Introdução
Historicamente, o processo de nascimento experimentou mudanças na compreensão do parto como experiência natural, antes ocorrido em ambiente domiciliar e assistido por parteiraa, sem imposição de rotinas, restrição de posição ou uso de técnicas e tecnologias. Contudo, com o avanço da ciência e a adoção de uma assistência especializada para assistir a possíveis intercorrências, o nascimento passou a ser visto como evento patológico que necessita de assistência hospitalocêntrica, sujeito à intensa medicalização e a rotinas cirúrgicas por vezes desnecessárias.1
Um estudo multicêntrico, realizado no Brasil, que acompanhou 23.984 mulheres e seus bebês, em estabelecimentos de saúde públicos e privados conveniados ao Sistema Único de Saúde brasileiro (SUS)bconstatou, dentre os principais resultados, que 70% das mulheres desejaram, início da gravidez, parir por parto normal, tendo sua preferência modificada ao final da gestação. São múltiplos os fatores que influenciam esta escolha, seja o pré-natal ineficiente em informações, gerando insegurança sobre o processo de parturição, assim como um histórico assistencial marcado por violência, desrespeito, subestimação dos riscos da cesárea, por influência familiar e dos profissionais de saúde.2,3
A medicalização do parto pode ser compreendida como qualquer intervenção na fisiologia que, majoritariamente, deve ocorrer de forma natural e espontânea, a exemplo do uso de ocitócitos para acelerar o parto. No entanto, determinadas situações, como comorbidades maternas e/ou neonatais, inibem o desencadeamento dos mecanismos fisiológicos, indicando a necessidade de indução do nascimento.4,5
Acredita-se que, dentro de 24 horas após a ruptura das membranas ovulares a termo (37 a 41 semanas gestacionais), cerca de 60% das mulheres entram em trabalho de parto espontâneo, embora ainda não haja evidências científicas robustas sobre este tempo. Na ausência do início espontâneo, a indução do trabalho de parto é apropriada, dado o aumento dos riscos maternos associados à cesariana.6 Para que se dê início ao uso de medicamentos indutores, é necessário avaliar as condições do colo uterino e o índice de Bishop _ que se constitui na análise da dilatação, apagamento, consistência e posição do colo uterino e altura da apresentação fetal- parece ser a melhor forma de apreciação e prognóstico para o que desfecho do processo de indução seja o parto vaginal.7
Ainda na busca de adequar o uso de tecnologias às práticas assistenciais menos invasivas, o partogramac, tem se mostrado uma ferramenta valiosa para o acompanhamento e documentação da evolução do trabalho de parto. Esse gráfico permite a identificação de falhas de progressão e guia a tomada de decisão para a correção dos desvios, contribuindo para redução da taxa de intervenções e cirurgias.8
O resgate do empoderamento do corpo feminino para dar à luz sem quaisquer interferências, há muito tem sido alvo de discussões internacionais. Em 1996, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou recomendações para a prestação de assistência ao parto normal. O produto foi um marco na promoção do nascimento saudável e no combate às elevadas taxas de morbimortalidade materna e neonatal.9
Em 2018, o documento foi atualizado e fortaleceu as recomendações para uma conduta de assistência ao trabalho de parto sem distócias, visando a promoção de uma experiência positiva, a partir de diretrizes que mantém a dignidade, privacidade e confidencialidade da mulher, garantindo a ausência de danos e de maus tratos.10
Um dos países que seguiu as recomendações dos organismos internacionais, ao adequar a legislação para a assistência ao parto, foi o Brasil. Por exemplo, em janeiro de 2017, o estado de Santa Catarina aprovou a lei nº 17.097, que aponta como ato violento todo aquele praticado pela equipe de saúde, familiar ou acompanhante, com ofensas verbais ou físicas às gestantes ou puérperas.11 No cenário assistencial brasileiro, a incorporação de boas práticas vem sendo reforçadas por políticas públicas e diretrizes, como o Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento, a Rede de Atenção Materno-infantil e as Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal. No entanto, a implementação de políticas públicas de saúde e de normativas e diretrizes esbarram em problemas organizacionais e administrativos, relativos à distribuição igualitária e integral do cuidado, estratégias e sistema de execução eficazes, conforme as demandas de saúde e investimento na formação e capacitação de recursos humanos.12
Logo, a humanização do cuidado depende da ressignificação do modo de prestar assistência, contestando o modelo biomédico. Nesse contexto, destaca-se o papel da educação permanente como instrumento para a garantia do cuidado humanizado, aproximando a atuação dos profissionais de saúde às reais necessidades dos usuários.13
Assim, o presente estudo reconhece que o parto é um evento fisiológico, que integra a vida reprodutiva da mulher e que estreia um momento de intensa experiência emocional. Por isso, entende-se que, nesse momento, os profissionais de saúde devem se colocar como coadjuvantes, dispondo o seu conhecimento a serviço do bem-estar da mulher e do bebê, com a oferta de uma assistência humanizada, com base em evidências científicas e livre de interferências desnecessárias.
