 2,75% | 1248 (O: 25 / L: 2,71%) | 170 (O: 4 / L: 3,03%) |
Maranhão | 466 (0,83%) | 11 (1,40%) | 4,62% | 421 (O: 8 / L: 3,81%) | 45 (O: 3 / L: 10,71%) |
Minas Gerais | 3716 (6,63%) | 44 (5,61%) | 2,88% | 3205 (O: 29 / L: 2,12%) | 511 (O: 15 / L: 8,15%) |
Mato Grosso do Sul | 379 (0,67%) | 19 (2,42%) | 5,62% | 317 (O: 10 / L: 3,61%) | 62 (O: 9 / L: 14,75%) |
Mato Grosso | 1189 (2,12%) | 49 (6,25%) | 7,51% | 1020 (O:35 / L: 6,27%) | 169 (O: 14 / L: 14,43%) |
Pará | 734 (1,30%) | 40 (5,10%) | 8,91% | 583 (O: 30 / L: 8,55%) | 151 (O: 10 / L: 10,20%) |
Paraíba | 995 (1,78%) | 11 (1,40%) | 3,54% | 881 (O: 6 / L: 2,23%) | 114 (O: 5 / L: 11,90%) |
Pernambuco | 1728 (3,10%) | 35 (4,46%) | 4,14% | 1520 (O: 28 / L: 4,14%) | 208 (O: 7 / L:4,17%) |
Piauí | 824 (1,50%) | 05 (0,63%) | 0,75% | 728 (O: 4 / L: 0,64%) | 96 (O: 1 / L:1,67%) |
Paraná | 1057 (1,90%) | 41 (5,22%) | 6,20% | 921 (O: 32 / L:5,64%) | 136 (O: 9 / L: 9,47%) |
Rio de Janeiro | 5453 (9,71%) | 65 (8,29%) | 2,43% | 4558 (O: 43 / L: 2,03%) | 895 (O: 22 / L: 4,18%) |
Rio Grande do Norte | 1114 (1,98%) | 04 (0,51%) | 0,60% | 929 (O: 3 / L: 0,55%) | 185 (O: 1 / L: 0,83%) |
Rondônia | 981 (1,74%) | 47 (5,99%) | 5,83% | 825 (O: 33 / L: 4,86%) | 156 (O: 14 / L: 11,02%) |
Roraima | 374 (0,66%) | 10 (1,27%) | 4,24% | 305 (O: 6 / L: 3,26%) | 69 (O: 4 / L: 7,69%) |
Rio Grande do Sul | 5965 (10,64%) | 25 (3,18%) | 0,69% | 5160 (O: 14 / L: 0,45%) | 805 (O: 11 / L: 2,17%) |
Santa Catarina | 4389 (7,82%) | 30 (3,82%) | 1,47% | 3854 (O: 21 / L: 1,18%) | 535 (O: 9 / L: 3,38%) |
Sergipe | 791 (1,40%) | 07 (0,89%) | 1,31% | 704 (O: 6 / L: 1,25%) | 87 (O: 1 / L: 1,85%) |
São Paulo | 9504 (16,93%) | 102 (13,02%) | 2,79% | 7929 (O: 52 / L: 1,77%) | 1575 (O: 50 / L: 6,65%) |
Tocantins | 657 (1,17%) | 07 (0,89%) | 1,29% | 562 (O: 6 / L: 1,30%) | 95 (O: 1 / L: 1,23%) |
Fonte: Observatório da Enfermagem do Conselho Federal de Enfermagem, 2021.
