Introdução
Um dos grandes desafios da enfermagem é lidar com os múltiplos estressores com que se depara no seu ambiente de trabalho. São fatores geradores de adoecimento a intensa carga de trabalho, situações inesperadas que geram angústia, além da desvalorização do trabalho, provocando frustração e esgotamento físico e mental do trabalhador.1
A qualidade de vida profissional é um termo que ilustra os níveis de estresse ocupacional e se trata da “qualidade do sentimento de alguém em relação ao seu trabalho como ajudante”. Para Stamm,2 ela é influenciada por três fatores: satisfação por compaixão, burnout e estresse traumático secundário e é mais afetada quando o profissional não consegue mais lidar de forma saudável com os sentimentos negativos que emergem do sofrimento dos pacientes que ele atende.
Estudos sobre esse fenômeno no contexto laboral dos profissionais da saúde3 vem se tornando um tema importante nos últimos anos, compreendendo que a relação de trabalho em saúde está fortemente marcada pela ambivalência nos sentimentos de sofrimento e recompensa durante o cuidado.
A qualidade de vida no trabalho também pode ser afetada por atividades que incluem a realização do cuidado, e isso também acontece com os residentes de enfermagem. No Brasil, a Residência em Enfermagem é uma pós-graduação financiada pelo governo que possibilita treinamento e qualificação profissional do enfermeiro recém-formado ao ser inserido no campo de trabalho. Essa pós-graduação contempla 5760 horas, nas quais 80% da carga horária total é de atividades práticas e 20% de atividades teórico-práticas, de modo que se cumpra uma carga horária de sessenta horas semanais com duração de dois anos.4 Tal carga de trabalho extensa e a alternância dos turnos podem implicar em diminuição de horários de alimentação, lazer, repouso, sono e de contato social e familiar.1
Estudos sobre estresse em residentes mostram prevalências que tendem a superar os 50%.5,6Estudo realizado no Brasil que avaliou o estresse de residentes de enfermagem por meio da escala de Avaliação do Estresse do Estudante de Enfermagem mostrou que os domínios mais prevalentes de estresse foram o de Formação profissional (68%) e Comunicação Profissional (54%).7
Com a recente pandemia da COVID-19, os serviços de saúde foram levados a um cenário de ações e segurança em saúde voltado aos diversos profissionais envolvidos nos cuidados à população.8 Pesquisa chinesa9 verificou que enfermeiros corriam alto risco de exposição ocupacional enquanto cuidavam de pacientes com COVID-19. Dada a extensa carga de trabalho, enfermeiros foram obrigados a usar um conjunto completo de equipamento de proteção, que limitava a respiração.9 O desgaste físico e mental foi maior conforme maior o tempo de trabalho semanal, expôs o corpo a um estado de tensão e fadiga, que de forma contínua e prolongada, pode levar ao esgotamento. A exposição à ansiedade, fator importante para a carga de estresse dos enfermeiros, e o Burnout, relacionado à saúde física e mental, afeta a qualidade e a segurança do trabalho dos enfermeiros,9 categoria em que se incluem também os residentes de enfermagem.
Nesse panorama, as Práticas Integrativas e Complementares de Saúde (PICS) transcendem várias questões e abarcam não só o hábito de vida do indivíduo, mas o seu relacionamento com grupos sociais e familiares, a sua inserção no trabalho e todo seu contexto sociocultural. A análise da literatura demonstra que as PICS podem auxiliar na melhora da qualidade de vida profissional por apresentarem resultados efetivos na redução de tensões, ansiedade e estresse, proporcionando bem-estar, relaxamento e o reequilíbrio energético do corpo como um todo.10 Nesse sentido, as PICS podem ser uma ferramenta para melhorar a qualidade de vida profissional, visto que esta é influenciada pela satisfação e bem-estar do profissional no desempenho das suas funções.11
No Brasil, desde 2006, há uma política pública de saúde nacional que insere o acesso às PICS no sistema público de saúde brasileiro.12 As PICS envolvem abordagens que buscam mecanismos naturais de prevenção de agravos e recuperação da saúde por meio de tecnologias eficazes e seguras, com ênfase na escuta acolhedora, no desenvolvimento do vínculo terapêutico e na integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade.12 Dentre as PICS, encontra-se a terapia floral.