Nesse interim, parece profícuo analisar o perfil da assistência praticada, investigando-se quais os fatores sociodemográficos, assistenciais e obstétricos que influenciam a prática profissional e a visão do parto como um processo fisiológico. Desse modo, o estudo teve como objetivo descrever o perfil da assistência às gestantes, verificando-se a prevalência do uso de medicamentos, instrumentos e protocolos durante o trabalho de parto e parto em uma maternidade da rede pública de saúde, destinada a assistência a gestantes de baixo risco.
Materiais e Método
Trata-se de um estudo transversal, descritivo, exploratório e quantitativo, realizado em uma maternidade pública, localizada em um município no nordeste do Brasil. Essa unidade de saúde é referência no atendimento ao parto de risco habitual para 13 municípios, atendendo, segundo dados institucionais, cerca de 2.300 partos por ano, dos quais 50,7% ocorrem por via vaginal. Essa Maternidade constitui-se em uma estrutura hospitalar para a estabilização de gestantes de alto risco, até que sejam transferidas para unidades de maior complexidade tecnológica na região. A estrutura física conta com 7 leitos obstétricos na sala de parto, equipados com camas apropriadas para pré-parto, parto e pós-parto imediato, além de equipamentos utilizados para métodos não-farmacológicos para alívio da dor. Há ainda 26 leitos para alojamento conjunto, puérpera e bebê, e conta com uma equipe de 12 médicos gineco-obstetras, 14 enfermeiros obstetras assistenciais, além de 44 técnicos de enfermagem.
A população do estudo totalizou 26 profissionais de nível superior, sendo médicos gineco-obstetras e enfermeiros obstetras, todos atuantes na assistência direta ao parto no Centro Obstétrico dessa Maternidade; e esse foi o critério de inclusão para o presente trabalho. Foram excluídos do estudo os profissionais de saúde afastados por motivo de doença, férias ou licença maternidade.
A coleta de dados ocorreu no período de setembro de 2017 a janeiro de 2018. Cada participante recebeu um questionário com 20 perguntas, abordando questões relacionadas ao consentimento da parturiente quanto à realização de procedimentos; ao acompanhamento do trabalho de parto; à detecção de distócias de progressão através do preenchimento do partograma; além de informações acerca da existência e adesão a protocolos de atenção ao parto e nascimento pelos profissionais de saúde. Assim, foram analisadas informações relativas ao perfil sociodemográfico e profissional dos participantes do estudo (especialidade, idade, sexo, escolaridade, vínculo institucional, anos de serviço e carga horária de trabalho); assim como as relativas a utilização de protocolos, instrumentos e medicamentos durante o trabalho parto. Considerou-se presente a medicalização quando houve a realização de indução ou condução do trabalho de parto com o uso de medicamentos, considerando o uso do índice de Bishop como escala para avaliação da maturação do colo uterino e a condição da integridade das membranas ovulares entre os critérios preditivos para a intervenção.
As variáveis do estudo foram classificadas conforme suas categorias, sendo elas: sociodemográficas e empregatícias; práticas obstétricas baseadas em evidências científicas; uso de medicamentos e processo de trabalho. Após a coleta de dados, os questionários foram numerados, de acordo com a ordem de participação, as informações foram definidas e codificadas conforme cada uma das variáveis, e, em seguida, os dados foram armazenados no programa Epiinfo 7.2.2., após dupla entrada das informações, para minimizar erros de inserção de dados, que foram analisados com auxílio do mesmo pacote estatístico. O plano de análise dos dados incluiu uma análise descritiva, com a obtenção de frequências absoluta e relativas das variáveis de interesse (contínuas, discretas, nominais e ordinais), categorizadas por profissão (médico ou enfermeiro obstetras).
