Introdução
A segurança do paciente ao longo dos anos sempre esteve presente como uma preocupação em relação ao cuidado seguro e livre de riscos, alcançando maior destaque a partir do ano 2000, com a publicação do relatório do Institute of Medicine (IOM) To Err is Human: building a safer health system.1 Dados alarmantes desse relatório, em relação ao número de eventos adversos que aconteciam nas instituições de saúde, suscitaram imediatas ações em prol da segurança do paciente tanto em nível mundial quanto nacional.1
Assim, a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2004, lançou o Word Alliance for Patient Safety e, no Brasil, o Ministério da Saúde (MS), em 2013, instituiu o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) por meio da Portaria n° 529 de 1 de abril e a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n° 36, de 25 de julho, visando à implementação de ações para a segurança do paciente.2,3,4No entanto, para uma assistência segura, um conjunto de ações devem ser garantidas nos serviços de saúde, não se pautando apenas pelo conhecimento dos profissionais, mas considerando, sobretudo, a cultura organizacional de segurança.
A Cultura de Segurança do Paciente (CSP) é considerada um conjunto de valores, atitudes, competências e comportamentos que determinam o comprometimentos com a gestão da saúde e da segurança, substituindo a culpa e a punição pela oportunidade de aprender com as falhas e melhorar a atenção à saúde.4 Uma cultura de segurança bem estruturada promove um processo de comunicação adequado, confiança, aprendizado organizacional, comprometimento coletivo em relação aos aspectos de segurança, liderança e abordagem não punitiva ao erro.5
No Brasil, estudos que avaliaram a ocorrência de eventos adversos em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) reafirmam a necessidade de maior atenção a esse setor, devido ao perfil do paciente no que diz respeito a gravidade do seu quadro, uso de procedimentos múltiplos, maior tecnologia envolvida no cuidado, e elevado contingente de recursos humanos envolvidos na assistência.6Como consequência, a ocorrência dos eventos adversos tem sido registrada de forma preocupante variando entre 8% e 34% em hospitais brasileiros.7,8
Um estudo de revisão integrativa identificou a produção científica sobre cultura de segurança na perspectiva da equipe multiprofissional. Os autores localizaram 348 artigos na literatura científica, entretanto apenas 12 foram incluídos por atenderem aos critérios estabelecidos e nenhum desenvolvido no Brasil. A equipe multiprofissional inclui médicos, enfermagem, farmacêuticos, nutricionistas, psicólogos, gerentes, profissionais administrativos, profissionais de laboratório e radiologia. Os autores enfatizam a importância de avaliar a Cultura de Segurança de forma ampliada para minimizar a ocorrência de eventos adversos.9
Em âmbito nacional, estudos que avaliam a cultura de segurança em UTI adulto ainda são escassos e restritos a uma só instituição, além disso, a categoria profissional da enfermagem, frequentemente, tem sido a única classe avaliada. Esses estudos apontam em seus resultados que, nas UTI, a maioria das dimensões avaliadas são classificadas como frágeis. 10,11,12
Estudos da literatura avaliam a cultura de segurança do paciente nos distintos cenários, no entanto, pela práxis acredita-se que variáveis como gênero, idade, tipo de instituição, categoria profissional e tempo de atuação no setor possam ser associadas ao nível de cultura de segurança do paciente.
Diante desse cenário e da escassez de estudos envolvendo a equipe multiprofissional, propôs-se identificar fatores sociodemográficos e laborais associados à cultura de segurança do paciente nas unidades de terapia intensiva adulto em hospitais de grande porte da região Sudeste do Brasil.
Método
Tipo do estudo
Trata-se de um estudo descritivo transversal, multicêntrico, do tipo Survey.
Local do estudo
Os hospitais de grande porte da cidade onde o estudo foi realizado receberam convite para participar da pesquisa. Aqueles que aceitaram, foram incluídos.
