Introdução
O Diabetes Mellitus (DM) é uma doença crônica caracterizada pelo aumento dos níveis de glicose no sangue, sua etiologia parte da deficiência e/ou restrição na produção do hormônio insulina. Para um efetivo tratamento se faz necessário que o indivíduo tenha conhecimento da sua atual condição de saúde e a partir disso possa refletir e modificar hábitos considerados inadequados para manutenção da glicemia, efetivando a adesão a práticas preventivas e protetoras da saúde¹.
A mudança comportamental é ponto crucial que define uma efetiva adesão à terapêutica proposta, diz respeito à inclusão e adoção de atividades físicas, alimentação adequada e especialmente a promoção do autocuidado². Uma adesão satisfatória pode ser considerada quando o indivíduo assume a responsabilidade sobre o seu tratamento, sobre o manejo da sua condição de saúde, tornando-se um ser emancipado capaz de modular comportamentos. A adesão sofre influência de diversos fatores e um deles é o conhecimento que a pessoa possui sobre a doença e o tratamento³ .
A Associação de Educadores em Diabetes (AADE) e a Associação Americana de Diabetes (ADA) definiram um Protocolo Nacional de Educação em Diabetes utilizado nos EUA. O documento aponta para a intervenção educativa de qualidade, baseada em evidências, adaptável a regiões distintas, e utilização de instrumentos pedagógicos adequados e inovadores. A educação para a pessoa que convive com o DM deve ser estruturada em pilares familiares e sociais, ou seja, o foco não é apenas o indivíduo com a doença, mas toda a pessoa que convive com o diabético, os familiares, os gestores e profissionais de saúde4.
Nesse sentido, é pertinente investigar as abordagens metodológicas que estão sendo utilizadas no cenário nacional e internacional, a fim de levantar subsídios para a prática clínica, no sentido de conhecer formas dinâmicas, alternativas, interativas, atuais e de baixo custo que possam ser aplicadas junto aos indivíduos com DM de forma a favorecer a compreensão e que os sensibilize para a adesão efetiva ao tratamento. Nesta, o estudo será norteado pela seguinte questão: Quais os tipos de abordagens metodológicas utilizadas nas intervenções educativas voltadas para indivíduos com DM? Para tanto, tem como objetivo identificar os tipos de abordagens metodológicas utilizadas nas intervenções educativas voltadas para as pessoas que convivem com o DM.
Materiais e métodos
Trata-se de um estudo de revisão narrativa da literatura. O estudo de revisão narrativa é de fundamental importância para a educação continuada, uma vez que é possível adquirir o conhecimento e atualizar-se sobre determinado assunto em um curto período de tempo. Pode ser definida como uma publicação ampla, adequada ao objetivo de dissertar e/ou discutir sobre um determinado assunto sob a perspectiva teórica ou contextual5.
Como critérios de inclusão, adotou-se artigos oriundos de artigos primários, disponíveis na íntegra, nos idiomas inglês, português ou espanhol, no escopo temporal entre os anos de 2014 e 2018 e que respondessem a questão de revisão. Foram excluídas publicações duplicadas nas bases de dados, estudos de revisão, relatos de experiência, cartas ao editor, monografias, dissertações e teses.
As bases de dados utilizadas para levantamento do arcabouço teórico foram: a Biblioteca virtual Scientific Eletronic Library Online (SciELO); e nas bases de dados Cumulative Index to NursingandAllied Health Literature (CINAHL); Science Direct Elsevier (SCOPUS) e Web Of Science. A busca de dados ocorreu entre os meses de junho e agosto de 2019. Utilizaram-se os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): “Diabetes mellitus”; “Educação em Saúde” e “Adesão à medicação” para a busca na Biblioteca virtual SciELO. Os descritores MeSH (Medical Subject Headings), “Diabetes mellitus”e “Health education” foram empregados nas bases CINAHL, SCOPUS e Web Of Science. Os descritores foram cruzados simultaneamente através do operador booleano “AND”.
De acordo com os critérios estabelecidos e na combinação dos descritores, obteve-se um quantitativo de 143 artigos que versavam acerca das intervenções educativas utilizadas para pessoas que convivem com o DM. Inicialmente foi realizada a leitura do título, em seguida a leitura criteriosa do resumo a fim de identificar similaridade com os critérios, após essa primeira seleção, os pesquisadores seguiram para leitura e análise dos artigos na íntegra, em busca de publicações que respondessem à questão norteadora. Após o período de análise e refinamento, foram selecionados 14 artigos que compuseram a amostra final.
Após seleção e leitura criteriosa, as informações foram extraídas através de um quadro sinóptico elaborado pelo autor, contendo os seguintes itens: Título do artigo, ano de publicação, metodologia, objetivo e os principais resultados.
