Introdução
A Amazônia é o maior bioma brasileiro com uma área de 4,2 milhões de km², que abrange cerca da metade do território nacional e possui a maior floresta tropical do mundo. O bioma apresenta uma grande biodiversidade e uma quantidade de carbono significativa estocado (38), (33). Nas florestas tropicais da Amazônia, em diferentes estágios sucessionais representam aproximadamente 30 % de sua área total, sendo importantes sumidouros de carbono (C) devido ao rápido acúmulo de biomassa ao longo do tempo (31). A pesar da grande importância deste ecossistema, no nordeste do estado do Pará, 90% da cobertura florestal original foi transformada em floresta secundária pelo desmatamento para abertura de fronteiras agrícolas e da pecuária extensiva (42).
A floresta em sucessão consiste na vegetação arbórea e arbustiva que se desenvolve por meio da regeneração natural, após um distúrbio (natural ou antrópico), alterando a composição e dinâmica das comunidades. Devido à grande redução da área de florestas primárias nos trópicos, as florestas em sucessão exercem um papel fundamental na conservação da biodiversidade (44), (45). A manutenção da produtividade desses ecossistemas está diretamente relacionada à eficiência dos processos de ciclagem de nutrientes, pois a maior parte desses é absorvida pelos vegetais e retornam ao solo através da deposição e posterior decomposição do material orgânico senescente, responsável pela entrada de carbono orgânico no solo (14), (25), (23), (24). Esse material é denominado serapilheira ou serapilheira (21). A formação da camada de biomassa depende da taxa de decomposição deste material, pode variar em função da espécie, idade, estágio sucessional, época de coleta, condições edafoclimáticas, entre outros (11), (15). Esse acúmulo de serapilheira desempenha um papel fundamental no crescimento das plantas, pois disponibiliza nutrientes e matéria orgânica que influencia as propriedades químicas, físicas e biológicas do solo (40), (18).
Para entender o funcionamento e a dinâmica de uma floresta em estágio sucessional inicial, médio ou avançado, é indispensável estudar a produção e decomposição da serapilheira; associando variáveis climáticas a matriz biogeoquímica, principalmente temperatura e precipitação, é possível estudar o comportamento das florestas sob estresse hídrico (27), (28), (16), (46), (37). A quantidade total de serapilheira produzida e sua velocidade de decomposição estão relacionadas ao déficit hídrico no ambiente, precipitação, umidade relativa do ar, temperatura do ar, latitude (20), (35), (37), (47), (49).
Entendemos que a condição do ambiente através do tempo e dos elementos do clima podem modificar o acúmulo de matéria orgânica em florestas tropicais. Desta forma, elabora-se a seguinte hipótese: A sazonalidade dos elementos do clima pode influenciar a deposição de serapilheira, promovendo maior acúmulo de biomassa sobre o solo no período chuvoso.
Portanto, objetivamos avaliar o estoque de serapilheira em função da sozanalidade dos elementos do clima em uma floresta sucessional na Amazônia oriental.
Material e métodos
O estudo foi conduzido em uma floresta sucessional pertencente à Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) localizada na região metropolitana de Belém (RMB) (1°27'5,79"S; 48°26’21,52’’W) (Figura 1 ).
Figure 1. Location map of the study area in a successional forest in the eastern Amazonia.
O clima da região caracterizar-se como quente e úmido com classificação Afi segundo Köppen Geiger, com duas estações bem definidas, uma chuvosa que ocorre de dezembro a maio e outra com menor precipitação pluivométrica no período de junho a novembro (3). A precipitação total anual, conforme normal climatológica é de 2.834 mm com maiores índices pluviométricos nos meses de janeiro a abril. A região apresenta temperatura anual média de 26 °C, variando entre 22,3 °C e 31,4 ºC. O solo da região é classificado como Latossolo Amarelo e a vegetação é florestal tropical pluvial (3). A florestal sucessional da região, apresenta predominância de espécies como Tapirira guianensis Aubl; Jacaranda copaia (Aubl) D. Don; Apuleia leiocarpa (Vogel) J.F. Macbr; Euterpe oleracea Mart e Ocotea fasciculada (Nees) Mez (2).
