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Introdução
A Tuberculose (TB) pulmonar foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o problema de saúde pública mais infectocontagioso e letal do mundo, alcançando status de epidemia mundial. 1 É considerada uma doença negligenciada, tendo as populações mais pobres como as mais susceptíveis à doença, o que contribui para discriminação em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. 2
Dados da OMS sugerem que 10 milhões de pessoas no mundo adoeceram pela doença em 2020.3 Na região das Américas, a incidência parece estar aumentando lentamente após anos de declínio, devido a uma tendência de aumento no Brasil durante 2016 a 2020.3
As ações desenvolvidas pela Atenção Primária à Saúde (APS)4 são dos pontos fortes de combate à TB no Brasil. Nesse contexto, os profissionais de saúde devem ofertar tratamento e acompanhamento adequado das pessoas com TB, o que permite a formação de vínculo, sendo essencial para a qualidade da assistência. Essa relação juntamente com estratégias preventivas da doença e promotoras da saúde se tornam ferramentas eficazes na corresponsabilização e empoderamento do sujeito nesse processo. 5
Dentre os profissionais da APS, no Brasil, o enfermeiro presta assistência direta a esse usuário no Programa de Controle contra TB. O contato contínuo deste profissional por meio da consulta de enfermagem permite manter relação com a população adoecida no desenvolvimento de ações de promoção da saúde, prevenção e controle dessa doença.6
Nesta perspectiva, a relação vivenciada entre o enfermeiro e a pessoa com TB torna-se essencial, pois vincula o cuidado de enfermagem aos resultados terapêuticos satisfatórios. A complexidade dessa relação, no que diz respeito ao encontro e ao diálogo, é fundamental para a atribuição de significados das demandas de cuidado requeridas pelos pacientes e assume especial relevância nos contextos de saúde.7
Dentre os muitos referenciais da Enfermagem, tem-se a Teoria do Alcance de Metas de Imogene King, cuja relação entre enfermeiro-pessoa cuidada é elemento estrutural para o relacionamento terapêutico. Para King, o ponto fundamental da Enfermagem reside no elo construído entre enfermeiro-pessoa cuidada por meio do relacionamento terapêutico para o alcance de metas. Tem por intuito reestabelecer a saúde e melhorar a qualidade de vida, mediante a interação no cotidiano do cuidar durante o processo saúde-doença.8
Para a teórica, o indivíduo está inserido em três sistemas interativos: pessoal, interpessoal e social. A partir destes sistemas, se houver interação enfermeiro-paciente, estabelecem juntos objetivos reais e alcançáveis pelo paciente. Trata-se de um método participativo, no qual a pessoa enfermeira emprega esses elementos preconizados para a obtenção de metas definidas pelo paciente e por ela, por meio dos seus principais elementos, isto é: percepção, comunicação e transação.8
Nesse contexto, diante da relevância da relação enfermeiro-pessoa cuidada para o estabelecimento do vínculo e adesão ao tratamento contra TB8, compreende-se a importância do referencial teórico de Imogene King para estruturar a interação enfermeiro-pessoa cuidada e oferecer uma dinâmica para esse processo.7
Desse modo, questiona-se: como ocorre a relação entre enfermeiro-pessoa afetada com tuberculose? Ademais, nenhum outro estudo apresentou a relação entre enfermeiro-pessoa afetada pela TB com base na teoria de King. Assim, justifica-se o desenvolvimento da temática abordada e confere ineditismo ao presente estudo. Esta pesquisa objetivou analisar a relação enfermeiro-pessoa afetada pela tuberculose fundamentada na teoria do Alcance de Metas de Imogene King.
Metodología
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, tendo em vista fundamentar a extração dos dados com base em uma teoria, nesse caso, a Teoria de Imogene King. Além disso, é um estudo de caráter descritivo, o qual é compreendido como sendo o estudo que delineia, descreve, registra, analisa e interpreta os fenômenos encontrados9. O percurso metodológico seguiu os critérios estabelecidos pelo Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ).