O estudo foi realizado em quatro UTIs de adulto de hospitais da região Sudeste do Brasil. Para preservar o anonimato, cada hospital foi identificado com códigos HA, HB, HC e HD. O Hospital A é uma instituição pública estadual, que contabiliza 48 leitos de terapia intensiva; o Hospital B caracteriza-se como uma autarquia vinculada ao estado de Minas Gerais, com 30 leitos de terapia intensiva; o Hospital C é uma instituição universitária que atende única e exclusivamente os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) e possui 18 leitos de terapia intensiva e 19 leitos de unidade coronariana e o Hospital D atende ao público particular e/ou conveniado e possui 40 leitos de terapia intensiva adulto.
Período de coleta de dados
A coleta de dados ocorreu no período de fevereiro a junho de 2020.
Critérios de seleção e definição da amostra
Foram incluídos os profissionais da equipe multidisciplinar que atuam como enfermeiro, técnico de enfermagem, médico ou fisioterapeuta na unidade pesquisada por no mínimo seis meses. Excluíram-se os profissionais afastados do trabalho por critérios de licença médica, férias, licença-maternidade e licença-prêmio no momento da coleta de dados.
Para o cálculo amostral, foi utilizado o método de estimação de proporções para populações finitas com alocação proporcional ao hospital e ao tipo de profissional (Tabela 1). A unidade amostral foi selecionada por meio de amostragem probabilística simples. Os coordenadores assistenciais das UTIs forneceram a lista dos profissionais, designando-se um número para cada profissional, a partir dessa listagem foi feito o sorteio aleatório por uma trabalhadora da instituição externa à pesquisa.
Destaca-se que, em duas das quatro instituições, o alcance da amostra prevista foi impossibilitado, uma vez que ambas interromperam todas as atividades de pesquisa de campo nas UTIs Adulto por tempo indeterminado, devido à pandemia. Dessa forma, a amostra foi reduzida para 168 participantes, resultando em poder estatístico apriorístico de 0,7 não afetando a representatividade da amostra.
HA | HB | HC | HD | Total | |
---|---|---|---|---|---|
Enfermeiros | 11 | 05 | 12 | 09 | 37 |
Técnicos em enfermagem | 52 | 26 | 06 | 28 | 112 |
Médicos | 13 | 13 | 06 | 10 | 42 |
Fisioterapeutas | 11 | 06 | 05 | 07 | 29 |
Amostra | 87 | 50 | 29 | 54 | 220 |
Fonte: Banco de dados dos autores (2022).
H: Hospital
Variáveis do estudo
As variáveis independentes foram as sociodemográficas (sexo e idade) e as laborais (tipo de instituição; categoria profissional: médico, enfermeiro, técnico de enfermagem ou fisioterapeuta; tempo de atuação na UTI; tempo de atuação na profissão e carga horária semanal). A variável dependente foi nível de cultura de segurança do paciente.
Instrumento utilizado para coleta de dados
Empregou-se o Hospital Survey on Patient Safety Culture (HSOPSC), instrumento traduzido e validado para a cultura brasileira. Em 2017, o HSOPSC passou por uma nova adequação transcultural e avaliação psicométrica, com alfa de Cronbach de 0,92. 13,14O HSOPSC é um questionário autoadministrável, que avalia o grau de concordância dos profissionais sobre questões relativas à cultura de segurança, por meio de uma escala Likert de 0 a 4, cujas possibilidades de resposta variam entre discordo totalmente/nunca; discordo/quase nunca; nem concordo, nem discordo/ às vezes; concordo/ quase sempre e concordo totalmente/ sempre. A primeira parte do questionário contém espaço para o preenchimento dos dados sociodemográficos e laborais. O instrumento contém 42 itens, sobre 12 dimensões da cultura de segurança avaliadas no âmbito individual, das unidades e do hospital.15
