Introdução
O Rotavírus é considerado um dos principais causadores das gastroenterites. Acomete cerca de 95% das crianças entre três e cinco anos de idade resultando em cerca de 453 mil óbitos por ano, motivo pelo qual o faz ser considerado como importante problema de saúde pública. Sua transmissão ocorre por via fecal-oral através do contato com fômites, pessoa a pessoa, água ou alimentos contaminados. Apesar de apresentar oito sorotipos, apenas quatro são capazes de infectar o homem, são eles, A, B, C e H, sendo o primeiro aquele que possui maior valor epidemiológico.1,2
A infecção pelo Rotavírus do tipo A apresenta período de incubação, aproximadamente 48 horas e como manifestações clínicas o surgimento de quadros leves, com diarreia líquida e não permanente, ou até mesmo quadros mais graves com febre alta, diarreia líquida, vômito, desidratação, choque, podendo resultar em óbito.2
O Rotavírus é apontado como responsável por metade das hospitalizações por gastroenterite em crianças menores de dois anos, sendo necessário utilizar-se de medidas preventivas, como é o caso das ações higienistas e de imunização. É diante de casos como esse que a Organização Mundial da Saúde recomenda a inclusão da Vacina Oral de Rotavírus Humano (VORH) em todos os programas de imunização, com o objetivo de reduzir o impacto da doença.3,4
No Brasil, a VORH foi introduzida no Programa Nacional de Imunização (PNI) no ano de 2006 e respondeu por uma redução, já no ano de 2007, de 14% nas internações por quadros diarreicos de apresentação aguda, e de, em média 48% no total das internações em crianças menores de cinco anos.4
A recomendação brasileira para administração da VORH, desde o ano de 2006, é de duas doses, sendo a primeira administrada aos dois meses, podendo ser administrada entre um mês e 15 dias a três meses e 15 dias, e a segunda dose aos quatro meses, podendo ser administrada a partir de três meses e 15 dias a sete meses e 29 dias.5 Também ressalta-se que não se têm observado importantes eventos adversos pós-vacinação para este imunobiológico.
Muitas campanhas têm sido realizadas no sentido de aumentar o combate aos agentes etiológicos através da vacinação em massa, assim como de atualizar e garantir a vacinação em tempo oportuno das crianças. Porém, mesmo com a oferta regular de vacinas nos serviços de saúde, somado ao desenvolvimento frequente de campanhas de vacinação, ainda tem-se resultados preocupantes em relação à incidência destas doenças.6
Um local bastante susceptível a ocorrência de doenças infectocontagiosas, sendo algumas evitáveis por imunizantes, é o espaço de educação infantil. Assim, a situação vacinal desse grupo influi diretamente no controle de doenças e sua disseminação, principalmente quando se fala na exposição a doenças transmitidas por via fecal-oral, como é o caso das gastroenterites.
Nesse sentido, questiona-se: ¿qual a situação vacinal da VORH em crianças da educação infantil? E para respondê-lo, o presente estudo tem por objetivo analisar a situação vacinal da VORH em crianças da educação infantil.
Materiais e métodos
Trata-se de um estudo epidemiológico, descritivo, retrospectivo e de abordagem quantitativa. É epidemiológico à medida que gera informação e torna-se importante instrumento para diagnóstico da situação de saúde da população, e é descritivo, ao caracterizar a distribuição dos eventos nas populações, e os fatores que os determinam.7,8
O cenário de realização da presente pesquisa foram os Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI) da zona norte do Município de Natal, capital do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil. Até abril de 2015, a referida zona administrativa contava com 27 CMEIs, com turmas de creche e pré-escola funcionando em horários parciais e integrais e atendendo a um total de 4 387 crianças.
Esse quantitativo constituiu-se como a população do estudo e para fazer parte da amostra seguiu-se os seguintes critérios de inclusão: ser criança matriculada em um dos CMEIs da zona norte do município e possuir cópia atualizada do cartão de vacinação anexados ao formulário de matrícula do discente. Diante destes critérios foram obtidos 1 434 cópias de cartões de vacinação para coleta, análise e classificação dos dados.
A coleta de dados aconteceu entre março e dezembro de 2015 por meio de lista de verificação previamente elaborado pelos pesquisadores conforme as recomendações do Calendário Nacional de Imunização do PNI. Sua adequação foi realizada por enfermeiros e para este estudo foram selecionadas as informações referentes à administração da VORH.
Os dados foram digitados e categorizados no Microsoft Office Excel 2013 e analisados com base na estatística descritiva com apresentação dos dados em números relativos e absolutos através de tabela.
Os cartões foram classificados em esquema vacinal completo, quando a criança apresentava registro de duas doses da vacina, uma aos dois (podendo ser administrada entre um mês e 15 dias a três meses e 15 dias) e outra aos quatro meses (podendo ser administrada a partir de três meses e 15 dias a sete meses e 29 dias); esquema vacinal incompleto, quando apresentavam apenas a primeira dose e; não vacinadas, quando não havia nenhum registro da vacina.
