Introdução
O câncer pode ser entendido como um conjunto de doenças que se caracterizam pelo crescimento celular desordenado, no qual as células se dividem rapidamente de forma agressiva e invasiva nos tecidos e órgãos, levando a formação de tumores.1 Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), as transições demográficas e epidemiológicas apontam um impacto cada vez maior de casos de câncer nas próximas décadas a nível global, com estimativas de 29 a 37 milhões de novos casos de câncer em países de baixa e média renda até o ano de 2040.2
Quanto as modalidades terapêuticas para o tratamento do câncer, uma das mais utilizadas é a quimioterapia antineoplásica, que consiste no uso de substâncias químicas, isoladas ou combinadas, cujo objetivo é tratar as neoplasias malignas, atuando a nível celular.3 A ação dos quimioterápicos sob as células, pode levar ao surgimento de algumas toxicidades, dentre elas, a toxicidade dermatológica, que pode resultar do extravasamento de drogas antineoplásicas.4
O extravasamento pode ser entendido como um dano tecidual decorrente da infiltração, por via endovenosa, dos quimioterápicos aos tecidos circunvizinhos do local puncionado, consistindo em uma emergência oncológica por provocar danos graves, necessitando de uma atuação profissional rápida e efetiva para evitar desfechos desfavoráveis para o paciente.4,5
É válido ressaltar, que ao profissional de enfermagem compete o planejamento do gerenciamento dos cuidados, incluindo a organização, a supervisão, a execução e a avaliação das ações em clientes submetidos ao tratamento quimioterápico, a fim de garantir a segurança da assistência oncológica.4,6
Estudo realizado com enfermeiros sobre à segurança do paciente oncológico em tratamento quimioterápico, evidenciou que a existência de fragilidades nas condutas dos profissionais está relacionada ao comprometimento do cuidado seguro e eficaz.7 É fundamental que o plano de cuidados contemple as melhoras práticas e inovações, a fim de garantir a qualidade da assistência ao paciente no enfrentamento do câncer.8
Diante disso, destaca-se a importância do estudo, visto que por se tratar de uma situação complexa, exige do profissional enfermeiro habilidades e conhecimentos específicos para o manejo seguro e efetivo dos casos, assim como, para o desenvolvimento de estratégias de cuidado que previnam tal evento.
O estudo objetivou compreender a percepção do enfermeiro sobre os cuidados relacionados ao extravasamento de drogas antineoplásicas.
Materiais e Métodos
Trata-se de um estudo de campo de caráter exploratório e descritivo com abordagem qualitativa. Para garantia do rigor metodológico na pesquisa, utilizou-se os itens do checklist de pesquisa qualitativa presentes nas diretrizes do Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ).9
O estudo foi realizado no ambulatório e nas enfermarias da oncologia adulto de uma instituição filantrópica vinculada ao sistema público de saúde, de referência no atendimento multidisciplinar e no cuidado ao paciente oncológico, localizada na cidade de Recife, Pernambuco, Brasil entre janeiro e dezembro de 2020.
Em relação aos participantes do estudo, foram selecionadas quinze enfermeiras, correspondendo a todas profissionais que estavam atuando na assistência ao paciente oncológico no serviço, conforme os critérios de elegibilidade, que seguiram os seguintes fundamentos: profissionais enfermeiros que atuam no serviço de oncologia selecionado, com tempo mínimo de atuação no serviço de seis meses. Sendo excluídos da amostra, os profissionais que estavam de férias e/ou licença no período da coleta de dados.
Após um contato prévio com os profissionais, os mesmos foram convidados a participar do estudo, em um espaço reservado para a realização das entrevistas, no local de trabalho dos mesmos, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Na primeira etapa do estudo, os profissionais responderam a um questionário sociodemográfico, com as seguintes variáveis: idade, sexo, orientação sexual, estado civil, religião, escolaridade, formação profissional, tipo de instituição de ensino, tempo de atuação na enfermagem, tempo de atuação com paciente oncológico e com administração de quimioterápicos e capacitações concluídas sobre antineoplásicos.