A pesquisa foi desenvolvida com 14 enfermeiras que trabalhavam em unidades de atendimento primário de saúde de um município da Região Sul do Ceará, Brasil. Todas as unidades atendem pessoas sintomáticas respiratórias, realizam o acompanhamento e tratamento dos pacientes com diagnóstico de TB e fazem referência e contrarreferência para o setor especializado conforme a necessidade de saúde identificada.
Inicialmente, realizou-se uma visita em todas as unidades, um total de 67, para efetivar um primeiro contato. Nesse momento, fez-se um levantamento dos profissionais considerados legíveis para o estudo, ao passo que também foi explicado o objetivo da pesquisa. Em ocasião posterior, realizou-se o agendamento prévio das visitas subsequentes para efetuação da coleta de dados.
Estabeleceram-se os seguintes critérios de inclusão, a saber: ser enfermeiro atuante nas unidades e realizar acompanhamento ou estar implementando cuidados assistenciais a pessoas com TB. Excluiu-se os profissionais que, após três tentativas de agendamento para realização da entrevista, não foram localizados.
Dessa forma, 30 enfermeiros se enquadraram nos critérios pré-estabelecidos e foram convidados a participar da pesquisa, entretanto, sete profissionais declararam impossibilidade de participar da pesquisa devido à falta de tempo e/ou sobrecarga do trabalho. Houve uma desistência por solicitação da participante e seis profissionais ainda não tinham realizado atendimento a pessoas com TB. Dois encontravam-se em período de férias ou licença durante a coleta de dados. Assim, após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, a amostra da pesquisa foi composta por 14 enfermeiras, selecionadas por conveniência.
A coleta de dados foi realizada no período de agosto a novembro de 2018. Os dados foram coletados por meio de uma entrevista com roteiro semiestruturado elaborado com base no Registro Meta-Orientado de Enfermagem (RMOE). Este instrumento foi proposto pela teorista Imogene King8 e utilizado por propiciar o cuidado sistematizado necessário no processo de interação com o paciente.
Salienta-se que o RMOE consiste em cinco elementos principais: levantamento de dados, lista de problemas, lista de metas, plano de cuidados e notas de evolução. Como se trata de um instrumento validado, não houve a realização de pré-teste.8
O roteiro foi dividido em dois blocos: (a) destinado à caracterização das participantes quanto ao sexo biológico, idade, código profissional, cursos de pós-graduação (Lato Sensu, residência, mestrado e doutorado) e informações acerca de educação permanente sobre TB; e (b) a seguinte pergunta: como ocorre a relação enfermeiro-paciente com TB?
A entrevista foi gravada e realizada pelos pesquisadores em um local reservado da UBS com vistas à redução de interferências, por outros profissionais e/ou pacientes, com duração média de 30 minutos. Com o intuito de manter o anonimato e confidencialidade das participantes, a identificação das profissionais foi codificada, sendo atribuída a elas a sigla ENF seguida de um número ordinal, com base na ordem da entrevista.
Após a realização das entrevistas, as falas foram transcritas na íntegra e constituíram o corpus textual que foi analisado com auxílio da análise qualitativa do Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRAMUTEQ 0.7- alpha2). O presente estudo utilizou a Classificação Hierárquica Descendente (CHD) e a análise de similitude como métodos de tratamento dos dados. Posteriormente, os resultados foram interpretados à luz da Teoria do Alcance de Metas de Imogene King.
O IRAMUTEQ oferece a possibilidade de diferentes formas de análise de dados textuais, desde as mais simples, como a lexicografia básica (incluindo cálculo de frequência de palavras), até análises multivariadas (classificação Hierárquica Descendente, análise pós-fatorial).10
Para o preparo do banco de dados, a transcrição foi realizada no LibreOffice Writer do pacote LibreOffice.org, onde cada resposta da entrevista foi transcrita de forma completa e referenciada, separadas por uma linha de comando, compreendendo somente uma variável (n), escolhida conforme o número dado a cada participante (**** *Enf_1, **** Enf_2 até **** *Enf_14), representando os dados das entrevistas das 14 participantes do estudo. Por último, o arquivo foi salvo como documento de texto que usa codificação de caracteres no padrão UTF-8 (Unicode Transformation Format 8 bit codeunits) e analisados no software.
