INTRODUÇÃO
O consumo de substâncias psicoativas vem sendo considerado nas últimas décadas um importante problema de Saúde Pública mundial, devido os seus impactos sociais e de saúde, principalmente pelo crescente consumo entre os adolescentes.1A adolescência é um período delicado no qual o indivíduo passa por transformações em âmbito individual e coletivo, sofrendo influências de fatores internos e externos. A exposição do adolescente a fatores de risco ao uso de drogas está associado a impactos negativos em áreas sociais, psicológica e do desenvolvimento físico.2,3,4
O impacto do consumo de substâncias psicoativas manifesta-se como uma temática de bastante interesse de investigação em território nacional e internacional.5,6,7,8,9,10,11Levantamentos nacionais destacam a alta prevalência de experimentação de substâncias lícitas e ilícitas entre escolares, normalmente esse contato acontece ainda na adolescência e por intermédio dos amigos e colegas da escola.12,13
As substâncias psicoativas são aquelas substâncias caracterizadas por atuarem na modificação do funcionamento do cérebro, podendo alterar o estado de humor, percepção comportamento e estado de consciência, aparecendo como elementos de recompensa instantânea, que inicialmente está relacionada com sensações de prazer e bem-estar. Essa procura de satisfação aliada com a necessidade de construção de sua identidade, personalidade e do seu papel social fazem com que o adolescente se afaste dos fatores protetores para o uso dessas substâncias.11
O abuso de álcool e outras drogas podem causar desequilíbrios em esferas importantes da Qualidade de Vida (QV) do adolescente, tornando mais frequente os problemas na escola, em grupos de amigos e ciclo familiar, principalmente se a ele estiver associado uma baixa condição socioeconômica, conflitos familiares, desigualdades sociais e facilidade de acesso a substâncias psicoativas.14 A exposição a fatores de risco como iniquidades na saúde, baixos indicadores de escolaridade e acesso reduzido a bens e serviços torna-se mais comum em populações negras, principalmente aquelas provindas de comunidade remanescente africana.15
Em 2015, foi realizado o primeiro estudo de base populacional em comunidades rurais quilombolas do sudoeste da Bahia, onde avaliaram o consumo de álcool e fatores associados. Os dados ressaltam a ausência de serviços de saúde que atuam e realizam intervenções às práticas de consumo abusivas.16
Estudos realizados em adolescentes da região africana indicam que o consumo de substâncias psicoativas está relacionado a várias características psicossociais compartilhadas, como aspecto individual familiar.5 Outros achados semelhantes foram observados em estudos realizados com adolescentes mexicanos, em que se identificou que o uso de substâncias ilícitas pode estar associado a tendência a agir de forma impulsiva e agressiva, além de estar frequentemente exposto a situações familiares de conflito e violência e uso de substâncias ilícitas e álcool em casa.8
As motivações que levam ao uso de álcool são diversas. Seja por lazer, diversão, meio de lidar com os problemas e dificuldades da vida cotidiana ou até mesmo esquecer a rotina, não se pode falar em prevenção sem levar em consideração o contexto que esses jovens estão inseridos, as comunidades afro-brasileiras em especial, pelo preconceito que enfrentam, a exclusão social, a dificuldade em arrumar emprego e o apagamento de sua identidade por um padrão cultural dominante17.
Os estudos acerca da qualidade de vida e substâncias ilícitas nessa população ainda são escassos, sendo prevalente os estudos sobre o uso de álcool e tabagismo. Devido a adolescência ser uma fase de transição de hábitos, comportamentos e percepção da realidade, o estudo sobre Qualidade de Vida torna-se decisivo para a compreensão de características individuais e coletivas relacionadas a essa população. Dessa forma, este estudo objetivou analisar a associação entre Qualidade de Vida e consumo de substâncias psicoativas em alunos de ancestralidade do continente africano.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo epidemiológico descritivo, comparativo e de delineamento transversal acerca da Qualidade de Vida e fatores associados ao uso de substâncias psicoativas entre estudantes de um Colégio afro-brasileiro localizado no Município de Jequié, Bahia, Brasil. Realizado nos meses de agosto a novembro de 2017. O colégio afro-brasileiro faz parte da comunidade remanescente Quilombola do Barro Preto.
