Introdução
O adoecimento e a hospitalização na infância demandam uma adaptação forçada e imediata a uma nova realidade. Esses dois processos podem repercutir no desenvolvimento da criança, gerar alterações na rotina, limitar o brincar, além de provocar distanciamento da família, da escola e dos amigos.1,2
Observam-se ainda, desdobramentos emocionais consequentes à hospitalização, tais como o medo, o nervosismo, a ansiedade e a incompreensão. Com isso, muitas crianças reagem de forma negativa a esse processo, o que pode resultar em apatia e prejuízos no vínculo com os profissionais da saúde.2
A fim de tentar minimizar esses efeitos negativos da hospitalização, as crianças precisam ser preparadas previamente para os procedimentos a que serão submetidas e o profissional de saúde precisa proporcionar um ambiente acolhedor, calmo e manter uma comunicação com a criança voltada às suas necessidades individuais no que se refere às questões físicas, emocionais, sociais e espirituais.3
Nesse sentido, o Brinquedo Terapêutico (BT) é uma alternativa de instrumentalização para o cuidado, por se tratar de uma tecnologia que consiste em uma brincadeira estruturada e planejada com propósito terapêutico.2 O BT tem como objetivo central, o alívio da apreensão e receio vivenciados no hospital, além de contribuir como um instrumento de cuidado para a inclusão dos procedimentos e rotinas as quais as crianças serão submetidas.2
A fim de fornecer assistência humanizada e baseada nas necessidades individuais das crianças e na proteção de seus direitos, países como o Brasil e a Inglaterra estabeleceram a obrigatoriedade do desenvolvimento de competências em enfermagem para o uso do brinquedo terapêutico.4,5,6
Há três modalidades de BT: Brinquedo Terapêutico Dramático, Instrucional e Capacitador de funções fisiológicas. O Brinquedo Terapêutico dramático estimula a catarse na criança, seu objetivo principal é reduzir medo e ansiedade por meio da expressão da fala.7 O Brinquedo Terapêutico Instrucional pode ser utilizado no preparo da criança e da família durante a hospitalização no realizar de procedimentos terapêuticos e o Brinquedo Terapêutico Capacitador de funções fisiológicas permite capacitar a criança a manter ou melhorar suas condições físicas.7
O uso de brinquedos já está estabelecido como um cuidado baseado em evidências com resultados potencialmente benéficos para criança e sua família.8 Os brinquedos podem ter diversos usos no atendimento a crianças, seja para prepará-las para procedimentos, diminuir a ansiedade ou educação em saúde. Contudo, permanece a lacuna de conhecimento existente acerca do ensino e aplicação do uso de brinquedos no cuidado pediátrico. Destaca-se que ainda são necessários mais estudos no sentido de compreender os reais benefícios do BT na enfermagem e na educação de enfermeiros.9
No Brasil, os estudantes recebem capacitação para aplicar o BT, a fim de comprovarem sua eficácia, estarem aptos a utilizá-lo após formados e ensinarem suas equipes a aplicarem a técnica, conforme descrito na literatura.10,11,12Ainda assim, ao mesmo tempo em que a importância do uso do BT é reconhecida pelos profissionais, persiste a baixa adesão dessa estratégia nos hospitais por diversos motivos, entre eles, a limitada abordagem do tema na formação acadêmica em enfermagem, tempo limitado para o uso da estratégia e excesso de atividades dos profissionais e, sobretudo, a falta de recursos.7,11,12,13
Nesse sentido, questiona-se como tem sido a experiência do estudante de graduação em Enfermagem quanto ao aprendizado e as aplicações da tecnologia de cuidado do tipo Brinquedo Terapêutico? Tais questionamentos motivaram a realização desse estudo, que objetivou analisar a experiência do estudante de graduação em enfermagem quanto ao aprendizado e as aplicações da tecnologia de cuidado do tipo Brinquedo Terapêutico.