Os resultados apreendidos compuseram o corpus que foi transcrito para o programa OpenOffice versão 4.1.5, submetidos a um refinamento para exclusão de repetições vocabulares, agrupamento das palavras por aproximação semântica, e composição de um dicionário. Sequencialmente, as informações foram processadas pelo softwarede Análise Textual Iramuteq (Interface de R pourles Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires -Versão 0.7 alpha 2), por permitir análise multivariadas, em especial, Classificação Hierárquica Descendente. A Classificação Hierárquica Descendente (CHD) qualificou os segmentos de texto em função dos seus respectivos vocabulários, analisou lexicograficamente o texto e categorizou sete classes de respostas associadas ao termo “intervenções educativas”, conforme pode ser observado na figura 1.
A partir do corpus inicial, ocorre uma divisão em dois subcorpora. O primeiro, que originou as classes 6, 7 e 2, posteriormente as classes 3 e 4, relacionando a relevância da “intervenção em grupo como necessária para o comportamento de prevenção e autocuidado” associado a “interação com a “forma” para promover aprendizagem” que resultam no “empoderamento e adesão como foco da estratégia educativa”.
Mediante as classes 3 e 4 é possível afirmar que a “educação em saúde individual: instrumento potencial para mais cuidado ao indivíduo” faz parte de uma “proposta de abordagem interativa capaz de propiciar um novo saber”. O segundo corpus, que constituiu as classes 1 e 5, caracteriza as “ações educativas pautadas em problemas reais” como “método de intervenção voltado em contribuição terapêutica”. Considera-se um bom aproveitamento do software um parâmetro acima de 70% (Versão 0.7 alpha 2). O presente estudo teve uma pertinência de 78,64% do corpus.
Fonte: Dados da pesquisa, 2019.
Resultados
Verificou-se na amostra estudada (n=14) que quanto ao idioma de origem, oito publicações são escritas em inglês e seis em português. Em relação ao cenário dos estudos, foi possível notar que nove investigações ocorreram no Brasil, três nos Estados Unidos, um na Tailândia e um na China. Destaca-se que as publicações nacionais foram desenvolvidas na região sudeste (cinco), e na região nordeste, sul e centro-oeste um artigo respectivamente. No que diz respeito ao ano de publicação, constatou-se que em 2017 houve maior número de artigos publicados, com quatro artigos, nos anos de 2014 e 2015 foram três publicações por ano, e 2016 e 2018 obtiveram dois artigos cada.
De acordo com a Classificação Hierárquica Descendente, foi possível identificar sete classes hierárquicas. A classe um - Ações educativas pautadas em problemas reais - concentra 13, 58% das Unidade de Contexto Elementar (UCE), ou seja, de todo corpus textual. Mantém forte relação com a classe cinco. Nessa classe fica evidente que uma educação em saúde efetiva é aquela em que a intervenção educativa baseia-se em problemas reais, ou seja, na realidade e cotidiano do indivíduo com a finalidade de aplicabilidade do conteúdo apreendido, nesse sentido os tipos de abordagens que se enquadram nessa perspectiva são as ações em grupo e os mapas de conversação.
A classe dois - Intervenção em grupo como necessária para o comportamento de prevenção e autocuidado- reúne 16,05 % das UCE, associa-se com a classe 7. Apresenta a estratégia de educação em saúde em formato de grupos, no sentido de maior dissociação das informações, aprendizagem mútua, interação social e apoio emocional. Dentro da intervenção educativa em grupos, destaca-se o uso de abordagens como mapas de conversação; acampamentos; gestão comunitária e programas virtuais.
A classe três - Educação em saúde individual: Instrumento potencial para mais cuidado ao indivíduo - Nesta classe temos a representação de 13,58% das UCE. É possível identificar a aplicabilidade da intervenção educativa de maneira individual, como forma de individualizar o cuidado, abranger um único indivíduo, o que pode ocasionar uma formação de vínculo maior quando comparada a outras estratégias. Encaixam nessa abordagem a visita domiciliar e programas virtuais.
A classe quatro - Proposta de abordagem interativa capaz de propiciar um novo saber - agrupa 13,58% das UCE, mantém intrínseca relação com a classe anterior. Nessa conformação de intervenção educativa destacam-se a necessidade de abordagens metodológicas indutivas, criativas, dinâmicas, dedutivas e construtivas que despertam o interesse do público alvo, no sentido de informar, aguçar a reflexão e agregar o aprendizado.
