Introdução
As doenças cardiovasculares (DCV) são vistas como uma grande preocupação para a saúde mundial e têm sido a principal causa de mortalidade global.1 Além da mortalidade, provoca elevada morbidade, impactando na qualidade de vida das pessoas e nos custos para os sistemas de saúde.2 As crescentes epidemias de DCV são consequência de efeitos complexos de mudanças inter-relacionadas no contexto socioeconômico e em ambientes de vida, demografia, estilos de vida, prevalência de fatores de risco e a capacidade de atingir as metas de prevenção e tratamento de DCV.3
A literatura demonstra que o número de mortes relacionadas a DCV se agrava quando o indivíduo possui pressão arterial elevada, glicemia alterada, obesidade, consumo de sal inadequado, menor renda e idade avançada4. Observa-se ainda que a frequência de mortes relacionadas a DCV é maior nos países de baixa e média renda e que o número de óbitos diminui com o aumento do número de médicos e dos gastos com saúde per capita.4 Apesar dos avanços terapêuticos significativos, a falta do seguimento correto está associada com o alto risco de eventos cardiovasculares.5
Mudar os comportamentos de estilo de vida e manter a adesão à medicação é difícil para muitos indivíduos, mesmo que saibam que têm DCV, e no cenário de prevenção primária é ainda mais desafiador gerar motivação suficiente para gerenciar adequadamente os fatores de risco.6 Estudos que modelaram a motivação em intervenções promotoras de estilo de vida saudável mostraram-na como forte fator promotora do seguimento terapêutico.7,8
Recomendações da Lancet para reduzir a carga global de DCV em mulheres incluiu aumentar a conscientização sobre doenças cardiovasculares.9 Porém, mesmo com maior prevalência em mulheres, estudos demonstram a necessidade de maior orientação e conscientização, sobre a importância da promoção e prevenção das DCV e do diagnóstico e tratamento precoce também em homens.10,11,12Essas recomendações podem ser alcançadas a partir de estudos de educação em saúde que abordem os elementos que estruturam a motivação ao tratamento de DCV.
Considerando-se os aspectos abordados, o estudo da motivação permite a compreensão das diferenças individuais que tensionam o comportamento das pessoas. A motivação ao tratamento na saúde cardiovascular ainda é pouco estudada.13 Para a Teoria da Autodeterminação (TAD), a motivação diz respeito a energia, direção, persistência e equifinalidade de todos os aspectos de ativação, intenção e persistência de um comportamiento.14Para a TAD a motivação é caracterizada por fatores intrínsecos, extrínsecos ou sua ausência, constituindo seis diferentes formas de regulação: inexistente, externa, introjetada, identificada, integrada e intrínseca.15 Esses reguladores são descritos na TAD com base em cinco subteorias (teoria da avaliação cognitiva, teoria das necessidades psicológicas básicas, teoria da integração organísmica, teoria da orientação da causalidade e teoria das metas motivacionais). A partir dessas subteorias os reguladores produzem alterações qualitativas na motivação, que se evidenciam na menor ou maior autodeterminação individual para realizar escolhas e agir.16
A partir da TAD, compreender os elementos que estruturam a motivação ao tratamento das doenças cardiovasculares pode impulsionar a elaboração de intervenções mais efetivas. Elementos motivacionais direcionados para o esforço e persistência no tratamento podem ser a base para a prevenção primária ou secundária de eventos cardiovasculares. Além disso, buscas realizadas pelos autores em bases de dados secundárias não retornaram revisões prévias da literatura que compilassem estudos sobre motivação ao tratamento no contexto das doenças cardiovasculares.
A importância do estudo da motivação está na utilização dos dados para subsidiar avanços nesse cenário de saúde, amparando os profissionais na elaboração de planos terapêuticos com foco na subjetividade e satisfação das necessidades individuais de cada pessoa e auxiliando no seguimento adequado de condições clínicas de grande impacto negativo, como é o caso das DCV.
O objetivo dessa revisão integrativa foi identificar os elementos reguladores da motivação ao seguimento terapêutico das doenças cardiovasculares.
