Instituição: Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Brasil.
Introdução
O Infarto Cerebral (IC) ou isquemia cerebral é o resultado final do Acidente Vascular Encefálico Isquêmico (AVEi), caracterizado pela interrupção do fluxo sanguíneo por meio de oclusão vascular localizada. Em consequência disso, as células cerebrais sofrem com a privação de oxigênio e nutrientes, influenciando em todo sistema metabólico local1.
O AVEi é responsável por 85% dos casos de Acidente Vascular Encefálico (AVE)2, e em sua maioria ocorre oclusão tromboembólica na área arterial correspondente à manifestação neurológica3. Aproximadamente 10-14% do AVEi ocorre em adultos jovens e a sua incidência nessa população varia de 7 a 15 por cada 100.000 indivíduos/ano4.
O Brasil ocupa a 6ª posição em números de AVE, após China, Índia, Rússia, Estados Unidos e Japão. Além disso, dentre os países da América Latina, o Brasil apresenta a maior taxa de mortalidade (TM) em ambos os sexos5. Segundo a Sociedade Brasileira de Neuropsicologia6, são registrados anualmente no Brasil aproximadamente 100 mil óbitos decorrentes do AVE, gerando grande impacto econômico e social na população.
A principal causa do desenvolvimento de AVE decorre de doenças cardiovasculares: doença valvular, infarto do miocárdio, arritmias, doença cardíaca congênita; doenças sistêmicas podem produzir êmbolos sépticos, gordurosos ou de ar, que prejudicam a perfusão cerebral1. Além disso, os principais fatores de risco são Hipertensão Arterial Sistêmica, Diabetes Mellitus, etilismo, tabagismo, uso de drogas, estresse elevado, hipercolesterolemia sedentarismo e idade avançada7.
Diante desse importante problema de saúde pública, o levantamento epidemiológico do AVC é valioso para identificar populações de alto risco, gerar novas hipóteses para implementação de políticas públicas e por fim, estabelecer intervenções preventivas como recomenda o The Global Burden of Disease Stroke Expert Group8,9. Sendo assim, o objetivo desse estudo é determinar a TM por IC na macrorregião Sudoeste do Estado da Bahia, Brasil entre os anos 2012 e 2016.
Materiais e métodos
Trata-se de um estudo descritivo de cunho epidemiológico realizado com base em dados da taxa de mortalidade por IC registrados na macrorregião Sudoeste do estado da Bahia.
Constituída por 417 municípios e 9 macrorregiões de saúde, o estado da Bahia possui uma estimativa para o ano de 2020 de 15.522.855 habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)10.
De acordo com a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI-BA), a macrorregião sudoeste é composta por 39 municípios e está localizada entre as coordenadas 13º 02' a 16° 00' de Latitude Sul e 39° a 41°49' de Longitude Oeste. Abrange uma área de 42.542,9 km² e é uma das 15 regiões econômicas do estado proposta pela SEI-BA11.
Os dados foram obtidos eletronicamente através do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). As variáveis coletadas foram: sexo, faixa etária e raça/cor notificados no período de 2012 e 2016.
Foram selecionados a TM classificados no Capítulo IX - Doenças do Aparelho Circulatório (I00-I99), compreendendo as categorias de I63.0 a I63.9 da 10ª Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, 10a Revisão (CID-10)12.
A coleta e tabulação dos dados ocorreram no mês de setembro de 2017. Os dados foram tabulados e analisados no programa Microsoft Office Excel (Microsoft©, 2010) e apresentados por meio de estatística descritiva, com coeficiente de mortalidade por 100.000 habitantes.
Resultados
A TM por IC estratificada por ano de atendimento está descrita no Gráfico 1, no qual se observa maior TM registrada no ano de 2012 com decréscimo no decorrer do quinquênio estudado. Em relação aos anos 2012 e 2016, observa-se uma diminuição de 7,73 de óbitos registrados.
O Gráfico 2 demonstra a TM estratificada por sexo e ano de atendimento. Nota-se o aumento da mortalidade da população feminina com comportamento crescente a partir de 2013, registrando maior TM no ano de 2015.
Em relação a variável cor/raça, o IC acometeu principalmente as pessoas classificadas como pretas, seguidas das brancas e pardas conforme Gráfico 3.
A TM por IC estratificada por faixa etária e ano de atendimento está descrita na Tabela 1, na qual se observa a maior taxa registrada em 2013 em pessoas com intervalo de idade de 35-39 anos. Ainda em 2013, nota-se a menor TM do quinquênio em pessoas inseridas no intervalo de 70-74 anos.