A pesquisa foi desenvolvida seguindo as normatizações contidas na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), com projeto aprovado em 31 de agosto de 2017, sob parecer nº 2.251.050 emitido pelo Comitê de Ética do Hospital da Restauração, Recife-Pernambuco. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e tiveram o anonimato garantido através do Termo de Confidencialidade.
Resultados
Os dados da pesquisa mostraram que a maior parte da equipe assistencial é formada por enfermeiras obstetras; com idade média de 42,3 anos; especialistas; funcionárias públicas; possuem entre 5 e 10 anos de serviço em maternidade e trabalham com regime de 30 horas semanais. (Tabela 1)
Na tabela 2 nota-se predominância positiva quanto ao fornecimento de informações sobre os procedimentos a serem realizados, considerando a aceitação ou não da parturiente; 53,8% dos profissionais afirmaram que sempre informam a mulher sobre a assistência a ser prestada. Ainda na tabela 2, evidencia-se que o uso rotineiro de infusão intravenosa foi considerado raro por 57,7% e 92,3% dos profissionais afirmaram não fazer uso de medicamentos para reduzir o tempo do trabalho de parto.
Acerca das práticas obstétricas relacionadas à indução do trabalho de parto, 61,6% dos profissionais afirmaram aplicar sempre ou quase sempre o escore de Bishop durante a avaliação da predição do uso de medicamentos para a indução do trabalho de parto. De todos os profissionais de saúde entrevistados, 57,7% disseram fazer uso de medicamentos para induzir o trabalho de parto, considerando as indicações clínicas como: gestações pós-termo, ruptura prematura das membranas e óbito fetal, conforme relatos subjetivos registrados nos questionários. Entre os profissionais que afirmaram o uso de medicamentos, 77,8% dos médicos disseram prescrever misoprostol e 100% dos enfermeiros disseram utilizar ocitocina. Acerca da avaliação das condições das membranas ovulares, 69,2% dos profissionais disseram considerar a integridade das membranas antes da decisão sobre o início do uso de medicamentos para indução do trabalho de parto. (Tabela 3)
Características sociodemográficas | N | % |
---|---|---|
Especialidade | ||
Enfermeiro obstetra | 14 | 53,8 |
Médico obstetra | 12 | 46,2 |
Idade (anos)1 | ||
25-35 | 10 | 38,4 |
36-45 | 8 | 30,8 |
46-55 | 2 | 7,7 |
56-65 | 6 | 23,1 |
Sexo | ||
Feminino | 18 | 69,2 |
Masculino | 8 | 30,8 |
Escolaridade | ||
Especialização | 25 | 96,2 |
Mestrado | 1 | 3,8 |
Vínculo institucional | ||
Estatutário | 17 | 65,4 |
Celetista | 7 | 26,9 |
Contrato por tempo determinado | 2 | 7,7 |
Tempo de serviço em maternidade (anos)2 | ||
5-10 | 16 | 61,6 |
11-20 | 3 | 11,5 |
21-30 | 3 | 11,5 |
31-40 | 4 | 15,4 |
Carga horária de trabalho (horas)3 | ||
24 | 10 | 38,5 |
30 | 14 | 53,8 |
48 | 2 | 7,7 |
TOTAL | 26 | 100 |
Fonte: Dados da pesquisa, 2017/2018.
Prática assistencial | Médico (N=12) | Enfermeiro (N=14) | Total | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | N | % | ||
Informações sobre procedimentos | |||||||
Sempre | 6 | 50,0 | 8 | 57,1 | 14 | 53,8 | |
Quase sempre | 6 | 50,0 | 5 | 35,7 | 11 | 42,3 | |
Raramente | 0 | 0,0 | 1 | 7,2 | 1 | 3,9 | |
Infusão intravenosa | |||||||
Sem Sempre | 2 | 16,7 | 0 | 0,0 | 2 | 7,7 | |
Quase sempre | 1 | 8,3 | 3 | 21,4 | 4 | 15,4 | |
Raramente | 6 | 50,0 | 9 | 64,3 | 15 | 57,7 | |
Nunca | 3 | 25,0 | 2 | 14,3 | 5 | 19,2 | |
Uso de medicação para reduzir o tempo do trabalho de parto | |||||||
Sim | 1 | 8,3 | 1 | 7,2 | 2 | 7,7 | |
Não | 11 | 91,7 | 13 | 92,8 | 24 | 92,3 | |
TOTAL | 12 | 100 | 14 | 100 | 26 | 100 |
Fonte: Dados da pesquisa, 2017/2018.
