INTRODUÇÃO
A Doença Renal Crônica (DRC) consiste em alterações da estrutura ou funções dos rins, podendo, ou não, impactar na filtração glomerular, por um período maior que três meses e com implicações na saúde da pessoa. 1 As principais causas conhecidas de lesão renal são o diabetes mellitus e a hipertensão arterial sistêmica.1 Considerando o aumento na incidência e prevalência destas condições crônicas de base, é provável que o número de pessoas acometidas pela DRC se eleve ainda mais nos próximos anos.2
Cabe destacar que a DRC ocasiona prejuízos sociais, econômicos e na qualidade de vida das pessoas acometidas.2 Poucos são os dados disponíveis referentes a prevalência de DRC nos estágios iniciais, em parte, pela falta de diagnóstico e tratamento precoces, e pela precariedade dos sistemas de informação. Os países com maiores taxas de prevalência anual de DRC em estágio avançado são Taiwan, Japão e EUA, com mais de 2.500, 2.000 e 1.500 casos por milhão de habitantes, respectivamente.3 Considerando a população geral mundial,4 a prevalência de DRC nos estágios de 1 a 5 é de 13,4%, e de 10,6% nos estágios 3 a 5. Entre adultos com diferentes graus de disfunção renal,3 a prevalência da DRC varia de 8 a 16%. Se esses dados fossem extrapolados para o Brasil, que possui cerca de 200 milhões de habitantes, com 70% de população adulta,5 ter-se-ia de 11 a 22 milhões de habitantes adultos com algum grau de comprometimento renal.
Diante da DRC, a hemodiálise é o tratamento substitutivo mais comumente utilizado no Brasil. Assim, para o doente renal crônico em estágio avançado, a hemodiálise constitui uma forma de tratamento indispensável para sua sobrevida, além de aliviar os sintomas e evitar complicações. Segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia, entre 2010 e 2014, a taxa de prevalência estimada de pessoas em diálise foi de 552 por milhão de habitantes.2Em 2014, 112.004 pacientes estavam inscritos em programas de diálise e a taxa de mortalidade anual bruta foi de 19%. Destes, 91% estavam em hemodiálise, 9% em diálise peritoneal e 32.499 (29%) estavam na fila de espera para transplante renal.2Entretanto apenas 5.600 pacientes realizaram o transplante renal naquele ano.2No inquérito realizado no Brasil em 2019, estimou cerca de 139,691 mil pacientes em tratamento de diálise crônica, um aumento de 3,9% ao ano.6
A literatura aponta a escassez de estudos realizados com o objetivo de identificar o perfil sociodemográfico e clínico de pessoas com DRC, em tratamento hemodialítico,7 especialmente, em relação as informações sobre as doenças infectocontagiosas, e tabagismo, a maioria apresenta apenas a relação do perfil sociodemográfico ao avaliar a qualidade de vida.7-9
A DRC além de onerar o sistema único de saúde, acarreta a perda de anos de vida útil, causando custos econômicos e sociais a pessoa com DRC e sua família. Diante disso, o conhecimento do perfil sociodemográfico e clínico das pessoas com doença renal crônica, em tratamento hemodialítico, apresenta relevância para o planejamento em saúde, com o direcionamento de ações para a prevenção, o diagnóstico precoce e o tratamento, na perspectiva de reduzir sua ocorrência e prevenir complicações entre os acometidos, e consequentemente, melhorar a qualidade de vida.7-9
Este estudo teve como objetivo caracterizar o perfil sociodemográfico e clínico das pessoas em tratamento hemodialítico no Sul do Rio Grande do Sul, Brasil.
MATERIAL E MÉTODOS
Estudo quantitativo, descritivo de corte transversal. A população-alvo foram todas as pessoas em tratamento hemodialítico, cadastradas em seis Serviços de Terapia Renal Substitutiva (STRS), totalizando 364 pessoas, distribuídos em cinco municípios brasileiros (dois serviços de Pelotas, e um serviço dos seguintes municípios, Rio Grande, São Lourenço, Alegrete e Uruguaiana) localizados no sul do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. A escolha dos municípios participantes, baseou-se no índice de desenvolvimento humano municipal (IDH-M), considerado inferior aos encontrados na região norte do estado. No Brasil, verifica-se uma correlação linear entre centros de diálise e os valores de índice de desenvolvimento humano municipal (IDH-M).7
Os critérios de seleção dos participantes foram: idade igual ou superior a 18 anos; ser cadastrado no STRS; estar presente no STRS na data da coleta de dados; e ter capacidade de comunicar-se verbalmente. Foram excluídos aqueles pacientes que devido a condição clínica no momento da coleta de dados estavam impossibilitados de responder ao questionário e ou por óbito, num total de 29 pessoas, para uma população total de 335 pessoas.