Método
Tipo do estudo
Estudo descritivo com análise de conteúdo qualitativa dos dados,14 obtidos por meio de entrevistas semiestruturadas, analisadas à luz da teoria da aprendizagem significativa de Ausubel.15
Cenário e critérios de seleção
Os participantes foram estudantes do curso de enfermagem, de uma instituição de ensino privada do estado de São Paulo, que realizaram a disciplina de Enfermagem na Saúde da Criança e do Adolescente, ou seja, estavam entre 5º e 8º semestres do curso e, dessa forma, conheciam a aplicabilidade do BT e sua finalidade na assistência, além de tê-lo aplicado durante atividades teórico-práticas da referida disciplina.
O período para a coleta de dados ocorreu entre os meses de julho a novembro de 2021. Em razão do período pandêmico, ocorreu por meio de entrevista online, realizada por intermédio da plataforma Google-Meet®. As entrevistas foram audiogravadas e, em seguida, transcritas e analisadas.
Coleta de dados
Para realizar a coleta de dados, as pesquisadoras entraram em contato com a secretaria de graduação do curso de enfermagem para envio do convite de participação da pesquisa, após a aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa Institucional. Em seguida, foi enviado um e-mail aos interessados, em que foi explicado sobre a pesquisa e, então, realizado um convite formal. Neste e-mail, o participante da pesquisa recebeu o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e as informações sobre o estudo por meio do Google Forms®, onde foi realizado teste preliminar antes do envio, inclusive com o roteiro da entrevista. Após a leitura do Termo, cada participante escolheu uma opção, ou seja, se concordava em participar voluntariamente da pesquisa ou se não concordava. Existiu ainda, a opção de esclarecer dúvidas com a pesquisadora, antes de decidir sobre a participação.
O questionário demográfico com perguntas sobre idade do participante, período do curso, conhecimento anterior sobre BT e se já havia utilizado BT nos ensinos teórico prático, só era acessado se o participante concordasse em participar. Se algum participante escolhesse a segunda opção (“não concordo em participar”) era direcionado para uma página de agradecimento e sua participação era finalizada. Na terceira opção, o entrevistado tinha acesso a um campo para colocar sua dúvida, que era encaminhada às pesquisadoras.
A coleta de dados ocorreu por meio da entrevista online semiestruturada realizada via Google - Meet®. O link da entrevista foi enviado, inicialmente, aos estudantes do 6° semestre (estudantes que atendiam aos critérios de inclusão, e cuja experiência do aprendizado do BT estava mais recente). As entrevistas tiveram duração média de 9 minutos, ocorreram de forma individual com agendamento de horário de acordo com a disponibilidade e foram realizadas as seguintes perguntas norteadoras:
“Conte-me como foi a experiência do aprendizado e aplicação do BT durante a sua formação”;
“Você percebe contribuições desse aprendizado para sua formação enquanto enfermeiro? Se sim, quais?”
Os participantes do estudo tiveram subsídios prévios para refletir sobre a atividade de aplicação do BT na assistência à criança hospitalizada. Destaca-se, dentre eles, a aula expositiva dialogada que os colocou em contato com os princípios teóricos, além da exposição de fotos das atividades propostas a grupos de graduandos de anos anteriores e a manipulação da caixa de brinquedos que é utilizada no cenário teórico-prático. Além disso, tiveram a oportunidade de aplicar a técnica em crianças hospitalizadas durante as atividades de ensino teórico-prático na disciplina de Enfermagem na Saúde da Criança e do Adolescente.
Os dados coletados foram transcritos na íntegra. A coleta foi interrompida quando as pesquisadoras, de forma consensual, avaliaram que as respostas obtidas eram suficientes para alcançar os objetivos do estudo, caracterizando, portanto, a saturação dos dados.
A entrevista foi conduzida pela aluna de iniciação científica após treinamento realizado com as pesquisadoras experientes em coletas de dados em pesquisa qualitativa. Além disso, participaram da codificação dos dados as orientadoras deste estudo. A pesquisadora que coletou os dados cursou a disciplina de Enfermagem na Saúde da Criança e do Adolescente, na qual desenvolveu seus conhecimentos teórico-práticos sobre o Brinquedo terapêutico, bem como participou de cursos e troca de conhecimentos junto às orientadoras que possuem conhecimento prévio sobre a temática, situações que tornou possível a criação de um relacionamento próximo com tema em estudo.
Seguindo as orientações do recente ofício circular nº 2/2021 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), que trata da coleta de dados em ambiente virtual, após o download dos dados empíricos obtidos, os mesmos foram armazenados em um dispositivo eletrônico de uma das pesquisadoras. Dessa forma, quaisquer registros em plataformas virtuais foram apagados.