Metodología
Esta revisão integrativa da literatura foi realizada seguindo criteriosamente as seguintes etapas definidas por Whitemore e Knafl: identificação do problema, busca da literatura, avaliação dos dados, análise e apresentação.17
Utilizando o acrônimo PVO (P- população: pessoas com doenças cardiovasculares; V- variável de interesse: condições, fatores ou variáveis que motivem o seguimento terapêutico; O- resultados: seguimento do tratamento) foi elaborada a questão de pesquisa: quais os elementos reguladores da motivação ao seguimento terapêutico das doenças cardiovasculares?
As buscas pareadas foram realizadas nas bases de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) via PubMed e Cochrane Library. Os descritores utilizados de acordo com a terminologia MeSH (Medical Subject Headings) foram: motivation, selfmotivation theory, treatment adherence and compliance, cardiovascular diseases. As palavras ''selfmotivation" e "Self-determination''foram utilizadas como linguagem natural para sensibilizar as bases. Com os operadores booleanos AND e OR foi desenvolvida a chave geral de busca: "Motivation" OR "selfmotivation" OR "Self-determination" AND "Treatment Adherence and Compliance "MeSH AND "Cardiovascular Diseases" MeSH. Como os artigos na LILACS e no SciELO estão indexados com resumos e descritores também em inglês, foi realizada adequação da chave geral de busca, utilizado os descritores MeSH em inglês.
Os critérios de inclusão dos estudos foram: estudos que abordassem a motivação ao seguimento terapêutico; com desenho qualitativo ou quantitativo; estudos realizados com pessoas com alguma doença cardiovascular (Ex:. infarto agudo do miocárdio, hipertensão arterial sistêmica, insuficiência cardíaca, etc); escritos em língua portuguesa, inglesa ou espanhola e; para demarcar o período das publicações, previamente, foram realizadas buscas dos últimos cinco anos (entre 2017 e 2021), porém com o retorno de poucos estudos, as buscas foram ampliadas para os estudos publicados entre 2011 a 2020. Foram excluídos os artigos de revisão, reflexão, guidelines, protocolos de pesquisa e artigos repetidos.
A coleta dos artigos foi realizada nos meses de dezembro de 2020 e janeiro de 2021, por dois pesquisadores, em buscas distintas nas bases de dados escolhidas e enviaram as referências para o gerenciador EndNote. Na etapa de identificação foram eliminados estudos duplicados e aqueles que claramente não envolviam DCV ou não eram estudos primários. Posteriormente, foram triadas pela avaliação do título e do resumo, sendo retidos aqueles com DCV, com foco na motivação ao seguimento terapêutico. Os 25 estudos que restaram dessa fase foram recuperados na íntegra e avaliados com base nos critérios de inclusão e aplicados os critérios de exclusão. Após esse processo foram incluídos 19 estudos. Para relatar a seleção das publicações foi utilizado o fluxograma do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA),18 conforme apresentado na Figura 1.
A extração dos dados foi realizada por dois revisores independentes a partir de um instrumento estruturado elaborado para este estudo. Os dados coletados foram: autoria, ano, local, método, amostra, agravo cardiovascular e os elementos reguladores de motivação ao seguimento do tratamento das DCV.
A avaliação da qualidade dos estudos em uma revisão integrativa com quadro de amostragem diversificado é complexa, com utilização de instrumentos de avaliação distintos para cada tipo de estudo ou de critérios bem definidos.17 Nesta revisão, foi aplicado o nível de evidência da JBI como aproximação da qualidade da evidência, uma vez que a classificação final ordena os estudos hierarquicamente com base na qualidade do método.19
A avaliação do nível de evidência dos estudos incluídos foi realizada com base na classificação do Johanna Briggs Institute (JBI).19 Esta classificação possui 5 níveis crescentes de evidência, o nível 1 (estudos experimentais) é o mais elevado e o 5 (opinião de especialista e pesquisa de bancada) o menos elevado. Cada nível possui seus graus de recomendação, o grau ''a''é o mais elevado e o ''e', o menos elevado. Os estudos qualitativos são classificados com a lista ''níveis de evidência para significado''que vai de 1 a 5, sem as letras do grau de recomendação. A classificação final do estudo é composta pelo nível de evidência associado ao grau de recomendação. Este processo foi realizado por dois avaliadores sem troca de informações entre eles. Não houve divergência na classificação dos estudos entre os revisores, não havendo a necessidade de um terceiro revisor.