A tabela 4 apresenta os dados relativos aos procedimentos adotados pelos profissionais para a avaliação da progressão do primeiro período do trabalho de parto considerando como critérios a dilatação do colo uterino, descida e rotação do polo cefálico, intensidade, duração e frequência das contrações uterinas e rotura das membranas ovulares. Como instrumento de representação gráfica da evolução do trabalho de parto, 65,4% (n=17) dos profissionais afirmaram preencher sempre ou quase sempre o partograma.
A prevalência de profissionais que afirmaram não existir protocolos assistenciais ao parto na instituição somou 80,8%, revelando a fragilidade em relação ao uso de estratégias capazes de uniformizar cuidados e reduzir riscos assistenciais. Observou-se que 80,8% dos profissionais disseram seguir protocolos de assistência ao parto e nascimento de outras fontes, sendo elas Ministério da Saúde (MS) do Brasil e Protocolos de sociedades internacionais. (Tabela 5)
Prática assistencial | Médico (N=12) | Enfermeiro (N=14) | TOTAL | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
(N=26) | (%) | ||||||
n | % | n | % | ||||
Uso do índice de Bishop | |||||||
Sempre | 9 | 75 | 1 | 7,1 | 10 | 38,5 | |
Quase sempre | 2 | 16,7 | 4 | 28,6 | 6 | 23,1 | |
Raramente | 1 | 8,3 | 3 | 21,4 | 4 | 15,4 | |
Nunca | 0 | 0 | 5 | 35,8 | 5 | 19,2 | |
Não respondeu | 0 | 0 | 1 | 7,1 | 1 | 3,8 | |
Integridade das membranas antes da indução medicamentosa | |||||||
Sim | 8 | 66,7 | 10 | 71,4 | 18 | 69,2 | |
Não | 4 | 33,3 | 4 | 28,6 | 8 | 30,8 | |
Uso de medicamento | |||||||
Sim | 9 | 75 | 6 | 42,9 | 15 | 57,7 | |
Não | 3 | 25 | 8 | 57,1 | 11 | 42,3 | |
Medicamento utilizado | (N=9) | (N=6) | (N=15) | (%) | |||
Misoprostol | 7 | 77,8 | 0 | 0 | 7 | 46,7 | |
Ocitocina | 2 | 22,2 | 6 | 100 | 8 | 53,3 | |
Prática assistencial | Médico (N=12) | Enfermeiro (N=14) | TOTAL | ||||
(N=26) | (%) | ||||||
n | % | n | % | ||||
Uso do índice de Bishop | |||||||
Sempre | 9 | 75 | 1 | 7,1 | 10 | 38,5 | |
Quase sempre | 2 | 16,7 | 4 | 28,6 | 6 | 23,1 | |
Raramente | 1 | 8,3 | 3 | 21,4 | 4 | 15,4 | |
Nunca | 0 | 0 | 5 | 35,8 | 5 | 19,2 | |
Não respondeu | 0 | 0 | 1 | 7,1 | 1 | 3,8 | |
Integridade das membranas antes da indução medicamentosa | |||||||
Sim | 8 | 66,7 | 10 | 71,4 | 18 | 69,2 | |
Não | 4 | 33,3 | 4 | 28,6 | 8 | 30,8 | |
Uso de medicamento | |||||||
Sim | 9 | 75 | 6 | 42,9 | 15 | 57,7 | |
Não | 3 | 25 | 8 | 57,1 | 11 | 42,3 | |
Medicamento utilizado | (N=9) | (N=6) | (N=15) | (%) | |||
Misoprostol | 7 | 77,8 | 0 | 0 | 7 | 46,7 | |
Ocitocina | 2 | 22,2 | 6 | 100 | 8 | 53,3 |
Fonte: Dados da pesquisa, 2017/20 18.