Utilizou-se o método da Classificação Hierárquica Descendente (CHD) com o intuito de classificar os Segmentos do Texto (ST) em função de seus respectivos vocábulos e reparti-los de acordo com a frequência de formas reduzidas. O estudo seguiu todos os preceitos éticos e legais, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Regional do Cariri (URCA), com parecer 2.907.387 e CAAE 87074818.9.0000.5055 em 20 de setembro de 2018. As participantes que aceitaram participar da pesquisa fizeram a leitura e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Resultados
As participantes tinham faixa etária média de 36,5 anos de idade (mínimo 26 e máximo 47 anos), com pós-graduação Lato Sensu (Programas de especialização incluindo cursos designados como Master Business Administration). Quanto à educação permanente acerca da TB, todas afirmaram que não foi ofertada nenhuma capacitação pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), órgão gestor das políticas de saúde no âmbito municipal. Dentre estas, nove relataram terem realizado cursos de curta duração na modalidade de Educação a Distância (EaD) sobre a temática.
Perante o processamento do corpus, os ST expostos em cada classe foram angariados conforme os termos mais citados, característica que viabiliza a análise qualitativa. O processamento do corpus efetivou-se em 23 segundos, a partir do qual foram classificadas 964 Unidades de Contexto Elementar (UCE), das quais se aproveitaram 873 UCE, representando, portanto, 90,56 % do total do corpus.
A relação enfermeiro-pessoa afetada pela TB pode ser vista no dendrograma elaborado por meio da CHD a partir das informações referidas pelas enfermeiras e fornecidas pelo software IRAMUTEQ (Figura 1).
Com vistas à otimização da interpretação e visualização de dados estatísticos oferecidos pelo software IRAMUTEQ, construiu-se um quadro referente à relação enfermeiro-pessoa afetada pela TB. Apesar do IRAMUTEQ ter gerado seis classes, houve o entendimento e a interpretação de que elas podem ser organizadas em quatro classes que estão descritas no Quadro 1.
Os depoimentos a seguir fazem parte da classe 1 (18,64%), remetendo à relação entre enfermeiro-pessoa afetada pela TB baseada no acolhimento, representado pelas palavras “acolhimento”, “bom”, “familiar” e “entender”. As falas expressam que a partir da consulta de enfermagem é possível manter uma relação de confiança com o paciente, por meio da promoção do acolhimento e interação com os familiares. Além das orientações sobre a necessidade do tratamento e acompanhamento mensal conforme as necessidades individuais desses pacientes.
(...) Então nas consultas de enfermagem a gente tem que sempre acolher, o acolhimento, a dedicação, aproximação com a família (ENF_1).
(...) Explicar o tratamento e esclarecer os benefícios do tratamento e tudo mais, eu acho que se torna uma relação de confiança, pois você passa a ver aquele paciente todo mês, ou até mais de uma vez no mês dependendo do quadro de saúde dele (ENF_2).
autores (2019)
Figura 1: Dendograma com frequência percentual das UCE por classe e qui-quadrado das palavras geradas pelo IRAMUTEQ.
Os relatos de Enf_4 e Enf_13 representam a classe 2 e apresentam a relação enfermeiro-pessoa afetada pela TB, com o apoio de outros profissionais e a família (13,56%), representada pelas palavras “apoio”, “procurar”, “família” e “doença”. As falas evidenciam a importância do acompanhamento desses pacientes pela equipe de saúde da família com vistas a minimizar o risco do abandono do tratamento e promover um cuidado holístico, além de destacar o papel dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e técnicos de enfermagem para assegurar maior atenção à saúde.
(...) Quando eu vejo que a relação vai caminhando de forma difícil, aí já vou buscando o apoio da equipe, chamo o ACS, chamo até o médico. Procuro dinamizar a coisa, na tentativa desse paciente se sentir mais protegido. Ele se sente mais assistido e de repente com vários profissionais em cima, ele cumpra com o tratamento (Enf_4).