O elemento-chave de uma revisão é a síntese: que é o processo que reúne o resultado do conjunto de estudos incluídos, a fim de extrair conclusões com base no corpo de evidências.20 Pode ser um processo agregativo ou interpretativo, mas requer transparência, categorização das evidências, além da necessidade de combinar essas categorias para desenvolver descobertas sintetizadas.
As etapas de análise foram: 1) descrição das características; 2) síntese preliminar a partir da identificação dos reguladores de motivação e seus contextos; 3) exploração dos relacionamentos nos dados entre os estudos, identificando as similares e distanciamentos desses elementos.20 No final do processo de síntese, a análise das relações dentro e entre os estudos foram realizadas com base nos reguladores motivacionais identificados. Para facilitar a apresentação, os resultados foram organizados em tabelas. Utilizando a TAD os reguladores identificados nos estudos incluídos foram posicionados nos reguladores a partir das seis subteorias: teoria das necessidades psicológicas básicas, teoria da avaliação cognitiva, teoria da integração organísmica, teoria da orientação da causalidade e teoria das metas motivacionais. Isso ocorreu por aproximação dos conceitos da TAD com a manifestação empírica dos comportamentos encontrados nos estudos incluídos.
Resultados
A apresentação dos resultados dessa revisão inclui uma breve exposição das características dos estudos incluídos (Tabela 1) e a descrição da síntese sobre os elementos de motivação ao tratamento em DCV.
Os estudos são oriundos de doze diferentes países, em sua maioria de alta renda. Os locais mais frequentes de realização dos estudos foram hospitais (48%) e serviços especializados (42%). Apenas um estudo foi realizado na atenção primária. A temática foi mais abordada em estudos qualitativos (36,8%), coortes (26,3%) e ensaios clínicos (15,7%). O número de participantes variou entre 10 e 1.069 pessoas. Esses sujeitos participaram de estudos com foco na prevenção de DCV (37%) e DCV diversas (26%), sendo destaque a hipertensão arterial (11%) e a insuficiência cardíaca (11%).
O nível de evidência dos estudos está na mesma direção das suas qualidades. Dos estudos incluídos, foram três ensaios clínicos com nível de recomendação ''c'', seguido por seis estudos de nível 2, que englobam estudos quase-experimentais. Dez estudos foram classificados como transversais, sendo três no nível 3 e recomendação c, e cinco de nível 4 e recomendação b. Os nove estudos nos níveis superiores de evidência demonstram o interesse dos pesquisadores em estudar a motivação ao tratamento das DVC em desenhos de pesquisa mais robustos.
Na busca para responder à questão do estudo, a Tabela 2 apresenta os reguladores da motivação ao seguimento terapêutico no contexto das doenças cardiovasculares identificadas a partir das evidências encontradas. A categorização dos reguladores convergiu para seis categorias: autodeterminação, suporte social, saúde física, psicoemocionais, sistemas de cuidado em saúde e metas. As categorias foram posicionadas nas subteorias da TAD.
Discussão
A motivação ao tratamento nas doenças cardiovasculares é um construto complexo, com reguladores variados que tensionam os comportamentos dos indivíduos. Através desta revisão observou-se que as pesquisas nessa temática são mais comumente realizadas nos espaços ambulatoriais e hospitalares, pouco avaliando-se os serviços de atenção primária, quando a carga de doenças e as complicações são menores e o profissional possui maiores chances de sucesso nas atividades de promoção da saúde.