Procedimentos | Médico (N= 12) | Enfermeiro (N=14) | TOTAL (N=26) | |||
---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | |
Dilatação do colo uterino | 8 | 66,7 | 7 | 50,0 | 15 | 57,7 |
Descida e rotação do polo cefálico | 5 | 41,7 | 5 | 35,7 | 10 | 38,5 |
Condições das contrações | 7 | 58,3 | 8 | 57,1 | 15 | 57,7 |
Rotura das membranas ovulares | 4 | 33,4 | 1 | 7,2 | 5 | 19,2 |
Uso do partograma | ||||||
Sempre | 5 | 41,7 | 6 | 42,8 | 11 | 42,3 |
Quase sempre | 2 | 16,6 | 4 | 28,6 | 6 | 23,1 |
Raramente | 5 | 41,7 | 4 | 28,6 | 9 | 34,6 |
Fonte: Dados da pesquisa, 2017/2018.
Protocolos assistenciais | Médico (N=12) | Enfermeiro (N=14) | TOTAL (N= 26) | |||
---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | N | % | |
Existência de protocolos institucionais | ||||||
Sim | 2 | 16,7 | 3 | 21,4 | 5 | 19,2 |
Não | 10 | 83,3 | 11 | 78,6 | 21 | 80,8 |
Protocolos institucionais de fácil acesso | ||||||
Sim | 2 | 16,7 | 1 | 7,2 | 3 | 11,5 |
Não | 10 | 83,3 | 13 | 92,8 | 23 | 88,5 |
Uso rotineiro de protocolos de assistência ao parto e nascimento de outras fontes | ||||||
Sim | 7 | 58,3 | 14 | 100 | 21 | 80,8 |
Não | 4 | 33,4 | 0 | 0 | 4 | 15,4 |
Não respondeu | 1 | 8,3 | 0 | 0 | 1 | 3,8 |
Protocolos seguidos rotineiramente* | ||||||
Ministério da Saúde | 7 | 58,3 | 12 | 85,7 | 19 | 73 |
Internacionais | 4 | 33,4 | 5 | 35,7 | 9 | 34,6 |
Vivência prática | 6 | 50,0 | 5 | 35,7 | 11 | 42,3 |
Fonte: Dados da pesquisa, 2017/2018.
Discussão
A análise do perfil da assistência às gestantes deste estudo quanto ao uso de medicamentos, instrumentos e protocolos apontou para semelhança com outras pesquisas sobre a condução do parto e nascimento. Em concordância com os achados deste estudo quanto ao perfil dos profissionais que assistem ao parto e nascimento, uma pesquisa realizada em Fortaleza - Ceará, Brasil com médicos e enfermeiros de uma maternidade pública, apresentou predominância de profissionais do sexo feminino, com idade média acima de 30 anos, todos especialistas em obstetrícia. Os perfis divergiram quanto ao tempo de trabalho em maternidade, que no presente estudo teve média de 13 anos.14
Quanto ao direcionamento dos cuidados obstétricos antes, durante e após o parto, deve-se considerar que toda mulher tem o direito legal a receber tratamento livre de maus tratos, oferecendo informações e esclarecimentos para que haja o consentimento, com possibilidade de recusa e garantia de respeito às suas escolhas e preferências, incluindo acompanhante durante toda a internação na unidade obstétrica, ser tratada com dignidade e respeito.15
Em nosso estudo, 96,1% dos profissionais de saúde relataram que sempre ou quase sempre fornecem informações sobre as condutas assistenciais. Estes resultados estão de acordo com o estudo transversal, prospectivo, realizado com 603 puérperas atendidas em uma maternidade de alta complexidade de Recife - Pernambuco, Brasil16, que verificou que 76% das pacientes receberam informações sobre o processo de trabalho de parto e parto. Em contraponto, estudo conduzido em Quito, Equador, constatou que entre as 388 mulheres atendidas, mais de 35% não foram informadas sobre os procedimentos realizados.17
Considera-se que o fornecimento de informações e a comunicação entre profissional e parturiente visa não apenas acolhê-la, mas fornecer uma abordagem confiante, balanceando quais condutas são aceitáveis para ela.14Manter a gestante informada quanto ao seu estado de saúde e andamento do trabalho de parto é tida como uma das estratégias para evitar a ocorrência de violência obstétrica, uma vez que se considera que gestantes informadas estão mais habilitadas para aceitação ou não da realização de procedimentos considerados danosos ao processo de parturição. Assim, mulheres em trabalho de parto devem ter acesso às informações baseadas em evidências e incluídas na tomada de decisões. Para isso, os profissionais que as atendem deverão estabelecer uma relação de confiança, considerando desejos e expectativas.6 Assim, com base nos dados obtidos, a assistência prestada na maternidade em questão mostrou-se alinhada ao que se propõe quanto à oferta de informações, considerada fundamental no movimento de contracultura ao modelo tecnocrático.