(...) Na pior das hipóteses eu faço uma chamada para os outros profissionais né o ACS para o técnico de enfermagem e a gente consegue uma maneira de equipe fazer da melhor maneira o atendimento a esse paciente, é isso que a gente sempre busca aqui (Enf_13).
Quadro 1: Classes, palavras e valores estatísticos referentes à Classificação Hierárquica Descendente do corpus textual referente relação enfermeiro-pessoa afetada pela TB.
| Questionamento: Como ocorre a relação entre você e a pessoa com tuberculose? | ||||
|---|---|---|---|---|
| Eixo | Classe | Palavra | X² | Valor de P |
| Relação enfermeiro-pessoa afetada pela tuberculose | 1- Relação estabelecida com base no acolhimento (18,64%). | Acolhimento Familiar Entender Confiança | 12,71 4,81 4,81 4,81 | <0,0001 0,02836 0,02836 0,02836 |
| 2- Relação enfermeiro-pessoa com TB e o apoio de outros profissionais e família (13,56%). | Apoio Procurar Família Doença | 27,35 22,16 7,61 7,57 | <0,0001 <0,0001 0,00581 0,00594 | |
| 3- Relação estabelecida com vistas ao cumprimento do tratamento (20,34%). | Maneira Saúde Medicamento Equipe | 21,63 5,74 5,3 4,19 | <0,0001 0,01653 0,02127 0,04073 | |
| 4-Relação estabelecida para enfrentamento do preconceito diante da tuberculose (13,56%). | Tomar Preconceito Conversar | 20,15 13,82 7,61 | <0,0001 <0,0001 0,00581 |
Fonte: Autores (2019). * p < 0,0001
A Classe 3 foi representada nos relatos a seguir, que tratam da boa relação estabelecida com vistas ao cumprimento do tratamento (20,34%), representada pelas palavras “maneira”, “melhor”, “cumprir”, “saúde”, “medicamento”, “sentir” e “equipe”. As enfermeiras relataram buscar os pacientes para que retornassem ao serviço de saúde e realizassem e/ou concluíssem o tratamento. Assim, tentaram implementar a melhor maneira de prestar um atendimento com qualidade e o cuidado apoiado durante a convivência com os pacientes em seu processo saúde-doença, especialmente quando apresentavam outras morbidades.
(...) De maneira geral o meu relacionamento com a pessoa com tuberculose, eu procuro ter da melhor maneira, porque eu quero esse paciente comigo. Eu quero ele aqui no posto de saúde para que ele possa fazer esse tratamento (Enf_13).
(...) E a gente consegue uma maneira de a equipe fazer da melhor maneira o atendimento a esse paciente, é isso que a gente sempre busca aqui (Enf_13).
(...) Então tem que ter uma boa convivência com eles, dialogando, explicando o melhor caminho que é cumprir o tratamento. Eu tive um caso com hanseníase, com TB também. Ele decidiu que não queria pegar o medicamento no posto (Enf_2).
Por fim, a classe 4 foi representada pelos depoimentos que abordam a relação estabelecida para o enfrentamento do preconceito diante da TB (13,56%), representada pelas palavras “tomar”, “preconceito”, “acompanhar” e “conversar”. Nos relatos, percebeu-se a sensibilidade das enfermeiras em detectar o preconceito que os pacientes sofrem por conta da doença. As mulheres parecem mais comprometidas com o tratamento por medo de transmitir a doença para a família. De toda forma, as enfermeiras buscaram intervir diante o risco de descontinuidade do tratamento e independente do serviço, acompanhando-os quanto à adesão e, quando possível, conscientizando-os quanto aos estigmas, preconceitos e tratamento.
(...) Eu vi que ainda existia ou existe um certo preconceito, um olhar diferente e decidi que aquilo não poderia ter continuidade, pois eles poderiam desistir do tratamento. Então eu busco conversar sobre essa dimensão, sabe (Enf_5).