Faixa etária | |||||||||||||
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20 - 30 anos | 31 - 40 anos | 41 - 50 anos | 51 - 60 anos | 61 - 70 anos | 71 - 80 anos | ||||||||
Sexo Situação da Doença | F | M | F | M | F | M | F | M | F | M | F | M | |
Em Branco (n:3.062) | 555 | 119 | 1024 | 170 | 682 | 118 | 293 | 30 | 65 | 2 | 3 | 1 | |
Com suspeita de Covid-19 em quarentena (n:16.659) | 3127 | 535 | 6074 | 949 | 3765 | 575 | 1261 | 147 | 184 | 22 | 17 | 3 | |
Com suspeita de Covid-19 falecidos (n:38) | 0 | 1 | 4 | 3 | 5 | 5 | 8 | 3 | 8 | 0 | 1 | 0 | |
Com suspeita de Covid-19 internados (n:236) | 19 | 4 | 78 | 19 | 54 | 15 | 32 | 9 | 4 | 2 | 0 | 0 | |
Diagnóstico confirmado com Covid-19 em quarentena (n:15.905) | 2847 | 602 | 5699 | 1080 | 3574 | 630 | 1154 | 147 | 147 | 13 | 10 | 2 | |
Diagnóstico confirmado de Covid-19 falecidos (n:746) | 20 | 8 | 91 | 56 | 151 | 92 | 151 | 54 | 81 | 29 | 11 | 2 | |
Diagnóstico confirmado de Covid-19 internados (n:313) | 25 | 6 | 73 | 23 | 92 | 29 | 45 | 10 | 8 | 1 | 1 | 0 | |
Diagnóstico não confirmado de Covid-19 (n:6.543) | 1426 | 234 | 2276 | 357 | 1418 | 185 | 527 | 41 | 68 | 4 | 7 | 0 | |
Profissional confirmado com Covid-19 e com alta (n:12.612) | 2340 | 490 | 4442 | 820 | 2855 | 437 | 967 | 24 | 113 | 15 | 7 | 2 |
Fonte: observatório da Enfermagem do Conselho Federal de Enfermagem, 2021.
Discussão
Frente aos aspectos epidemiológicos, no período analisado, dos profissionais de enfermagem reportados no Observatório da Enfermagem, verificou-se predominância de casos no sexo feminino, com maior acometimento na faixa etária produtiva, somando os maiores índices de afastamento por suspeita ou /confirmação de COVID-19. Foi identificada uma maior taxa de letalidade no sexo masculino. Ademais, o estado de São Paulo reuniu os maiores índices de notificação de casos de COVID-19, enquanto o estado do Amazonas somou a maior taxa de letalidade entre todos os estados brasileiros.
Baseando-se no Relatório de Pesquisa, Perfil da Enfermagem no Brasil, pode-se afirmar que a maioria absoluta (+ de 80%) dos profissionais que compõem a profissão, é do sexo feminino e tem em média 40 anos de idade.6 Dados que ratificam a presente pesquisa, e que também valida os achados de um estudo desenvolvido com profissionais de saúde nos Estados Unidos da América (EUA).10-11Aliado a predominância do sexo feminino, por ser a enfermagem, uma atividade majoritariamente feminina, também foi possível observar que a taxa de mortalidade foi prevalente no mesmo sexo com (20,28%) dos casos, corroborando com a literatura, que também identificou maior taxa de mortalidade (66%) no sexo feminino.12
Contudo sobre este aspecto, cumpre destacar que embora o grupo de risco tenha apresentado alta taxa de mortalidade, como esperado, a faixa etária mais afetada pela COVID-19, neste estudo, foi na idade produtiva entre 30 a 41 anos entre profissionais do sexo feminino, fato que aponta para um grande impacto neste momento de pandemia, pois estes profissionais que estão na linha de frente, são os responsáveis pela prestação da assistência à saúde em meio a um contexto totalmente inusitado, sem, no entanto, a experiência para lidar com esse cenário, tornando-se desta forma, mais vulneráveis à infecção pelo novo coronavírus.13
Com base na literatura é possível compreender este aspecto, visto que esses profissionais em idade tenra são os mais produtivos e, portanto, mais ativos, se relacionando direta e indiretamente com os pacientes e familiares, além de configurar o maior contingente de profissionais atuantes nos serviços de saúde, resultando uma maior exposição ao vírus. Sobre este aspecto, um estudo aponta que os profissionais de saúde apresentam três vezes mais chances de contrair o novo coronavírus do que a população em geral e, quando se restringe ao universo de infectados, é possível observar uma maior prevalência entre os profissionais de enfermagem, uma vez que representam o maior quantitativo entre os profissionais de saúde.14-15
Ademais, há evidência internacional que aponta que os profissionais de saúde representam de 3,8% a 20% da população infectada, configurando, uma ameaça no que tange a continuidade na prestação do cuidado à saúde, caso esse número se mantenha em ascensão.16