As dimensões da cultura de segurança do paciente do instrumento HSOPSC são: D1 - trabalho em equipe na unidades/serviço, D2 - expectativas e ações da direção/supervisão da unidade/serviço que favorecem a segurança, D3 - aprendizagem organizacional/melhoria continuada, D4 - apoio da gerência do hospital para a segurança do paciente, D5 - percepção de segurança, D6 - feedback e comunicação sobre erros, D7 - abertura para comunicação, D8 - frequência de eventos notificados, D9 - trabalho em equipe entre unidades, D10 - dimensionamento de pessoal, D11 - problemas em mudanças de turno e transições entre unidades/serviços, D12 - resposta não punitiva aos erros.15
Para a análise dos dados, valeu-se do critério encontrado na literatura que afirma que uma área é considerada forte na cultura de segurança do paciente, quando os itens avaliados obtêm acima de 75% de respostas positivas (concordo/concordo totalmente), ou aqueles cujos itens escritos negativamente alcancem 75% das respostas negativas (discordo/discordo totalmente). A porcentagem estabelecida em 75% é arbitrária, podendo-se optar por uma porcentagem de corte maior ou menor. As áreas que precisam de melhorias são consideradas quando os itens avaliados obtêm menos de 50% de respostas positivas.15
Coleta de dados
A coleta de dados foi realizada pela pesquisadora responsável, os funcionários foram abordados no local de trabalho em turnos e cargas horárias alternadas. Os profissionais elegíveis foram abordados durante os plantões e convidados a participar da pesquisa, com breve explicação sobre os objetivos do estudo, sigilo e anonimato. Após o aceite e assinatura de duas vias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), foi-lhes entregue um envelope com o questionário para preenchimento, que foi devolvido para a pesquisadora no mesmo dia.
Tratamento e análise dos dados
O processo de digitação dos dados foi realizado com dupla digitação independente. O software utilizado nas análises foi o R versão 3.4.4. Na análise do modelo fatorial foi utilizada a medida de adequação da amostra de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), os valores dessa medida variam entre 0 e 1 e a utilização da análise fatorial é adequada aos dados quando o KMO for maior ou igual 0,50, sendo que quanto mais próximo de 1 mais apropriada é a amostra à aplicação da análise fatorial. A confiabilidade do instrumento foi testada por meio da análise de consistência interna, utilizando-se o Alfa de Cronbach (AC) e a Confiabilidade Composta (CC); valores acima de 0,60 no AC ou CC foram considerados indicativos de confiabilidade do constructo.16
A análise dos dados foi realizada por meio da estatística descritiva (frequência absoluta e relativa) e inferencial (Mann-Whitney e Kruskal-Wallis, teste de correlação de Spearman e regressão logística múltipla). O teste não paramétrico foi utilizado porque as variáveis não apresentaram distribuição normal. O nível de significância de 5% (p<0,05) foi adotado para todas as análises.
Para análise dos possíveis fatores associados à cultura de segurança foi empregada a análise bivariada por regressão logística e as variáveis cujo valor de “p” foram menores ou iguais a 0,25 foram selecionadas para a análise multivariada. Posteriormente, as variáveis selecionadas foram ajustadas ao modelo de Regressão Linear com erros padrões robustos e, nesses modelos, foi aplicado o método Backward, que adotou um nível de 5% de significância. Para avaliar a qualidade dos ajustes das regressões lineares, utilizou-se o pseudo R2 de Nagelkerke (1991) e o software utilizado nas análises foi o R versão 3.4.4.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais sob Parecer n° 3.683.789 e CAAE 14845319.9.0000.5149.
Resultados
Em relação à categoria profissional, a maior parte foram técnicos de enfermagem (46,43%), predominantemente do gênero feminino (70,63%), com idade média de 39,97 (± 8,03), tempo médio de atuação no setor de 7,24 anos (± 5,76) conforme Tabela 2.