Em um segundo momento, foi realizada uma entrevista semiestruturada, com perguntas sobre os cuidados relacionados ao extravasamento de drogas antineoplásicas: classificação das drogas antineoplásicas, sinais e sintomas do extravasamento, os principais fatores de risco, os cuidados de enfermagem realizados; as medidas de prevenção e as dificuldades vivenciadas no manejo dos casos de extravasamento.
Os dados foram coletados pelos pesquisadores do estudo, a partir de um equipamento digital, sendo as entrevistas gravadas em formato de áudio (.mp3), com duração média de 30 minutos. Em seguida, as entrevistas foram transcritas integralmente, realizando-se a adequação à norma culta padrão do idioma.
Os entrevistados foram identificados entre parênteses por códigos que variam do A1 ao A15, a fim de manter o sigilo, respeitando os aspectos éticos.
Os dados sociodemográficos oriundos dos questionários foram submetidos a uma análise estatística descritiva. Quanto a análise das informações obtidas nas entrevistas, foi utilizado o método de análise de conteúdo temático-categorial, seguindo um procedimento sistemático composto pelas seguintes fases: a pré-análise, na qual foi realizada uma ''leitura flutuante''e a elaboração de indicadores que auxiliaram na preparação formal do material; a exploração do material, onde foram escolhidas as unidades de codificação, adotando-se os procedimentos de recorte, enumeração e a utilização de categorias, de acordo com a temática identificada nas falas e na literatura; e o tratamento dos resultados, inferência e interpretação, tornando o material significativo, indo além do conteúdo manifesto nos documentos, no sentido de compreender verdadeiramente o discurso enunciado pelos participantes.10
Neste estudo, manteve-se o rigor metodológico por meio de algumas práticas e ações respeitando os princípios de credibilidade, transferibilidade, confiabilidade e confirmabilidade.11 Para garantia da credibilidade foi utilizado um método de pesquisa adequado a problemática, sendo também realizado o controle da subjetividade, a revisão por pares e a reflexibilidade. As transcrições também foram devolvidas aos participantes, para que fossem validadas. A amostragem criteriosa e uma descrição do fenômeno e contexto, a fim de permitir comparações foram realizadas respeitando a transferibilidade. Quanto a confiabilidade foi construído um projeto de pesquisa claro e detalhado, com a disponibilidade do roteiro de entrevista e detalhamento da análise dos dados. A confirmabilidade ocorreu por meio da verificação da integridade dos resultados, contraste dos achados com a literatura e apresentação da proposta aos envolvidos na pesquisa.
Para o desenvolvimento desta pesquisa foram respeitadas as normas e diretrizes para a realização de pesquisas envolvendo seres humanos, contidas na Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS)12, tendo a pesquisa o CAAE 30351720.0.0000.5201 e obtido parecer favorável de nº 3.961.043.
Resultados
Em relação aos profissionais participantes deste estudo, a idade variou entre 24 e 50 anos. Desses, a maioria era do sexo feminino 14 (93%), heterossexuais 12 (80%) e solteiros 10 (67%). Quanto à religião, a maioria pertencia ao catolicismo 7 (47%). Em relação a escolaridade, 11 (73%) referiram possuir pós-graduação, sendo 5 (45%) na área de oncologia e hematologia.
Quanto ao tempo de formação profissional, 13 (87%) dos profissionais referiram estarem formados em um tempo variando entre 01 e 10 anos, e 2 (13%) entre 10 e 20 anos. Em relação ao tipo de instituição, 10 (67%) referiram que realizaram a graduação em uma instituição privada. Os profissionais também foram questionados sobre o tempo de atuação com o paciente oncológico, e 6 (40%) referiram um tempo de atuação entre 05 e 10 anos.
Sobre o tempo que atuam com a administração de antineoplásicos, 6 (40%) referiram um tempo de administração entre 05 e 10 anos. Em relação ao local de atuação no serviço oncológico, 8 (53%) atuam no ambulatório de oncologia e 7 (47%) nas enfermarias.
