INTRODUÇÃO
Os cuidados prestados às pessoas idosas em cuidados paliativos são tidos como preditores de condições que favorecem o adoecimento de cuidadores familiares e que afetam profundamente a saúde emocional e a dinâmica social dos membros da família.1 Estes, os chamados "pacientes ocultos" ao mesmo tempo que prestam cuidados, tem suas dinâmicas de vidas e precisam de apoio, no entanto, muitas vezes tendem a ser ignorados pelo poder público assim como pelos profissionais de saúde.1
O crescente aumento da população de pessoas idosas a nível mundial nos permite constatar o quanto é importante e imperativo refletir sobre o cuidado a esse público, assim como o cuidado àqueles que cuidam desse idoso, o qual é muito comum ocorrer por parte da família. O cuidado à pessoa idosa, bem como ao seu cuidador, seja ele formal ou informal, deve convergir em todos os seus aspectos para os cuidados, as dimensões biológica, emocional, sociais e espiritual.2
Neste cenário, a vinculação ao familiar dependente rompe ciclos na trajetória de vida daquele que assume o cuidado, exigindo mudanças e adaptações com formação e consolidação de conhecimentos para o lidar com a nova realidade que se impõe3. Familiares que testemunham o sofrimento do paciente podem desenvolver sentimentos de angústia e culpa por não conseguirem confortá-los ou obter a assistência necessária para aliviar o sofrimento do paciente.3
O ônus do cuidar, pode afetar adversamente familiares que não dispõem de recursos necessários ou não estão adequadamente preparadas para exercer o papel de cuidadores.1 No cenário dos cuidados paliativos (CP), a assistência à família, especialmente no período de hospitalização, objetiva aliviar o sofrimento dos pacientes e seus familiares, inclusive no período do luto.4
Os cuidados paliativos são definidos como uma abordagem de cuidados que visam melhorar a qualidade de vida de pacientes (adultos e crianças), que enfrentam doenças que ameacem a vida, e seus familiares. Consiste num cuidado promovido por uma equipe multidisciplinar que se pauta na prevenção e alívio do sofrimento a partir da identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e outros problemas físicos, emocionais, sociais e espirituais.5
Para a pessoa idosa em cuidados palaitivos, o suporte promovido pelo familiar cuidador gera sentimentos de pertencimento, cuidado, estima e pode proporcionar recursos emocionais para melhor lidar com as situações de estresse.6-7Nesta perspectiva destaca-se a relevância em compreender como é a efetivação da assistência à unidade de cuidados (paciente/família), de modo a verificar quais os fatores que influenciam as necessidades daqueles que prestam cuidados as pessoas idosas em cuidados paliativos.
Junto a esse cenário é importante destacar que cuidar envolve o fator tempo, o estar presente, fazer companhia e zelar pelo paciente, o que acaba por alterar a rotina do familiar cuidador levando-o a ter restrições na sua vida pessoal, social e profissional8, tornando o fator tempo como importante a ser considerado no processo de cuidar de um ente em cuidados paliativos.
Estudos9-10apontam que o tempo dispensado no cuidado ao ente querido faz com que o familiar cuidador apresente um déficit de autocuidado que perpassa pelo sono e repouso, socialização e até do cuidado a sua saúde, conduzindo a um estado de esgotamento físico e mental. Sem contar o impacto financeiro vivenciado pelas famílias, quando muitas vezes necessitam dispensar um cuidado em tempo integral. Com todas essas dimensões alteradas, o processo de cuidar de si e do outro se torna fragilizado.
Cuidar do familiar cuidador é uma prática atitudinal de extrema relevância que visa prezar pela qualidade de vida dele e poder prevenir problemas futuros, principalmente quando se trata de um perfil de cuidadores formado por pessoas idosas.8
Assim, foi delimitada como hipótese de que há uma relação entre o fator tempo de prestação dos cuidados a um ente em cuidados palitivos e suas implicações nas dimensões integradoras do ser (física, emocional, social e espiritual) afetando as necessidades humanas básicas do familiar cuidador. Nesta perspectiva, o objetivo deste estudo foi verificar a relação entre o fator tempo dispensado na prestação dos cuidados e as principais necessidades do familiar cuidador de pessoas idosas hospitalizadas em cuidados paliativos.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo de corte transversal e abordagem quantitativa, realizado com familiares cuidadores de pessoas idosas em cuidados paliativos e hospitalizadas em uma Unidade de Cuidados Paliativos de uma capital da região Nordeste do Brasil. Conforme o censo institucional, no período da realização do estudo ocorreram 353 internamentos, destes 215 pacientes tinham registrados em prontuário como em Cuidados Paliativos. A amostragem foi do tipo censo e contou com 205 participantes e as perdas totalizaram um familiar que desistiu, cinco que não concordaram em participar da pesquisa e quatro deles eram menores de 18 anos. A coleta de dados ocorreu entre agosto e outubro de 2019.