Análise dos dados
Os dados da pesquisa foram analisados conforme os passos propostos pela análise de conteúdo de Morse e Field que se baseiam em quatro processos cognitivos sequenciais, são eles: apreensão, síntese, teoria e recontextualização.14,16
Todas as entrevistas foram transcritas na íntegra pelas pesquisadoras e, em seguida, analisadas de acordo com a análise qualitativa de conteúdo.14 Foi realizada uma análise dedutiva, os códigos foram agrupados conforme significados e sentidos, similares e divergentes, o que originou as categorias.
Referencial teórico
A fim de guiar o processo analítico-interpretativo dos dados, adotou-se os princípios descritos na teoria de aprendizagem significativa de David Ausubel. Para Ausubel15 a aprendizagem é definida como um estado que não é arbitrário, sendo plausível, sensível e não aleatório, além de não ser literal, ou seja, possui um significado lógico. Sua teoria é específica sobre o ensino e parte da premissa que a aprendizagem se torna mais significativa à medida que um novo conteúdo é incorporado aos conhecimentos prévios do estudante. Dessa forma, o aprendizado ocorre por meio da relação que o estudante constrói mentalmente, de forma hierárquica entre o que lhe é apresentado e o significado que ele atribui ao conteúdo.15
A teoria destaca a importância das relações entre conceitos, contexto e o significado na aprendizagem e indica que os professores devem lançar mão de estratégias de modo a auxiliar os estudantes a estabelecer essas conexões, variáveis que dependem e interferem diretamente ou indiretamente uma na outra.17 Portanto, faz-se necessário que sejam pensadas atividades por meio de métodos que ajudem os estudantes a estabelecer essas conexões considerando assim a participação ativa do estudante como parte do processo de construção do conhecimento intencional e eficiente.18 O ensino do brinquedo terapêutico explora temáticas presentes na vida do graduando de enfermagem como a importância do brincar e técnicas de comunicação, já exploradas em outros momentos de sua formação e fomenta o processo de construção do conhecimento sobre o uso e aplicabilidade do BT perpassando suas categorias, indicações e aplicação.
É crucial ressaltar que, no contexto da aprendizagem significativa, não é qualquer conhecimento prévio que desempenha um papel influente no processo. Pelo contrário, são os conhecimentos prévios relevantes presentes na estrutura cognitiva do indivíduo, denominados por Ausubel como subsunçores, que desempenham essa função decisiva. Essa conexão entre subsunçores e novas informações assume uma importância fundamental no processo de compreensão e internalização do conhecimento.19
Aspectos éticos
Para execução do projeto de pesquisa, foram observadas e consideradas as orientações do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde do Brasil, por meio da Resolução n° 466, de 12 de dezembro de 2012, que contém as Diretrizes e as Normas Regulamentadoras de Pesquisas que envolvem Seres Humanos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa de referência para a instituição. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE. As entrevistas foram áudio-gravadas. Para preservar a privacidade dos estudantes, seus nomes foram mantidos em sigilo. Ao citar os participantes na apresentação dos resultados dessa pesquisa, utilizou-se a letra “P”, seguida de um número que traduz a ordem em que as entrevistas foram realizadas.
Resultados
Foram convidados a participar do estudo 21 estudantes. Durante o recrutamento, ocorreram duas recusas devido a impossibilidade de encontrar um horário adequado para as entrevistas. Assim, no total, foram realizadas 19 entrevistas. Cada estudante foi entrevistado uma única vez. Os estudantes eram do quinto ao oitavo semestre do curso de Enfermagem de uma universidade privada de São Paulo, Brasil, com idades entre 20 e 41 anos, com média de 26,3 anos. Nenhum destes estudantes se recusou a integrar o estudo ou desistiu de sua participação. A análise das entrevistas possibilitou explorar as experiências dos estudantes acerca do aprendizado e da aplicação da tecnologia de cuidado do tipo Brinquedo Terapêutico. Os dados analisados encontram-se agrupados em duas categorias temáticas centrais, acompanhadas cada uma por uma subcategoria: “O Brinquedo Terapêutico no cuidado em pediatria: impressões e sentimentos dos estudantes”; “Aprendizado significativo e integrador para um cuidado diferenciado às crianças durante a hospitalização”.