Neste estudo, a partir da análise temático-categorial dos dados obtidos por meio das entrevistas, emergiram duas categorias apresentadas a seguir.
Categoria 1- Cuidados preventivos: da identificação dos fatores de riscos à educação do paciente e equipe de saúde
Nesta categoria, são apresentadas as percepções dos enfermeiros sobre os cuidados preventivos que destacam da identificação dos fatores de risco que contribuem para o evento do extravasamento de drogas antineoplásicas às estratégias de educação do paciente e equipe.
''Sim, existem fatores de risco... um bom acesso... quando você faz uma boa punção diminui esse risco de extravasamento... orientar o paciente quanto a sua mobilidade (...) observar... prestar atenção... testar o fluxo e refluxo quando ele retornar da ida ao banheiro (...)''(A07).
''(...) o profissional de enfermagem ele tem que... no caso se for um acesso venoso periférico... puncionar e na hora da administração da medicação continuar testando fluxo e refluxo do cateter... acho que diminui consideravelmente o nível de extravasamento (...) o resto é observar mesmo... observação(...)''(A4).
Alguns participantes, relacionaram os fatores de risco às condutas dos profissionais de enfermagem na administração dos antineoplásicos e nos cuidados com o paciente oncológico. Já em outras falas, os fatores de risco foram relacionados ao paciente, considerando seu estado geral, as condições de acesso, o estado nutricional, entre outras questões, como pode ser observado abaixo:
''Eu acho que a escolha da veia... se for uma veia muito... digamos...fininha... ou também idoso que tem a pele, as veias muito friáveis... aí rompe mais fácil... tem que escolher uma veia mais adequada (...)''(A12).
''Tem... aqueles pacientes que são muito debilitados... que utilizam drogas muito vesicantes... esses têm os maiores fatores de risco pra apresentar o extravasamento (...)''(A9).
Em outras falas percebe-se a relação dos fatores de risco ligados ao paciente e ao tempo de duração do tratamento, considerando o maior tempo de tratamento, um agravante para a ocorrência do extravasamento. Também pode ser observado, as falas que associaram os fatores relativos ao paciente, aos fatores pertinentes as condutas dos profissionais.
''Existe sim... alguns protocolos que são de longa duração e que o paciente faz periférico (acesso venoso periférico) e que tem uma rede venoso fragilizada... isso com certeza é um... determinante pra gente se preocupar mais ainda (...)''(A14).
''Tem... primeiro fator que contribui pra um extravasamento é a punção periférica com a técnica incorreta... o segundo são as condições periféricas daquele paciente... às vezes ele não tem condições periféricas (...)''(A5).
Ainda, alguns profissionais referiram não conhecer nenhum fator de risco que pudesse contribuir para a ocorrência do extravasamento.
''Acho que não... se tiver eu desconheço''(A8).
''Fatores de risco... sei não...''(A1).
Quanto as ações preventivas, relacionadas a educação do paciente e da equipe de saúde, alguns profissionais relataram a importância da técnica correta para puncionar e os cuidados realizados durante a infusão, como a monitorização do paciente. Outros, destacaram o papel educador do enfermeiro, ao tratar da relevância de orientar o paciente quanto aos cuidados com o local puncionado durante a infusão do antineoplásico, para evitar o extravasamento.
''Sim... ficar vigiando o paciente enquanto está infundindo a medicação... testar fluxo e refluxo antes de instalar a quimioterapia... garantir a qualidade do vaso que foi puncionado''(A1).
''(...) orientar o paciente pra não tá deambulando... evitar sair pra o banheiro... manuseio... não mexer tanto com aquele membro que tá puncionado''(A6).
Em outras falas, os profissionais apontaram que as medidas para prevenir a ocorrência do extravasamento, cabem tanto ao profissional quanto ao paciente, destacando que ambos têm responsabilidade na prevenção do extravasamento, como observado na fala abaixo:
''Existe sim... essa questão da ordem de punção... do local de punção, é uma das formas... a outra forma é realmente você ficar vigiando bem o acesso e orientar o paciente da importância dele realmente mexer menos naquele membro que foi puncionado (...) quando for se deslocar sempre pedir ajuda da equipe de enfermagem, para que a equipe consiga acompanhá-lo''(A14).