Variáveis | N | % | Média (DP) | |
---|---|---|---|---|
Hospitais | Hospital D | 55 | 32,74 | - |
Hospital C | 28 | 16,67 | - | |
Hospital B | 50 | 29,76 | - | |
Hospital A | 35 | 20,83 | - | |
Função | Enfermeiro | 29 | 17,26 | - |
Fisioterapeuta | 26 | 15,48 | - | |
Médico | 35 | 20,83 | - | |
Técnico de Enfermagem | 78 | 46,43 | - | |
Gênero | Feminino | 113 | 70,63 | - |
Masculino | 47 | 29,37 | - | |
Contato direto com os pacientes? | Não | 3 | 1,79 | - |
Sim | 165 | 98,21 | - | |
Idade | - | 165 | - | 39,97(8,03) |
Tempo atuação no setor (anos) | - | 168 | - | 7,24(5,76) |
Fonte: Dados dos autores (2022)
Foram testados todos os itens do HSOPSC recorrendo à Análise Fatorial. No modelo inicial na dimensão “Dimensionamento do Pessoal” o item I.7 “a quantidade de profissionais temporários/terceirizados é excessiva, prejudicando o cuidado do paciente?” foi retirado, porque apresentou carga fatorial abaixo de 0,50. No modelo final, todos os outros itens apresentaram carga fatorial acima de 0,50, em todos os constructos, o ajuste da Análise Fatorial foi adequado, uma vez que todos os KMOs foram maiores que 0,50 e todas as dimensões foram unidimensionais pelo critério de Kaiser. Além disso, todas as dimensões apresentaram validação convergente (AVE > 0,40), Alfa de Cronbach (AC) ou Confiabilidade Composta (CC) acima de 0,60.
Pela análise univariada, todas as variáveis que obtiveram valor de p inferior a 0,25 com as dimensões do HSOPSC foram selecionadas para a análise multivariada e ajustadas para o modelo de regressão linear com erros padrões robustos (Tabela 3).
Dos dados apresentados na Tabela 3, a variável gênero e categoria profissional apresentou associação com oito dimensões do HSOPSC, a variável idade com seis dimensões do HSOPSC, a variável hospital obteve associação com todas as dimensões e a variável tempo no setor se associou com quatro dimensões do HSOPSC.
Dimensões | Gênero Valor-p* | Idade r† (valor p†) | Hospital Valor-p‡ | Categoria profissão Valor-p‡ | Tempo no setor r† (valor p†) |
D1 - Trabalho em equipe na unidade/serviço | 0,06 | 0,05 (0,53) | 0,07 | 0,01 | 0,09 (0,27) |
D2 - Expectativas e ações da direção/supervisão da unidade/serviço que favorecem a segurança | 0,13 | -0,14(0,08) | 0,00 | 0,01 | -0,03 (0,71) |
D3 - Aprendizagem organizacional /melhoria continuada | 0,73 | -0,13 (0,09) | 0,00 | 0,14 | -0,05 (0,55) |
D4 - Apoio da gerência do hospital para a segurança do paciente | 0,03 | -0,06 (0,46) | 0,00 | 0,75 | -0,17 (0,03) |
D5 - Percepção de segurança | 0,10 | 0,18 (0,02) | 0,00 | 0,09 | 0,17 (0,03) |
D6 - Feedback e comunicação sobre erros | 0,63 | -0,13 (0,11) | 0,01 | 0,98 | -0,05 (0,55) |
D7 - Abertura para comunicação | 0,48 | 0,01 (0,92) | 0,01 | 0,03 | 0,02 (0,77) |
D8 - Frequência de eventos notificados | 0,13 | -0,09 (0,28) | 0,00 | 0,65 | -0,04 (0,62) |
D9 - Trabalho em equipe entre unidades | 0,93 | -0,12 (0,13) | 0,00 | 0,57 | -0,04 (0,57) |
D10 - Dimensionamento de pessoal | 0,03 | 0,03 (0,69) | 0,00 | 0,07 | 0,01 (0,91) |
D11 - Problemas em mudanças de turno e transições entre unidades/serviços | 0,16 | 0,11 (0,17) | 0,00 | 0,01 | 0,17(0,03) |
D12 - Resposta não punitiva aos erros | 0,09 | 0,08 (0,29) | 0,00 | 0,19 | 0,12 (0,13) |
Fonte: Dados dos autores (2022)
*Teste de Mann-Whitney; †Correlação de Spearman; ‡Teste de Kruskal-Wallis
Na Tabela 4 apresenta-se o modelo final da análise multivariada. Neste modelo foi aplicado o método Backward para seleção final das variáveis, considerando-se um nível de significância de 5%.
A pontuação nas 12 dimensões do HSOPSC aumentou significativamente quando avaliado pelos profissionais do Hospital D, em relação aos participantes dos outros hospitais (p<0,05).