Faixa Etária | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 | Total |
---|---|---|---|---|---|---|
10 a 14 anos | ... | ... | - | - | 50 | 25 |
20 a 24 anos | ... | ... | ... | ... | 50 | 50 |
30 a 34 anos | - | 40 | - | - | - | 15,38 |
35 a 39 anos | 75 | 100 | - | 50 | - | 50 |
40 a 44 anos | - | 33,33 | - | - | 50 | 18,75 |
45 a 49 anos | 40 | 8,33 | 30 | - | - | 16,22 |
50 a 54 anos | 10 | 27,27 | - | 20 | - | 11,63 |
55 a 59 anos | 33,33 | 27,27 | 20 | 8,33 | 10 | 21,43 |
60 a 64 anos | 14,29 | 11,76 | 10 | 7,14 | 16,67 | 11,27 |
65 a 69 anos | 34,62 | 12,5 | 23,53 | 22,22 | 25 | 23,86 |
70 a 74 anos | 33,33 | 5 | 25 | 21,43 | 6,67 | 18,68 |
75 a 79 anos | 30,43 | 13,64 | 14,29 | 25 | 26,67 | 21,15 |
80 anos e mais | 22,22 | 30,77 | 26 | 37,84 | 27,59 | 28,38 |
Total | 25,95 | 20,33 | 19,3 | 22,22 | 19,09 | 21,58 |
Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS).
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Em todos os anos, é evidente que a TM foi superior entre indivíduos na faixa etária de 10-59 anos se comparado com os indivíduos idosos, levando em consideração idade superior a 60 anos13.
Discussão
O número de ocorrências de AVE tem sido crescente no Brasil e está acoplado a uma tendência mundial, fato este que ocasiona uma considerável preocupação da Organização Mundial de Saúde. Esta por sua vez procura intervir nesses resultados através de conscientização e vigilância em saúde sobre os diversos aspectos de risco da patologia em questão14.
Com relação à mortalidade, esta tem tido sua maior incidência nas regiões com menor desenvolvimento econômico, como o Nordeste brasileiro, fato que pode ser correlacionado aos fatores sociais, como baixo padrão de autocuidado15.
As contribuições de cada região, tanto ambientais quanto culturais e de políticas públicas atribuem a cada localidade características sociais e necessidades de saúde mais evidentes, o que por sua vez, podem contribuir para a ocorrência de AVE. Em detrimento disso, o Ministério da Saúde têm desenvolvido várias ações em todo o seu território nacional, na perspectiva de controlar e prevenir o avanço das complicações da patologia em questão.
Para tanto, o MS oferece subsídios assistenciais a população, através de programas de ações de saúde pública, específicas para determinada agravo em saúde. Nesse seguimento, o Programa de Controle da Hipertensão Arterial Sistêmica desenvolve medidas de suportes na saúde das populações que se encontram adoecidas cronicamente, visando intervir no processo de saúde e doença em seu curso de vida, consequentemente, causando impactos consideráveis na morbimortalidade advindas das complicações do AVE.
No entanto, o acesso a esses serviços de saúde é restrito às populações específicas, pois, fatores como o estilo de vida, vínculos empregatícios, condições financeiras, qualificação profissional, gerenciamento dos serviços das ações de saúde e até mesmo aspectos culturais, podem interferir na efetividade dessas ações9.
Pode-se inferir que os nordestinos vivem em condições fragilizadas em regiões consideravelmente pobres15. Estes são expostos continuamente a realidades precárias que geram dificuldades para o acesso ao atendimento de suporte à vida. Isso é decorrente por muitos residirem em pequenas cidades ou zonas rurais que não disponibilizam atendimento adequado, devido à escassez de funcionários aptos9.
Através de um estudo16, foi possível perceber que os pacientes dessa região chegam ao pronto socorro em cerca de 3 horas após o acometimento do AVE, o que atrasa a assistência de saúde, o diagnóstico e a implementação da terapêutica adequada. Em decorrência disso, ocorre uma maior taxa de mortalidade.
Observou-se que, a partir de 2012 houve uma redução acentuada na taxa de mortalidade da população masculina. Em contrapartida, o número de mortes na população feminina foi maior em 2013, apresentando uma elevação contínua até 2016 com pequenas oscilações. E, em 2015, constatou-se a maior discrepância até então observada, de 6,75 em relação ao sexo masculino. Estes achados não corroboram com o estudo realizado por Botelho et al16, através de um formulário eletrônico disponível no DATASUS, no qual evidenciou-se uma maior tendência para o desenvolvimento de doenças cerebrais em indivíduos do sexo masculino.
A estratificação por cor/raça se deu sem alterações significantes. No entanto, a preta (20%) teve uma maior taxa em comparação às demais: branca (16,25%) e parda (15,04%). A ocorrência de AVE está geralmente correlacionada com o histórico familiar (HF), uma vez que a genética é um importante fator de risco para o seu desenvolvimento17. A partir disso, a literatura aponta que as famílias de raça/cor negra possuem maior incidência.
Pode-se inferir que a população negra recebe pouca atenção pelas autoridades de saúde pública, bem como pelos serviços de saúde integrados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Em consequência disso, apresenta resultados insatisfatórios tanto nos seus indicadores sociais quanto de acesso aos serviços de saúde quando esta é avaliada a partir da fragmentação dos dados segundo raça e cor.