O questionário utilizado foi desenvolvido pelas autoras, e antes de iniciar a coleta de dados foi realizado um teste piloto com a aplicação do questionário a 10 pessoas, usuárias de um serviço de terapia renal substitutiva, e a partir desse, foram realizadas as adequações necessárias. A coleta de dados foi realizada no período de março de 2016 a março de 2017. O questionário foi aplicado por seis entrevistadoras previamente capacitadas. Os dados foram coletados durante a sessão de hemodiálise, com a pessoa após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e complementados com análise do prontuário.
Para descrição do perfil sociodemográfico e clínico foram consideradas as seguintes variáveis: idade, sexo, raça, peso, altura, renda, ocupação, estado civil, hábitos alimentares (Uma questão aberta sobre quais são suas preferências alimentares?), consumo de álcool, tabagismo, presença de doença infectocontagiosas, etiologia da DRC, tempo de diagnóstico de doença renal, gastos com tratamento, ingesta hídrica e alimentar e anúria, baseado no recordatório das últimas 24 horas.
As variáveis selecionadas para este estudo foram pré-codificadas, armazenadas no programa de gerenciamento de dados Epidata, com dupla entrada e checagem das inconsistências. A análise dos dados foi realizada no programa STATA (Data Analysis and Statistical Software) versão 9.2 por meio de estatística descritiva, com distribuição de frequências absolutas e relativas. O estudo respeitou os preceitos éticos da Resolução do Conselho Nacional de Saúde 466/2012 e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, com parecer favorável de número 1.386385 e CAAE 51678615300005316.
RESULTADOS
No total, foram entrevistadas 335 pessoas em tratamento hemodialítico atendidas em sete STRS distribuídos em cinco municípios brasileiros, localizados no sul do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Na Tabela 1 são apresentadas as características sociodemográficas dos entrevistados.
Considerando os gastos com o tratamento hemodialítico, 80,3% (267) dos entrevistados referiram algum tipo de gasto, sendo a compra de medicamentos o mais frequentemente relatado por 88,4% (235), seguido por 8,1% (21) de gastos com consultas médicas e exames, e 4% (11) com transporte para clínica.
Em relação aos hábitos relacionados à saúde, e frequência de consumo foi baseado no recordatório das últimas 24 horas, observou-se que 43,7% (144) das pessoas relataram consumir carboidratos, preferencialmente, e a dieta livre/sem restrições foi relatada por 50,3% (168) dos entrevistados. Em relação a ingesta hídrica, 59,8% (200) referiram ingerir diariamente mais de 800 ml de líquidos, incluindo bebidas alcoólicas em 10% (35), e 77,0% (257) referiram anúria. Na Tabela 2, apresentam-se as características clínicas dos entrevistados.
DISCUSSÃO
O presente estudo descreve o perfil sociodemográfico e clínico de pessoas com doença renal crônica em terapia hemodialítica no Sul do Rio Grande do Sul, Brasil.