Dimensão | Fator | Modelo Final | ||
---|---|---|---|---|
β | IC* - 95% | Valor-p† | ||
D1 - Trabalho em equipe na unidade/serviço | Hospital D | 1 | - | - |
Hospital A | 0,33 | (-0,61; -0,06) | 0,011 | |
R2 | 1,94% | |||
D2 - Expectativas e ações da direção/supervisão da unidade/serviço que favorecem a segurança | Hospital D | 1 | - | - |
Hospital A | -0,65 | (-0,96; -0,35) | <0,001 | |
Enfermeiro | 1 | - | - | |
Médico | 0,49 | (0,13; 0,85) | 0,008 | |
R2 | 13,67% | |||
D3 - Aprendizagem organizacional /melhoria continuada | Hospital D | 1 | - | - |
Hospital B | -0,39 | (-0,63; -0,16) | 0,001 | |
Hospital A | -0,39 | (-0,65; -0,13) | 0,002 | |
R2 | 6,32% | |||
D4 - Apoio da gerência do hospital para a segurança do paciente | Hospital D | 1 | - | - |
Hospital C | -0,47 | (-0,83; -0,12) | 0,008 | |
Hospital B | -0,81 | (-1,11; -0,51) | <0,001 | |
Hospital A | -0,96 | (-1,29; -0,64) | <0,001 | |
Feminino | 1 | - | - | |
Masculino | -0,29 | (-0,55; -0,03) | 0,030 | |
R2 | 21,91% | |||
D5 - Percepção de segurança | Hospital D | 1 | - | - |
Hospital C | -0,43 | (-0,74; -0,12) | 0,003 | |
Hospital B | -0,54 | (-0,79; -0,29) | <0,001 | |
Hospital A | -0,62 | (-0,90; -0,34) | <0,001 | |
Enfermeiro | 1 | - | - | |
Técnico de enfermagem | 0,40 | (0,10; 0,70) | 0,004 | |
Tempo no setor (anos) | 0,02 | (-0,04; 0,00) | 0,016 | |
R2 | 16,39% | |||
D6 - Feedback e comunicação sobre erros | Hospital D | 1 | - | - |
Hospital A | -0,63 | (-1,00; -0,26) | 0,001 | |
R2 | 4,78% | |||
D7 - Abertura para comunicação | Enfermeiro | 1 | - | - |
Fisioterapeuta | -0,45 | (-0,89; -0,01) | 0,02 | |
Médico | -0,04 | (-0,45; 0,38) | 0,80 | |
Técnico de enfermagem | -0,42 | (-0,77; -0,06) | 0,01 | |
R2 | 4,27% | |||
D8 - Frequência de eventos notificados | Hospital D | 1 | - | - |
Hospital B | -0,87 | (-1,23; -0,51) | <0,001 | |
Hospital A | -0,75 | (-1,15; -0,36) | <0,001 | |
R2 | 12,34% | |||
D9 - Trabalho em equipe entre unidades | Hospital D | 1 | - | - |
Hospital C | -0,65 | (-0,95; -0,34) | <0,001 | |
Hospital B | -0,34 | (-0,60; -0,09) | 0,005 | |
Hospital A | -0,39 | (-0,67; -0,10) | 0,005 | |
R2 | 8,72% | |||
D10 - Dimensionamento de pessoal | Hospital D | 1 | - | - |
Hospital C | -1,08 | (-1,45; -0,71) | <0,001 | |
Hospital B | -0,39 | (-0,71; -0,07) | 0,017 | |
Hospital A | -0,72 | (-1,06; -0,38) | <0,001 | |
Feminino | 1 | - | - | |
Masculino | 0,29 | (0,02; 0,57) | 0,027 | |
R2 | 19,93% | |||
D11 - Problemas em mudanças de turno e transições entre unidades/serviços | Hospital D | 1 | - | - |
Hospital B | -0,27 | (-0,53; -0,01) | 0,026 | |
Hospital A | -0,66 | (-0,95; -0,38) | <0,001 | |
Enfermeiro | 1 | - | - | |
Fisioterapeuta | 0,51 | (0,15; 0,87) | 0,002 | |
Técnico de enfermagem | 0,42 | (0,12; 0,72) | 0,007 | |
R2 | 14,96% | |||
D12 - Resposta não punitiva aos erros | Hospital D | 1 | - | - |
Hospital C | -0,47 | (0,10; 0,84) | 0,031 | |
Hospital A | 0,47 | (-0,81; -0,12) | 0,003 | |
R2 | 9,85% |
*IC: Intervalo de Confiança; †p < 0,05
Quanto à função, observou-se que na categoria médica a pontuação na dimensão “Expectativas e ações da direção/supervisão da unidade/serviço que favorecem a segurança” aumenta quando comparada à de enfermeiros (p=0,008). Nos técnicos de enfermagem a pontuação na dimensão “Percepção sobre segurança” aumenta significativamente quando comparada à dos enfermeiros (p=0,004). Nos enfermeiros, a pontuação na dimensão “Problemas em mudanças de turno e transições entre unidades/serviços” diminui significativamente, quando comparados aos técnicos de enfermagem e aos fisioterapeutas (p=0,007, p=0,002).