A terapia floral é considerada uma prática terapêutica vibracional que se utiliza de plantas e flores que agem no plano mais sutil da pessoa, auxiliando na harmonização emocional e mental, favorecendo assim o alívio e a recuperação.13 A teoria dos campos quânticos tem permitido gerar hipóteses ainda a serem testadas sobre o mecanismo de ação da terapia floral. Os sistemas aquosos podem modular a função biológica por processarem, armazenarem e recuperarem informações mediadas por sinais eletromagnéticos (informações) que imitam os efeitos de uma determinada matéria, 14 no caso, a flor do sistema de essências florais de Bach por ocasião da permanência da flor imersa em água natural sob a luz do sol. Essas informações tornam-se ressonantes com o domínio de coerência da água e quando administrada favorece a coerência quântica e a assimilação de virtudes pelo indivíduo. “Essa transmissão acontece por meio de uma frequência de energia ondulatória que carrega a 'informação' em ação, e ativa as membranas celulares provocando respostas bioquímicas específicas capazes de alterar a resposta biológica que coordena os neurotransmissores, neuropeptídeos e hormônios, modulando a forma de pensar, sentir e agir”.15
Benefícios são observados no uso de cinco florais associados que compõem a chamada fórmula emergencial, indicada para situações de emergência, crise, estresse, entre outros, como observado na redução de altos níveis de ansiedade situacional em estudantes de enfermagem.16 A fórmula emergencial é composta por cinco essências florais: Rock Rose (Heliantnemum vulgare), utilizada em casos de grande urgência, medo intenso, necessidades extremas, situações que parecem desesperadoras; Impatiens (Impatiens glandulífera), empregada na dor muito forte, impaciência, ansiedade de voltar ao normal ou ficar bem rapidamente, intolerância com quem está ao redor; Cherry Plum (Prunus cerasifera), aplicada para a lucidez em momentos difíceis; Star of Bethlehem (Ornitholagum umbrellatum), auxilia na cicatrização de choques e traumas físicos ou emocionais e Clematis (Clematis vitalba), usada para auxiliar a focar e na recuperação em casos de cansaço e apatia.13
Para o presente estudo optou-se por utilizar a fórmula emergencial com o acréscimo do floral Walnut (Juglans regia), o qual foi chamado neste estudo de FiveW. A associação do Walnut junto à fórmula emergencial justifica-se por ser uma essência recomendada para a adaptação a novas situações que envolvem transições sem perspectivas do resultado futuro e com repercussões sobre o estado físico e mental, como ocorreu durante a pandemia, exigindo uma proteção psicoespiritual diante do sofrimento no atendimento aos paciente acometidos.17
Dada a importância de cuidar daqueles que cuidam, a carência de estudos voltados à qualidade de vida profissional em residentes de enfermagem, o presente estudo objetivou verificar o efeito da terapia floral nos componentes da qualidade de vida profissional (fadiga por compaixão - Burnout e Estresse Traumático Secundário - e satisfação por compaixão) em residentes de enfermagem no contexto da pandemia de COVID-19. A hipótese era que a terapia floral poderia impactar positivamente na qualidade vida profissional.