(...) Tinha a situação que o paciente pegava o medicamento na secretaria, aí eu ia conferir se ele realmente ia todo mês, acompanhava e registrava, então é outra saída. A maioria prefere pegar no posto mesmo, mas em outros casos existe a questão do preconceito (Enf_3).
(...) As mulheres são ainda mais colaborativas, pois são mais abertas pra falar, e de alguma forma eu vejo que se preocupam ainda mais em não transmitir a tuberculose pra os outros membros da casa. Aí fica mais fácil de conversar e sensibilizar (Enf_6).
A seguir, a Figura 2 representa a análise de similitude permitindo visualizar as relações existentes entre os desdobramentos no que diz respeito à relação entre enfermeiro-pessoa afetada pela TB durante a consulta de enfermagem. É possível afirmar que o desenvolvimento da boa relação enfermeiro-pessoa afetada pela TB corresponde à obtenção de êxito no tratamento e, consequentemente, a cura.
É possível visualizar que a palavra relação está envolta dos termos confiança, entender, escutar, falar, dialogar e acolher. Assume-se a interpretação de que por meio do estabelecimento do diálogo é possível o desenvolvimento de uma interação entre enfermeiro-pessoa afetada pela TB e, dessa forma, o tratamento se desenvolve com mais confiança e maior adesão.
Discussão
A presente pesquisa utilizou na Teoria do Alcance de Metas de Imongene King, que descreve sobre a interação enfermeiro-paciente na perspectiva que estabeleçam metas mútuas. Estas se baseiam na identificação e percepção dos problemas, nas alterações na saúde e no partilhamento de informações para que possam ser alcançadas as metas.8
Nesse sentido, na análise da relação enfermeiro-pessoa afetada pela TB, identificou-se que a interação se desenvolve por meio das relações estabelecidas com base no acolhimento; relação enfermeiro-pessoa com TB e o apoio de outros profissionais e familiares; relação estabelecida com vista ao cumprimento do tratamento; e relação estabelecida para enfrentamento do preconceito diante da TB.
Relação estabelecida com base no acolhimento
Os enfermeiros perceberam que a relação com a pessoa afetada pela TB no momento da consulta de enfermagem tem maior significância quando prestam o acolhimento e estabelecem apoio do contexto familiar e com outros profissionais. Além de representar um momento para o desenvolvimento de boa relação com vistas ao cumprimento do tratamento e enfrentamento do preconceito existente diante da doença.
Na prática, essa abordagem ao paciente permite ao enfermeiro estabelecer uma relação mútua que é influenciada pela percepção e reciprocidade,8 assim como foi identificada nos depoimentos das participantes pautados na classe 1 - Relação estabelecida com base no acolhimento, a qual remete que a interação com o paciente se caracterizou pela promoção do acolhimento e confiança durante a consulta de enfermagem, por meio da qual é possível manter uma interação com os familiares. Neste sentido, firma-se um cuidado humanizado que facilita a abordagem singular do paciente, assim como a inclusão da família no processo de corresponsabilização do cuidado.
Segundo a teoria referenciada, de fato, há interação existente entre enfermeiro-paciente durante as consultas por meio das percepções, comunicação e transação. Nesse ato de interagir com o outro, revela-se o que se pensa ou sente, percebe e gera expectativa de um para com o outro e dessa reciprocidade gerar reação para a ação do outro.8
Nesse sentido, quando a consulta de enfermagem na APS tem como base o acolhimento, este representa o momento inicial na responsabilidade dos cuidados de saúde à pessoa com TB. 11 Este achado vai de encontro ao identificado na classe 1, tendo em vista a assistência ser pautada na construção do vínculo, do acolhimento, da humanização, da qualidade e integralidade dos serviços e da resolutividade das ações de saúde.