Como critérios de inclusão considerou-se: ter idade igual ou superior a 18 anos; ser acompanhante da pessoa idosa com indicação de cuidados paliativos documentada em prontuário; ser o principal familiar cuidador e responsável pelo acompanhamento do paciente durante a internação. Foram excluídos os cuidadores formais contratados pela família.
O questionário foi desenvolvido com base numa revisão da literatura11,12,13acerca das necessidades de familiares cuidadores de pacientes em cuidados paliativos, construído para fins científico no desenvolvimento desta pesquisa. O instrumento foi composto por dados sociodemográficos e econômicos (sexo, idade, estado civil, nível de escolaridade, raça, religião, renda, se trabalha além de prestar cuidados ao ente querido, o tempo em que vem prestando os cuidados e a condição de saúde do familiar cuidador) e dados relacionados às necessidades humanas básicas nas dimensões integradoras do ser (física, emocional, social e espiritual) obtidos por 21 perguntas correspondentes as variáveis descritas em cada dimensão com alternativa de respostas sim ou não. Na dimensão física estão contempladas quatro variáveis, seis na emocional, oito na social e três na espiritual.
O instrumento foi construído pela pesquisadora principal com base num estudo de revisão da literatua e passou por um processo de validação de conteúdo por parte de juízes, representados por pesquisados do Grupo de Pesquisa sendo realizadas alterações até um consenso entre os pares. Utilizando-se a Técnica Delphi14, o consenso ocorreu na terceira rodada de avaliação. Com relação a consistência interna calculou-se o Coeficiente de Kuder-Richardson-20 (KR-20) para aferir a validade interna do instrumento e a confiabilidade de cada questão. Para esta análise, valores iguais ou superiores a 0,70 (KR≥0,70) foram considerados aceitáveis, refletindo a correlação interna entre os itens da mesma dimensão.15
Os dados foram digitados no Software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 21.0. As variáveis idade, horas por semana cuidando do paciente, sexo, situação conjugal, escolaridade, raça, religião, vínculo empregatício, renda e condições de saúde foram analisadas de forma descritiva utilizando para isso a média, mediana, intervalo interquartílico e desvio padrão.
Em relação às análises das dimensões física, emocional, social e espiritual, foi realizado o teste qui quadrado para verificar a relação entre os respectivos aspectos de cada uma das dimensões e o tempo de cuidado. A variável ''tempo de acompanhamento'' foi categorizada em: menos de 2 meses de cuidado, 2 a 6 meses de cuidado e mais de 6 meses. Considerou-se como relação estatisticamente significante quando o p-valor foi ≤ 0,05.
Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Unidade Hospitalar lócus do estudo e foi aprovado recebendo o parecer nº 3.455.910.
RESULTADOS
Dos 205 familiares cuidadores participantes do estudo, na sua maioria, eram do sexo feminino (78,5%), com uma média de idade de 49 anos (DP±13). Quanto às horas de dedicação aos cuidados os resultados mostraram que os familiares cuidadores demanda um tempo de acompanhamento nos três grupos com uma Mediana - II Quartil de 24 horas semanais, aproximadamente 3,5 horas/dia. Quanto à situação conjugal, predominou o número de familiares cuidadores sem companheiros (54,6%) com tempo de estudo entre 10 a 12 anos (65,0%). Quanto à raça/cor da pele, na sua maioria eram pardas e negras (82,5%) e de religião católica (48,3%). Mais da metade (57,1%) dos participantes informaram não exercer atividade remunerada e integram predominantemente o nível socioeconômico da classe C (59,0%) correspondente as famílias que contam com um rendimento total entre quatro e dez salários mínimos. Com relação à condição de saúde autodeclarada, 41,5% deles percebem sua saúde num nível razoável. Quanto ao tempo em que vem prestando cuidados ao seu ente idoso em cuidados paliativos, 142 (69,3%) informaram que cuidam há menos de dois meses; 37 (18,0%) deles declararam cuidar entre dois a seis meses e (26) 12,7% deles cuidam há mais de seis meses (Tabela 1).