Na tabela 2, descrevemos que a maioria dos profissionais de saúde afirmaram raramente fazerem uso de infusão intravenosa e 15,4% disseram que quase sempre adotam essa medida durante a assistência ao parto. Sabe-se que o uso da infusão intravenosa pode limitar a movimentação da mulher e que as recomendações atuais do MS e da OMS estimulam a adoção a posições verticalizadas e livre movimentação, buscando aumentar o conforto da parturiente e auxiliar na progressão do processo de parturição.6,9,10
O posicionamento corporal da mulher durante o trabalho de parto e parto, restrita ao leito e em posição litotômica, tornou-se uma das mudanças mais emblemáticas no cenário do parto provocadas pelo modelo tecnocrático. A OMS (1996) e, mais tarde, ratificado pelo MS (2017), tem a posição litotômica como uma das práticas claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas, estimulando assim a liberdade de movimentação. 6,9,10
Entre as condutas intervencionistas que caracterizam a medicalização da assistência ao parto, o uso de ocitocina desempenha papel importante. O medicamento, análogo sintético ao hormônio produzido pela mulher durante o trabalho de parto, pode ser utilizado para induzir e/ou aumentar as contrações em caso de inércia ou ineficiência da contratura uterina e, quando combinado com o emprego da amniotomia, contribuem para o ''manejo ativo do trabalho de parto”. Quando utilizado de forma indiscriminada e com o objetivo de acelerar o trabalho de parto, este medicamento torna o processo mais doloroso incitando o uso de analgesia.18 A ocitocina sintética foi adicionada à lista de medicamentos de alerta máximo do Institute for Safe Medication Practice nos Estados Unidos e o seu uso recomendado com frequência mínima.18
Em algumas ocasiões tais como gestações prolongadas e pós-termo, síndromes hipertensivas, ruptura prematura das membranas, diabetes, isoimunização Rh, restrição de crescimento e óbito fetal, a obstetrícia moderna indica a indução do parto com o objetivo de garantir a segurança da mãe e do concepto.14 A indicação correta de antecipação do parto tem sido feita com base na determinação do índice de Bishop.7
No nosso estudo, 61,6% profissionais afirmaram sempre ou quase sempre utilizam o índice de Bishop. Dessa forma, conclui-se que a assistência prestada considerou a estratificação do índice como preditivo para o uso de medicamento indutivo de maturação uterina.
O preparo do colo para a indução do trabalho de parto é atualmente realizado por meio de métodos mecânicos e farmacológicos. Entre os métodos mecânicos para a dilatação da cérvice o principal é o Krause que consiste na introdução de uma sonda ureteral do tipo Folley através do orifício do colo uterino que, após insuflada, confere pressão mecânica, estimulando a secreção de prostaglandinas e ocitocina endógenas. 19 O método Krause está entre os métodos não farmacológicos mais eficazes e é uma alternativa para as parturientes que possuem cicatriz uterina anterior, provocada por uma cesariana, por exemplo, terem parto por via vaginal. A sonda é um material de baixo custo, fácil estocagem e pode ser utilizada em substituição às prostaglandinas sintéticas, proporcionando redução dos efeitos colaterais e adversos dos fármacos.19 O método farmacológico habitualmente utilizado é o misoprostol - análogo sintético de prostaglandina E1, que age promovendo a desintegração e dissolução do colágeno intracelular.19,20,21
O esquema farmacológico preferente é a dose de 25µg via vaginal a cada 6 horas até o amadurecimento cervical. Em continuação a terapia com misoprostol, utiliza-se ocitocina sob bomba de infusão endovenosa em dose de 1 a 2 mU/min, acrescentando-se gradualmente 1 a 2 mU/min a cada 30 minutos, até o desencadeamento do trabalho de parto, respeitando o intervalo mínimo de 4 horas entre o seu início e a última administração do misoprostol.19;21 Se no momento da indução o colo estiver maduro, índice de Bishop >6, a ocitocina será a única droga utilizada.7
Nesta pesquisa, quando questionados sobre o uso de medicamentos, 77,8% dos médicos afirmaram utilizar misoprostol e 22,2% disseram fazer uso de ocitocina. Já entre os enfermeiros que afirmaram fazer uso de medicamentos para indução do trabalho de parto, 100% disseram fazer uso de ocitocina, o que pode ser explicado pelo fato de que os enfermeiros não possuem respaldo legal para prescrição de misoprostol.