Relação enfermeiro-pessoa com Tuberculose e o apoio de outros profissionais e familiares
Na classe 2, tem-se a importância do acompanhamento das pessoas afetadas pela TB por uma equipe de saúde da APS, que inclui o ACS e o técnico de enfermagem. Esses profissionais acompanham a adesão dos pacientes ao tratamento e identificam suas necessidades de saúde. Também desenvolverem ações em conjunto com o enfermeiro, possibilitaram a realização de um cuidado integral e auxiliaram na redução do abandono do tratamento.12,13
Diante o exposto, ao usar a teoria de Imogene King, entende-se que a díade enfermeiro-paciente gera um sistema interpessoal, a qual, por sua vez, influencia os sistemas sociais que o cercam. Tal processo de interação entre as pessoas permite o alcance de metas, que se faz por meio da comunicação, observação e intepretação das informações, que possibilita o estabelecimento de relacionamento interpessoal positivo8.
Estudo comparativo realizado com ACS do Rio de Janeiro-Brasil e de Agaro-Etiópia apontou que esses profissionais consideram sua relação positiva com o paciente por apresentarem uma relação próxima e interativa. Além de considerarem que, na prática, a estratégia do tratamento diretamente observado tem potencial para assegurar a adesão ao tratamento.14 De fato, as trocas afetivas mobilizadas na interação da equipe de saúde junto à pessoa afetada pela TB permitem estabelecer um elo entre eles e o serviço. Assim, quando os profissionais de saúde reconhecem as necessidades de saúde dos pacientes, consequentemente, apresentam impacto positivo no cuidado, na adesão e cura da doença.
Relação estabelecida com vistas ao cumprimento do tratamento
No presente estudo, os enfermeiros relataram perceber a necessidade de estabelecer um cuidado apoiado aos pacientes, por meio de uma boa convivência, na perspectiva de que cumprissem o tratamento, especialmente entre os que apresentavam comorbidades e os faltosos como evidenciado na classe.3
Nesses relatos dos enfermeiros, pode-se notar que na prática deveriam atuar em consonância com a Teoria do alcance de metas, a qual destaca a importância de saber como as pessoas interagem com o seu ambiente. Assim, ao considerar o sistema pessoal dos pacientes, os enfermeiros estarão atentos à percepção da imagem corporal, ao tempo, ao lugar e à vida diária.8
Estudo realizado em unidades básicas, do município de São Paulo, Brasil, confabula com o presente estudo, pois aponta que a relação de vínculo entre o profissional e a pessoa cuidada é essencial para decisões compartilhadas decorrentes do seu processo de cuidado, podendo melhorar a aceitação do diagnóstico e promoção da adesão ao tratamento.15 Destarte, a boa relação estabelecida entre o binômio enfermeiro-paciente é de suma importância para auxiliar na recuperação da saúde da pessoa com TB.16
Ademais, os enfermeiros relataram atender àqueles pacientes que não desejavam buscar a medicação no serviço de saúde. Diante o exposto, faz-se necessário a criação de vínculo entre enfermeiro-pessoa com TB, uma vez que as metas, as necessidades e os valores do enfermeiro interferem diretamente e de forma positiva no processo de interação com a pessoa afetada pela TB.17
Salienta-se que, quando o enfermeiro detém o conhecimento e têm habilidade de se comunicar com os pacientes, pode desenvolver um cuidado que subsidie a corresponsabilização e participação ativa.18 Assim, considerando que serão necessários encontros mensais, o enfermeiro deve oportunizar comunicação efetivas a respeito do tratamento e buscar a interação recíproca por meio do cuidado humanizado diante das necessidades de saúde da pessoa afetada por TB e sua família.
Destarte, a importância do apoio e o papel que a família assume durante o enfrentamento da doença, tendo em vista as dificuldades com a realização do tratamento farmacológico ou as reações ocasionadas pelas medicações, além do preconceito e estigma relacionados à doença.19
Na perspectiva de pactuação da adesão ao tratamento, ao considerar a Teoria de Imongene King, ela se baseia na estrutura de sistema abertos, que envolve a interação constante entre todos os envolvidos e tem por intenção o alcance de metas de saúde.9 De modo geral, a adesão ao tratamento é parte da proposta de cuidado clínico à pessoa atingida pela TB, mas demanda da interação com enfermeiro, indivíduo e família para enfrentamento da doença e a cura.