Quanto às necessidades dos familiares cuidadores e sua relação com o tempo em que cada um deles vem prestando cuidados às pessoas idosas em cuidados paliativos e hospitalizadas, os resultados apontam que houve significância estatística com relação a duas variáveis da dimensão emocional e três da social.
Com relação à dimensão emocional, observou-se que a maioria dos participantes demonstra uma necessidade de equilíbrio emocional diante da condição imposta pelo exercício de ser o cuidador referência do idoso (p-valor = 0,047) destacando que tal necessidade acaba por gerar conflitos consigo próprio (p-valor = 0,003) diante da ambivalência entre ter que assumir o papel de familiar cuidador e adaptar seu cotidiano para exercício de ambos os papéis.
Para o fator tempo de cuidados, os resultados apontam que quanto maior o tempo em que o familiar vem prestando os cuidados, maior é a sobrecarga, quando 80,8% dos familiares que cuidam do idoso, há mais de seis meses, sentem-se emocionalmente abalados quando comparados aqueles que prestam o cuidado há menos de dois meses (55,6%).
O mesmo ocorre com a geração de conflitos consigo próprio relacionados à carga emocional e física dos cuidados, onde 61,5% daqueles que prestam cuidados há mais de seis meses demonstram tal conflito, contra 28,2% daqueles que cuidam há menos de dois meses (Tabela 2).
No que tange a dimensão social, as necessidades dos familiares apresentaram significância com relação à dinâmica do convívio social (p-valor = 0,002), considerando que quanto maior o tempo de prestação dos cuidados, mais o familiar se sente preso e demonstra vontade de sair de casa (69,2%) ao contrário daqueles que cuidam há menos de dois meses (33,1%) . Os participantes que demonstraram maior nível de necessidade em fazer alterações nos seus planos diante do imperativo de exercer o papel de cuidador (p-valor = 0,004), apresentaram também uma necessidade de rever questões financeiras considerando que os custos aumentaram diante da nova dinâmica imposta pelo papel de cuidador (p-valor = 0,023).
Em ambas as variáveis, quanto maior o tempo de prestação dos cuidados, mais a necessidade se aflora sendo que 80,8% dos familiares que cuidam há mais de seis meses tiveram que realizar alterações nos seus planos de vida. Destaca-se ainda que 61,5% sentem a necessidade de maior suporte decorrente do surgimento de novos custos (Tabela 2).
Variáveis | Tempo de seguimento | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
< 2 meses | 2 a 6 meses | > 6 meses | Total | |||
(n=142) | (n=37) | (n=26) | (n=205) | |||
Idade (em anos), média (DE), anos | 49 (±13,6) | 49 (±13,5) | 49 (±11,2) | 49 (±13,0) | ||
Horas/semana de cuidado ao paciente Md (IIQ) | 24 (12-48) | 24 (10-40) | 26 (15-56) | 24 (12-48) | ||
Gênero n (%) | ||||||
