Introdução
Com o início dos debates para a redução de gases do efeito estufa, no final da década de 1980, realizado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), várias alternativas foram lançadas para a mitigação das emissões de gases do efeito estufa (GEE), os quais são provenientes principalmente da queima de combustíveis fosseis e florestas, sendo o gás carbônico (CO2) protagonista desse processo. Para estimular os produtores foi estabelecido, a partir do Protocolo de Kyoto, o fomento ao credito de carbono, por meio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) (1).
Dentre os vários serviços ecossistêmicos oferecidos pelas florestas, destacasse a captura de CO2 da atmosfera utilizado no processo da fotossíntese, transformando-o em compostos orgânicos empregados no crescimento e desenvolvimento vegetal (2), (3). Esse tema e de extrema importância, sobretudo para as populações tradicionais, considerando que o entendimento de como as pessoas percebem e valorizam esses serviços e essencial para orientar estratégias de conservação. Embora algumas tecnologias possam ser aplicadas com a finalidade de capturar dióxido de carbono atmosférico, técnica denominada sequestro de carbono, e por meio da fotossíntese a forma mais conhecida e realizada naturalmente pelas florestas (4).
Em meio a várias espécies florestais consideradas sumidouros de CO2, a Hevea guianensis Aubl. (seringueira) oferece vantagens por apresentar um longo período de produção para a extração do látex, que tem carbono em sua composição molecular (C5H8). Dessa forma, o produtor consegue aliar duas atividades rentáveis em uma só espécie (2). A seringueira e uma das principais culturas de arvores de interesse econômico em regiões tropicais do mundo e, no Brasil, especialmente na região do Tapajós, além de uma expressiva ocorrência, a espécie tem uma importância cultural muito forte para a população ribeirinha e se destaca por ser considerada uma alternativa viável de produção para auxiliar na redução de problemas socioeconômicos e ambientais, além de contribuir para a mitigação dos efeitos climáticos em decorrência do sequestro de carbono (5), (6).
Nesse contexto, destacam-se as Unidades de Conservação (UCs) de uso sustentável, que incluem as Florestas Nacionais, cujos objetivos são o uso sustentável dos recursos naturais e a pesquisa cientifica, com ênfase em métodos para utilização de florestas de modo a propiciar as comunidades o desenvolvimento de atividades econômicas (7). No bioma Amazônia as UCs de uso sustentável contemplam uma área de 775.597 km2, sendo 40,30 % dessa extensão direcionada para Florestas Nacionais (8). Inúmeras são as iniciativas de uso sustentável da floresta com expressiva riqueza sociocultural na região Amazônica, a exemplo da Floresta Nacional do Tapajós (Flona do Tapajós), referência nacional e internacional em desenvolvimento local e sustentável (9).
Nesta UC a gestão e realizada com base nas diretrizes do Plano de Manejo construído em conjunto com as comunidades e a extração de látex de seringais nativos e plantados e uma pratica comum entre os ribeirinhos que, além de ser uma opção de geração de renda, trata-se da manutenção da cultura e dos costumes (10). A UC abriga dois grandes plantios de seringueira atualmente desativados, denominado seringal Terra Rica e seringal do Ponte, potenciais prestadores de serviços ecossistêmicos que poderiam fornecer uma renda adicional por meio da venda de credito carbono.
Identificar esse potencial justificou a inovação deste trabalho: a possibilidade de comunidades tradicionais, que vivem em UCs, obterem retorno econômico com o plantio de arvores visando o sequestro de carbono, uma atividade que não e praticada nestes locais. Isso incentiva a população a plantar em áreas alteradas e manter os plantios existentes, tudo em prol da conservação da natureza. Além disso, incentiva o plantio de espécies de uso múltiplo, como por exemplo cumaru, andiroba, entre outras.
Diante do exposto, a seguinte questão cientifica norteou a pesquisa: ha uma variação significativa de incremento de carbono nos seringais? As hipóteses testadas foram: H0 = não ha uma variação significativa do incremento de carbono nos seringais; H1 = ha uma variação significativa do incremento de carbono nos seringais. Esta pesquisa tem como objetivo quantificar o estoque de carbono, considerando-se o uso da madeira, e o potencial para geração de créditos de carbono em plantios de seringueira abandonados na Floresta Nacional do Tapajós, Estado do Para.
Material e Métodos
Área de estudo
A área de estudo contempla o seringal Terra Rica e o seringal do Ponte, com um total de 30,31 hectares de extensão (Lat.: 02o50'08.96''S - Long.: 54o58'29.37''O). Os plantios estão a uma distância de, aproximadamente, 1,5 km, localizados na Flona do Tapajós, Unidade de Conservação Federal localizada no município de Belterra, Oeste do Estado do Para (Figura 1).
Figure 1. Location map of the Terra Rica rubber plantation and Ponte rubber plantation, Tapajos National Forest, Para State.