Os resultados do estudo destacaram que a experiência dos estudantes com o BT foi marcada por impressões individuais, sentimentos e aprendizados. A Figura 1 apresenta a síntese das categorias obtidas, com os nomes abreviados devido às limitações na criação da imagem. A figura também inclui análises e aspectos-chave que resumem trechos das entrevistas e destacam os pontos mais importantes dos resultados.
Fonte: Figura de autoria própria. Imagem central obtida com a assistência do Software DALL.E-2 (OpenAI), utilizando-se o tema/algoritmo “estudantes de enfermagem brincando com uma criança no hospital”, demais componentes da imagem gerados na plataforma Canva, criada em 11/11/2023.
O Brinquedo Terapêutico no cuidado em pediatria: impressões e sentimentos dos estudantes
Por meio dos relatos, os estudantes caracterizaram o aprendizado do BT como uma experiência “incrível”, “interessante” e “importante” no processo de formação do enfermeiro. De acordo com os depoimentos obtidos, o BT foi caracterizado como um “instrumento lúdico” e estratégico no cuidado de Enfermagem em pediatria, já que possibilita o enfrentamento do processo de hospitalização e auxilia na comunicação com a criança:
Foi incrível ver o uso de um instrumento lúdico para ajudar as crianças durante o processo de hospitalização (P1)
Achei interessante e importante, porque consegui entender o quanto o BT faz toda a diferença no cuidado. Acho que ameniza muito o trauma de estar num hospital ou de realizar procedimentos (P12)
Para duas estudantes, os benefícios da técnica não eram tão evidentes antes de sua aplicação efetiva:
No começo achava que não ajudaria a criança, que não era tão benéfico como parecia (P5)
Por ser algo novo, tinha na minha cabeça, que não teria tanto efeito no cuidado da criança. Porém, quando aplicado na prática percebi que funciona e é um cuidado diferenciado na assistência para criança e família (P18)
Observou-se que os sentimentos de medo e receio, associados à dificuldade de comunicação com a criança, foram minimizados ao descobrir que o BT facilita exatamente a superação desses desafios, como expresso nos trechos a seguir.
A primeira sensação que tive foi o medo, porque não conhecia o BT, não havia usado na prática e achei que não conseguiria aplicar ou que não daria certo. Achava que precisaria de muita criatividade (P8)
Tinha um pouco de receio e dificuldade em chegar na criança, mas acho que é um instrumento que beneficia esse contato através da brincadeira. É uma forma muito mais rápida de criar vínculo com a criança (P16)
Aprendizado significativo e integrador para um cuidado diferenciado às crianças durante a hospitalização
Durante as aulas, os estudantes entrevistados foram apresentados a um conteúdo teórico sobre o BT. No entanto, foi somente ao aplicarem a técnica e observarem seus benefícios diretamente com as crianças no hospital que o conteúdo teórico passou a fazer sentido para eles.
Foi algo novo (na prática). Percebi que ajuda bastante a criança a entender sua patologia e a expressar seus sentimentos sobre essa situação, sobre a dor, o medicamento (P19)
Gostei bastante de ter aprendido sobre o BT, achei interessante, porque muitas vezes as crianças têm medo dos procedimentos e acho que (o BT) é muito importante para ajudarmos estas crianças a se sentirem melhor, mais calmas e sem ansiedade (P14)
Os estudantes reconheceram a importância do desenvolvimento de habilidades chave, como a capacidade de estabelecer relações de confiança e demonstrar empatia, que são cruciais no cuidado às crianças hospitalizadas. A utilização do brinquedo terapêutico, por exemplo, foi destacada como uma forma eficaz de demonstrar carinho e reduzir a ansiedade infantil, conforme relatado pelos participantes que perceberam uma diminuição significativa no medo e estresse das crianças.