Outros entrevistados, relataram que a prevenção do extravasamento tem relação com as condições de trabalho, destacando que a falta de recursos humanos, assim como, a falta de capacitação profissional tem relevância na ocorrência do extravasamento.
''(...)uma assistência mais intensa... agora pela quantidade de paciente, pela quantidade de funcionário... eu acho que não fica muito... não dá conta''(A3).
''Eu acho que... capacitação da equipe... um fluxo em relação a conduta acessível a todos... condições de trabalho''(A7).
Em outras falas, alguns profissionais revelam perceber que não apresentam conhecimento de medidas de prevenção para ocorrência do extravasamento, como pode ser observado nas falas abaixo:
''Rapaz, eu acho que não... porque, é uma coisa tão... meio que imprevisível''(A13).
''Não sei...''(A12).
Categoria 2 - Cuidados diretos: da identificação da ocorrência ao gerenciamento institucional do evento
A categoria apresenta a percepção dos profissionais sobre a ocorrência do extravasamento de antineoplásicos, assim como, os cuidados diretos de enfermagem realizados, as ações voltadas ao registro da notificação do extravasamento, e as condutas relacionadas ao gerenciamento do evento visando a segurança do paciente.
Nas falas de alguns profissionais, a identificação do extravasamento foi relacionada às possíveis causas que levam a tal evento, assim como, aos efeitos decorrentes dele.
''O extravasamento da droga antineoplásica...seria quando... por algum motivo... ou um atrito físico... ou algum deslocamento... o cateter... ele sai um pouquinho do vaso e aí essa droga escorre para o tecido adjacente ao vaso (...)''(A2).
''Extravasamento de droga antineoplásica é o rompimento do vaso, durante uma infusão, onde essa medicação foge do vaso para os tecidos adjacentes causando um dano possivelmente irreversível para o paciente dependendo da conduta que for tomada (...)''(A14).
Já para outros entrevistados, a percepção do extravasamento se deu a partir dos sinais e sintomas observados, como pode ser visto a seguir:
''É quando o quimioterápico... a medicação sai da veia do paciente... e fica com aquele edema local bem importante... de chamar atenção (...)''(A15).
''O paciente vai sentir dor, queimação... o membro começa a ficar edemaciado... e com eritema (...)''(A6).
Em relação às condutas realizadas mediante o extravasamento de antineoplásicos, alguns profissionais relataram que ações realizadas voltadas ao tratamento e acompanhamento dos casos, são construídas de forma sequenciada a partir da identificação do evento, destacando que os cuidados são baseados em um protocolo de extravasamento instituído no serviço.
''Parar a infusão imediatamente... identificar a droga que está sendo infundida no paciente... quanto tempo que o paciente tá sentindo... reclamando... com queixas... fazer a medição do local e a quantidade já infundida... quanto tempo de infusão... a extensão da lesão... e realizar os bloqueios... realizar o protocolo do extravasamento''(A5).
Outros profissionais destacaram que não existe um protocolo instituído para a realização das condutas necessárias no caso de um extravasamento. Ainda, tiveram falas que referiram realizar os cuidados conforme orientação da supervisão.
''Aqui na oncologia a gente não tem nenhum protocolo que a gente possa preencher e ficar acompanhando esse paciente... porque muitas vezes ele faz a quimioterapia, mas, vai de alta...''(A8).
''É complicado... aqui a gente não tem um fluxo de seguir quando ocorre o extravasamento... então assim uma vez ocorreu extravasamento, muita gente ficou em dúvida se era crioterapia ou termoterapia (...) eu oriento a equipe conforme a supervisão passa...''(A7).
Também pode ser observado a preocupação na continuidade do cuidado, após a saída do paciente do serviço oncológico, destacando a importância do acompanhamento da lesão para evitar um agravamento consequente do extravasamento. Alguns profissionais, inclusive, apontaram dificuldades na realização do acompanhamento, e a necessidade da implementação de uma ferramenta que viabilize a continuidade do cuidado realizado pela equipe de enfermagem.