Identificou-se o predomínio do sexo masculino, com idade acima de 50 anos, de cor de pele branca, casados, aposentados e com baixa renda familiar. Diante destes resultados verificou-se estudos que demonstraram a ampla variabilidade mundial na
Variáveis sociodemográficas | N | % |
---|---|---|
Sexo | ||
Masculino | 197 | 58,9 |
Feminino | 137 | 41,1 |
Idade (anos) | ||
18 a 30 | 21 | 6,3 |
31 a 40 | 26 | 7,9 |
41 a 50 | 48 | |
51 a 60 | 80 | 24,2 |
61 a 70 | 86 | 26,0 |
71 ou mais | 70 | 21,1 |
Cor da pele | ||
Branca | 228 | 68,3 |
Preta | 58 | 17,4 |
Parda | 46 | 13,8 |
Amarela | 2 | 0,6 |
Estado civil | ||
Casado ou união estável | 185 | 55,2 |
Solteiro | 75 | 22,4 |
Divorciado ou separado | 31 | 9,3 |
Viúvo | 44 | 13,1 |
Renda Familiar Mensal (salários mínimos) | ||
Até um salário mínimo | 53 | 15,9 |
> 1 ≤ a 2 salários mínimos | 145 | 43,4 |
> 2 ≤ a 3 salários mínimos | 88 | 26,4 |
Mais de 3 salários mínimos | 48 | 14,4 |
Ignorado | 1 | 0,3 |
Escolaridade (anos de estudo) | ||
Sem escolaridade formal | 25 | 7,5 |
Até quatro anos | 103 | 30,8 |
Cinco a sete anos | 87 | 26,0 |
Oito a nove anos | 41 | 12,1 |
10 anos ou mais | 79 | 23,6 |
Mora sozinho | ||
Sim | 47 | 14,0 |
Não | 288 | 86,0 |
Fonte: Banco de dados da Pesquisa ''Atenção à saúde nos serviços de terapia renal substitutiva da metade sul do Rio Grande do Sul.''
Variáveis epidemiológicas | N | % |
---|---|---|
Etiologia da DRC | ||
Doença renal diabética | 94 | 28,1 |
Outros | 91 | 27,2 |
Indeterminado | 65 | 19,4 |
Nefropatia hipertensiva | 38 | 11,7 |
Uropatia obstrutiva | 12 | 3,6 |
Doença renal policística | 9 | 2,7 |
Pielonefrite crônica | 9 | 2,7 |
Câncer | 7 | 2,1 |
Glomerulonefrite | 5 | 1,5 |
Lúpus eritematoso | 5 | 1,5 |
Classificação índice de massa corporal | ||
Peso baixo | 16 | 5,5 |
Peso normal | 134 | 45,9 |
Sobrepeso | 88 | 30,1 |
Obesidade estágio I | 41 | 14,1 |
Obesidade estágio II | 10 | 3,4 |
Obesidade estágio III | 3 | 1,0 |
Tabagismo | ||
Nunca fumou | 167 | 49,9 |
Tabagista pregresso | 142 | 42,4 |
Tabagista atual | 26 | 7,8 |
Consumo de bebida alcoólica | ||
Sim | 35 | 10,5 |
Não | 300 | 89,5 |
História familiar de Doença Renal Crônica | ||
Sim | 80 | 24,2 |
Não | 251 | 75,8 |
Doenças infectocontagiosas | ||
Hepatite C | 25 | 7,5 |
Hepatite B | 13 | 3,9 |
Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) | 7 | 2,1 |
Fonte: Banco de dados da Pesquisa ''Atenção à saúde nos serviços de terapia renal substitutiva da metade sul do Rio Grande do Sul.''
demografia de pessoas com DRC.4,7,8Contudo a literatura revela maior ocorrência de DRC entre mulheres (14,6% vs 12,8%) nos estágios de 1 a 5 e nos estágios de 3 a 5 (12,1% vs 8,1%).4 Ressalta-se que a população do presente estudo inclui pessoas que apresentam DRC em estágio avançado, os quais necessitam de tratamento renal substitutivo, neste caso a hemodiálise. Sendo assim, dados nacionais dos serviços de hemodiálise revelam que 57% dos brasileiros em tratamento dialítico são homens.9 Portanto, as disparidades observadas na prevalência de DRC entre homens e mulheres acentuam-se conforme a gravidade da doença, em estágios mais precoces da DRC (estágios de 1 a 5) há predomínio de mulheres e em fase avançada, em hemodiálise, de homens.