Esses achados ratificam a importância do desenvolvimento de estudos desta natureza, por provocar uma reflexão acerca de como o processo e as condições de trabalho podem oferecer riscos a esses profissionais de saúde, enquanto potenciais fontes de exposição ao agente etiológico frente aos pacientes e demais contatos.17 Visto que apesar do declínio nos casos reportados no Observatório da Enfermagem, em virtude da vacinação contra a COVID-1914, muitos desses profissionais adoeceram e ainda adoecem cotidianamente, e que apesar de todas as adversidades sofridas por estes no ambiente de trabalho, os mesmos se mantem na linha de frente na luta contra a COVID-19, mesmo sob riscos constantes de adoecer e/ou morrer, a enfermagem continua a desempenhar responsabilidades únicas no processo de cuidar em saúde, independente do cenário existente.18
Apesar do maior número dos profissionais de enfermagem notificados no Observatório ser em sua maioria do sexo feminino, a taxa de letalidade, neste estudo, reuniu os maiores índices no sexo masculino, com maior expressividade na faixa etária compreendida entre 61 a 70 anos. Evidências científicas mais atuais sugerem algumas características biológicas e comportamentais associadas a este fato. De acordo com um estudo, os homens têm níveis mais elevados da Enzima Conversora de Angiotensina 2 (ACE2) em suas células alveolares em comparação com as mulheres, e devido a isso a ACE2 atua como um receptor funcional para os coronavírus, favorecendo sua multiplicação, o que pode explicar taxas mais altas e piores resultados neste sexo.19
Outro aspecto apontado na literatura cita a suscetibilidade reduzida das mulheres às infecções virais, devido à proteção conferida pelos hormônios sexuais, que desempenham um papel importante na imunidade inata e adaptativa. Além disso, essa evidência sugere, que a COVID-19 é mais propensa a infectar homens idosos portadores de doença crônica como resultado do rebaixamento das funções imunológicas neste segmento populacional20, coadunando-se com os achados do presente estudo. Outra posição volta-se para o não cumprimento do isolamento social por este segmento, o que os torna mais vulneráveis ao risco da infecção.21 Considerando, que a gravidade da doença normalmente relaciona-se com a necessidade de hospitalização, essa característica pode manter relação direta com a letalidade.22
A distribuição geográfica da atual infecção nesses profissionais foi maior no estado de São Paulo, reunindo os maiores índices de notificação e de mortalidade, frente ao período analisado. Essa condição pode ser justificada, devido à região Sudeste se constituir enquanto a mais populosa quando comparado às outras regiões do Brasil, portanto, com maior número de profissionais da área e com mais instituições de saúde, além de apresentar nos últimos anos, maior expansão na fundação dos cursos de graduação em enfermagem, estimulada por programas federais de apoio ao acesso e permanência desses profissionais na região.23,22
Dessa forma, tanto as regiões Sudeste e Nordeste, parecem se manter como o epicentro da COVID-19 no Brasil, desde o início da pandemia, como mostra um estudo desenvolvido em agosto de 2020, quando relatou que as regiões que mais tiveram profissionais de enfermagem contaminados foi a região Sudeste com 5.798 (57%), seguida do Nordeste com 2.144 (21,29%).24De igual maneira, foi possível observar num estudo que aponta a região Sudeste, como a região com maior registro em proporção de casos por COVID-19 (46,35%) e óbitos (44,78%) entre os profissionais de enfermagem, especialmente na cidade do Rio de Janeiro, com um significante número de 1.412 casos e 31 mortes, e em São Paulo, com 1.025 casos e 27 mortes, fato que evidencia uma maior concentração e força de trabalho na região que registra um índice significativo de profissionais.22
Embora no estado do Amazonas, o número de casos e óbitos tenha sido menor, foi o estado que apresentou a maior taxa de letalidade entre os profissionais de saúde, quando comparado aos demais no território nacional, até mesmo do estado de São Paulo. Esse achado é ratificado por um estudo7 que identificou que o estado do Amazonas, apresentou o maior risco de adoecimento quando comparado aos demais, sendo identificado um aglomerado de risco espacial para incidência no estado. Além disso, este dado volta-se ao fato de que nesse estado, mais da metade da equipe de enfermagem, apresenta intenso desgaste biopsicossocial, tornando-os mais vulneráveis ao adoecimento, processo desencadeado pelas exaustivas e longas jornadas de trabalho, ritmo intenso, desvalorização profissional, entre outros fatores.7