Metodología
Desenho do estudo e participantes
Trata-se de um estudo piloto, quase-experimental piloto, do tipo antes e depois com follow up, realizado no período de maio/2020 a janeiro/2021 com um grupo de enfermeiros residentes com enfoque da especialização nas áreas de Enfermagem Obstétrica, Pediatria (Saúde da Criança e do Adolescente) e Saúde do Adulto e do Idoso; Cardiologia/Pneumologia e Atenção Clínica Especializada em Neonatologia, de hospitais públicos; e Clínico Cirúrgica, de um hospital privado, sendo todos hospitais universitários do sudeste brasileiro. Participaram os residentes voluntarios que atenderam ao criterio de inclusão: a) ser residente de enfermagem do primeiro (R1) ou do segundo ano (R2) de qualquer especialidade e b) atingir escore > 21 na subescala de Burnout da Professional Quality of Life Scale 4 (ProQOL-4), para incluir os residentes com escore de moderado a grave e poder identificar eventuais melhorias no escore. Essa subescala foi aplicada via e-mail, duas semanas antes de iniciar a pesquisa com os participantes incluídos. Foram considerados critérios de exclusão: a) uso de outra terapia complementar em saúde; b) ivel de tratamento com ansiolíticos e/ou antidepressivos durante a pesquisa; c) gestante ou lactante, por questões éticas de segurança. A interrupção do tratamento ou afastamento durante o período da intervenção foram considerados como perdas. Estabeleceu-se uma amostra de conveniência não probabilística, em que todos os residentes de enfermagem dos hospitais citados foram convidados a participar. Foram recrutados 24 residentes para o alcançar o desfecho de qualidade de vida profissional medida pela escala Professional Quality of Life Scale - ProQOL-4.18
Intervenção
Foi entregue um frasco de FiveW para cada participante, pelas pesquisadoras docentes do presente estudo. A intervenção consistiu na administração do floral, na doce de quatro gotas, quatro vezes ao dia (ao acordar, após almoçar, ao final do dia e antes de deitar-se) ingeridas via oral, por 21 dias. Os participantes receberam um vídeo enviado eletronicamente, producido por duas graduandas, com instruções de uso sobre como usar a fórmula floral. Os frascos da fórmula floral utilizados foram doados por um fornecedor. As próprias pesquisadoras arcaram com os demais custos do estudo.
O acompanhamento da adesão ao tratamento foi feito semanalmente, via telefone, pelas duas graduandas. Todas as participantes iniciaram a intervenção simultaneamente.
Instrumentos de coleta
Foi elaborado um questionário para caracterização sociodemográfica (idade, sexo, especialidade, uso de medicamentos contínuos, alergia, utilização de PICS, histórico de COVID-19 do participante ou da família)).
A escala ProQOL-4 é um instrumento traduzido, adaptado e validado para o Brasil por Lago e Codo,18 que avalia a qualidade de vida profissional, por meio de três subescalas que avaliam dois fenômenos: a Satisfação por Compaixão e a Fadiga por Compaixão, sendo que esta última é composta pelo Burnout e Estresse Traumático Secundário. Quanto menor o escore de Satisfação por Compaixão e maiores os escores de Burnout e Estresse Traumático Secundário, mais sobrecarregada e angustiada a pessoa se encontra no ambiente de trabalho.2 Composta por 28 itens pontuados em escala tipo Likert (1 a 5), sendo que a escala validada apresenta dois itens a menos do que a versão original, os quais foram removidos durante a validação para melhorar as propriedades psicométricas do instrumento. A escala é dividida em três subescalas que avaliam três niveles distintos: Satisfação por Compaixão, Burnout e Estresse Traumático Secundário e sua pontuação varia de 28 a 140. Além dos 28 itens, a parte inicial da escala contém ainda quatro perguntas, denominadas ProQOL-A, ProQOL-B, ProQOL-C, ProQOL-D com respostas do tipo likert. Essas perguntas tem como finalidade caracterizar o perfil de pacientes que são atendidos pelos profissionais que respondem a escala.
Recrutamento e procedimento de coleta
A divulgação da pesquisa aos residentes foi realizada em uma aula do curso de recidencia, por uma pesquisadora docente e pelas duas graduandas. Os interessados foram contatados pelas duas graduandas por meio de endereço eletrônico, para apresentação dos objetivos da pesquisa. Os residentes que consentiram em participar, assinaram eletronicamente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido autorizado pela instituição. Devido a pandemia, o único contato presencial com os residentes foi para a entrega do frasco da fórmula floral.