Considerando que, em fase pré dialítica, a progressão da DRC não apresenta diferença por sexo.10 Além disso, em fase dialítica, a mortalidade cardiovascular também não apresenta diferenças entre sexos.11 Então, pode-se inferir que vulnerabilidades relacionadas ao gênero podem interferir na procura dos serviços de saúde, conforme evidenciado em estudo com a população brasileira: mulheres são mais propensas a procurar serviços de prevenção à saúde como atenção primária e secundária em detrimento da atenção terciária, favorecendo o diagnóstico precoce entre mulheres.12
A idade avançada é considerada um fator de risco não modificável para DRC. Na Índia, a idade média de 9.614 doentes renais crônicos no estágio 3 foi de 51 (+13,6) anos, enquanto que na China 1.185 doentes renais do mesmo estágio tinham em média 63 (+14,7) anos. Destaca-se que, nos resultados deste estudo, aproximadamente 52% dos entrevistados estão em idade produtiva, fato que corrobora com dados gerais da população brasileira, dos quais 65,7% que estão em tratamento dialítico fazem parte da faixa etária produtiva, evidenciando o impacto social e econômico da DRC.9 Salienta-se que no presente estudo, mais de dois terços da amostra estava acima de 50 anos de idade. Corroborando com estudo realizado nos EUA, o qual indica um rápido aumento nas taxas de iniciação da diálise entre idosos, com idade igual ou superior a 75 anos, quando comparado a grupos etários mais jovens.12
Idosos com DRC avançada perdem a função renal lentamente e morrem de comorbidades antes mesmo de necessitarem da diálise. No entanto, a maioria da população idosa está iniciando a diálise durante a internação hospitalar, muitas vezes, relacionada a um episódio de insuficiência renal aguda, sem apresentar sintomas que ameaçam a vida e o contexto clínico.13 Diante disso, o diagnóstico precoce da DRC com acompanhamento dos casos na fase inicial da doença é considerado a estratégia mais eficaz para que a tomada de decisão acerca do tratamento da DRC consiga, de fato, ser compartilhada entre pessoa, família e profissionais de saúde, devendo neste momento considerar as características individuais, os riscos, encargos e benefícios da diálise em comparação ao tratamento conservador.
No presente estudo, observou-se predomínio de cor da pele autodeclarada branca, concordando com outros estudos brasileiros, os quais revelam associação entre a cor da pele branca e o tratamento em hemodiálise.14-15Por outro lado, estudos demonstram que pessoas de raça negra apresentam DRC em idade mais jovem e comprometimento renal mais acelerado quando comparado a outros grupos étnicos. Assim, nos EUA, negros e hispânicos desenvolvem DRC em estágio final com idade mais jovem quando comparado às pessoas de raça branca.3 Nesse sentido, afirma-se que a falta de acesso ao tratamento adequado e precoce da DRC contribui para as disparidades de atenção à saúde e exacerbam os efeitos negativos da predisposição genética ou biológica. Como estratégias de abordagem, autores propõem a expansão dos serviços de diálise para regiões remotas e a implementação de estratégias de prevenção da DRC.16
No presente estudo, 55,2% dos entrevistados eram casados ou viviam em união estável corroborando com estudo realizado em São Paulo cujo objetivo foi identificar fatores de risco associados à DRC em pacientes internados, revelou que o diagnóstico positivo para DRC associou-se ao estado civil casado.17
A renda e a escolaridade são dois parâmetros utilizados para avaliar a condição socio econômica de uma pessoa. No presente estudo, mais da metade dos entrevistados possuem renda familiar inferior a dois salários mínimos, e 38% relataram até quatro anos de estudo. Corroborando com outros estudos realizados com populações semelhantes.14,18Sabe-se que as condições socioeconômicas também interferem na progressão da DRC, pessoas com condições econômicas mais precárias possuem risco de 60% para a progressão da DRC quando comparados às pessoas com melhores condições socioeconômicas.19 Além disso, a baixa renda familiar representa um importante fator de risco para o aumento da fragilidade entre pessoas submetidas à hemodiálise, fato este que predispõe a maior dependência funcional, quedas, institucionalização e mortalidade. Do mesmo modo, morar sozinho é apontado como uma variável de risco para fragilidade. No presente estudo, 14% dos entrevistados relataram morarem sozinhos, o que pode intensificar a vulnerabilidade desta população.20