Feminino | 107 (75,4) | 31 (83,8) | 23 (88,5) | 161 (78,5) | ||
Masculino | 35 (24,6) | 6 (16,1) | 3 (11,5) | 44 (21,5) | ||
Estado Civil n (%) | ||||||
Sem parceiro | 85 (59,9) | 15 (40,5) | 12 (46,2) | 112 (54,6) | ||
Com parceiro | 57 (40,1) | 22 (59,5) | 14 (53,8) | 93 (45,4) | ||
Escolaridade (em anos) n (%) | ||||||
0 a 9 | 55 (38,7) | 15 (40,5) | 10 (38,5) | 80 (39,0) | ||
10 a 12 | 66 (46,4) | 16 (43,2) | 12 (46,2) | 94 (45,8) | ||
13 ou mais | 21 (14,7) | 6 (16,2) | 4 (15,4) | 31 (15,2) | ||
Raça/cor da pele n (%) | ||||||
Branca | 26 (18,3) | 6 (16,2) | 4 (15,4) | 36 (17,6) | ||
Parda | 69 (48,6) | 16 (43,2) | 9 (34,6) | 94 (45,9) | ||
Negra | 47 (33,1) | 15 (4,5) | 13 (50,0) | 75 (36,6) | ||
Religião n (%) | ||||||
Católica | 70(40,3) | 15(40,5) | 14(53,8) | 99 (48,3) | ||
Evangélica | 29 (20,4) | 9 (24,3) | 2 (7,7) | 40 (19,6) | ||
Outras | 43 (30,2) | 13 (35,2) | 10 (38,3) | 66 (32,1) | ||
Trabalho n (%) | ||||||
Sim | 62 (43,7) | 17 (45,9) | 9 (34,6) | 88 (42,9) | ||
Não | 80 (56,3) | 20 (54,1) | 17 (65,4) | 117 (57,1) | ||
Nível Socioeconômico* n (%) | ||||||
Classe A/B | 38 (26,8) | 11 (29,7) | 4 (15,4) | 53 (25,9) | ||
Classe C | 82 (57,7) | 23 (62,2) | 16 (61,5) | 121 (59,0) | ||
Classe D/E | 22 (15,5) | 3 (8,1) | 6 (23,1) | 31 (15,1) | ||
Condição de saúde n (%) | ||||||
Excelente | 12 (8,5) | 7 (18,9) | 3 (11,5) | 22 (10,7) | ||
Bom | 49 (34,5) | 11 (29,7) | 7 (26,9) | 67 (32,7) | ||
Razoável | 61 (43,0) | 13 (35,1) | 11 (42,3) | 85 (41,5) | ||
Precária | 16 (11,3) | 5 (13,5) | 5 (19,2) | 26 (12,7) | ||
Não soube responder | 4 (2,7) | 1 (2,7) | 0 (0,0) | 5 (2,4) |
DP: Desvio Padrão; Md: Mediana; IIQ: Segundo Quartil.
* O Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) classifica a população brasileira em cinco classes sociais de acordo com a renda familiar (em salários mínimos**) bruto mensal. A: acima de 20 SM; B: 10-20 SM; C: 4-10 SM; D: 2-4 SM; E: até 2 SM. ** Salário Mínimo (SM) no Brasil em 11/02/2022 $ 233,52
Variáveis | Tempo de Seguimento | Valor p* | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
< 2 meses (n=142) | 2 a 6 meses (n=37) | > 6 meses (n=26) | |||||
SIM* | NÃO | SIM | NÃO | SIM | NÃO | ||
DIMENSÃO FÍSICA n (%) | |||||||
Cansanço e esgotamento | 65 (45,8) | 77 (54,2) | 21 (56,8) | 16 (43,2) | 18 (69,2) | 8 (30,8) | 0,064 |
Realiza grande esforço físico | 60 (42,3) | 82 (57,7) | 18 (48,6) | 19 (51,4) | 14 (53,8) | 12 (46,2) | 0,484 |
Estado de saúde prejudicado | 49 (35,4) | 93 (65,5) | 12 (32,4) | 25 (67,7) | 13 (50,0) | 13 (50,0) | 0,279 |
Estado de saúde estável | 103 (72,5) | 39 (27,5) | 30 (81,8) | 7 (18,9) | 17 (65,4) | 9 (34,6) | 0,366 |
DIMENSÃO EMOCIONAL n (%) | |||||||
Emocionalmente abalada | 79 (55,6) | 63 (44,4) | 20 (54,1) | 17 (45,9) | 21 (80,8) | 5 (19,2) | 0,047 |