Foi realizada uma entrevista virtual para aplicação dos instrumentos de coleta de dados com duas graduandas. A escala ProQOL-4 foi aplicada em três momentos: 1) antes do inicio da intervenção (um dia antes das participantes iniciarem a primeira dose), 2) após três semanas de utilização da terapia floral e 3) três semanas após o término da intervenção (follow up).
Análise de dados
Os dados foram digitados em uma planilha do Microsoft Excel® e analizados no software R 4.1.1 (R Core Team, 2021) por profissional estatístico. A escala ProQOL-4 foi analisada como recomendado para a escala original (excluídos os itens removidos na validação para o português): Satisfação por compaixão (itens 3,6,12,16,18,20,22,24,27,30), Burnout (1r,4r,8,10,15r,17r,19,21,26) e estresse traumático secundário (2,5,7,9,11,13,14,23,25). Os itens com a letra ‘r’ referem-se aos itens reversos no momento da análise da pontuação. A análise dos dados utilizou medidas de tendencia central e de variabilidade, a correlação de Tau de Kendall para os itens ProQOL-A, ProQOL-B, ProQOL-C e ProQOL-D com as subescalas, o teste t-Student pareado com o modelo de efeitos mistos para comparar o pré e o pós-tratamento, d Cohen para o tamanho do efeito e as variáveis ‘ter adoecido por COVID-19’, ‘pessoa próxima ter adoecido com COVID-19’, ‘ano’ e ‘especialidade’ da residencia foram utilizadas na análise de interação. Tamanho do efeito avaliado pelo d Cohen. Foi adotado o nivel de significância de 5%.
Resultados
Dos 24 residentes recrutados, cinco não foram incluídos por utilizarem outras PICS (2) ou não atingirem o escore mínimo da subescala Burnout (3) uma vez que tais condições foram consideradas variáveis de confusão. Assim, foram elegíveis 19 residentes, mas houve perda de contato com uma participante e, portanto, 18 residentes iniciaram o estudo. Ao longo do estudo houve duas perdas: uma residente não respondeu um dos questionários e outra iniciou o tratamento com psicotrópicos, perdendo o critério de elegibilidade por ser considerada uma variável de confusão (Figura 1).
A triagem pela subescala de Burnout mostrou média de escore de 26,1 (DP±4,2), correspondente a um nível moderado de Burnout.
Os participantes eram todos do sexo feminino, com idade média de 24,5 (DP±3,0; mediana=24) anos. Metade estavam no primeiro ano de residência e os demais no segundo ano, sendo que nove (56,3%) pertenciam à área de Saúde do Adulto, seis (37,5%) de Obstetrícia e uma (6,2%) de Pediatria (Saúde da Criança e do Adolescente). Todos os profissionais tinham menos de dois anos de atuação como enfermeiros e a carga horária de trabalho diária era de 12h. Sobre o histórico de COVID-19, nove (56,3%) residentes já haviam contraído a infecção, 12 (75,0%) tiveram alguém próximo que adoeceu pelo coronavírus, sendo que quatro (33,3%) desses entes próximos precisaram de internação.
Sobre o trabalho, houve predomínio da resposta “quase sempre ou muitas vezes” no item ProQOL-A (Você atende pessoas que estão em sofrimento?) (n=10; 62,5%) e no item ProQOL-B (Você atende pessoas em risco de vida?) (n=8; 50,0%). Para o item ProQOL-C (Você atende pessoas que passaram por algum evento traumático como por exemplo, abuso sexual, assalto, agressão?) predominou a resposta “algumas vezes ou poucas vezes” (n=12; 75,0%). No item ProQOL-D (Alguns casos que você atende te deixam impressionado?) a maioria das respostas foi “muitas vezes ou algumas vezes” (n=12; 62,5%) (Figura 2).
Observou-se correlação positiva do item ProQOL-A com o Burnout (p=0,039; IC95% (;-0,09; 0,76), do item ProQOL-D com o Estresse Traumático Secundário (p=0,026; IC95% (-0,05; 0,78) e com Satisfação por Compaixão (p=0,047; IC95% -0,11;0,75), no entanto os intervalos de confiança apresentaram larga amplitude com possibilidade de coeficiente negativo.