A classe cinco - Método de intervenção baseado em contribuir também como terapia - concentra 13,58% das UCE. Essa classe aponta para a compreensão da intervenção educativa além do seu objetivo educacional, mas também com enfoque no uso dessa ferramenta como terapia, uma vez que ao dispor de problemas reais durantes as ações, o indivíduo poderá expor anseios e dificuldades que provavelmente outros membros também já vivenciaram, dessa forma aprendendo com a experiência de outros, além da interação social e formação de vínculos entre os participantes, por isso a forte associação com a classe dois.
A classe seis - Empoderamento e adesão como foco de estratégia educativa - acumula 12,35% das UCE, a rede de associação dessa classe diz respeito às classes 3 e 4, inferindo afirmar que a intervenção educativa individual fornecida de maneira interativa tem potencial para favorecimento da adesão ao comportamento desejado, tal como de emancipar o indivíduo. Além da relação com outras classes, a presente classe determina que a estratégia educativa deve ser pautada no empoderamento da pessoa, a fim de tornar o indivíduo responsável pela condução da situação de saúde, subsidiando assim a adesão a práticas de autocuidado. Nessa classe a abordagem que mais se aproxima é meta próxima e o uso de bundles.
A classe sete - Interação com a forma para promover aprendizagem -agrega 17,28% das UCE. A presente classe evidencia a importância de abordagens que utilizem formas reais de representatividade, instrumentos que forneçam associações entre a intervenção educativa e o cotidiano, a ressignificação do objeto exposto, ou seja, o valor imaginário que se emprega no instrumento pedagógico. Os tipos de abordagens que traduzem essa classe é o mapa de conversação e a descrição da imagem.
Discussão
O uso de estratégias e ferramentas que favoreçam a compreensão e reflexão do indivíduo é um fator que deve ser adotado por todos os profissionais de saúde sensíveis à prática preventiva. A intervenção educativa deverá ser pautada em técnicas elucidativas, interativas e dinâmicas que busquem a interação com o público alvo e permita que estes ressignifiquem o seu estilo de vida. Essa modalidade de educação é de suma importância no controle dos níveis glicêmicos e emancipação do indivíduo, especialmente quando estruturada em uma perspectiva dialogal, reflexiva e crítica4,6.
Nesse sentido ao analisar as publicações nacionais e internacionais inclusas no estudo, evidenciou-se algumas abordagens utilizadas, como: educação em grupo, jogos e teatros, mapas de conversação, acampamentos educativos, metas próximas, bundles, descrição da imagem, programa virtual, gestão comunitária e visita domiciliar. Alguns métodos foram utilizados de forma simultânea entre si e contavam com uso de dinâmicas, recursos audiovisuais e dialógicos, figuras, alimentos fictícios, cartazes, declarações verbais, metáforas, interdisciplinaridade e apoio familiar e social.
A intervenção educativa em formato de grupos foi a conformação mais citada nas publicações como pertinente para a troca de ideias entre os indivíduos, o conhecimento de outras realidades e outras formas de encarar situações semelhantes vivenciadas por todas as pessoas com DM, favorecem para a fluidificação do processo de conviver com a doença crônica, de como agir em determinadas complicações e principalmente como evitar alterações severas em níveis glicêmicos e consequente desfechos desastrosos7.
A modalidade de intervenção educativa em grupo é considerada a mais adequada para a prática dentro do sistema público de saúde8. Os grupos educativos abordam um grande número de indivíduos e têm o potencial de favorecer a ampliação das interações sociais, maior interatividade e dinamismo, baseado em problemas comunitários e possivelmente comum a todos, uma vez que todos os participantes possuem uma condição em comum, o DM9.
Entretanto, pesquisa realizada com o objetivo de comparar a eficácia da intervenção individual com a intervenção em conformação de grupo, comprovou a efetividade também da educação em saúde em formato individual, através da visita domiciliar, em que foi possível a troca de informações em uma educação direcionada ao problema individual, caracterizando uma intervenção acessível e emancipatória, além da formação de vínculo entre o profissional e a pessoa com DM10.
Nesse aspecto obteve-se melhora clínica e compreensão da condição de saúde, situações propensas ao desenvolvimento da corresponsabilização do usuário. Porém observou-se maior contribuição clínica da estratégia em grupo quando comparado à educação individual11.
Na investigação realizada pelo referido autor, o método combinado com a visita domiciliar individual foi o mapa de conversação. Em contrapartida estudo realizado em São Paulo3 recomenda o uso de mapas de conversação em intervenções grupais, por haver maior aproveitamento da técnica no que diz respeito ao enredo e aprendizado12.
Apesar de não haver intervenção educativa em diabetes considerada “padrão-ouro”, a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) recomenda o uso de abordagens educativas que disponham de interação e que seja potencializadora de mudança comportamental, vislumbrando seus resultados na prática clínica, ou seja, processos educativos baseados em evidências científicas. O mapa de conversação em diabetes é uma estratégia criada pela Federação Internacional de Diabetes (FID) e tem a sua aplicabilidade comprovada em estudos realizados em diferentes países, considerada uma ferramenta de baixo custo, eficaz e favorece a construção do autocuidado3,4,13.