Conflito consigo próprio | 40 (28,2) | 102 (71,8) | 15 (40,5) | 22 (59,5) | 16 (61,5) | 10 (38,5) | 0,003 |
Abalada diante dos sintomas não controlados | 32 (22,5) | 32 (22,5) | 33 (89,2) | 4 (10,8) | 24 (92,3) | 2 (7,7) | 0,685 |
Incômodo ao falar/pensar sobre a morte | 42 (29,6) | 42 (29,6) | 24 (64,9) | 13 (35,1) | 20 (76,9) | 6 (23,1) | 0,586 |
Conhecimento da condição de saúde/doença e tratamento | 119 (83,8) | 23 (16,2) | 31 (83,8) | 6 (16,2) | 20 (76,9) | 6 (23,1) | 0,685 |
Apoio emocional nos momentos de fragilidade | 99 (69,7) | 43 (30,3) | 29 (78,4) | 8 (21,6) | 20 (76,9) | 6 (23,1) | 0,490 |
DIMENSÃO SOCIAL n (%) | |||||||
Sente vontade de sair de casa | 47 (33,1) | 95 (66,9) | 13 (35,1) | 24 (64,9) | 18 (69,2) | 8 (30,8) | 0,002 |
Sensação de estar presa | 46 (32,4) | 96 (67,6) | 16 (43,2) | 21 (56,8) | 11 (42,3) | 15 (57,7) | 0,352 |
Fez alterações nos planos de vida | 65 (45,8) | 77 (54,2) | 17 (45,9) | 20 (54,1) | 21 (80,8) | 5 (19,2) | 0,004 |
Difícil fazer planos futuro | 76 (53,5) | 66 (46,5) | 15 (41,7) | 21 (58,3) | 15 (57,7) | 11 (42,3) | 0,366 |
Mudou a rotina de trabalho | 67 (47,2) | 75 (52,8) | 23 (62,2) | 14 (37,8) | 15 (57,7) | 11 (42,3) | 0,209 |
Demanda muito do seu tempo | 51 (35,9) | 91 (64,1) | 15 (40,5) | 22 (59,5) | 9 (34,6) | 17 (65,4) | 0,852 |
Custos interferem na situação econômico/financeira | 47 (33,1) | 95 (66,9) | 14 (37,8) | 23 (62,2) | 16 (61,5) | 10 (38,5) | 0,023 |
Único responsável pelo acompanhamento | 58 (40,8) | 84 (59,2) | 14 (38,9) | 22 (61,1) | 10 (38,5) | 16 (61,5) | 0,959 |
DIMENSÃO ESPIRITUAL n (%) | |||||||
Frequentava algum espaço religioso | 100 (70,4) | 42 (29,6) | 22 (59,5) | 15 (40,5) | 15 (53,8) | 12 (46,2) | 0,160 |
Continua a frequentar espaço religioso | 84 (59,2) | 58 (40,8) | 18 (48,6) | 19 (51,4) | 16 (61,5) | 10 (38,5) | 0,468 |
Cansaço abala a fé | 49 (34,5) | 93 (65,5) | 10 (27,0) | 27 (73,0) | 12 (46,2) | 14 (53,8) | 0,291 |
As respostas ''Sim'' e ''Não'' correspondem ao que cada participante respondeu com relação a cada variável alocada conforme as quatro dimensões do ser humano. Se essa variável está presente ou não na sua dinâmica cotidiana.
DISCUSSÃO
As necessidades humanas se organizam em hierarquia de prioridades, de modo que o surgimento de uma necessidade geralmente depende da satisfação anterior de uma outra de maior prioridade.16 Com base nos conceitos de Maslow surgiram outras possibilidades de discutir o conceito de necessidades humanas básicas e classificá-las, sendo adotado para esse estudo a estrutura das quatro dimensões integradoras do ser humano17 na qual inclui as necessidades relacionadas com o corpo físico do indivíduo, tais como oxigenação, alimentação, eliminação e, estão presentes também nas necessidades fisiológicas da hierarquia de Maslow.