A análise comparativa antes e depois da intervenção mostrou que a terapia floral auxiliou na redução do escore do Estresse Traumático Secundário (p=0,017) com efeito residual após o follow up. O efeito não pode ser verificado na Fadiga por Compaixão por incluir também a subescala Burnout, a qual não se alterou com o uso da terapia floral (Tabela 1).
ProQOL / Fase | Antes | Depois | Follow up | p (Antes- Depois) | p (Depois-follow up) |
---|---|---|---|---|---|
Satisfação por Compaixão | |||||
Média (DP) | 37,5 (3,6) | 35,7 (4,9) | 35,8 (4,0) | 1,000 | 0,973 |
IC95% | (35,6; 39,1) | (33,2; 37,8) | (33,6; 37,4) | ||
Burnout | |||||
Média (DP) | 25,6 (5,2) | 24,6 (4,9) | 25,9 (4,3) | 0,812 | 0,891 |
IC95% | (23,2; 28,1) | (22,5; 27,2) | (23,8; 27,9) | ||
Estresse Traumático Secundário | |||||
Média (DP) | 21,4 (5,8) | 17,6 (4,7) | 18,4 (5,8) | 0,017 | 0,752 |
IC95% | (15,8; 21,2) | (15,6; 20,0) | (15,8; 21,2) | ||
0,017 0,752 | |||||
Média (DP) | 47,0 (10,2) | 42,2 (9,8) | 44,2 (9,8) | 0,059 | 0,717 |
IC95% | (42,2; 51,9) | (38,3; 46,9) | (39,8; 49,1) |
Para a Fadiga por Compaixão e suas subescalas (Burnout e Estresse Traumático Secundário) observou-se interação com a especialidade do programa de residência (Figura 3). As residentes da área de especialização em Saúde do Adulto e do Idoso apresentaram na
Fadiga por Compaixão uma redução do escore ao final da intervenção (p=0,026), diferentemente dos residentes das demais áreas. Na subescala de Burnout, um residente da área de Pediatria apresentou menor escore do que os participantes das demais áreas (p=0,008).
Para o Estresse Traumático Secundário e Fadiga por Compaixão observou-se interação com a especialidade do programa de residência. Na análise do Estresse Traumático Secundário houve evidência de efeito principal da especialidade (p= 0,044), em que os residentes de Obstetrícia e de Saúde do Adulto e Idoso apresentaram menor escore do Estresse Traumático Secundário ao final da intervenção e muito diferente em relação ao residente de Pediatria. Efeito semelhante foi observado na Fadiga por Compaixão, que soma as subescalas Burnout e Estresse Traumático Secundário (p=0,012).
Com relação ao ano do programa de residência, na Satisfação por Compaixão ocorreu uma redução do escore nas residentes do primeiro ano (p<0,001) em relação às do segundo ano (Figura 4 ). No Burnout, embora a interação da fase com o ano tenha mostrado que as residentes do segundo ano se beneficiaram no uso do floral (Figura 4A), não houve diferença estatística significativa (p=0,058).
As residentes que tinham uma pessoa próxima infectada por COVID-19 apresentaram escores diferentes ao longo do estudo (Figura 4) no Burnout (p=0,004), no Estresse Traumático Secundário (p=0,027) e na Fadiga por Compaixão (p=0,008).
A análise do tamanho de efeito mostrou uma redução relativa de 18% (d=0,74) no Estresse Traumático Secundário após 21 dias de intervenção e de 14% (d=0,53) após o follow up em relação ao momento inicial, considerado um efeito de tamanho médio. O tamanho de efeito para a Satisfação por Compaixão e Fadiga por Compaixão ao final da intervenção também foi médio, 5% e 10% respectivamente.