Para elegibilidade da amostra foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: estar na faixa etária de 10 e 19 anos e matriculado na modalidade Ensino Regular. Esta investigação adotou a definição da Organização Mundial de Saúde, na qual afirma que adolescentes são as pessoas que se enquadram na faixa etária entre 10 e 19 anos.18 Foram excluídos da pesquisa aqueles que estavam ausentes no momento de apresentação da pesquisa e que não entregaram o termo de assentimento no período estipulado.
Dos 539 estudantes matriculados na modalidade de Ensino Regular, 87 (16,1%) tinham mais que 19 anos, sendo assim, a população base para a realização do cálculo amostral foi de 452 indivíduos. O cálculo amostral foi realizado por meio do programa EpiInfo (tm) Versão 7.2.2.3, adotando a frequência esperada para os fatores investigados de 50%, erro de 5% e nível de confiança de 95%, chegando em uma amostra de 208 indivíduos. O procedimento amostral adotado foi o aleatório simples, onde os adolescentes foram selecionados através de sorteio em tabela de acordo com o número da matrícula, em caso de ausência, o número seguinte foi chamado até completar a amostra final. Houve, todavia, uma perda de 2,4% (n=5) devido à incompletude de questionários, resultando em 203 estudantes adolescentes devidamente matriculados (Figura 1).
Para a coleta de dados foi utilizado formulário auto-aplacável, dividido em 3 blocos temáticos: inquérito sociodemográfico, inquérito sobre a Qualidade de Vida e inquérito sobre o uso de substâncias psicoativas. Para avaliar a qualidade de vida dos estudantes foi utilizado o instrumento WHOQOL-bref, desenvolvido pelo Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde.
O WHOQOL-bref é um instrumento validado e traduzido para a versão em português, apresenta qualidades psicométricas satisfatórias, como precisão e validade de construto, sendo utilizado em amostra ampla de homens e mulheres saudáveis e doentes, de variadas idades, crenças, escolaridades e classes socioeconômicas.19 Este instrumento específico para avaliação da Qualidade de Vida, é composto por 26 questões. A primeira questão refere-se à QV de modo geral e a segunda, à satisfação com a própria saúde. As outras 24 estão divididas em quatro domínios, a saber: domínio físico, psicológico, das relações sociais e meio ambiente.19
A mediana dos escores de cada domínio foram graduadas inicialmente numa escala de 4 a 20, e posterior transformação desses valores para uma escala de 0 a 100. Os escores do domínio são dimensionados em uma direção positiva (ou seja, os índices mais altos indicam maior qualidade de vida).19
Para a verificação do consumo de uso de substâncias psicoativas foi utilizado o questionário Drug Use Screening Inventory (DUSI). O DUSI é um instrumento traduzido para o português, adaptado e validado de triagem e/ou diagnóstico do envolvimento de adolescentes com álcool e/ou drogas.20 É composto por uma tabela inicial que aborda o consumo de álcool no último mês, anfetaminas/estimulantes, ecstasy, cocaína/crack, maconha, alucinógenos, tranquilizantes, analgésicos, opióides, fenilciclidina, anabolizantes, inalantes e tabaco (para as substâncias lícitas, somente é incluído o consumo sem prescrição médica). Ainda, o DUSI contém 149 questões divididas em 10 áreas que abordam problemas psicossociais em relação ao consumo de substâncias psicoativas.20
O DUSI fornece um perfil de intensidade de problemas em relação ao: uso de substâncias; comportamento; saúde; transtornos psiquiátricos; sociabilidade; sistema familiar; escola; trabalho; relacionamentos com amigos e lazer/recreação. As questões são respondidas com ''Sim'' ou ''Não'', sendo que as respostas afirmativas equivalem à presença de problemas. Nesse estudo, optou-se por utilizar somente a tabela inicial (consumo de substâncias psicoativas no último mês) para a análise do estudo.20
Foi utilizado o software StatisticalPackage for the Social Sciences (SPSS), VERSÃO 21.0, para a realização da tabulação, organização e análise dos dados. A análise descritiva das variáveis foi expressada por meio de frequências (absoluta e relativa) para as variáveis categóricas e mediana e intervalo interquartil para as variáveis quantitativas. Após a transformação e cálculo dos escores e das facetas do WHOQOL-bref realizou-se a verificação do padrão de distribuição das variáveis através do teste de normalidade Kolmogorov-Sminov. Devido a anormalidade da distribuição das variáveis dependentes, foi utilizado o teste não paramétrico U de Mann-Whitney para comparação entre as Variáveis Dependentes (os domínios da qualidade de vida) e as Variáveis Independentes (sexo, substâncias lícitas e substâncias ilícitas) considerando o nível de significância estatística de 5%.