''(...) fazer o bloqueio com dexametasona, colocar compressa fria e no caso da oxaliplatina colocar compressa quente e orientar o paciente a fazer isso três vezes ao dia e retornar com três dias... e também pegar os telefones dos pacientes porque tem alguns que somem... então tem que ligar para saber se eles tão fazendo direitinho (...)''(A2).
''(...) o acompanhamento... isso eu sinto uma dificuldade (...) eu não sei assim como seria um plano mais fácil... uma coisa que visualizasse todo dia... um mural(...)''(A3).
Na fala abaixo, o profissional destaca a importância do preenchimento da ficha de notificação do evento, envolvendo todos os profissionais da equipe que identificaram o extravasamento, assim como, o registro dos cuidados de enfermagem realizados.
''(...) eu fecho a medicação, faço aspiração, anoto numa ficha tudo que aconteceu nesse extravasamento... qual foi a droga, o membro, o local exato... e aí se for detectado, só por mim, aí eu assino essa ficha... se foi o técnico que detectou ele faz o processo junto comigo também... para ele ter essa responsabilidade... então carimba eu e o técnico... então eu oriento o técnico a toda essa recomendação''(A2).
Alguns profissionais relataram que existe uma dificuldade relacionada a falta de padronização nas condutas realizadas pela equipe de enfermagem, destacando a necessidade da capacitação profissional para o gerenciamento eficaz do extravasamento.
''(...) a equipe não fala a mesma língua... cada uma fala de um jeito, cada um age de um jeito... aí novamente volta pra o fluxo(...) que é importante... quando a gente padroniza uma assistência e a equipe fala a mesma língua, não tem pra onde errar(...)''(A7).
''(...) eu acho que a gente não tem muito treinamento... nem pra o extravasamento quanto pra administrar as quimioterapias... aí acaba que a gente tem um conhecimento básico... se tivesse, por exemplo, coisas mais detalhadas... talvez a gente saberia fazer melhor''(A13).
Discussão
Quanto ao perfil dos 15 participantes, destaca-se o número reduzido de enfermeiros com especialização na área de oncologia e hematologia, tendo em vista que a instituição é responsável pela formação de enfermeiros e possui um programa de residência em enfermagem em cancerologia.
Os enfermeiros perceberam que os cuidados relacionados ao extravasamento de drogas antineoplásicas envolvem a identificação dos fatores de risco. Discute-se que estes cuidados são preventivos e estão relacionados ao paciente e a equipe de saúde e as características farmacológicas da droga. Quanto às vulnerabilidades associadas a ocorrência do extravasamento, segundo os profissionais, os fatores de risco podem ser divididos entre aqueles ligados aos antineoplásicos, ao paciente, ou ambos, além, dos fatores relacionados as condutas dos profissionais.
Os fatores de risco que contribuem para o aumento da ocorrência do extravasamento incluem: as particularidades dos antineoplásicos, como o pH e a osmolaridade da droga, o potencial vasoconstrictor e o tempo de permanência da droga no tecido; os fatores relacionados ao paciente como fragilidade venosa, comorbidades, presença de alterações dérmicas e/ou alterações nutricionais; e causas iatrogênicas, compreendendo a falta de capacitação profissional, erros técnicos na punção venosa como a escolha de veias com menor calibre e na administração das drogas antineoplásicas.5,13,14
Diante desses fatores, evidencia-se a importância do conhecimento das vulnerabilidades relacionadas a ocorrência do extravasamento, com destaque para o papel do profissional enfermeiro na garantia de uma assistência segura para o paciente oncológico 4,8.