Conseguimos desenvolver a confiança e vínculo com a criança, pois demonstramos o que vai ser feito antes... e isso cria confiança entre a criança e o profissional antes de realizar o procedimento (P3)
Agora me coloco no lugar da criança. Utilizar um cuidado diferente, como usar o BT acaba a beneficiando, porque é uma forma de demonstrar amor, carinho, paciência, empatia e irá colaborar com a diminuição do medo, ansiedade e estresse da criança durante a internação (P8)
Além disso, a aplicação dessas habilidades em contextos práticos foi ilustrada por uma das estudantes, que relatou o uso da técnica durante um estágio extracurricular para criar vínculos efetivos com as crianças.
Comecei um estágio (extracurricular) e trabalho muito em contato com as crianças, então no começo pensava “como vou criar vínculo?” Aí, pensei em usar o BT para estimular a ver se daria certo e deu muito certo (P4)
As habilidades de comunicação e a aplicação prática dos princípios de humanização no cuidado pediátrico foram aspectos notáveis nas entrevistas, como observado nos seguintes trechos:
Acho que a contribuição é a forma de como falar e me aproximar com a criança. A importância desse momento e da criação do vínculo e da empatia (P11)
Acho que uma das coisas que vou levar como contribuição para a prática assistencial é a humanização. Acho que humanizar o atendimento e criar vínculo com a criança é muito importante para um bom cuidado (P13)
Foram apontadas ainda, competências como: a capacidade de educar a criança e envolvê-la em seus cuidados, além das habilidades educativas do enfermeiro para transferir os seus conhecimentos e formas inovadoras de cuidado para a equipe de enfermagem e de saúde como um todo.
Agora sei que, quando necessário, vou poder utilizar o BT para ensinar, fazer com que a criança participe durante a internação, entendendo o que está acontecendo, além de poder deixá-la menos assustada e conseguir lidar melhor com a hospitalização (P6)
O BT contribuiu para meu olhar crítico de enfermeira. Sou capaz de levar esse conhecimento para meu ambiente de trabalho e apresentar com confiança a minha equipe ou outros profissionais (P17)
Discussão
Os resultados do estudo destacaram as experiências dos estudantes com o aprendizado do Brinquedo Terapêutico. Os depoimentos obtidos revelaram percepções e sentimentos em relação a essa tecnologia de cuidado, reforçando que sua relevância não se deu apenas para as atividades de formação, mas também tem o potencial de auxiliar no futuro desenvolvimento profissional dos participantes.
Ao olhar para os conceitos de Ausubel acerca da aprendizagem significativa, observa-se que a integração da teoria com a prática se destaca como um elemento essencial na formação dos estudantes de enfermagem.15 Alguns estudantes pareceram duvidar da eficácia do BT e sentiram medo em aplicá-lo, por acreditarem que demandaria muita criatividade ou que os benefícios não seriam aqueles esperados. Por isso, a aplicação do BT na prática assistencial, permitiu que os estudantes fizessem a conexão entre o conhecimento teórico e as situações reais de aplicação do BT na prática clínica pediátrica.
A capacidade de integrar teoria e prática refletiu um aprendizado significativo, permitindo que os estudantes relacionarem novos conhecimentos (sobre o BT) com bases cognitivas já sedimentadas (por exemplo, o saber sobre a importância do brincar para o desenvolvimento infantil).15 Para a aprendizagem significativa enfatiza-se que aprender é mais eficaz quando os novos conhecimentos se ancoram em ideias já existentes na estrutura cognitiva do estudante.15 Neste contexto, a experiência prática com o BT lhes proporcionou a oportunidade de conectar a teoria à prática, solidificando seu entendimento sobre o cuidado pediátrico e a importância do BT na hospitalização infantil.15
O processo de hospitalização é uma experiência atípica em que as crianças podem ser submetidas a procedimentos dolorosos, e a outros processos traumáticos que potencializam o medo, a ansiedade e a tristeza, sentimentos esses que a descaracterizam enquanto criança. Na assistência pediátrica, o uso do BT contribui para a compreensão, preparação e enfrentamento dos procedimentos que serão realizados.1,3,20Além disso, ele facilita a comunicação e interação entre a criança e os profissionais, pois permite que esses últimos consigam compreender o que está sendo vivenciado pela criança, proporcionando menor impacto emocional, maior confiança e, consequentemente, permitindo que a criança se torne uma participante ativa no cuidado.20,21