Este estudo foi submetido ao sistema Plataforma Brasil e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (CEP/UFRB), parecer nº 2.382.037 (CAAE: 76911616.7.0000.0053), em conformidade com a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.
RESULTADOS
Na tabela 1 e 2 são descritas as características sociodemográficas e presença de consumo de substâncias psicoativas entre os adolescentes nos 30 dias anteriores à entrevista.
Variáveis | N | % |
---|---|---|
Sexo | ||
Feminino | 123 | 60,6 |
Masculino | 80 | 39,4 |
Faixa Etária (anos) | ||
12-15 | 95 | 46,8 |
16-19 | 108 | 53,2 |
Cor/Etnia | ||
Negros (pretos e pardos) | 157 | 77,4 |
Não Negros (brancos, amarelos e indígenas) | 37 | 18,2 |
Não sabe | 9 | 4,4 |
Mora com | ||
Pai/Mãe | 116 | 57,1 |
Outros | 87 | 42,9 |
Quilombola | ||
Sim | 140 | 69,0 |
Não | 63 | 31,0 |
Escolaridade | ||
Ensino Fundamental incompleto | 89 | 43,8 |
Ensino Médio incompleto | 114 | 56,2 |
Faltou aula no último mês | ||
Sim | 105 | 51,7 |
Não | 98 | 48,3 |
Repetiu ano escolar | ||
Sim | 86 | 42,4 |
Não | 117 | 57,6 |
Trabalho | ||
Sim | 92 | 45,3 |
Não | 111 | 54,7 |
Fonte: Elaboração própria
Variáveis | N | % |
---|---|---|
Álcool | ||
Sim | 88 | 43,3 |
Não | 115 | 56,7 |
Anfetamina | ||
Sim | 8 | 3,9 |
Não | 195 | 96,1 |
Ecstasy | ||
Sim | 2 | 1,0 |
Não | 201 | 99,0 |
Cocaína/crack | ||
Sim | 4 | 2,0 |
Não | 199 | 98,0 |
Maconha | ||
Sim | 6 | 3,0 |
Não | 197 | 97,0 |
Alucinógenos | ||
Sim | 2 | 1,0 |
Não | 201 | 99,0 |
Tranquilizantes | ||
Sim | 7 | 3,4 |
Não | 196 | 96,6 |
Inalantes | ||
Sim | 7 | 3,4 |
Não | 196 | 96,6 |
Tabaco | ||
Sim | 6 | 3,0 |
Não | 197 | 97,0 |
Fonte: Elaboração própria
No que se refere aos valores do WHOQOL-bref, o domínio que obteve a maior mediana foi o domínio relações sociais, seguida pelo domínio físico e psicológico. O domínio ambiental foi o que apresentou a pior avaliação. Na tabela 3 é apresentada a comparação da percepção de QV estratificados de acordo com o sexo, nela é possível identificar diferença significativa nos domínios físico, psicológico e ambiental, sendo que os indivíduos do sexo masculino apresentaram melhor percepção de QV nesses domínios.
Ao realizar comparação dos escores dos domínios de Qualidade de Vida em função do consumo de algum tipo de substância psicoativa lícita (álcool e tabaco) nos últimos 30 dias, observou-se diferença significativa nos domínios físico, psicológico e relações sociais. Os adolescentes que não fizeram uso de álcool e tabaco perceberam-se com uma QV mais elevada nos domínios físico, psicológico e relações sociais quando comparado com o grupo que fizeram uso (tabela 4). Já ao realizar comparação dos domínios em função ao uso de drogas ilícitas, evidenciou-se diferença significativa no domínio físico, onde os estudantes que não fizeram uso de substâncias ilícitas tiveram uma melhor avaliação neste domínio (tabela 5).