A despeito de grande parte dos entrevistados serem aposentados e terem baixa renda familiar, 80% referiram algum custo relacionado ao tratamento da DRC, especialmente para a compra de medicamentos. Sabe-se que doentes renais crônicos em tratamento hemodialítico demandam a utilização de terapias medicamentosas suplementares para tratamento da anemia e distúrbio mineral-ósseo, além do uso das medicações para tratamento da doença de base em grande parte dos casos. Estudo realizado no Brasil, demonstrou que os idosos que necessitaram comprar parte ou todos os seus medicamentos tiveram adesão mais baixa em relação aos que não precisaram pagar pelos medicamentos.21
Contudo, a adesão ao tratamento da DRC vai muito além do uso de medicamentos, incluindo uma dieta adequada, controle adequado do peso corporal e cessação do tabagismo.1 No presente estudo, observou-se a ocorrência de comportamentos que colocam em risco a saúde da pessoa com DRC, tal como, a dieta livre/sem restrições. As restrições da dieta previnem a hipercalemia, a hiperfosfatemia e a desnutrição calórico-proteica.1 A hipercalemia pode causar arritmias e até mesmo parada cardiorespiratória, portanto um cuidado muito importante é reduzir o consumo de alimentos ricos em potássio.18 A restrição de fósforo, por sua vez, previne o hiperparatireoidismo e as calcificações ectópicas.1
Em relação a ingesta hídrica, mais da metade dos entrevistados referiram ingerir diariamente mais de 800ml de líquidos. De modo geral, o doente renal pode ingerir 500 ml de líquidos além da sua diurese, desse modo, doentes renais em anúria apresentam maiores dificuldades em aderir a este cuidado, fato este que resulta em aumento do ganho de peso interdialítico (GPI), o qual está associado ao aumento da morbimortalidade cardiovascular, e da ocorrência de desconfortos físicos durante a sessão de hemodiálise.22
Concomitantemente a falta de adesão a dieta, observou-se a ocorrência de pessoas na faixa de classificação de obesidade grau I. A obesidade, bem como a hipertensão arterial sistêmica e o diabetes mellitus são considerados importante fatores etiológicos de lesão renal, portanto o elevado índice de massa corporal está diretamente relacionado a progressão da doença.1 No Brasil, segundo o VIGITEL (2016) a prevalência de obesidade cresceu 60% passando de 11,8% em 2006 para 18,9% em 2016.23 Do mesmo modo, a prevalência da diabetes mellitus e da hipertensão arterial sistêmica tiveram um aumento de 61,8% e 14,2% respectivamente, no mesmo período. No presente estudo, o diabetes mellitus aparece como principal causa etiológica da DRC, sabe-se que na população geral brasileira, a hipertensão arterial é a principal responsável pela admissão em programas de terapia renal substitutiva,2 enquanto na população geral mundial o diabetes mellitus apresenta-se como causa principal, portanto os resultados do presente estudo vão ao encontro da realidade internacional.3 Apesar da elevada prevalência de sobrepeso/obesidade e dos distúrbios metabólicos nesta população, o sedentarismo, reconhecido como importante fator de risco modificável para doenças cardiovasculares, foi referido por apenas 38,8% dos entrevistados, contrastando a outros estudos com populações brasileiras que revelam prevalência de até 80,1%.15
Ainda em relação aos hábitos de vida, verificou-se que 7,8% revelaram história atual e 42,4% pregressa de tabagismo e 10,5% são etilistas. Em um estudo realizado em São Paulo com população semelhante encontrou elevada ocorrência de tabagismo (51,2%) entre doentes renais.15 Ressalta-se que o tabagismo é reconhecido como importante fator de risco para progressão da DRC, especialmente se o consumo for acima de 15 maços/ano, enquanto o consumo de álcool, independentemente da quantidade, demonstrou efeito protetor sobre a função renal em homens, correlação sem significância estatística para o sexo feminino.24 Portanto, considerando a prevalência elevada de tabagismo pregresso na amostra é possível inferir que o tabagismo pode ter contribuído para lesão renal.