Por meio dos depoimentos obtidos, observou-se que os estudantes são capazes de reconhecer a fragilidade e a vulnerabilidade da criança na circunstância de doença e hospitalização, o que legitima o uso do BT como estratégia para minimizar esses efeitos deletérios à experiência de hospitalização da criança.22 O reconhecimento das repercussões negativas da hospitalização na infância e da importância do BT pelos estudantes, após a sua aplicação prática, ilustra a ancoragem de novos conhecimentos. Inicialmente, observou-se que os estudantes expressaram ceticismo ou medo em relação ao uso do BT, reação que foi transformada pela experiência prática direta. Esta transformação demonstra a reestruturação cognitiva proposta por Ausubel, onde a aprendizagem significativa não só adiciona novos conhecimentos, mas também modifica os existentes.15
Outro conceito importante para o referencial teórico adotado é a diferenciação progressiva e o desenvolvimento de competências. Os estudantes destacaram o desenvolvimento de habilidades importantes, como a capacidade de estabelecer relações de confiança e demonstrar empatia com as crianças hospitalizadas. Essa evolução reflete o conceito de diferenciação progressiva de Ausubel, em que os estudantes refinam e expandem seu entendimento ao longo do tempo. O BT atuou como um catalisador para o desenvolvimento de competências relevantes para a prática profissional, evidenciando que a aprendizagem significativa envolve não apenas a aquisição de conhecimento, mas também o desenvolvimento de habilidades práticas.15
Em estudo com o objetivo de apoiar os docentes na missão de despertar e introduzir os estudantes no contexto do BT,23 apontou-se a necessidade de pesquisas que demonstrem o impacto desse aprendizado na formação do estudante e na futura assistência à criança em diferentes contextos da assistência, lacuna identificada e com que esse estudo tem o intuito de contribuir. Inicialmente, nesta pesquisa, os estudantes demonstraram a descrença de que essa estratégia poderia apresentar resultados positivos para as crianças, além de mostrarem receio, insegurança e medo ao empregá-la. Após a oportunidade de aplicação na prática, os estudantes identificaram a importância em aprender os passos e características dessa tecnologia e como esta oportunidade poderia trazer efeitos para a prática profissional.
Resultados semelhantes foram identificados em estudo brasileiro em que estudantes de graduação em enfermagem também apresentavam sentimentos de medo, ansiedade e a sensação de insegurança e despreparo, mas quando interagiram com as crianças por intermédio do BT começaram a valorizar essa tecnologia como uma intervenção importante para a assistência à criança.24
Outro estudo clássico sobre essa temática,25 também indicou que os estudantes demonstraram relutância inicial ao uso do BT, com posterior percepção de seu valor. Vale ressaltar que o interesse nas pesquisas sobre a temática segue avançando, o que é perceptível a partir da crescente quantidade de publicações sobre o uso do brinquedo terapêutico no cenário de cuidado em saúde infantil. Contudo, persistem lacunas na discussão sobre como aprimorar as estratégias de ensino desta tecnologia para estudantes de graduação em enfermagem, com vistas à sua aplicação na prática.
No contexto brasileiro, a literatura aponta que os estudantes compreendem o BT como uma estratégia de comunicação benéfica para as crianças, já que é uma técnica que colabora para a expressão dos sentimentos, de forma a gerar mudanças no comportamento.23,26No cenário internacional, observam-se pesquisas que apontam que, durante a hospitalização, o brincar colabora para o desenvolvimento neuropsicomotor da criança promovendo a imaginação, criatividade e comunicação, além da criança aprender a reconhecer a sua própria individualidade.9,27Estes resultados se assemelham aos desta pesquisa, em que os estudantes observaram que o BT auxilia a criança a passar pelo estresse da hospitalização com calma, menos ansiedade e estresse.
Para o sucesso do BT é preciso facilitar a sua inclusão na assistência em pediatria, sendo necessária a associação com conhecimentos técnico-científicos e as necessidades emocionais e sociais da criança e da família.17,28Por se tratar de um aprendizado permeado pela subjetividade da experiência da criança e do estudante, pode-se afirmar que o estudante só será capaz de efetivamente incorporar o uso do BT em sua futura prática profissional caso a sua experiência como aprendiz tenha sido significativa, uma vez que quanto mais houver contextualização daquilo que aprende, mais ele reflete sobre a sua realidade e busca alternativas para nela intervir e modificá-la29 tomando-se aqui, por realidade, a sua futura prática profissional.