Outra técnica semelhante aos mapas de conversação é a Descrição da Imagem, em que trata-se de observar a imagem e a partir dela associar um significado referente a sua atual condição, um reflexo do que está sendo vivenciado, logo após, os outros membros do grupo comentam a sua posição em relação ao que foi exposto. Estudo realizado na China, apontou essa abordagem como potencial incentivo da interação e ajuda mútua entre os participantes, especialmente para aqueles que faziam uso de insulinoterapia, uma vez que esse método é pautado em necessidades reais de cada pessoa, favorecendo a verbalização das preocupações e anseios, tal como solucionar problemas através da discussão em grupo14.
A intervenção educativa baseada na conformação de grupo abre um leque de possibilidades quanto ao uso de diversas abordagens. Investigação realizada na Tailândia no ano de 2017 apresenta o “Diabetes Camp”, ou acampamento de diabetes, em que esse método pode ser usado como educação continuada e intensiva15.
Corroborando com essa intervenção, estudo semelhante16 caracteriza esse método como “Colônia Educativa”. O autor afirma o potencial dessa prática junto a uma abordagem multiprofissional, levando em consideração a problematização individual e coletiva com recurso lúdicos, figuras, alimentos fictícios, acompanhamentos de parâmetros bioquímicos e clínicos, além de fornecer momentos de lazer e dispersão para o indivíduo que convive com o DM, mascarando um efeito também de terapia associada à educação em saúde17.
Existem abordagens a exemplo da “meta-próxima” que pode ser aplicada em grupos ou na atenção individual, esse método diz respeito à projeção de metas estabelecidas pelo próprio indivíduo e a tentativa de alcance destas, dessa forma, projeta-se o que se quer alcançar, ocorrendo assim um estímulo de adoção a práticas de autocuidado. É um instrumento motivador para o fortalecimento da adesão, baseado na disposição da pessoa com DM em seguir o planejamento que o próprio indivíduo realizou18. Nessa perspectiva de projeções ainda se encontra o uso de Bundles, ou seja, um pacote de comportamentos saudáveis que se seguidos, irão trazer inúmeros benefícios ao usuário.
Estudo propõe a utilização de Bundles, com cinco comportamentos relacionados ao tratamento com a insulina, sendo eles: conhecimento básico da insulina, uso e armazenamento da insulina, tratamento de hipoglicemia, prevenção de complicações e método de autoaplicação padronizada14. Sendo assim após submeter os participantes a esse pacote comportamental, foi possível evidenciar uma considerável melhora dos níveis glicêmicos, promoção da aprendizagem, esforço individual e cobrança coletiva, tendo em vista que a proposta foi trabalhada em grupos, o que estimula a adesão e empoderamento do indivíduo19.
No tocante a intervenção educativa coletiva, estudo realizado em New York, evidencia uma outra abordagem que tem como foco o controle e cobrança coletiva, a “Gestão Comunitária”, nesse método são estabelecidas metas coletivas a serem alcançadas pelo grupo, e a gestão do DM ocorre na pluralidade, ou seja, todos os sujeitos participantes do grupo tem igual responsabilidade pelo planejamento realizado, essa estratégia apresenta um alto potencial de formação de vínculo, maior apoio social e consequentemente na adoção de práticas protetoras à saúde20-21.
É possível verificar a grande gama de possibilidades de intervenções educativas para o indivíduo que convive com o DM, abordagens metodológicas que se enquadram em diferentes situações e realidades, obedecendo ao objetivo que se propõe. Nesse sentido cabe ao educador selecionar com maestria qual o tipo de estratégia melhor representa o seu público alvo e a sua realidade, com vistas a garantir uma intervenção potencial para modificação de comportamentos, despertando nos indivíduos a reflexão crítica e posteriormente a vontade de aderir a práticas de autocuidado, incluindo o autogerenciamento da sua condição de saúde.
Conclusão
O presente estudo apresenta um panorama das principais estratégias educativas realizadas no âmbito nacional e internacional, oferecendo ao profissional, subsídios para implantação e implementação da prática educativa. Sendo assim apresenta-se a necessidade de investigações no tema, que contemplem as mais diversas realidades, benefícios e limitações das estratégias metodológicas aqui apresentadas, tal como adaptações ou elaboração de outras ferramentas que sejam fundamentadas em evidências científicas, atestando a sua efetividade junto à prática clínica.
Conflito de interesse
Os autores declaram não haver nenhum tipo de interesse econômico, social, pessoal ou de trabalho.