Wenerck18 aborda que os dados epidemiológicos dos negros são indicativos importantes na demonstração do quanto o racismo, ainda existente na sociedade, é capaz de proporcionar um déficit na saúde e qualidade de vida (QV) destes indivíduos, independente da faixa etária, residência e divergentes níveis de renda.
Acredita-se que possam surgir efeitos negativos sobre as comunidades e pessoas aleatórias, sendo capaz de atuar sobre processo de saúde e doença, e na implantação de políticas institucionais. Nesse sentido, portanto, consideram-se os aspectos morais e éticos, originando a partir disso, o que muitos descrevem como invisibilidade18.
Na contemporaneidade, é possível observar que a exposição contínua a um estilo de vida considerado de risco tem sido frequente. Sabe-se que, o modo de vida adotado pelas pessoas pode definir a sua saúde e QV, exceto em casos em que existe predisposição às patologias hereditárias, e ainda assim, a maioria prefere não atentar para as práticas de autocuidado e prevenção19.
Desta forma, os adultos jovens inclusos na faixa etária de 35-39 anos foram os mais acometidos por casos de AVE entre 2012 e 2016 com 50% de mortalidade. Tal fato pode ser explicado devido à alta exposição dessa faixa etária aos fatores de riscos sociais, ambientais e hereditários20. Assim, nota-se que a negação para realizações de práticas saudáveis possui reflexos principalmente nesse período de vida, e sequelas ainda mais desastrosas nas idades subsequentes de seu curso de vida.
É evidente que as doenças cardiovasculares (DCV) são oriundas em sua grande maioria de fatores de riscos praticados na juventude de determinados indivíduos21. Desse modo, é possível perceber que se esses fatores fossem remodelados ou prevenidos, doenças como estas poderiam ser evitadas, já que hábitos, culturas e ambientes são aspectos capazes de serem sensibilizados para a modificação.
Entretanto, existem outros fatores que não possuem essa alternativa, pois são características físicas e fisiológicas dos seres humanos, dentre estes o HF, raça e sexo19 e, nestes casos há apenas uma única possibilidade: adoção de práticas de autocuidado recomendados de acordo as especificidades para cada patologia.
Mediante o exposto, é possível considerar que o conhecimento sobre o HF é o principal fator capaz de gerar uma reflexão na população acerca da adesão às práticas de autocuidado aliadas à prevenção dos fatores. Dessa forma, quanto mais propriedades das informações sobre as patologias hereditárias que o jovem possuir, maior será a sua preocupação com a sua saúde, pois, o histórico de saúde da família é um importante meio de prevenção das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNTs)19.
Nessa perspectiva, um estudo nacional realizado demonstrou que o conhecimento de uma população de forma geral sobre AVE é insuficiente entre grande parte da população22, o que demonstra que grande parte das mortalidades advindas da patologia é oriunda desta problemática.
Conclusão
O AVE tem sido um dos principais motivos para altos índices de mortalidade no Nordeste. Os resultados evidenciaram que a maior taxa ocorreu em 2012 (27,17%), em pessoas autodeclaradas pretas (20%), do sexo masculino (29,7%) e com faixa etária entre 35 e 39 anos (75%). A taxa de mortalidade na macrorregião Sudoeste da Bahia declinou a partir de 2012 com menor mortalidade em 2013, mantendo assim, um novo paradigma.
Através dos resultados, percebeu-se que há a necessidade de políticas públicas pautadas em novas intervenções que interajam diretamente com as necessidades de saúde dos indivíduos desta região. Justificam-se essas intervenções pelo fato de possuírem um acesso precário aos serviços de saúde e necessitarem das ações e serviços da atenção primária e da alta complexidade hospitalar que sejam capazes de atender as demandas de saúde, através de recursos humanos mais capacitados para atuar profissionalmente na prestação de serviços a população em geral.
Percebe-se nessa perspectiva a necessidade de estudos voltados para a população adulta jovem e que programas educacionais de saúde devem ser incrementados, passando a integrar medidas educacionais voltadas à população, na disseminação do conhecimento referente ao assunto estudado, e que o levantamento do histórico familiar seja difundido nos programas de saúde que envolve famílias.
Este estudo apresenta limitações referentes à sua forma de levantamento de dados epidemiológicos, uma vez que, podem existir subestimações nas taxas de mortalidade, principalmente por causa de estarem incompletos os indicadores analisados pelos sistemas de informações vigentes no âmbito nacional.
Contribuições dos autores
Souza Júnior EV, Jesus, MAS, e Bezerra CLS participaram do levantamento bibliográfico, análise e interpretação dos dados e redação do manuscrito. Rosa RS, Boery EN e Boery RNSO participaram da análise e interpretação dos dados e revisão crítica do conteúdo. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito responsabilizando-se por todas as informações contidas no trabalho.