As emocionais têm relação com a percepção de mal-estar em relação ao meio que o rodeia e as sociais representadas por aquelas pertinentes à convivência do indivíduo com sua família, amigos, e sua integração nos espaços de lazer e trabalho, convergentes as necessidades de segurança e estabilidade, amor e pertencimento, estima, contempladas na hierarquia de Maslow. E por fim as espirituais que derivam dos valores e crenças pessoais, tais como a maneira como cada pessoa enfrenta seu processo de cuidar de um ente considerando o suporte espiritual, correlacionando-se com as necessidades de autorrealização de Maslow.18-19
Os familiares cuidadores da pessoa idosa em cudiados paliativos são profundamente afetados pelos desafios da doença e do cuidado a seu ente querido, de modo que importa conhecer suas necessidades para melhor gerenciar suas expectativas diárias de cuidado, alterações em seus papéis e mudanças nas responsabilidades no contexto da família.1
Para a equipe multiprofissional de saúde que cuida do paciente, os familiares cuidadores, podem ser definidos como o elo principal no estabelecimento da comunicação e tomada de decisões, por estes trazerem consigo elementos importantes acerca do histórico de vida do paciente, além dos desejos, anseios e seus medos.18 Assim, as famílias devem ser sempre incluídas na prestação dos cuidados paliativos à medida que se busca prepará-las e adaptá-las para situações relacionadas à terminalidade evitando com isso as situações nas quais acabam por se tornarem verdadeiros ''pacientes ocultos''.1
Com o diagnóstico de uma doença grave ou a proximidade da morte de um de seus membros da família, mudanças na sua estrutura são esperadas. Os familiares passam a necessitar de apoio diante das mudanças relacionadas aos aspectos financeiros, sociais e estruturais que implicam em adaptações e transições contínuas de papéis que culminam em situações de sobrecarga e estresse para os cuidadores.19
A exaustão provocada durante o desenvolvimento do papel de familiar cuidador, impacta de forma negativa nas relações parentais dificultando a homeostase das necessidades da família. Assim como são observados nas pessoas idosas que enfrentam uma doença terminal, seus familiares também estão sujeitos a desgastes físico, emocional, social e financeiro que afetam de forma significativa sua saúde e seu bem-estar.6,19
No presente estudo os resultados apontam para um grupo de familiares cuidadores como sendo adultos de meia idade independentemente do tempo em que veem acompanhamento seu ente querido. Estudo20 semelhante realizado com familiares cuidadores de pacientes em cuidados paliativos também eram adultos com meia idade. Outro estudo21desenvolvido na Alemanha, com cuidadores de idosos, aponta que esse grupo de cuidadores já tinham adentrado a fase da velhice, possuindo idade igual ou maior que 65,0 anos, o que possivelmente representa o envelhecimento populacional na Europa e que está em vias de desenvolvimento no Brasil.
À medida que a população envelhece e as pessoas vivem mais e, com comorbidades cada vez mais complexas, os familiares cuidadores serão cada vez mais chamados a prestar cuidados no final da vida. O Brasil já conta com um considerável percentual de idosos, o que demanda por serviços públicos especializados, assim como um olhar sobre quem cuida desses idosos, o que requer prioridades nas políticas públicas com reorganização dos níveis de cuidado de modo a atender às necessidades tanto da população idosa quanto daqueles que dela cuidam.22
Com relação ao sexo, o feminino predominou em todos os grupos. Uma realidade a nível nacional e internacional na qual os estudos demonstram que os familiares cuidadores são predominantemente do sexo feminino, indicativo de que o cuidado ainda é muito delegado à mulher sofrendo influência das questões de gênero. Diversos estudos nacionais23-24e internacionais25-26 corroboraram com estes achados, no que diz respeito a maior prevalência de mulheres como cuidadoras de pessoas idosas em cuidados paliativos.
Em resposta ao objetivo, com relação ao fator tempo e as principais necessidades do familiar cuidador, os resultados apontaram para quatro necessidades afetadas, quando duas delas são inerentes a dimensão emocional e três à social e alcançaram valores estatisticamente significativos e serão discutidas a seguir.
No que tange na dimensão emocional, é possível observar que o processo de cuidar de uma pessoa idosa em cuidados paliativos implica numa sobrecarga emocional aos familiares cuidadores, assim como suscinta um conflito consigo próprio relacionado a necessidade de cuidar do outro e cuidar de si, condição representada pela necessidade de escuta diante das angústias vivenciadas pelo cuidador em relação ao não saber lidar com uma situação difícil a qual se depara quando passa a exercer tal papel.22 Consequentemente, há de se considerar que a sobrecarga do familiar é um indicativo de impacto contraproducente e pode afetar especialmente o estado emocional.27-28
Estudo29 de revisão sistemática, que resultou na análise de 18 publicações, aponta que em 11 de las, os familiares reconhecem a sobrecarga emocional diante do cuidar, levando-os muitas das vezes, a recorrerem as instituições de saúde em busca por suporte no processo cuidativo, por se sentirem incapazes de lidar com o cuidado por mais tempo no domicílio.