Em relação à prevenção do extravasamento, os profissionais relataram alguns cuidados que consideram essenciais para contribuir com a diminuição do risco de extravasamento e que proporcionam mais segurança para o paciente. O conhecimento e a aplicação das condutas de prevenção do extravasamento por quimioterápicos, também sinalizam a qualidade do serviço de saúde realizado nos centros infusionais, dessa forma, a existência de protocolos que valorizem essas condutas é fundamental.5,15
Dentre as medidas relacionadas à prevenção do extravasamento de antineoplásicos identificadas nas falas de alguns profissionais, temos: escolher corretamente o material para infusão, certificando-se do posicionamento correto do dispositivo; evitar locais próximos as articulações ou que apresentem alguma alteração relacionada a integridade tecidual; avaliar a permeabilidade e a área do acesso constantemente, pois, a monitorização contínua no início e durante a perfusão do antineoplásico é essencial, pelo menos a cada cinco a dez minutos.5,16
Nesse contexto, outras ações preventivas incluem a atenção para a fixação correta do acesso venoso, deixando o local de punção visível, buscando facilitar a identificação na ocorrência do extravasamento, e consequentemente, a intervenção precoce; a realização da lavagem com solução salina entre as infusões dos quimioterápicos; a capacitação da equipe de enfermagem e valorização do conhecimento e da prática baseada nos protocolos de prevenção de extravasamento, entre outras ações.15,17
Alguns profissionais também destacaram a importância do papel do paciente na realização do cuidado preventivo. Dessa forma, o mesmo deve ter suas dúvidas esclarecidas e ser orientado a participar ativamente do seu tratamento.
É fundamental aconselhar o paciente a relatar qualquer sinal ou sintoma de desconforto que possa sugerir um extravasamento à equipe de enfermagem, para que o manejo adequado da situação seja realizado.18
A educação em saúde realizada pelo profissional enfermeiro como medida de prevenção do extravasamento, resulta em uma assistência mais eficiente e segura, visto que, é responsabilidade do profissional identificar e intervir sob os fatores de risco, assim como, conhecer e implementar as ações de prevenção do extravasamento.17
Vale salientar, que associado as ações de educação ao paciente e treinamento dos profissionais, é primordial que os recursos humanos sejam suficientes, assim como, boas condições de trabalho sejam oferecidas, visando assegurar a qualidade da atuação profissional.
Na segunda categoria, foram abordados os cuidados diretos, incluindo a identificação do extravasamento, as ações realizadas para o tratamento e acompanhamento dos pacientes, assim como o gerenciamento institucional do extravasamento de antineoplásicos. Em relação à percepção do extravasamento de antineoplásicos, as toxicidades dermatológicas resultantes do tratamento com antineoplásicos, foram relatadas por alguns profissionais, estas podem ser locais ou sistêmicas, e vai depender do tipo de droga e da sua concentração, variam de intensidade, do grau leve ao mais severo.19
Nas falas dos profissionais, quando questionados sobre os cuidados de enfermagem na ocorrência do extravasamento, alguns participantes destacaram a importância da existência e aplicação do protocolo institucional para a sistematização da assistência. Já em outros discursos, alguns entrevistados apresentaram não ter conhecimento do protocolo institucional, e consequentemente, não o utilizam no manejo dos casos de extravasamento.
Diante disso, os profissionais devem ser encorajados pela instituição a conhecerem os fatores de risco, as diretrizes para a prevenção e o manejo dos casos de extravasamento, a fim de facilitar a detecção precoce e a realização de uma intervenção imediata, evitando piores desfechos para o paciente.5,14
A sistematização das condutas de enfermagem pela instituição, como forma de orientar as ações dos profissionais frente a um caso de extravasamento e minimizar os prejuízos para o paciente, é imprescindível, visto que a falta de planejamento pode resultar na fragmentação da assistência.15,20
Dentre as condutas de enfermagem frente ao extravasamento de antineoplásicos, vale ressaltar, a interrupção imediata da infusão; o uso de antídotos e de medidas não farmacológicas, como as compressas frias ou quentes, de acordo com as características do antineoplásico extravasado; a aspiração do quimioterápico e a remoção do dispositivo de infusão; o uso de curativos estéreis e analgésicos; a importância do registro detalhado do evento no prontuário; o acompanhamento do paciente, dentre outras estratégias de manejo.4,5
A realização do seguimento dos casos é indispensável, devendo incluir uma avaliação geral do paciente, o registro de aspectos envolvidos na integridade tecidual, assim como, o plano de cuidados que foram realizados pelos profissionais.4,17Ainda, alguns estudos recomendam a realização de um acompanhamento por um período prolongado ou até a resolução completa do extravasamento.14,21
Ainda, quanto ao acompanhamento dos casos, os profissionais também relataram sobre a complexidade da continuidade do cuidado após o evento. A realização do acompanhamento da lesão consequente do extravasamento é de suma importância, visto que pode diminuir o risco de danos teciduais severos aos pacientes.