Estudo realizado com 137 mulheres internadas para indução de trabalho de parto em um Hospital Universitário do sul do Brasil, revelou que quanto aos métodos de indução, destacou-se o uso do misoprostol de 25mcg via vaginal em 46% pacientes, e também o uso do misoprostol de 25mcg anterior ao uso da ocitocina em 28,4% das induções. Quanto ao desfecho da indução, dos casos analisados 43,8% evoluíram para cesariana e 56,2% para parto vaginal. O uso do misoprostol associado a ocitocina obteve 76,9% de partos normais.22
Os resultados do estudo supracitado corroboraram com a conduta adotada pela equipe médica da maternidade deste estudo, quando adotam misoprostol como fármaco preferencial para indução tendo o uso do índice de Bishop como base.
Alterações desfavoráveis que possam comprometer o fluxo uteroplacentário determinam a interrupção do uso da ocitocina, além de medidas corretivas como modificação do decúbito da parturiente, administração de oxigênio e de cristalóides. Não havendo modificações do quadro clínico materno-fetal, a cesárea estará indicada.23
Avanços mais importantes da assistência obstétrica moderna têm sugerido o uso do partograma. Durante o acompanhamento do trabalho de parto, o instrumento tem apresentado particular utilidade uma vez que permite a documentação e evita intervenções desnecessárias, melhorando a qualidade da atenção ao nascimento. No entanto, apesar do reconhecimento quanto à eficácia do instrumento, muitos estudos comprovam o baixo nível de conhecimento por parte dos profissionais de saúde.8
Em nossa pesquisa, 65,4% dos profissionais afirmaram preencher sempre ou quase sempre o partograma como ferramenta para o acompanhamento da evolução do trabalho de parto. No entanto, 61,5% e 80,8% não valorizam os registros da descida e rotação do polo cefálico e rotura das membranas ovulares, respectivamente. Aspectos estes considerados fundamentais para o diagnóstico de falha de progressão do primeiro período do trabalho de parto conforme as Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal, o que constata a subutilização do instrumento pelos profissionais. 6
Em concordância com os achados encontrados no nosso estudo, pesquisa realizada num Hospital Escola referência para a assistência materno-infantil da região do vale do São Francisco, por meio da análise de 191 prontuários de parturientes, foi observado que o partograma foi preenchido em 40,6% dos partos normais assistidos. Quanto aos profissionais que preencheram o instrumento, observou-se que 62,8% foram enfermeiros. A análise das variáveis verificadas no momento da abertura do partograma permitiu identificar que 99,5% foram iniciados na fase ativa do trabalho de parto. Apesar da adequação dos registros de abertura do gráfico, os dados mostram que o processo de monitoramento do trabalho de parto ainda é pouco eficaz, pois 59,2% tiveram apenas um único registro.24
Estudo realizado com enfermeiros e médicos em Maternidade Escola do nordeste brasileiro, observou que a maior parte dos profissionais já fez curso ou treinamento relacionado à ferramenta. Todavia, em 27,6% dos casos ocorrem dúvidas quanto ao uso da ferramenta na prática diária, enquanto somente uma minoria afirmou realizá-la com segurança (10,6%).8
Determinados estudos atribuem fatores à baixa adesão e subutilização do partograma, como por exemplo: indisponibilidade do instrumento nos prontuários das parturientes, falta de recursos humanos em face às atividades assistenciais e burocráticas, inexistência de protocolos institucionais, diversidade de versões do partograma, habilidades gráficas e falta de treinamento.8
Assim, diante do que foi exposto, é possível considerar a necessidade da adoção de estratégias educativas por parte da instituição envolvida nesta pesquisa, no intuito de disponibilizar treinamentos quanto à utilização padronizada da ferramenta, inclusive através do uso de protocolos institucionais, o que pode proporcionar maior segurança à assistência prestada à saúde materna e neonatal.