Ao observar a variável gênero, verificou-se que a pontuação na dimensão “Apoio da gerência do hospital para a segurança do paciente” aumenta quando é avaliada pelo profissional do gênero feminino (p=0,030). Já na dimensão “Dimensionamento de pessoal” aumenta significativamente quando avaliada pelos profissionais do gênero masculino (p=0.027).
Em cada aumento de um ano no tempo de atuação no setor espera-se que a pontuação da dimensão “Percepção de Segurança” aumente significativamente (valor-p=0,016) 0,02 unidades. Na dimensão “Abertura para comunicação”, não foram encontradas relações estatisticamente significativas.
Discussão
Neste estudo identificou-se os fatores sociodemográficos e laborais associados à cultura de segurança do paciente nas unidades de terapia intensiva adulto em hospitais de grande porte da região Sudeste do Brasil.
A pontuação nas 12 dimensões aumenta significativamente quando avaliadas pelos participantes do Hospital D em comparação aos participantes dos outros hospitais. O Hospital D atende ao público particular ou conveniado. Estudos que avaliaram a cultura de segurança do paciente em hospitais brasileiros com diferentes tipos de gestão, pública e privada, mostraram que hospitais privados apresentaram melhores porcentagens de respostas positivas quando comparado aos públicos. Os autores justificam que a administração privada estimula a cultura de segurança, além de ter melhor estrutura sustentada pelo selo de acreditação hospitalar, entretanto respostas positivas podem estar associadas a inibição da exposição franca dos pontos negativos do hospital.17,18,19
Além disso, trabalhadores de enfermagem de hospital privado identificaram que os valores e as práticas organizacionais permeiam a cooperação no trabalho. Mencionam a valorização dos profissionais que buscam o cumprimento dos objetivos da organização, qualidade e satisfação do paciente.17
Os resultados de estudo de revisão mostraram que hospitais de administração privada acreditados estão em um nível superior sobre a percepção de segurança do paciente em relação a hospitais públicos e não acreditados. Para os autores o envolvimento e a atuação dos líderes e gestores é fundamental para incentivar a equipe a olhar de forma diferenciada ao cuidado, tornando-o seguro.20
No que tange à dimensão “Respostas não punitivas aos erros”, a pontuação diminui quando avaliados pelos participantes do Hospital C em relação aos participantes do Hospital D. Assim, infere-se que, em algumas instituições ainda prevalece uma cultura punitiva, situação que contribui para a diminuição da notificação de eventos adversos, suprimindo a oportunidade do aprendizado a partir do erro.21
A categoria profissional médica teve uma pontuação superior na dimensão “Expectativas e ações da direção/supervisão da unidade/serviço que favorecem a segurança” em relação às outras categorias profissionais. Autores que analisaram a cultura de segurança no ambiente obstétrico hospitalar apresentaram resultados similares.22 Portanto, infere-se que, para a classe médica, há um melhor envolvimento e atuação dos líderes, supervisores e chefias nas ações de segurança do paciente. Entretanto, pesquisa realizada para identificar a percepção de médicos e enfermeiros sobre a cultura de segurança mostrou respostas mais positivas dos enfermeiros, justificado pelas atividades do processo de trabalho serem distintas entre as categorias.23