Para isso, o enfermeiro pode utilizar algumas estratégias para avaliação da lesão, como a descrição da área e a sua evolução a partir de fotografias, o seguimento do paciente junto aos membros da comissão de curativos da instituição, e no caso dos pacientes que tenham maior dificuldade de retornar à instituição periodicamente para avaliação da lesão, realizar o acompanhamento por telefone.5,15,21
Nas falas dos entrevistados, o registro do evento em prontuário após o extravasamento, também foi uma conduta destacada pelos profissionais. A documentação quanto ao registro da incidência do extravasamento pode variar entre as instituições, mas, alguns itens devem ser sempre considerados, tais como: a data e hora da ocorrência; o local de administração e o medicamento extravasado; as condições de acesso; a quantidade aspirada da medicação; os sinais e sintomas apresentados; as intervenções e orientações realizadas.5,22
Além disso, os registros em prontuário apresentam uma importância de cunho legal por proteger os profissionais neste âmbito e demonstrar a eficácia da assistência exercida.21,23Vale destacar, que a documentação registrada no prontuário do paciente sobre o extravasamento, também pode sinalizar a necessidade do aperfeiçoamento dos profissionais e a melhoria dos cuidados realizados na instituição.18,22
No tocante ao gerenciamento institucional do extravasamento, é substancial a educação contínua da equipe multidisciplinar sobre todas as políticas e protocolos relativos à administração de antineoplásicos e manejo dos casos de extravasamento. Para isso, a existência de políticas institucionais atualizadas, baseadas em diretrizes e evidências é essencial, objetivando a prevenção e a assistência eficaz dos casos de extravasamento, assim como, a infusão segura dos antineoplásicos.5,24
Ainda no âmbito do gerenciamento, os entrevistados referiram que a falta de padronização nas condutas constitui-se uma dificuldade no manejo do extravasamento. Sendo assim, para a realização da atuação adequada diante do extravasamento, a existência da padronização das condutas compõe um fator importante, visto que, a sistematização da assistência oncológica está relacionada a promoção da segurança do paciente e a redução de danos.25
Nesse sentido, as diretrizes para condução da assistência, deve considerar as necessidades do paciente e do seu tratamento, da equipe de enfermagem e do serviço, pois, a partir dessa verificação, melhorias voltadas para qualidade da assistência podem ser alcançadas.21,26
Quanto às limitações do estudo, estas foram relacionadas a composição da amostra, diante da indisponibilidade de participação devido afastamento do serviço, durante o período da coleta de dados e da inclusão de enfermeiros não especialistas, maioria no serviço.
A realização desta pesquisa promove uma reflexão aos profissionais, os gestores e as instituições que oferecem tratamento oncológico, quanto as condutas frente ao extravasamento e a necessidade da contratação de enfermeiros especialistas, somados à constante capacitação dos profissionais, a fim de promover uma assistência segura e de qualidade ao paciente oncológico.
Conclusões
Diante do estudo, percebeu-se que os participantes apresentam a compreensão da influência e complexidade que o evento do extravasamento de antineoplásicos provoca na vida dos pacientes submetidos ao tratamento oncológico, destacando, a importância do manejo precoce e correto para minimizar possíveis danos.
Ainda, observou-se a necessidade da construção de um programa de atualização permanente para os profissionais, buscando atender as demandas apresentadas pela equipe para a realização dos cuidados.
CONFLITOS DE INTERESSE
As autoras afirmam não haver conflitos de interesses.