Essa dificuldade da promoção da saúde no âmbito de atenção primária ocorre principalmente devido à demanda e cobrança por consultas, processo de trabalho baseado na produtividade, pouca compreensão do conceito positivo de saúde, falta de articulação da equipe e a escassez de recursos.21
Quanto aos aspectos avaliados, os reguladores performam a motivação a partir de características da autodeterminação, suporte social, saúde física, aspectos psicoemocionais, dos sistemas de cuidados em saúde e metas. No âmbito da Teoria das Necessidades Psicológicas foi possível observar na categoria de autodeterminação, que o autocuidado do indivíduo com DCV está ligado ao seguimento
Autor/ano | País | Local | Método | Amostra | Agravo | NE |
---|---|---|---|---|---|---|
Busnelloet al., 201128 | Brasil | Hospital | ECR | 80 pessoas | Prev. DCV | 1.c |
Jurkiewicz; Marzolini Oh, 201123 | Canadá | Serviço especializado | Coorte prospectiva | 14 pessoas | DCV | 3.c |
Martin; Woods, 201229 | Irlanda | Serviço especializado | Qualitativo | 24 pessoas | Prev. DCV | 2 |
Alhalaiqa; Deane; Gray, 201330 | Reino Unido | Serviço especializado | Qualitativo | 10 pessoas | HAS | 2 |
Mair et al., 201327 | Brasil | Hospital | Coorte retrospectiva | 42 pessoas | DCV | 3.c |
Bruun et al., 201422 | Dinamarca | Serviço especializado | Coorte retrospectiva | 1.069 pessoas | Diabetes Mellitus | 3.c |
D'Angeloet al., 201431 | Canadá | Serviço especializado | Coorte prospectiva | 826 pessoas | DCV | 3.c |
Kähkönenet al., 201524 | Finlândia | Hospital | Qualitativo | 416 pessoas | Prev. DCV | 4.b |
Abotalebidariasari et al., 201625 | Iran | Hospital | Qualitativo | 24 pacientes | Insuficiência Cardíaca | 4.b |
Herrera; Moncada; Defey, 201626 | Chile | Hospital | Qualitativo | 51 pessoas | HAS | 2 |
Peleg et al., 201733 | Israel | Hospital | Coorte retrospectiva | 106 homens | DCV | 3.c |
Swinnen et al., 201738 | Bélgica | Hospital | Transversal | 46 pessoas | AVC | 4.b |
O'Connoret al., 201836 | EUA | Ambiente Virtual | Qualitativo | 17 pessoas | Prev. DCV | 2 |
Tinsel et al., 201837 | Alemanha | Atenção primária | ECR | 87 pessoas | Prev. DCV | 1.c |
Deka et al., 201932 | EUA | Serviço especializado | ECR | 30 pessoas | Insuficiência Cardíaca | 1.c |
Harris et al., 201939 | EUA | Hospital | Transversal | 60 pessoas | DCV | 4.b |
Kähkönenet al., 201935 | Finlândia | Hospital | Transversal | 102 mulheres | Prev. DCV | 4.b |
Silva et al., 201934 | Brasil | Serviço especializado | Qualitativo | 12 pessoas | Úlcera Varicosa | 2 |
Hanna et al., 202013 | Israel | Hospital | Qualitativo | 22 pessoas | Prev DCV | 2 |
Fonte: Elaborado pelos autores
Elementos teóricos | Reguladores da motivação | ||
---|---|---|---|
Necessidades Psicológicas Básicas | Autonomia Psicológica | Autodeterminação | Crenças nos benefícios do tratamento e o impacto positivo no bem-estar30. |
Normas subjetivas e controle comportamental percebido, ver a tomada de medicamentos como algo sábio, bom e necessário33. | |||
Autoestima, bem-estar, por observar os benefícios26, percepção de saúde individual35. | |||
Competência Pessoal | Confiança aumentada23. | ||
Força de vontade, autoeficácia, confiança, autogerenciamento da saúde13,22,29,32. | |||
Competência e preferência individual13. | |||
Vínculo Social | Suporte social | Suporte familiar adequado facilita para completar os treinos em casa 23. | |
Circunstâncias de vida com apoio social da família e amigos13,29,22,32. | |||
Apoio de parentes próximos e os resultados do cuidado24. | |||
Colegas participantes e outras pessoas significativas13. | |||
Viagem/conflito de trabalho como barreira para menor seguimento terapêutico27. | |||
Teoria de Avaliação Cognitiva | Saúde física | Redução do índice de massa corpórea após intervenção nutricional28. | |
Problemas musculoesqueléticos reduzidos, manutenção do peso corporal, e aparência melhorada facilitam para completar treinos em casa23. | |||
Menor risco cardiovascular e mais idade são mais motivados a seguir o tratamento(27). | |||