DISCUSSÃO
A percepção da qualidade de vida, em três domínios, foi relacionada ao uso de substâncias lícitas e ilícitas, onde os não usuários aparecem com uma melhor avaliação. As drogas lícitas (álcool e tabaco) foram relacionadas à baixa percepção da QV nos domínios físico, psicológico e relações sociais dos adolescentes do Colégio afro-brasileiro. Os usuários de drogas ilícitas aparecem com uma mediana do domínio físico significativamente inferior.
O perfil da população deste estudo manteve as características dos escolares nacionais. A literatura mostra que na maioria das vezes o corpo discente é composto por adolescentes do sexo feminino, negros e idade entre 14 e 18 anos.6,21,22,23
Houve uma alta prevalência do consumo de álcool e substâncias ilícitas entre os estudantes, com porcentagem superiores aos valores encontrados no VI Levantamento Nacional Sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes12 e na Pesquisa Nacional da Saúde do Escolar no Brasil.13 Neste estudo, o consumo de pelo menos uma substância ilícita nos últimos 30 dias foi relatado por 16,3% dos participantes, enquanto esse valor foi inferior a 6% entre os jovens brasileiros. O consumo de álcool nos últimos 30 dias também expressou altos valores, sendo até 2 vezes mais presente entre os jovens deste estudo.
Em relação ao tabaco, foi evidente a baixa porcentagem de consumo entre os jovens escolares (3%). Esse baixo valor pode estar relacionado às ações de promoção a saúde voltada a redução do consumo de tabaco no Brasil, que desde 1989 vem desenvolvendo atividades no Brasil através da Política Nacional de Controle do Câncer. As repercussões dessas ações foram notáveis, nos primeiros 20 anos houve uma redução do tabagismo em torno de 46%. Entre o período de 2008-2013 a prevalência de tabagismo foi de 18,5% para 14,7% .24,25
Chama-se atenção ao grande número de adolescentes que exercem atividade remunerada (45,3%). O trabalho durante a adolescência aparece como uma ferramenta para compor a renda familiar ou despesas individuais, associando-se à baixa condição econômica e ao consumo de álcool. Os fatores estressantes decorrentes da atividade laboral, aumento da responsabilidade, redução do tempo de lazer e recreação são frequentemente vivenciados pelos adolescentes que trabalham, motivos que aparecem relacionados com o consumo de substâncias psicoativas em outros estudos.6,11,22
WHOQOL-bref | Masculino | IQ | Feminino | IQ | p-valor |
---|---|---|---|---|---|
Domínio Físico | 75,0 | 65,1-85,7 | 67,8 | 60,7-82,1 | 0,008** |
Domínio Psicológico | 75,0 | 62,5-83,3 | 70,8 | 54,1-79,1 | 0,011* |
Domínio Relações Sociais | 75,0 | 58,3-89,5 | 66,6 | 50,0-83,3 | 0,062 |
Domínio Ambiental | 59,3 | 50,0-71,8 | 53,1 | 46,8-65,6 | 0,046* |
Fonte: Elaboração própria
*p<0,05 ;**p<0,001
WHOQOL-bref | Álcool e tabaco | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Sim | IQ | Não | IQ | p-valor | |||
Domínio Físico | 67,8 | 60,7-78,5 | 75,0 | 64,2-85,7 | 0,004** | ||
Domínio Psicológico | 68,7 | 54,1-75,0 | 75,0 | 62,5-83,3 | 0,001** | ||
Domínio Relações Sociais | 66,6 | 50,0-83,3 | 75,0 | 58,3-83,3 | 0,041* | ||
Domínio Ambiental | 56,2 | 43,7-65,6 | 56,2 | 48,4-70,3 | 0,085 |
Fonte: Elaboração própria
*p<0,05;**p<0,001
WHOQOL-bref | Drogas Ilícitas | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Sim | IQ | Não | IQ | p-valor | |||
Domínio Físico | 64,2 | 55,3-78,5 | 71,4 | 64,2-85,7 | 0,034* | ||
Domínio Psicológico | 70,8 | 54,1-77,0 | 70,8 | 61,4-83,3 | 0,135 | ||
Domínio Relações Sociais | 66,6 | 50,0-83,3 | 75,0 | 58,3-83,3 | 0,344 | ||
Domínio Ambiental | 56,2 | 42,1-68,7 | 56,2 | 46,8-68,7 | 0,725 |
Fonte: Elaboração própria
*p<0,05
Nesta investigação as adolescentes apresentaram menor percepção da Qualidade de Vida quando comparadas ao sexo masculino, fato este, observado em estudos realizados em países da América Latina 26,27,28e Europa.10 A adolescência é marcada por profundas mudanças sociais, físicas e psicológicas, causando um grande impacto na vida do jovem, principalmente no sexo feminino. Este período de transição afeta de forma diferente os homens e as mulheres, as mudanças provindas da puberdade no sexo feminino parecem demonstrar maior impacto nas relações sociais, alterações corporais, de humor e comportamento, ainda, essa diferença entre os sexos aumenta quando é comparado grupos mais jovens, principalmente pelo início precoce da puberdade entre o sexo feminino.27