Discussão
A maioria dos participantes configura um perfil de residente de enfermagem que experimenta sofrimento no trabalho e cuida de pessoas em risco de vida, caracterizando um ambiente propício para sentimentos de insatisfação, exaustão e estresse, relacionados a uma variedade de demandas cognitivas, afetivas e físicas vivenciadas no cotidiano da assistência ao paciente, caracterizando menor qualidade de vida profissional. Estudo sobre estresse em residentes multiprofissionais de um hospital público avaliados pelo Inventário de Sintomas de Estresse para adultos observou uma prevalência de estresse de 78,9%, sendo que 64,3% encontravam-se na fase de resistência.6
Uma revisão sistemática sobre a Fadiga por Compaixão envolvendo 28.509 enfermeiros de 11 países, observou um escore médio de 33,1 para a Satisfação por Compaixão, 26,6 para Burnout e 25,2 para o Estresse Traumático Secundário.19 O presente estudo em residentes mostrou uma média maior para a Satisfação por Compaixão e menor para o Estresse Traumático Secundário. A maior média foi semelhante ao estudo chinês com enfermeiros recém-formados que mostrou uma Satisfação por Compaixão de 37,9 e sua associação com a maior resiliência.20
Inquérito realizado por meio eletrônico com enfermeiros coreanos durante a pandemia mostrou escore médio de Estresse Traumático Secundário de 31,2, considerado moderado, e os fatores que influenciaram o Estresse Traumático Secundário foram cuidar de pacientes com COVID-19 por mais de 30 dias e trabalhar em um hospital não estruturado para o atendimento desses pacientes, e o apoio de um amigo como suporte social foi fator significativo para lidar com o Estresse Traumático Secundário.21
As PICS têm sido adotadas para apoiar os recém-formados em sua transição para o ambiente de trabalho. Uma intervenção com o programa Stress Management and Resiliency Training (SMART) em residentes de enfermagem que visa aprimorar as habilidades individuais de atenção e refinamento de interpretações, mostrou melhora significativa no estresse, na atenção plena e na resiliência, apesar da limitada adesão ao protocolo de intervenção.22
A terapia floral busca desenvolver essas habilidades, a partir da maior percepção de si mesmo, num processo de observar e transformar os padrões de reações diante do que pode desarmonizar o indivíduo. A presente pesquisa, ao verificar evidência de redução significativa, principalmente no Estresse Traumático Secundário, após o uso do composto floral FiveW, reforça achados de literatura16 sobre o efeito das essências da fórmula emergencial em experiências traumáticas vivenciadas no trabalho, como presenciar dor e sofrimento dos doentes. A inclusão da essência Walnut no composto do floral da emergência relaciona-se ao fato deste floral oferecer uma proteção para a sensibilidade aumentada a influências externas,23 no caso o sofrimento do outro, de modo a não perder o foco.
Os conceitos de Burnout e de Estresse Traumático Secundário apresentados por Stamm2 permitem identificar que as essências florais que compõem a FiveW se aproximam mais dos sinais e sintomas verificados no Estresse Traumático Secundário do que no Burnout.
Considerando-se os sintomas psicológicos observados em estudo com residentes multiprofissionais na fase de resistência do estresse, como o pensamento focado em um assunto (52,8%), a dúvida de si próprio (50%), a irritabilidade e a sensibilidade excessiva (47,2%) e na fase de exaustão, o cansaço excessivo (69,4%), vontade de fugir (58,3%) e ansiedade (44,4%),6 observa-se que a fórmula FiveW pode atuar positivamente sobre esses estados.
Ressalta-se a significativa interação da variável ter um ente próximo infectado por COVID-19 nos efeitos da intervenção observados nos escores de Burnout e do Estresse Traumático Secundário, sugerindo que a fórmula FiveW tem potencial de amenizar o desgaste ocasionado por situações catastróficas, como a pandemia.