Prevenção ou alívio de irritação relacionada aos sintomas, a melhora em suas condições físicas por realizar atividades de autocuidado, evitar a dependência de outras pessoas25. | |||
Melhora da saúde geral, melhores habilidades funcionais23. | |||
Mais disposição no cotidiano27. | |||
Teoria da Integração Organísmica | Psicoemocionais | Evitar que familiares experimentem agonia e angústia25. | |
Medo de morte, confiar em Deus e atenção à espiritualidade25. | |||
Medo das consequências, aflição, para continuar convivendo com os outros e por agradecimento aos cuidados da família e equipe médica26. | |||
Maior vontade de viver, amor próprio e amor à vida25, 26,39. | |||
Sentir a ameaça de um evento de infarto recorrente13. | |||
Orientações de apego sobre os efeitos das atitudes33. |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Elementos teóricos | Reguladores da motivação | ||
---|---|---|---|
Teoria da orientação da causalidade | Orientação controlada | Sistemas de cuidado em saúde | Profissionais de saúde, equipe de reabilitação cardíaca baseada na comunidade, programas de aulas estruturadas, com exercícios e equipe especializada13,29. |
Capacidade do terapeuta de lidar com a resistência29. | |||
Influência das orientações dadas pelos médicos22,35. | |||
O modelo de regulação do comportamento de exercício promoveu maior senso de autoeficácia com a confiança e o impulso para executar e permanecer comprometido com as rotinas prescritas31. | |||
Apoio dos enfermeiros nos protocolos de tratamento24. | |||
Detalhamento da terapia utilizada, principalmente de novos protocolos e tecnologias, com implementação da realidade virtual38. | |||
Mensagens de promoção ou prevenção como mecanismos regulatórios36. | |||
Educação em saúde por protocolo face a face por meio da internet32. | |||
Apoio informativo, avaliação e aconselhamento relacionado ao autocuidado para fatores de risco, identificação de sintomas, medicação, atividade física, tratamento, acompanhamento e reabilitação35. | |||
Teoria do Conteúdo dos Objetivos | Metas | Sentir melhor qualidade de vida26,34. | |
Desejo de retornar a sua saúde física normal25. | |||
Auxílio à decisão, planejamento de ação e suporte de acompanhamento para pacientes ativam a motivação e auxilia na redução de DCV37. |
Fonte: Elaborado pelos autores.
terapêutico eficaz, onde quanto maior seu conhecimento sobre seu estado de saúde e tratamento, maior sua motivação ao seguimento terapêutico. Dentro desse aspecto, existe ainda uma valorização da independência individual enquanto sujeito ativo no seu processo de cuidado, encarando o tratamento como sua responsabilidade e consciente dos malefícios decorrentes da não obediência ao seguimento.26 Essa subteoria explica que as pessoas possuem necessidades inatas que, satisfeitas, são percebidas como uma condição necessária à sua vida ou essencial ao seu bem-estar.16
Seguindo na mesma categoria, em consonância com a necessidade psicológica básica de autonomia e competência, encontrou-se também uma relação positiva com autoeficácia13,22,24,27,30,31,32e crenças pessoais.25,27,33A autoeficácia provou ser mais relevante durante o comportamento de curto prazo, agindo sobre a motivação, definida pela autodeterminação, para ser mais relevante durante a regulação do comportamento de longo prazo.31 Já as crenças individuais são necessárias para a capacidade de cumprir o prescrito, especialmente quando a terapêutica é algo novo ou desafiador, sendo importante ter estratégias de enfrentamento em vigor para lidar com as barreiras à medida que surgem.27 A autonomia psicológica reflete a necessidade de ser o autor da sua própria ação e, a competência pessoal, a necessidade básica de se sentir capaz de operar efetivamente dentro de seus contextos de vida importantes.16
O suporte social está conectado diretamente à necessidade de vínculo social, atuando como forte influenciador no processo de motivação ao seguimento terapêutico das DCV. Entre os reguladores encontrados, foi um dos mais frequente selecionados, envolvendo familiares, amigos e outras pessoas de importância.