A transformação do modelo assistencial parece estar ligada à criação de leis, normativas e protocolos de assistência ao parto e nascimento, mas, sobretudo, a medidas de capacitação dos profissionais de saúde.13 Os protocolos podem ser compreendidos como recurso tecnológico que fornece instruções detalhadas, treinamentos e excelência na prestação do serviço através da harmonização na execução de medidas assistenciais; minimiza os erros e distorções adquiridas nas ações rotineiras, devendo apresentar linguagem clara, autoexplicativa e atualizada.25
Nesta pesquisa, mais de 80% (n=21) dos profissionais afirmaram utilizar protocolos de assistência ao parto e nascimento, o mesmo número afirmou não existir protocolos institucionais que padronizem a conduta a ser adotada na maternidade, entre os 5 que afirmaram a existência dos protocolos, 3 disseram ser de fácil acesso. O que favorece a diversidade de condutas assistenciais, podendo comprometer a segurança das pacientes e a qualidade e eficácia dos serviços, uma vez que oferece impacto direto na continuidade e sistematização da assistência.
A humanização do parto requer compreensão dos profissionais de que a forma como o parto é assistido e vivenciado pode ser decisivo para a promoção de uma maternidade segura, com sensibilidade para reconhecer que o momento da parturição é único para a mãe e o bebê.13
Portanto o processo de humanização deve começar na abordagem primária da gestante durante o pré-natal a partir de orientações sobre o processo de parturição permitindo a reflexão sobre o impacto emocional, social e físico do parto, além do conhecimento sobre a fisiologia, assistência e reconhecimento dos direitos legais.
Finalmente, reconhece-se que o estudo realizado apresentou limitações importantes quanto a população e amostra, tendo em vista que a população não foi escolhida de forma aleatória e o tamanho da amostra, por apresentar-se reduzido, permitiu que os resultados encontrados descrevessem apenas a conduta da população em questão, não conferindo inferências sobre a conduta da categoria de profissionais obstetras.
Conclusão
Em essência, é certo que a institucionalização do parto trouxe consigo a adoção de novas tecnologias que, em certas proporções, contribuíram para a prevenção e tratamento de complicações que poderiam levar a morte da mãe ou do feto/recém-nascido, mas permitiram a concretização de uma visão que considera a gravidez como um processo patológico e, portanto, passível de intervenção medicamentosa e cirúrgica.
A existência de protocolos e diretrizes de atenção ao nascimento, que muitas vezes incorporam saberes e práticas multidisciplinares, constituem o conjunto de diversas áreas do Ministério da Saúde do Brasil, de sociedades e associações nacionais e internacionais, e de algumas instituições de saúde, com o intuito de qualificar o modo de nascer a partir do direcionamento de práticas que visam o combate a ''banalização''das intervenções medicamentosas e cirúrgicas.
O presente estudo foi relevante para demonstrar que a maioria dos profissionais não usavam medicamentos aceleradores do trabalho de parto; consideravam a integridade das membranas antes da indução medicamentosa, com maior prevalência de uso da ocitocina em relação ao misoprostol nos casos de necessidade de indução com iguais condições do colo uterino. A maior parte dos profissionais afirmou ainda fazer uso de protocolos de assistência ao parto, embora não fossem os institucionais.
Portanto, diante das evidências científicas que visam à melhoria da qualidade da assistência ao parto e nascimento, recomenda-se que futuros estudos analisem as intervenções aplicadas durante o trabalho de parto e parto, considerando a medicalização, de forma a analisar suas reais indicações, com vistas a promover assistência livre de intervenções desnecessárias e por vezes iatrogênicas. Recomenda-se ainda abordar quais são as dificuldades institucionais para a elaboração e incorporação de protocolos padronizados de assistência ao binômio mãe-filho, além de verificar os déficits na formação continuada dos recursos humanos, já que o processo de trabalho dos profissionais de saúde interfere diretamente na qualidade da assistência.
Declaração de conflito de interesses
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.