Considerações éticas
A pesquisa seguiu as recomendações da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde onde foi exigida a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por parte do responsável pela criança, sendo apreciada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte sob parecer de número 835.410.
Resultados
Dentre os 1 434 cartões de vacinas analisados, 7 (0,48%) foram referente a crianças entre seis meses e um ano de idade, 54 (3,8%) entre um e dois anos incompletos; 180 (12,5%) entre dois e três anos incompletos; 300 (20,9%) entre três e quatros anos incompletos; 378 (26,3%) entre quatro e cinco anos incompletos; 382 (26,6%) entre cinco e seis anos incompletos e os outros 133 (9,3%) de crianças entre seis e sete anos incompletos.
Os dados referentes à classificação dos cartões de vacinação das crianças quanto ao esquema da VORH em crianças da educação infantil estão apresentados na Tabela 1.
Faixa-etária | 71.Esquema Vacinal Completo 72. | 73.Esquema Vacinal Incompleto 74. | 75.Não Vacinado 76. | 77. 78. 79.|||
---|---|---|---|---|---|---|
No. | 80.% | 81.No. | 82.% | 83.No. | 84.% | 85. 86.|
Entre seis meses e um ano incompleto | 87.7 | 88.100,0 | 89.- | 90.- | 91.- | 92.- | 93. 94.
Entre um e dois anos incompletos | 95.50 | 96.92,6 | 97.2 | 98.3,7 | 99.2 | 100.3,7 | 101. 102.
Entre dois e três anos incompletos | 103.161 | 104.89,4 | 105.10 | 106.5,5 | 107.9 | 108.5,0 | 109. 110.
Entre três e quatro anos incompletos | 111.253 | 112.84,3 | 113.28 | 114.9,3 | 115.19 | 116.6,3 | 117. 118.
Entre quatro e cinco anos incompletos | 119.281 | 120.74,3 | 121.51 | 122.13,5 | 123.46 | 124.12,2 | 125. 126.
Entre cinco e seis anos incompletos | 127.270 | 128.70,7 | 129.62 | 130.16,2 | 131.50 | 132.13,0 | 133. 134.
Entre seis e sete anos incompletos | 135.102 | 136.76,7 | 137.18 | 138.13,5 | 139.13 | 140.9,8 | 141. 142.
Total | 143.1 124 | 144.78,4 | 145.171 | 146.11,9 | 147.139 | 148.9,7 |
Fonte: dados da pesquisa, 2015.
Os resultados apontam que 78,4% dos cartões analisados foram classificados como esquema vacinal completo quando possuíam duas doses da vacina e 11,9% apresentaram esquema vacinal incompleto, quando possuíam apenas uma dose e outros 9,7% classificados como não vacinado quando não apresentaram registro desta vacina.
Discussão
A introdução da VORH no Calendário Nacional de Vacinação brasileiro representou um enorme avanço quando se fala no cenário epidemiológico da população infantil, uma vez que as gastroenterites representam um percentual considerável de internações de crianças menores de cinco anos no país e a imunização tem contribuído para redução substancial desses índices.
Isso é reforçado quando observa-se que anualmente o rotavírus é responsável por 114 milhões de episódios de gastrenterite, 24 milhões de consultas, 2,4 milhões de hospitalizações em menores de cinco anos de idade e 611 mil mortes infantis (80% nos países pobres), o que representa 5% da mortalidade infantil mundial.6
O Estado do Rio Grande do Norte contou com a notificação de 17 006 casos de diarreia no ano de 2016 até a sexta semana epidemiológica. Este achado tem preocupado devido à possiblidade no aumento de óbitos o que pode ter relação com a ausência de administração da VORH.9
Estudos demonstram que os agravos ocasionados pela falta da VORH têm sido determinantes para as internações infantis.10 Em contrapartida, seu uso tem reduzido os casos de diarreias agudas e seus fatores associados, com consequente redução das internações hospitalares.4
Para crianças com esquema vacinal completo, obteve-se uma porcentagem considerável, chegando a atingir 100% em crianças de seis meses a um ano incompleto de idade. Apesar disso, observou-se que com aumento da faixa etária houve diminuição da porcentagem de crianças com esquema vacinal completo.
Descobertas semelhantes foram encontradas em estudo realizado em Portugal que apontou significativo aumento entre os anos de 2007 e 2008 no número de doses realizadas da VORH, de 32% para 48%, respectivamente. Apesar disso, em um total de 418 crianças, apenas 28,2%, apresentaram esquema vacinal completo dessa vacina neste período.11
Os resultados apresentados por este estudo demonstram que a disponibilização da VORH em crianças menores de 5 anos nos CMEIs na zona norte do Município de Natal tem sido ampliada a cada ano, com perspectiva de cobertura integral de todas as crianças. Porém, é significativo o número de crianças que não completaram o esquema vacinal ou não foram vacinados.