De acordo com a classificação de Koppen, o clima da região e do tipo Ami, com temperatura média anual de 25,5 °C e umidade relativa media por volta de 90 % (11). O solo da região e caracterizado como Latossolo Amarelo Distrofico, a topografia varia de ondulada a suavemente ondulada e a vegetação e classificada como Floresta Ombrófila Densa (12). Quanto as características dos seringais, estima-se que foram implantados há, pelo menos 70 anos e, embora sejam plantados, apresentam alta variabilidade de espaçamento, diâmetro e altura, que são características comuns em povoamentos mal implantados ou malconduzidos devido à ausência de intervenção (13).
Coleta de dados
Para a caracterização dos seringais foi realizado o inventario florestal 100 %, também denominado censo florestal, que consiste em um levantamento detalhado de todas as arvores presentes na área, planejado com base nas informações disponíveis sobre os plantios, acerca da sua localização e histórico. Foi realizado o inventario 100 % dos seringais no ano de 2013, em que foram incluídas todas as arvores com DAP ≥ 5 cm e foram registrados o número total de seringueiras, a circunferência (CAP) para posterior obtenção do diâmetro a 1,30 m do solo (DAP), em centímetros, e a altura total, em metros. Em 2018 foi realizado outro inventario 100 %, período de 5 anos que os seringais mantiveram-se sem intervenção, registrando novamente o número total de seringueiras e mensurando o CAP e a altura total das arvores. Todas as arvores inventariadas foram consideradas na análise de dados.
Análise de dados
As variáveis dendrometrias foram submetidas a análise estatística descritiva. Ademais, forma selecionadas as seringueiras registradas tanto no primeiro quanto no segundo inventario, e aplicou-se o teste t pareado, a 95 % de probabilidade, para comparar o estoque de carbono entre as medições.
Método de quantificação de biomassa e carbono
Foi utilizada a seguinte equação 1 para o cálculo da biomassa.
Onde: M e a biomassa seca em kg, DAP e o diâmetro a 1,30 m do solo, a = 2,7179 e b = 1,8774 são parâmetros de ajuste das equações alo métricas (14), (15).
Não é eficiente estimar a biomassa e, por conseguinte, o carbono de toda a região amazônica a partir de uma única equação e, por isso, na ausência de equação especifica, uma solução e utilizar a altura dominante do sitio inventariado como fator de correção (15). Assim, calculou-se a altura dominante (Hdom), utilizando a média das 100 seringueiras de maior diâmetro (16), a partir de 10 cm de DAP e, assim, obteve-se a Hdom que foi utilizada para obtenção de um fator de correção (fHdom) para a equação 2 de biomassa seca. Foi utilizado o fator de correção para a altura dos seringais (Hdom = 21,61 m) dividido pela H_dom da Flona do Tapajós (Hdom = 34,33 m) (3).
Para a quantificação de biomassa total foi utilizado, portanto, o modelo de simples entrada, com o ajuste do fator da altura para os seringais.
Onde: M e a biomassa seca em kg; DAP e o diâmetro a 1,30 m do solo; a = 2,7179 e b = 1,8774; fHdom = 0,6295.
A biomassa foi convertida em teor de carbono com referência a metade do peso da biomassa e, para isso, os valores de biomassa seca foram multiplicados por 0,485 para a obtenção do teor de carbono que, posteriormente, foi extrapolado para megagrama por hectare conforme metodologia de (3), (14) e (17), sendo expresso em MgC.ha-1.ano-1. Em seguida, foi realizada a distribuição do estoque de carbono nos anos de 2013 e 2018 por centro de classe dia métrica, partindo de um diâmetro mínimo de 5,0 cm e intervalo de classe de 10,0 cm.
Tendo em vista que o mercado de credito de carbono considera o crescimento da floresta, foi avaliado o incremento periódico anual de carbono (18), possibilitando realizar a sua valoração econômica a partir dos serviços ecossistêmicos prestados pelos seringais.
Conversão de carbono em CO2 equivalente
Considerando que as negociações no mercado de créditos de carbono são realizadas em função do CO2 equivalente (CO2eq), procedeu-se a conversão do carbono em CO2, conforme a metodologia do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), multiplicando-se o total de carbono pela razão do peso molecular do CO2 e do carbono (44/12), isto e, 1 Mg de carbono corresponde a 3,67 Mg de CO2eq (19).
De acordo com o Sistema europeu de negociação de CO2 (20), o preço do CO2 para abril de 2020 estava a 20,20 €. Com o euro equivalendo a US$ 1,08, o preço médio do CO2, em dólar comercial, equivale a US$ 21,89. Assim, converteu-se o estoque de CO2 para US$ 21,89
Mg CO2eq. Para a obtenção da receita anual de créditos, multiplicou-se a redução de CO2(eq).ha-1.ano-1 por 30,31, que corresponde a extensão total da área dos seringais, em hectares.