Pacientes com DCV, nos quais verifica-se apoio familiar e de amigos, possuem um grande benefício percebido para aumentar a adesão a programas de tratamentos domiciliares com foco na mudança de estilo de vida e hábitos saudáveis.16,19,20,21,22,23,24O mesmo é perceptível quando associa-se o seguimento terapêutico a questões relacionadas a sentimento de culpa, por querer tranquilizar os familiares e pessoas queridas,25 assim como para manter funções de relevância no bem-estar familiar, como continuar cuidando dos filhos e entes queridos25 e evitar problemas familiares.27
Na categoria de saúde física, os resultados apontaram que os indivíduos que obtiveram retorno positivo da aderência ao tratamento, com melhora sintomatológica ou do estado geral, apresentaram maior motivação ao tratamento. Tal resultado pode ser justificado pelo reconhecimento das pessoas de que o seguimento eficaz da terapêutica proposta traz de fato melhora em sua qualidade de vida. Essa categoria foi posicionada na Teoria da Avaliação Cognitiva, nos comportamentos intrinsecamente motivados, considerando que, se um acontecimento é associado a uma causa mais interna, aumenta o sentimento de autonomia e a motivação intrínseca.
As características pessoais foram relacionadas ainda ao contexto da autonomia, como os aspectos relacionados a manutenção do padrão do IMC ou melhora dos níveis pressóricos, glicêmicos e laboratoriais,23,27a idade avançada e o menor risco para DCV29 e a inexistência ou diminuição de problemas musculoesqueléticos.23
No âmbito das características psicoemocionais, as informações eficazes favorecem o fortalecimento de outra necessidade psicológica, a autonomia, dentro da subteoria da Integração Organísmica, relacionada nesse contexto ao poder de decisão e amor à vida,22 autoestima,23 reconhecimento de melhora na qualidade de vida23,25,26,30,34e bem-estar,26 assim como a capacidade de discernimento para evitar complicações decorrentes do não seguimento.13,25,26Essa subteoria procura compreender em que medida o comportamento não motivado intrinsecamente pode ser autónomo, tendo por base o conceito de internalização e integração.16
Sobre os sistemas de cuidados em saúde, a figura do profissional de saúde e sua atuação foi sinalada como um importante fator dentro da motivação ao tratamento. O apoio ofertado por esse setor vai desde estratégias de educação em saúde32, 35,36,37até o próprio diálogo e orientações repassadas nas consultas de acompanhamento.22,24,26,27,30,35,38Os prestadores de cuidados de saúde foram vistos como uma fonte de apoio externo. Porém, podem ser reguladores negativos da motivação. Acompanhamentos irregulares de longo prazo por médicos ou outros profissionais de saúde dificultam o seguimento terapêutico.13,40O suporte informativo insuficiente por parte dos profissionais é um dos principais motivos para uma compreensão reduzida de fatores de risco e a gravidade das DCV.24 Esses reguladores foram posicionados na subteoria da orientação da causalidade, considerando a investigação das diferenças de regulação dos indivíduos em relação comportamentos controlados. A orientação controlada predomina quando as pessoas realizam a conduta porque pensam que ''devem fazê-la'', compreende a regulação por meio de diretivas externas ou internas e relaciona-se com a regulação externa e introjetada.16
A categoria de metas albergou estudos que explicitaram projeções individuais dos pacientes, como regulador intrínseco25,26,34e o planejamento de profissionais de saúde como regulador extrínseco.37 Essa categoria foi posicionada na subteoria do Conteúdo dos Objetivos, ela surgiu da necessidade de gerar impacto sobre a motivação, o bem estar psicológico e diferenciar as metas intrínsecas e extrínsecas.16 As metas intrínsecas são associadas ao maior bem-estar e sucesso no seguimento terapêutico, sendo um dos alvos principais da mobilização dos profissionais de saúde.