A história familiar de DRC foi citada por 24,2% da amostra, trata-se de um fator de risco não modificável importante, uma vez que atua como indicador de rastreio da DRC entre familiares, e possibilita o diagnóstico precoce, permitindo um alerta quanto aos cuidados preventivos relacionados à saúde.1
Quanto a prevalência de doenças infectocontagiosas, tais como hepatite B, C e HIV foi encontrado, respectivamente, em 3,9%, 7,5% e 2,1% da amostra. Estes resultados estão muito acima do encontrado para a população brasileira em diálise que apresenta redução gradual nos últimos anos para hepatite B (0,7%) e C (3,7%), exceto para HIV (1,0%) que apresentou aumento entre os anos de 2013 a 2016.6 Apesar da redução dos números, em nível nacional, a partir do uso da vacina contra Hepatite B, essa é uma população vulnerável à contaminação pois, estão com frequência expostos à necessidade de transfusões sanguíneas, e a via parenteral é a principal forma de contaminação, o que contribui para aumentar o risco de contaminação.
Considerando que a saúde é construída em espaços de governabilidade e tomada de decisões compartilhadas, um dos principais documentos que direcionam as ações de saúde a nível nacional, trata-se do Plano de enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis, 2011-2022, que tem como meta principal a redução das taxas de mortalidade prematura (30 a 69 anos de idade) em 2% ao ano até 2022. Estudo recente que teve com objetivo analisar a tendência da mortalidade prematura por doenças crônicas não transmissíveis verificou que o Brasil apresenta avanços na redução da mortalidade por doenças crônicas, exceto para neoplasias e diabetes mellitus, especialmente no Rio Grande do Sul.25
Diante do exposto, cabe ressaltar que as ações para redução do impacto pessoal, social e econômico da DRC estão contempladas em diferentes planos e agendas de órgãos nacionais e internacionais, demandam ações de caráter intersetorial, inclusive no âmbito da pesquisa e inovação tecnológica com disponibilização de insumos, acesso à tecnologia e aos diferentes níveis de serviços em saúde.
Como fortalezas do presente estudo, destaca-se que os achados deste apontaram para necessidade de reorganização da atenção à doença renal crônica no âmbito dos serviços de atenção primária e secundária, de modo que intervenções mais efetivas dos serviços de saúde sejam direcionadas, especialmente, às pessoas com história familiar de doença renal, história pessoal de doenças metabólicas (diabetes e obesidade) e de tabagismo, tal como, diagnóstico e encaminhamento precoces da lesão renal, controle metabólico do diabetes e programas efetivos de emagrecimento, além de intervenções em grupos para cessação do tabagismo, são estratégias que podem impactar na redução da progressão da lesão renal na população do sul do Rio Grande do Sul, Brasil.
O estudo apresenta como contribuições a prática de enfermagem e equipe multidisciplinar, a oportunidade para refletir sobre a necessidade de desenvolvimento da abordagem articulada entre os diferentes saberes para o desenvolvimento de intervenções efetivas, que retardem a evolução das doenças crônicas, como a hipertensão arterial e o diabetes mellitus, assim como, para insuficiência renal crônica.
As limitações do presente estudo estão relacionadas à metodologia utilizada e as características da amostra, o que impede a generalização dos dados. Recomenda-se o desenvolvimento de estudos que possam ampliar o conhecimento sobre o perfil sociodemográfico, clínico e de saúde das pessoas com doença renal crônica, no Brasil.
CONCLUSÕES
O estudo permitiu traçar a caracterização sociodemográfica e clínica da população atendida em serviços de terapia renal substitutiva no sul do Rio Grande do Sul que mostrou a prevalência de uma população com baixa renda e idosa, tendo o diabetes mellitus como principal doença de base associada elevado índice de sobrepeso/obesidade, e baixo controle de infecção por doenças infectocontagiosas relacionadas ao tratamento hemodialítico. Em relação a idade avançada e aos recursos financeiros limitados, estes podem representar fatores limitantes à adesão ao tratamento, o que reforça a necessidade de intervenção multidisciplinar contínua. Sobre o perfil clínico predominante, os achados apontaram para necessidade de reorganização da atenção à doença renal crônica no âmbito dos serviços de atenção primária e secundária, visando a detecção precoce da DRC e o controle clínico das doenças de base, incluindo o diabetes, principalmente em grupos socioeconômicos menos favorecidos, facilitando o acesso desta população aos serviços na rede de atenção à saúde.
CONFLITOS DE INTERESSE
As autoras declaram não haver conflito de interesses.
AGRADECIMENTO
Este projeto possuiu financiamento pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) - Edital Universal 2014, processo 442502/2014-1.