Ainda, ser mulher, negra e quilombola está historicamente relacionada à baixas condições socioeconômicas, discriminação racial e menor acesso aos serviços de saúde. As mulheres negras relatam frequentemente passar por episódios de preconceito racial, violência doméstica e sexual, humilhação em locais públicos como na rua, escola, festas e estabelecimentos de saúde.29
Foram notórios os baixos escores dos domínios físico, psicológico e social da Qualidade de Vida entre os adolescentes consumidores de substâncias psicoativas comparados com aqueles que não consumiram droga lícita ou ilícita no último mês. Na adolescência, o consumo de drogas está associada à expectativa de melhoria do bem-estar físico, emocional, nas relações sociais e em outros aspectos que estão diretamente relacionados com a percepção da saúde e Qualidade de Vida.9
No tempo que o indivíduo passa pela adolescência o cérebro sofre importantes mudanças estruturais e funcionais. Durante a sua maturação, regiões cerebrais responsáveis pelo comportamento social, raciocínio, memória de trabalho e tomada de decisão estão entre as últimas a amadurecer. Ainda, há uma redução dos receptores de dopamina existente no núcleo accubbens, local responsável por grande parte das sensações de recompensa e prazer.30
Os fatores relacionados às transformações físicas do adolescente podem tornar esse período vulnerável à experimentação e uso contínuo de álcool e outras drogas, principalmente se ele estiver inserido em um ambiente que possa facilitar o acesso à essas substâncias.31 Vários são os fatores de risco para a experimentação à drogas durante a adolescência, dentre eles, destacam-se os fatores interpessoais como estrutura familiar; violência; déficit de apoio emocional; consumo de álcool; ter pessoas próximas usuárias de alguma substância psicoativa e fatores individuais como desequilíbrio afetivo e emocional; predisposição e falta de controle de ações.9
O domínio físico apresentou associação tanto com o consumo de substâncias lícitas quanto ilícitas, o tabaco e as bebidas alcoólicas são as substâncias que mais apresentam relação negativa com os aspectos físicos. Os comportamentos de risco característicos dos adolescentes podem expor os indivíduos à acidentes, violência física e sexual que combinados com o consumo de drogas podem desencadear agravos à saúde.4,7,32
A baixa prevalência de usuários de tabaco entre os estudantes de um Colégio Afro-brasileiro não torna-o menos importante, é evidente os impactos negativos do consumo do tabaco na saúde e Qualidade de Vida. O hábito de fumar relaciona-se não somente aos prejuízos físicos, mas também, aos baixos níveis do domínio psicológico e social, tanto que o abandono do consumo de tabaco traz benefícios significantes para a QV logo no primeiro ano, após 3 anos, pode trazer benefícios mais duradouros na saúde e nos domínios da Qualidade de Vida. 4,33
O consumo de substâncias psicoativas nessa faixa etária também pode ser influenciado por características psicológicas e que envolvam as relações sociais. Nessa perspectiva, destacam-se os seguintes comportamentos que parecem influenciar, com maior magnitude, o consumo experimental e regular de drogas entre os escolares: o ciclo familiar e sua estrutura; proximidade entre pais e filhos; presença de usuário de drogas na família e/ou grupo de amigos; emoções e desejo de gratificação imediata; baixa autoestima; sintomas depressivos; sentimentos negativos e história de eventos estressantes.8,9,22,27,31