O presente estudo mostra diferença na “Percepção de segurança” entre técnicos de enfermagem e enfermeiros. A pontuação desta dimensão aumentou quando avaliado pelos técnicos de enfermagem. Acredita-se que a existência dos Núcleos de Segurança do Paciente nas quatro instituições, propiciou aos técnicos de enfermagem, que prestam assistência direta ao paciente, o reconhecimento das melhorias nos sistemas para prevenir os erros. Entretanto, um estudo realizado em um hospital público na região nordeste do Brasil, com técnicos de enfermagem, revelou percepção negativa desta dimensão, justificada pelo mau dimensionamento de pessoal, condições precárias de trabalho e baixo nível de entendimento pelos gestores sobre segurança do paciente.24
A dimensão “Problemas em mudanças de turno e transições entre unidades/serviços”, refere-se a passagem de plantão bem como transferência de pacientes entre unidades. Nesta dimensão, a pontuação do enfermeiro diminuiu quando comparado ao fisioterapeuta e ao técnico de enfermagem. O enfermeiro, por ser o elemento da equipe de saúde que assume a coordenação do planejamento dos cuidados do paciente, consegue identificar os problemas de comunicação, não apenas entre as diferentes equipes dos setores, mas também entre aquelas de uma mesma unidade.18 A passagem de plantão pode ser comprometida por diferentes fatores como o aumento de carga de trabalho, omissão de dados de pacientes, interrupções e conversas paralelas.25 Para os enfermeiros a comunicação efetiva entre as unidades se apresenta como um desafio e, portanto, denota a demanda de padronizar informações para garantir a continuidade do cuidado seguro.26
Ao associar a variável gênero com as dimensões do HSOPSC, verificou-se que a pontuação na dimensão “Apoio da gerência do hospital para a segurança do paciente” aumenta quando avaliado pelo profissional do gênero feminino. Esse resultado pode ser devido à predominância dos participantes do sexo feminino neste estudo. Já o gênero masculino avalia melhor a dimensão “Dimensionamento de Pessoal” na instituição foi adequado, ou seja, pressupõe-se que, para os homens, o quantitativo de funcionários foi o suficiente para lidar com a carga de trabalho nas unidades de cuidado intensivo. Ainda são incipientes os estudos relacionados a gênero e cultura de segurança, por esse motivo, uma comparação direta com os resultados obtidos na presente pesquisa é arriscada.
A cada ano a mais de tempo de atuação no setor espera-se que a pontuação na dimensão “Percepção de Segurança”. Infere-se que quanto maior o tempo de atuação do profissional no setor, maior será a adesão às medidas de segurança. Resultados similares foram encontrados em estudo que analisou a cultura de segurança no contexto obstétrico. Os autores referem que o maior tempo de experiencia profissional está associado a maiores percepções de cultura de segurança do paciente, a cultura de segurança.27
Estes resultados devem promover reflexões para o avanço da enfermagem nas instituições públicas no que diz respeito ao fortalecimento da cultura de segurança do paciente.
A limitação deste estudo está relacionada à participação de apenas um hospital privado. O tamanho da amostra inicial não foi alcançado devido às restrições impostas pelos hospitais durante a epidemia da COVID-19. Embora o estudo tenha contado com a participação de quatro instituições hospitalares, as características podem variar entre diferentes regiões do país.
Conclusão
Neste estudo constatou-se que as variáveis, tipo de hospital, categoria profissional, gênero e tempo de atuação foram associados à cultura de segurança do paciente quando aplicado o Hospital Survey on Patient Safety Culture.
Sugerem-se outras investigações que insiram ferramentas de fortalecimento da cultura de segurança no ambiente da terapia intensiva, uma vez que somente assim será possível garantir um ambiente seguro para as práticas executadas.
Conflito de interesse
Os autores declaram não haver nenhum tipo de interesse econômico, social, pessoal ou de trabalho.