No ecossistema foi realizada uma amostragem aleatória em três transectos alocados ao longo da perpendicular da linha de borda de 50 m, afim de minimizar o efeito bordadura, em uma área de aproximadamente 2500 m². A coleta da serapilheira em campo ocorreu nos meses de março (período chuvoso) e setembro (período menos chuvoso) do ano de 2017, com intervalo de 6 meses entre as coletas. A amostragem da biomassa (serapilheira) foi realizada em áreas sem intervenções de mecanização, drenagem imperfeita, clareiras e depressões.
Nas amostras coletadas, foram descartados materiais como: rochas, raízes e material lenhoso (>5 cm de diâmetro), com objetivo de reduzir superestimativa dos resultados (13). A coleta foi realizada com um amostrador metálico de 25 x 25 cm, 8 cm de altura, perfazendo 5000 cm3 de volume que permite proceder o corte do material orgânico da serapilheira até a superfície do solo (7); (9); (17). Com isso, foram retiradas 10 amostras aleatórias de serapilheira por transecto, totalizando 30 unidades, sendo o material coletado armazenado em sacos plásticos (Figura 2 ).
Figure 2. Litter collection procedures: A) Allocation of the iron collector; B) Measuring the thickness of the litter with a ruler and pencil; C) Cutting the material using a knife; D) Removal and storage of the litter in a plastic bag, in a successional forest in the eastern Amazon.
O material coletado foi transferido para sacos de papel e colocados para secar em estufa com temperatura de 65 ºC até o peso constante. Posteriormente, o material foi pesado em balança analítica de precisão 0,01 g para a quantificação da massa seca. A partir da área do amostrador foi determinada a quantidade de fitomassa deposicional (AFD) (ecuacion 1 ). Esse atributo foi determinado com base na coleta de 30 amostras pela equação abaixo (19), sendo posteriormente o valor da massa seca (g m-2) transformado em Mg.ha-1.
Em que: AFD= armazenamento médio de fitomassa deposicional (Mg/ha); Ms= massa seca (Mg); S= área do coletor (ha); e n= número de amostras da subpopulação.
A densidade global da serapilheira foi determinada a partir de resultados de massa seca (g) e do volume da amostra (cm³) (ecuacion 2 ).
Em que: p= densidade global (g cm-3); Msl= massa seca da serapilheira (g); e V= volume (cm3) do coletor.
A espessura da serapilheira foi determinada utilizando-se a altura do amostrado, com 4 avaliações por amostra, totalizando 120 por área, considerando 30 amostras no ecossistema (19) (ecuacion 3 ).
Em que: e= estimativa da espessura (cm) da serapilheira; Li= leitura da espessura em cada lado do amostrado (cm); e n= número de leituras por subparcelas.
O volume da serapilheira (m3) foi determinado levando em consideração a área do amostrador (625 cm²) e a espessura média do material no interior do gabarito metálico. O teor de carbono total (Mg ha-1) foi estimado de acordo com Amaral et al. (2), considerando que 48 % do peso da biomassa seca é carbono.
Os elementos do clima: temperatura (C°), precipitação (mm) e umidade relativa do ar (U%), foram obtidos pela estação OMM-82191 de Belém do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) (22).
Para a formulação dos gráficos utilizamos o Software SigmaPlot versão 13.0. Para o teste de normalidade dos resíduos foi utilizado o teste de Kolmogorov-Smirnov, a 95 % de probabilidade, e o teste de homogeneidade de Levene; a hipótese foi testada no programa SPSS (2002) para as propriedades físicas e o carbono da serapilheira acumulada (ANOVA, teste F, a 95 % de probabilidade), complementando a análise da sazonalidade dos elementos do clima (teste t student, a 95 % de probabilidade).