A redução dos escores na Satisfação por Compaixão surpreendeu, pois esperava-se uma melhora dos sentimentos positivos após a terapia floral. O efeito oposto evidenciado pode estar relacionado ao próprio modo de ação do floral que trouxe à consciência questões emocionais inconscientes, aumentando a autopercepção do residente sobre a realidade, como por exemplo, desgaste biopsíquico sofrido com a profissão que, supostamente, deveria trazer satisfação por ajudar outras pessoas. Esse efeito pode estar associado a uma das flores, o Clematis, que traz o indivíduo de volta para a realidade presente, em segurança, com foco na situação para que se possam tomar decisões.23
A compaixão e a satisfação, como fonte de força, motivam a trabalhar, apesar dos altos níveis de estresse.24 Geram-se assim sentimentos de esperança e otimismo, que estimulam o enfermeiro a seguir em seu papel de cuidador e a enfrentar os aspectos negativos de sua vida profissional. Contudo, o cuidado empático pode levar a internalização de tensões e esgotamento do cuidar.25
Algumas variáveis interferiram nos escores de algumas subescalas do ProQOL-4, como ano e especialidade da residência, e ter uma pessoa próxima infectada por COVID-19. O melhor efeito do floral nos residentes do primeiro ano observado na Satisfação por Compaixão e no Burnout, poderia ser atribuído ao maior tempo dos residentes do segundo ano expostos aos desgastes do cuidar e à intensa carga horária do programa de residência. Empiricamente reconhece-se que a presença de residentes na prática assistencial traz suporte ao downsizing de profissionais de enfermagem, que se tornou ainda mais comprometido pela morte, absenteísmo ou afastamento de profissionais infectados pelo COVID-19.
Revisão de literatura sobre os fatores associados à Fadiga por Compaixão em profissionais de saúde identificou que a insatisfação com o setor de trabalho, a profissão escolhida e a função exercida, foi observada mais frequentemente em profissionais acometidos pela Fadiga por Compaixão, sendo maior naqueles que atuam na assistência direta ao paciente, além da correlação positiva com anos de trabalho em hospital.26
Quando observadas as diferenças na Satisfação por Compaixão e no Burnout entre as especialidades, supõe-se que a diversidade de especialidades na saúde do adulto expõe mais os residentes desse programa a situações estressantes. Estudo transversal norte-americano verificou que profissionais da enfermagem que trabalhavam em unidades de cuidado misto (pacientes de terapia intensiva e pacientes sob cuidados cirúrgicos e cardiovasculares) apresentaram Satisfação por Compaixão mais baixa do que aqueles que trabalhavam somente em uma unidade de cuidado.27 Há uma tendência para enfermeiros que atuam em unidades pediátricas e de obstetrícia apresentarem maior satisfação no trabalho.28
A subescala do Burnout mostrou uma diferença nos escores obtidos na triagem e no início do estudo, sugerindo que os seus itens são influenciados por elementos imprevistos e de difícil mensuração, sobretudo, por se tratar de experiências subjetivas e não constantes. Observou-se um efeito residual da intervenção pelo Estresse Traumático Secundário e por consequência na Fadiga por Compaixão após o follow up.
Citam-se limitações do estudo a pequena amostra de residentes que impossibilita generalizar os achados e enfraquece o poder do teste e a diferença no quantitativo de residentes por especialidade do programa. O próprio contexto de pandemia, instável, promove desgastes emocionais particulares ao profissional da saúde e incomparável a outros momentos sócio-históricos.
Apesar disso, esse estudo contribuiu para ampliar a reflexão sobre como a qualidade de vida profissional dos residentes de enfermagem pode ser afetada pela Satisfação por Compaixão e Fadiga por Compaixão. Após essas reflexões, seria importante investigar uma amostra maior de residentes fora do contexto pandêmico, e até mesmo com enfermeiros não residentes, para observar se o mesmo fenômeno se reproduz.
Conclusão
A fórmula floral FiveW mostrou redução significativa dos escores do Estresse Traumático Secundário, o qual é um dos componentes da qualidade de vida profissional. Nesse sentido, a terapia floral com FiveW contribui como estratégia complementar no manejo da qualidade de vida profissional amenizando os sintomas de estresse relacionados a traumas entre residentes de enfermagem.
Declaração de conflito de interesse
As autoras declaram que não há conflitos de interesses de tipo pessoal, econômico, interinstitucional, nem de outra natureza.