A abordagem realizada pelos profissionais de saúde deve ser pautada para atender as necessidades dos pacientes. Espera-se que o ponto de vista do sujeito seja considerado, a fim de não gerar insatisfação com a terapia prescrita. Deve haver, portanto, uma relação de confiança entre sujeito e profissionais de saúde, independentemente da categoria a qual este profissional pertença. Este relacionamento deve ser entendido com base na reciprocidade de perspectiva, onde o cuidado é um ato de transformação contínua.34
Em suma, no contexto das DCV, observou-se que os fatores motivacionais associados ao seguimento terapêutico encontram sustentação na TAS e em suas subteorias. Os reguladores identificados ligam-se a características subjetivas apoiadas no relacionamento com família, amigos e profissionais de saúde, à autonomia e fortalecimento do protagonismo do sujeito no seu processo de cuidado e na valorização da sua competência em busca do que é almejado.
Quanto as implicações do nível de evidência das pesquisas selecionadas, os resultados de estudos de baixo nível (menor que 3) necessitam ser realizados de forma a atingir um melhor nível de evidência. Os resultados de estudos de alto nível (1) possuem maior segurança para serem aplicados na prática clínica. Os estudos de nível 2, qualitativos, podem ser investigados com outros métodos e técnicas para produção de novas evidências de como a motivação está envolvida com a continuidade do tratamento em doenças cardiovasculares.
As limitações dessa revisão estiveram ligadas ao baixo nível de evidência dos estudos encontrados. A avaliação da qualidade metodológica dos estudos incluídos, não foi realizada, ficando apenas a avaliação do nível de evidência com base no método do estudo que se aproxima da qualidade. Outro aspecto observado foi apenas um estudo realizado na Atenção Primária à Saúde (APS), com a grande maioria realizada no ambiente hospitalar, seguido do serviço especializado, mesmo sendo uma temática sensível às práticas de cuidado na APS. Estas limitações indicam a necessidade da construção de estudos em níveis mais elevados de evidência e no campo da APS.
O referencial utilizado para estruturar as análises dos estudos incluídos permitiu a síntese dos reguladores da motivação ao seguimento do tratamento das DCV. Esses resultados abrem caminhos para novas abordagens na clínica, com foco no sujeito e no seu processo de internalização de valores associados à motivação. A partir desse entendimento, é possível identificar as fragilidades do processo de cuidado, aprimorando as estratégias de enfrentamento, com o intuito de reforçar o apoio para manutenção dos comportamentos favoráveis ao tratamento. Esta pesquisa ainda abre caminho para a utilização dos reguladores na formulação de tecnologias cuidativo-educacionais que promovam seguimento terapêutico adequado de DCV. Além disso, mostrou-se a necessidade da elaboração de estudos que abordem a motivação ao tratamento de DCV na APS.
Conclusões
Neste estudo observou-se que a motivação apresenta em sua essência regulações complexas, que mobilizam e potencializam o comportamento humano, pode direcionar ações intencionais que influenciem no seguimento terapêutico de doenças cardiovasculares.
Os resultados da revisão contribuíram para a explicitação teórica de aspectos relacionados à motivação ao seguimento terapêutico de doenças cardiovasculares, tais como o apoio social, evidenciando a importância das relações interpessoais, bem como das orientações do setor de saúde. O autocuidado, a autonomia e autoeficácia integram fatores de bem-estar e cuidados pessoais, além de relacionarem-se às necessidades psicológicas básicas, sendo as crenças individuais elemento relevante para o cumprimento das descrições terapêuticas.
Os reguladores de motivação identificados nesse estudo podem servir para aprimorar a prática de enfermagem e de saúde através da construção de planejamentos de cuidados individualizados que mobilizem a autodeterminação e controle terapêutico do próprio sujeito. Além disso, mostra a necessidade da construção de abordagens centradas na motivação terapêutica no âmbito da APS em detrimento de níveis mais complexos de assistência à saúde.
Conflito de interesse
Os autores declaram que não há conflito de interesse.