Resultados y discusión
Através da análise da sazonalidade dos elementos do clima, verifica-se que houve diferença estatística na precipitação pluviométrica (F5%=2,205; g.l=4; p=0,009) e na umidade relativa do ar (F5%=0,143; g.l=4; p=0,004), comparando o período chuvoso e menos chuvoso. O mesmo não foi observado para a temperatura, que não diferiu estatisticamente (F5%=0,818; g.l=4; p=0,118) entre os dois períodos, mantendo-se na média de 27° C (tabla 1 ).
A temperatura na estação chuvosa é considerada atípica, apresentando-se 1 °C acima da média histórica de 26 °C. Tal fato pode ser justificado pelo El Niño forte que ocorrreu em 2015 (29), pois segundo Silva (39), este fenômeno pode ter influenciado na variação dos elementos do clima até dois anos após sua ocorrência.
Nos anos de 2015, 2016 e 2017, na estação chuvosa, a precipitação manteve-se acima das normais climatológicas com acréscimo de 38 %, todavia na estação menos chuvosa a precipitação manteve-se abaixo das normais climatológicas com decréscimo de 58 % (Figura 3 ).
Figure 3. Climatological norms (mm) and precipitation-PRP (mm) for the years 2015, 2016 and 2017 in the metropolitan region of Belém.
No mês de março de 2017 a precipitação registrada foi acima das normais climatológicas, evidenciando a presença do La Niña fraco neste ano (29), e a temperatura de 27,1 °C neste mês foi influenciada pelo El Niño forte que ocorreu em 2015. Portanto, os fenômenos El Niño e La Niña influenciam consideravelmente as flutuações anuais dos elementos do clima, e isso pode ser observado nos últimos três anos.
A quantidade de serapilheira acumulada na estação chuvosa (16,46 ± 4,17 Mgha-1) é maior em relação a estação menos chuvosa (13,91 ± 7,61 Mgha-1), porém, não diferem estatisticamente entre si (F5%=2,594; g.l=1; p=0,113), mesmo com a variação significativa da precipitação (Figura 4 ).
Figure 4. Accumulated litter in periods og higher and lower rainfall in function of total monthly precipitation and air temperature, in a successional forest in the eastern Amazon.
A quantidade semelhante de serapilheira acumulada no período chuvoso e menos chuvoso pode ser explicada pela temperatura que não variou significativamente entre os períodos, pois segundo Schlesinger (36), Medina et al. (26) e Pires et al. (32) a temperatura é o elemento do clima que possui maior influência sobre a decomposição da biomassa, e isso favoreceu o similar acúmulo de serapilheira nos períodos estudados.
Alguns estudos também realizados na Amazônia apresentam quantidades semelhantes de serapilheira, encontradas por Araújo (4) em Belém-PA (17,85 Mg.ha-1), por Martins (49) em Paragominas-PA (11,83 Mg.ha-1), por Almeida et al. (50) no Sul da Amazônia Mato Grosso (13,2 Mg.ha-1). Entretanto, em outras regiões do Brasil foram encontrados quantidades de serapilheira, como por Balbinot et al. (5) em Cambará-RS (17,4 Mg.ha-1), por Caldeira et al. (10) em Alegre, ES (14,5 Mg.ha-1), e por Caldeira et al. (8) em Butiá-RS (13,47 Mg.ha-1). Quantidades de serapilheira também podem ser identificadas em outros trabalhos descritos na Tabla2 .
O carbono na serapilheira acumulada no período chuvoso (7,9 ± 2,0 Mg ha-1), não diferiu estatisticamente (F5%=2,594; g.l=1; p=0,113) ao período menos chuvoso (6,6 ± 3,61 Mg ha-1), demostrando que a sazonalidade não influenciou o carbono acumulado, mesmo com a variação significativa da precipitação e a baixa variação da temperatura entre os períodos (Figura 5 ).