Importante reconhecer que os cuidados paliativos acarretam maior vulnerabilidade à saúde do familiar cuidador, com manifestações de sinais de impotência, incertezas e desespero diante da sobrecarga emocional30, de modo que a Organização Mundial de Saúde reconhece o familiar como integrante da unidade de cuidados assim como também necessita ser cuidado.5 Daí, prestar apoio adequado aos familiares cuidadores visa amenizar os riscos e melhorar a qualidade de vida deles, sendo necessário que se busquem medidas mais benéficas para apoiá-los, considerando-as como uma prioridade de saúde.31
Com relação a dimensão social observa-se que é clara a necessidade de interação social, manifestada pelo desejo de sair da rotina instituída diante de um cotidiano no qual o familiar cuidador passa por um processo de anulação das suas vontades pessoais em detrimento do cuidado ao seu ente, passando a viver exclusivamente os desejos da pessoa idosa em cuidados paliativos sob seus cuidados.32 Essa necessidade não atendida, se desdobra numa outra que se reveste numa rotina de vida na qual é difícil para este familiar fazer planos futuros, considerando as mudanças inesperadas e incertezas inerentes ao processo de adoecimento da pessoa idosa em cuidados paliativos, especialmente quando os resultados apontam para a necessidade de apoio financeiro por parte destes familiares cuidadores.
Pesquisa de revisão sistemática33 que buscou explorar os custos financeiros diante da dinâmica de um familiar em cuidados paliativos, identificou como ''custos financeiros'' quaisquer despesas pagas pelo familiar cuidador custos diretos a exemplo dos gastos com medicamentos ou custos indiretos, decorridos como resultado da perda de ganhos devido à ausência ao trabalho. Neste estudo, os resultados evidenciaram uma lacuna significativa sobre questões econômicas para esses familiares, o que demonstra que tal necessidade é negligenciada, implicando em maior vulnerabilidade na vida destes cuidadores.
A limitação deste estudo diz respeito ao seu desenvolvimento em apenas uma instituição hospitalar da rede pública o que não nos permite a generalização dos resultados, logo eles podem ter divergências se considerar os cenários, por exemplo, de uma instituição da rede privada.
Considerando as cinco necessidades apontadas nos resultados, entende-se que as equipes de cuidados paliativos devem ser capacitadas para atender os pacientes e familiares, como unidade de cuidados, de forma integral e que possa garantir um alinhamento no controle dos sintomas físicos, emocionais, espirituais e sociais, conforme recomenda a filosofia paliativista.
No campo da Enfermagem em Cuidados Paliativos, o enfermeiro e sua equipe precisam direcionar um olhar para com os familiares cuidadores, ajudando-os a perceberem que eles também necessitam de cuidados. Assim sendo, ao enfermeiro cabe estabelcer diagnósticos de enfermagem frente às necessidades do familiar e direcionar prescrições de intervenções de enfermagem interdependentes (discutidas com a equipe interdiscipliar) de modo a cuidar do controle emocional, dos conflitos internos do familiar cuidador, da manutenção das suas necessidades de lazer e interação social, além de como lidar com as questões de ordem econômica e financeira, sendo estas as necessidades que mais demonstraram relação com o tempo de cuidado empreendido.
CONCLUSÕES
Os resultados deste estudo fornecem um perfil das principais necessidades do familiar cuidador de pessoas idosas em cuidados paliativos no ambiente hospitalar. Assim, foi possível concluir que em relação ao fator tempo dispensado para a prestação dos cuidados ao ente em cuidados paliativos, houve relação entre o tempo em que o familiar vem prestando os cuidados e duas dimensões integradoras do ser humano a saber: emocional e social.
Nesse perfil ficam evidentes que os familiares necessitam de suporte, por parte da equipe de saúde, no sentido de desenvolver estratégias para seu controle emocional, minimizar os conflitos consigo próprio, rever suas demandas pessoais e manter uma rotina de atividades de lazer, além de sentir-se bem, com boa autoestima para realização de planos futuros.
Nesse sentido, esta pesquisa traz como implicação para a prática, uma reflexão sobre a importância de adequada compreensão quanto aos cuidados com esses pacientes ocultos - os familiares cuidadores, possibilitando um melhor direcionamento para o cuidado do emocional e social de modo que eles possam ter um suporte para enfrentar os novos planos com qualidade de vida ao prestarem cuidados ao ente querido.
DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSE
Não há conflitos de interesse.