Resultados e discussão
Em 2013 foram inventariadas 2.965 seringueiras e, em 2018, foram inventariadas 2.927, indicando uma densidade de 97,9 arvores.ha-1 e 96,6 arvores.ha-1, respectivamente. Estatísticas descritivas das variáveis dendrometrias DAP e altura total são apresentadas na Tabela 1. No primeiro inventario, os maiores e menores valores de DAP encontrados foram 89,13 cm e 6,68 cm, respectivamente. Cinco anos depois, os maiores e menores valores de DAP registrados nos plantios foram 96,77 cm e 10,50 cm, respectivamente.
Em 2018, a média da altura total das seringueiras foi menor do que em 2013, e os valores mínimos e máximos dessa estimativa também foram inferiores ao primeiro inventario, resultado este atribuído a ocorrência de mortalidade e recrutamento nos plantios. Além disso, diferentes equipes de inventario estimaram a variável altura total e, portanto, um erro de estimativa deve ser considerado.
A análise descritiva revelou uma heterogeneidade entre as arvores, indicada pela variabilidade dos diâmetros e alturas, demonstrando que, embora sejam plantados, os seringais Terra Rica e Ponte apresentam alta variabilidade, característica de povoamentos malformados ou malconduzidos (13).
Mesmo com a redução no número de arvores em decorrência da morte de algumas seringueiras, os plantios estocaram maiores quantidades de carbono 5 anos após o primeiro inventario, uma vez que foi estimado um estoque de 72,3103 MgC.ha-1, em 2013, e 73,3708 MgC.ha-1, em 2018. O teste t pareado demonstrou diferença significativa no estoque de carbono quando realizada a comparação entre os inventários (p-valor <0,05).
O estoque de carbono encontrado nos seringais avaliados nos anos de 2013 e 2018, assemelham-se ao estimado em um povoamento de Hevea brasilienses de 14 anos de idade no oeste de Gana (21). Os autores encontraram 76,3 MgC.ha-1 de carbono estocado em uma densidade de plantio que variou de 476 a 550 arvores.ha-1. Embora o estoque seja parecido, a densidade e bem distinta, o que e explicado pela idade dos plantios, uma vez que arvores mais velhas tendem a estocar mais carbono (22).
Já no Estado da Bahia, Brasil, foi encontrado um estoque de 68,41 MgC.ha-1 de carbono em seringueiras de uma plantação de 34 anos de idade associada a cacaueiros (23). Estes resultados ressaltam o potencial que os seringais da Flona do Tapajós apresentam para gerar créditos de carbono.
A distribuição por centro de classe de diâmetro evidenciou o acumulo de carbono entre os inventários (Figura 2), com maior concentração entre as classes de 30 a 50 cm tanto em 2013 (78,45 %), quanto em 2018 (76,65 %). Essa distribuição e característica de florestas plantadas, as quais apresentam uma disposição gráfica que se assemelha a uma curva normal, com maior frequência nos valores médios e menor nos extremos (24).
Figure 2. Distribution of carbon stock by center of diameter class in Hevea guianensis Aubl plantations. in the Tapajos National Forest, Para State.
Ao analisar o padrão de distribuição por classe diametrica em uma floresta plantada de seringueira em Rio Branco, no Estado do Acre, Brasil, constatou-se uma maior concentração de indivíduos nas classes centrais da distribuição, semelhante ao identificado neste estudo, o que é característico desse tipo florestal (25).
A Tabela 2 apresenta o estoque de carbono por hectare. A variação de estoque de carbono no período de 2013 a 2018 foi de 1,0605 MgC.ha-1.
Observou-se que, embora os plantios estejam abandonados, houve um aumento significativo no estoque de carbono ao longo dos anos, reduzindo 0,7777 CO2(eq).ha-1.ano-1, possibilitando uma receita de US$ 515,90 ano-1. Esses dados apontam para uma oportunidade de renda, pois não há nenhum projeto voltado para créditos de carbono atualmente na Floresta Nacional dos Tapajós.
No Estado da Bahia, pesquisadores analisaram um consorcio de seringa-cacau de 34 anos e verificaram que os custos com a implantação, manutenção e produção do látex são elevados, mas que ao agregar os créditos de carbono provenientes de seringueiras como receita a ser gerada no consorcio, a atividade se torna mais atrativa ao produtor, principalmente porque é uma atividade que não exige o uso de maquinas e pode ser praticada por pequenos produtores rurais e/ou comunitários (23).
Nesse contexto, o potencial de créditos de carbono avaliado nesse estudo pode oportunizar a geração de renda aos comunitários que residem na Flona do Tapajós que, até o presente momento, não apresenta nenhum projeto voltado para este tipo de produto. Além disso, esta atividade pode contribuir com a conservação da floresta e agregar valor ao látex. Pode ser o diferencial agregar aos seringais o serviço de carbono para elevar o valor da floresta, pois além de contribuir com a conservação, esse serviço ambiental e pouco estudado com viés econômico (3).
Os seringais têm, portanto, um papel importante para a prestação de serviços ambientais e melhoria socioeconômica, uma vez que podem fornecer renda adicional pela venda de credito carbono, gerando para a população tradicional da UC, uma perspectiva favorável de incentivo a conservação florestal (26).