Figure 5. Litter carbon stock accumulated in the rainy season as a function of total monthly precipitation and air temperature, in a successional forest in the eastern Amazon.
A baixa variação da temperatura causa deposição similar da biomassa entre os períodos, não promovendo diferenças no acúmulo de serapilheira e consequentemente um semelhante estoque de carbono nos meses de março e setembro no ano de 2017. Assim como, outros estudos na Amazônia que identificaram o teor de carbono na serapilheira descritos por Almeida e Souza (1) em um ecossistema sucessional em Apeú-PA (5,22 Mg ha-1) e por Freitas (50) em Esperantina-TO (4,29 Mg ha-1). Entretanto, em outras regiões do Brasil, em ecossistemas diferenciados, foram encontrados quantidades de carbono na serapilheira por Watzlawick et al. (43) em uma floresta ombrófila mista no Paraná (6,07 Mg.ha-1), e por Balbinot et al. (5) em Cambará-RS (7,7 Mg.ha-1).
O volume de serapilheira acumulada no período chuvoso (26,21 ± 0,92 m³) não difere estatisticamente do período menos chuvoso (24,88 ± 0,92 m³) (F5%=0,772; g.l=1; p=0,383). A espessura da serapilheira acumulada no período chuvoso (4,19 ± 0,92 cm) não difere estatisticamente da espessura no período menos chuvoso (3,99 ± 0,95 cm) (F5%=0,710; g.l=1; p=0,403) (Tabla 6 ).
Figure 6. Volume and thickness of the accumulated litter in the rainy and less rainy periods as a function of the total monthly temperature and the air temperature, in a successional forest in the eastern Amazon.
Valores similares de volume e espessura da serapilheira entre os períodos, são justificadas pela baixa variação da temperatura, onde a camada da serapilheira sobre o solo depende da velocidade de decomposição, além da atividade dos decompositores, da temperatura do ambiente (41), da composição da serapilheira e umidade relativa do ar (%). Resultados semelhantes de espessura são descritos por Almeida e Souza (1) em um ecossistema sucessional em Apeú-PA (3,18 cm).
A densidade da serapilheira no período chuvoso (0,04 ± 0,92 g cm³) não difere estatisticamente do período menos chuvoso (0,034 ± 0,92 g cm³) (F5%=3,739; g.l=1; p=0,058) (Figura 7 ).
Figure 7. Litter density accumulated in the rainy and less rainy season as a function of total monthly precipitation and air temperature, in a successional forest in the eastern Amazon.
Não foi observada diferença estatística entre as propriedades físicas da serapilheira e o estoque de carbono da biomassa (Tabla 3 ) levando em consideração a variação sazonal dos períodos, e essa condição vivenciada exige a avaliação de outras variáveis do ambiente.
A variação significativa da precipitação e da umidade relativa do ar não foram suficientes para provocar alterações consideráveis da biomassa entre os períodos, não aceitando a hipótese proposta no presente estudo. O acúmulo semelhante de serapilheira entre os períodos indica a grande influência da temperatura, pois a mesma manteve-se na média de 27°C nos meses de coleta; isso favoreceu o similar estoque da biomassa nos períodos estudados, demonstrando que a quantidade de serapilheira acumulada possui alta sensibilidade em relação a temperatura do ambiente.
Conclusões
O aumento no volume de chuva influenciou a precipitação e a umidade relativa do ar sazonalmente. Porém, não foi suficiente para alterar as propriedades físicas e o estoque de carbono da serapilheira acumulada no ecossistema sucessional.
A temperatura do ar foi semelhante entre os períodos estudados, devido a influência do fenômeno El Niño, o que promoveu similar estoque de serapilheira nos meses de coleta, e não apresentou uma deposição considerável a ponto de alterar as propriedades físicas e o carbono desta.