Nas comunidades afro-brasileiras, o uso de substâncias como o álcool é motivado principalmente pela melhora momentânea da alegria, coragem, interação entre os amigos e a redução de sentimentos negativos. O contexto social, onde essas comunidades estão inseridas facilitam a utilização de bebidas alcoólicas pela sua população, principalmente entre os adolescentes, tornando-se uma prática cultural nesses locais. Ainda, os autores chamam atenção para situações que podem influenciar o consumo precoce de álcool pelos jovens dessas comunidades, dentre elas destacam-se a pouca diversidade de atividades de lazer; desvantagens socioeconômicas; necessidade de trabalhar; morarem em regiões periféricas e rurais e o preconceito racial vivenciados pelos negros.34
Salienta-se o baixo escore do domínio meio ambiental da Qualidade de Vida encontrado nesse estudo, principalmente entre o sexo feminino. Ao contrário da grande maioria das comunidades quilombolas, localizadas em regiões rurais, o Colégio Quilombola estudado pertence à uma região periférica urbana. Em comunidades rurais, o isolamento geográfico dificulta à utilização de serviços de saúde, educação, transporte e saneamento.35,36Além de poder compartilhar frequentemente algumas características vivenciadas por grupos oriundos de ambientes rurais, o território urbano apresenta dificuldades de inserção social relacionados ao preconceito étnico-racial, com grandes carências de infraestrutura básica, bens de serviço, trabalho e renda.37
A percepção dos adolescentes em relação ao domínio ambiental não diferiu na presença do consumo de substâncias lícitas e ilícitas, tanto os usuários de alguma substância psicoativa quanto aqueles que não utilizaram, apresentaram medianas iguais. O compartilhamento de espaços em comum, estruturas de moradias semelhantes, mesmas oportunidades de participar de recreação/lazer e recursos financeiros pôde ter influenciado para um relacionamento com o ambiente equivalente entre esses grupos, fazendo com que os adolescentes observassem e vivenciassem as mesmas dificuldades cotidianas enfrentadas neste grupo ancestralidade do continente africano.
Em relação às limitações decorrentes dessa pesquisa, destaca-se o fato dela ter acontecido em período de aula, onde os adolescentes com maior frequência de absenteísmo e evasão escolar puderam ter ficado de fora da análise, já que essas características estão associadas ao uso de substâncias psicoativas.3
CONCLUSÃO
O uso de drogas por adolescentes ainda é uma temática complexa, especialmente quando se refere a populações predominantemente negras e provindas de situações economicamente desfavorecidas. A produção científica envolvendo características de saúde da população com ancestralidade africana ainda é rara, principalmente ao tratar de seus subgrupos. A necessidade de ampliação de pesquisas científicas que abordem questões relacionadas à saúde de populações provindas de comunidades remanescentes é evidente.
A adolescência é um período delicado no qual o uso de substâncias psicoativas facilita a redução dos escores da autoavaliação da Qualidade de Vida, principalmente nos aspectos que envolvem comportamentos sociais, familiares, mudanças físicas e psicológicas.
Dessa forma, a busca pelo entendimento do impacto do uso de substância e dos problemas psicossociais vivenciados por adolescentes de Colégio afro-brasileiro, torna-se uma ferramenta essencial para o planejamento de ações que visam a promoção de comportamentos saudáveis e melhoria nas esferas que envolvem a Qualidade de Vida de populações vulneráveis, principalmente grupos com ancestralidade do continente africano.
A percepção da Qualidade de Vida e estudos com populações vulneráveis, principalmente afrodescendentes, implica diretamente na enfermagem, uma vez que enfermeiros e enfermeiras formulam planos de cuidado voltados a esses grupos e atuam como agentes de educação em saúde com adolescentes. Além de serem os responsáveis por ações de prevenção e promoção da saúde, com foco na qualidade de vida do indivíduo, o planejamento em saúde que reflete na melhoria da assistência e o incentivo às políticas públicas direcionadas às camadas mais vulneráveis e que assumem comportamentos considerados de risco.
CONFLITO DE INTERESSE
É expresso que não existem conflitos de interesse por qualquer parte dos autores desse manuscrito.