Relação estabelecida para enfrentamento do preconceito diante da tuberculose
Por fim, na classe 4, verifica-se que há uma preocupação dos enfermeiros sobre o enfrentamento de preconceitos que afeta a pessoa com TB. Esse contexto de adoecimento é fortemente marcado por situações de estigma e preconceito.20 Esses fatores podem ser considerados como um ponto de estresse em meio às relações que se desenvolvem nos sistemas interpessoais e sociais.7
Estudos enaltecem a importância de o enfermeiro considerar o preconceito e os pontos de estresse relacionados à TB durante a consulta de enfermagem, pois o estigma e a discriminação repercutem sobre a adesão ao tratamento.21,22
De fato, quando o estresse aumenta nos indivíduos interagindo numa situação, seu campo perceptual é limitado e suas decisões diminuem em racionalidade. Estes fatores estressantes podem levar à redução de interações, de estabelecimento de metas e fragilizar cuidado de enfermagem, uma vez que o sistema pessoal abrange os distúrbios relacionados à imagem corporal real ou imaginária ocasionada por traumas, enquanto o sistema interpessoal da Teoria do Alcance de Metas direciona o enfermeiro para um olhar holístico do paciente8
Diante do exposto, considerando a complexidade clínica da TB, o preconceito e o estigma sofridos pelos pacientes, por sua vez, repercutem sobre a qualidade de vida. Assim, cabe aos enfermeiros observar as respostas dos pacientes quanto a estes estressores e elaborarem uma proposta de cuidado interativo, que proporcione o cuidado efetivo, ajudando os pacientes a compartilharem suas percepções e estabelecerem a melhor resposta ao problema.
Os achados do presente estudo reforçam a importância em abordar na consulta de enfermagem o preconceito diante da TB, pois esse fator pode promover um desequilíbrio entre as relações envolvendo os sistemas interpessoais e prejudicar a interação na díade enfermeiro-paciente.
Sob essa perspectiva, ao considerar o contexto familiar do paciente, os sistemas sociais também podem ser considerados um fator estressor que pode interferir diretamente no processo de saúde-doença da pessoa afetada com TB, em especial, sua adesão terapêutica.
Diante dos fatos, o estudo teve como limitação a descrição apenas da relação interpessoal sob a ótica dos enfermeiros, carecendo, por sua vez, da percepção da pessoa acometida por TB acerca desta temática.
No entanto, o estudo traz a compreensão da realidade da relação entre enfermeiro-paciente, que embora na prática ocorra de maneira empírica, a partir dos relatos, foi possível realizar análise fundamentada na teoria do Alcance de Metas de Imogene King.
Conclusão
A análise da relação enfermeiro-pessoa afetada pela TB tendo como base a Teoria de proposta por Imogene King foi essencial para identificar uma relação terapêutica efetiva entre enfermeiro e pessoa com TB, a qual fortalece o enfrentamento da doença e reforça a adesão ao tratamento medicamentoso.
Ademais, relatou-se a realização do acolhimento, estabelecimento de vínculo e de confiança entre profissional e paciente, os quais foram apontados como essenciais para um bom relacionamento, com vistas ao acompanhamento mensal e à cura da doença.
Além disso, a inclusão da família para apoio nos cuidados de saúde e o vínculo dos enfermeiros com os outros membros da equipe de saúde da família na APS foram aspectos contributivos para o cuidado com o propósito de uma assistência, na busca de contemplar as necessidades. Sendo estas inerentes aos seres humanos, devem ser levadas em consideração na determinação do estado de saúde dos indivíduos, os quais necessitam de boa relação com o enfermeiro, de modo que esse profissional possa considerar aspectos para além da visão biológica.
A utilização da Teoria do Alcance de Metas de Imogene King para a construção do presente estudo demonstrou importante contribuição pelo fato de apresentar vários conceitos dos sistemas pessoal, interpessoal e social, que permitem uma abordagem ampla diante das necessidades de saúde do paciente com TB.
Conflitos de interesse
Os autores declaram que não há conflitos de interesse.