Nesta diretiva, o presente estudo testificou uma considerável redução entre os profissionais de enfermagem em idade produtiva, seja o afastamento por suspeita/confirmação ou morte ou por integrarem grupo de risco com relação à idade avançada, comprometendo as estratégias de enfrentamento à COVID-19. Desde o início da pandemia, o Brasil, a época do desenvolvimento de um estudo, era o país com mais perdas de trabalhadores de enfermagem que talvez possa ser explicada, frente à demora ao afastamento ou realocação de profissionais considerados de risco, a falta de EPI e a oferta de equipamentos de baixa qualidade que podem ter influenciado no alto número de mortes no Brasil.24
Todavia, a complexidade na constatação desse fato, relaciona-se com a precarização da gestão de trabalho a que estes profissionais são submetidos, anterior ao atual cenário pandêmico. Inúmeras são as denúncias relacionadas à falta de condições adequadas de trabalho caracterizada, sobretudo pela carência de EPI, fato que contribui principalmente para o adoecimento e morte desses profissionais.24 Soma-se ainda, a falta de infraestrutura para o atendimento, escassez de insumos, dimensionamento inadequado de pessoal, jornadas extensas, sobrecarga de trabalho, baixos salários e falta de capacitação, dentre outros.25
Diante desse cenário caótico, é incontestável correlacionar os índices de contaminação e de óbitos, desses profissionais, frente às condições de trabalho a que estão expostos, cotidianamente, no atendimento à população que busca assistência, vitimada ou com suspeita da COVID-19.25 Esses fatores reunidos, corroboram para o afastamento do profissional de suas atividades, resultando em contratações emergenciais de profissionais, muitas vezes, sem experiência e conhecimento específico frente à COVID-19. Aliado a isto, estudo aponta a falta de confirmação laboratorial, somado aqueles que estão cumprindo o período de quarentena ou que se encontram internados, somando um quantitativo ainda maior de profissionais afastados, agravando ainda mais o déficit de pessoal de enfermagem que já existia antes da pandemia.26,24Ratificando os achados do presente estudo.
Essa configuração, certamente, afeta nuclearmente o processo de trabalho gerando sobrecarga ao contingente de enfermeiros, diante de um sério agravo, como é a COVID-19. Evidencia-se, portanto, a necessidade do acompanhamento do comportamento epidemiológico diante do grave surto imposto pelo novo coronavírus como ponto decisório para a gestão e direcionamento das ações frente aos profissionais de enfermagem. Experiências internacionais, afirmam que à medida que o surto da COVID-19 progride, o acompanhamento diário do comportamento epidemiológico assume papel preponderante para adoção de ações mais assertivas, visando otimizar a força de trabalho dos profissionais da saúde, sobretudo da enfermagem, mitigando os agravos causados a população brasileira e a esses profissionais tão essenciais no que concerne o cuidado à vida.27
Por limitação compreende-se o uso de dados secundários, onde a interface eletrônica de fornecimento de dados frente ao sistema utilizado, não disponibiliza a variável categoria profissional. Além da incompletude no preenchimento das notificações e possíveis subnotificações
Conclusão
Descrever a situação epidemiológica dos profissionais de enfermagem no Brasil permitiu identificar desde o primeiro caso notificado, a predominância de registros no sexo feminino, sobretudo na faixa etária produtiva, reunindo grande número de profissionais afastados por suspeita ou /confirmação de COVID-19. Além disso, viu-se que o sexo masculino foi o que somou maior taxa de letalidade entre os profissionais.
Adicionalmente, este estudo permitiu compreender a vulnerabilidade cotidiana a que esses profissionais são submetidos em seus ambientes de trabalho, apontando a necessidade urgente de estratégias que minimizem os riscos de contaminação, adoecimento e /ou morte pelos profissionais de enfermagem no Brasil. Entende-se, portanto, que a magnitude desta pandemia entre os profissionais de enfermagem, no Brasil, é motivo de alerta, uma vez que há uma continuidade no número de casos reportados no Observatório da Enfermagem.
Declaração de conflito de interesses
As autoras afirmam não haver conflitos de interesses.