Entre os fatores que podem estar relacionados com esse resultado, pode-se considerar: resistência das famílias a uma vacina nova, número elevado de vacinas a serem administradas às crianças entre dois meses e quatro anos, o que pode gerar nas mães insegurança para administrar várias vacinas e a criança apresentar reações adversas ou efeitos colaterais, falta de conhecimento adequado sobre a prevenção das doenças imunopreveníveis, além da perda de oportunidade de vacinação pelos serviços de saúde. Isso reforça o que foi identificado em estudos que mostraram a preocupação dos pais em manter seus filhos protegidos a partir do processo de vacinação e (não) vacinação.12,13
É importante considerar ainda que a VORH tem uma limitação para sua administração, o que implica que a criança acima de quatro meses e 15 dias que não tenha tomado nenhuma dose, não poderá iniciar o esquema a partir desta faixa etária.
Vale ressaltar que a preconização da faixa etária para a VORH é bastante rigorosa. A criança ao não tomar as doses nas idades estabelecidas pelo PNI, perde a vacina, pois, a administração da vacina fora destes prazos pode ocasionar complicações em que os danos se sobrepõem aos possíveis benefícios da vacina. Esse fato pode ser relevante quando relacionado ao percentual de crianças de faixas etárias maiores com esquema vacinal incompleto e não vacinadas.14 Nesse sentido, as oportunidades perdidas de vacinação podem contribuir com a situação vacinal identificada neste estudo.
No entanto, para as crianças com esquema vacinal incompleto e não vacinadas, os percentuais foram significativos também para as faixas etárias acima de quatro anos. O que pode reforçar a resistência inicial das famílias à vacinação ou motivados por outras ocasiões como incompatibilidade entre horário de trabalho dos responsáveis pelas crianças e horário de funcionamento das salas de vacinação, problemas de saúde das mães das crianças, dificuldades de acessibilidade ao serviço de saúde, especialmente em dias chuvosos, entre outros.15-17Somado a isso, há situações em que crianças com histórico de prolongados períodos de internação neonatal podem não serem vacinadas.
Apesar disso, tal fenômeno apoia a ideia de que a vacinação do rotavírus tem, a cada ano, apresentado maior número de adesões, o que gera uma melhor expectativa em relação à proteção da criança e das populações contra esta infecção. Outro ponto fundamental deste estudo, foi a oportunidade de orientações à pais e educadores infantis sobre a importância da vacinação para o rotavírus, os quais devem atuar juntamente aos profissionais de saúde na busca ativa de crianças não vacinadas. Com isso, acredita-se estar contribuindo para um melhor esclarecimento da população, estímulo à vacinação e diminuição nos índices de adoecimento desta doença.
Considerando que as crianças que integraram este estudo são de escolas públicas, localizadas em sua maioria em áreas de periferia da Cidade do Natal, e ainda, a maior vulnerabilidade às doenças de transmissão fecal-oral a que estão expostas as crianças em instituições infantis, percebe-se a importância da manutenção do calendário de vacinação atualizado visando à proteção de crianças, professores e cuidadores infantis contra as gastroenterites, especialmente as provocadas pelo rotavírus humano. Estas infecções estão especialmente presentes em situações de nutrição inadequada, problemas relacionados à distribuição de água e ao precário saneamento básico, condições estas que afetam, especialmente, mas não unicamente, às populações periféricas das grandes cidades, e no qual estas crianças estão inseridas.18
Conclusão
A análise da situação vacinal da VORH em crianças da educação infantil permitiu compreender que houve aumento no número de doses administradas nos últimos anos. Observou-se também uma menor cobertura vacinal relacionada ao aumento da idade, o que indica um número importante de crianças que deixaram de receber a vacina, por qualquer que tenha sido o motivo. Tal fenômeno reforça a necessidade dos profissionais de saúde investirem nas oportunidades de vacinação das crianças pequenas, nas orientações a serem feitas aos pais, educadores, assim como a população em geral, sobre a importância da vacinação, sobre a proteção infantil, entre outros.
Esse estudo aponta ainda como fundamental para compreender os índices de não vacinação a necessidade de, diante de casos de não vacinação, ouvir os responsáveis a fim de conhecer os motivos que embasam tais decisões e assim pensar estratégias para melhorar as coberturas vacinais. Sendo assim, sugere-se estudos de natureza qualitativa para identificar tais demandas e necessidades.
A realização deste estudo permitiu conhecer a situação vacinal de crianças da educação infantil da zona norte do município de Natal para o rotavírus humano e assim oferecer elementos que contribuam para o desenvolvimento de novos estudos, bem como de estratégias que melhorem os índices de cobertura vacinal, e nesse sentido, a proteção de crianças e populações, assim como a diminuição do número de casos de doenças provocadas pelo rotavírus humano.
Declaração de conflito de interesses
Os autores declaram não haver quaisquer tipos de conflito de interesse.