Há contínuas evidências sobre a importância do ensino teórico e prático do Brinquedo Terapêutico, que deve ser contemplado durante a graduação, a fim de preparar o estudante para atuar no cuidado pediátrico.10,20Pesquisas continuamente relatam a importância do ensino desse instrumento durante a graduação como possibilidade de desenvolver o pensamento crítico e a autonomia do estudante, de forma a oferecer mais segurança durante a prática.10,20,23Tais evidências citadas estão relacionadas aos resultados desta pesquisa, pois os estudantes refletiram sobre a importância do ensino teórico e prático e apontaram que o aprendizado sobre o BT colaborou para que avaliassem reações emocionais da criança com mais facilidade, a partir das expressões demonstradas durante o uso da tecnologia.
No que tange a experiência de ensino de BT na formação dos graduandos de enfermagem, autores brasileiros10 enfatizam a apresentação deste conteúdo no campo prático garantindo uma melhor desenvoltura ao enfermeiro em formação. Estes autores afirmam ainda que, o BT também tem a potencialidade de contribuir com o próprio estudante, pois ao usá-lo como instrumento para ensinar um procedimento a criança, este tem se comprometido com o aprendizado correto para passá-lo adiante.
Outros benefícios destacados foram o olhar crítico, o vínculo e a confiança tanto com a criança quanto com a equipe. Nessa perspectiva, pode-se considerar que o ensino do BT funcionou como uma alternativa inovadora de ensino. Portanto, aplicar o BT nas atividades de prática clínica no hospital foi diferencial para sedimentar os conhecimentos teóricos. Sob essa perspectiva, a educação é concebida refletindo as dinâmicas presentes no processo de ensino-aprendizagem entre estudantes e professores.
De acordo com a teoria de Ausubel, as vantagens de uma aprendizagem significativa estão amparadas no fato que o conhecimento adquirido de maneira receptiva é retido e lembrado por mais tempo. Há o aumento da capacidade de aprender outros conteúdos mesmo se a informação original for esquecida e, uma vez esquecida, pode ser reaprendida. A utilização do BT para o ensino busca promover nos estudantes a disposição para questionar, revelar e compreender os pressupostos que podem apoiar mudanças significativas na assistência à criança, possibilitando a reflexão de suas práticas em um processo dinâmico de aprender-praticar-assimilar. Mesmo sendo estudantes ainda em formação, segundo o referencial teórico adotado nesse estudo, se houver a possibilidade de que estes estudantes ponham seu conhecimento em prática, resgatarão os conteúdos aprendidos quando estiverem atuando no mundo do trabalho.15
Como possíveis limitações do estudo, há de se reconhecer que os dados refletem a realidade de apenas uma instituição de ensino. Foram também observadas dificuldades na realização das entrevistas, sendo a principal delas a disponibilidade do estudante entrevistado em participar das entrevistas online, pois alguns participantes tiveram dificuldade em encontrar um horário disponível para participar, o que pode ter influenciado a quantidade e a profundidade dos dados obtidos.
Conclusão
Os estudantes participantes desta pesquisa tiveram a oportunidade de refletir sobre suas experiências acerca do aprendizado teórico e prático do BT. OS participantes enfatizaram as contribuições e competências desenvolvidas durante o seu processo de formação, com ênfase na empatia, no desenvolvimento do vínculo e da confiança, na humanização e no potencial facilitador do BT na comunicação e na compreensão das individualidades das crianças. Os resultados deste estudo reafirmam o BT como uma tecnologia de cuidado inovadora para o cuidado em pediatria.
Considerando-se os conceitos da teoria de aprendizagem significativa, temos que BT é uma ferramenta para conectar e despertar no estudante a assimilação de conceitos novos e a modificação e expansão de conhecimentos prévios. Ao utilizar essa tecnologia de cuidado, o estudante assume o papel de protagonista na construção de competências relacionadas à comunicação, empatia e confiança no cuidado a crianças hospitalizadas.
Conflito de interesse
As autoras declaram não possuírem conflito de interesse de nenhuma natureza.