Introdução
Os bambus possuem cerca 1400 espécies (1), (2), divididas em 115 gêneros pertencentes à família Poaceae (Gramineae), subfamília Bambusoideae (1). Em nível mundial, o gênero detém grande importância econômica no setor florestal, devido a diversificação de aplicações, englobando: celulose e produção de papel, biocombustível, construção civil e bioengenharia, extração de amido, fabricação de móveis, alimentação, uso medicinal, artesanato, indústria farmacêutica, energia entre outras (3, 4, 5, 6).
No Brasil possui cerca de 200 espécies entre nativas e exóticas, constituindo o país com maior ocorrência de bambu no continente Americano. A grande maioria é endêmica, e possui potencial nos diferentes setores e atividades socioeconômicas, todavia, há a necessidade de ampliar o conhecimento técnico-científico com relação à propagação do bambu (7)
Existem lacunas quando se trata de produção de mudas das espécies de bambús nativos via sementes, uma vez que estas possuem uma grande variação nas estratégias reprodutivas, e por sua vez, necessitam de dezenas de anos para o desenvolvimento de suas estruturas florais, e seu ciclo de vida terminar com a morte da planta após o florescimento, com período vegetativo variando entre 3 a 120 anos (8). Devido a estas características, existe uma diversidade de métodos de propagação do bambu, especialmente em viveiros, sendo a propagação assexuada a mais utilizada para a multiplicação do bambu (8), (9).
Para obtenção de mudas de qualidade é necessário um substrato com boa fonte orgânica, que retenha umidade e bom fornecimento nutricional, sendo fatores essenciais para o desenvolvimento das mudas na propagação de bambu (10). Todavia, ainda é necessário desenvolver e aperfeiçoar técnicas relacionadas à confecção de mudas de bambu, visando aumento da produção e da qualidade.
Desta forma, estratégias para reutilização de resíduos são cada dia mais difundidas, na tentativa de controlar os transtornos causados pela crescente produção de resíduos sólidos, e o lodo de esgoto constitui uma excelente fonte de matéria orgânica, podendo, desta forma ser incorporado ao substrato (10). Na produção de mudas, seja para plantios comerciais, recuperação de áreas degradadas ou recomposição de florestas, o uso de tecnologias alternativas que reduzam os custos de manejo no viveiro e que possam garantir a qualidade das mudas é de extrema importância.
Pesquisas com o uso do lodo pode beneficiar tanto na produção de mudas florestais quanto na utilização sustentável dos resíduos sólidos, uma vez que trata-se de uma alternativa que atende os princípios do desenvolvimento sustentável, subsidiando fonte alternativa ambientalmente correta e economicamente viável para um problema recorrente e atual nas cidades brasileiras, que é a destinação final dos resíduos produzidos pelas mesmas. Nesse contexto, nosso objetivo foi avaliar o efeito da incorporação de lodo de esgoto no substrato de produção de mudas de Bambusa vulgaris var Schrad. ex Wendl propagadas via estaquia.
Material e métodos
Descrição geral do local
O experimento foi desenvolvido no Viveiro do Departamento de Engenharia Florestal, na Fazenda Água Limpa - FAL, localizada nas coordenadas 15º56'S e 47º46'W, com altitude de 1.100 m. De acordo com a classificação de Köppen, o clima é do tipo Cwa (tropical chuvoso, com verões chuvosos e invernos secos) (11), com temperatura média anual entre 15°C e 30°C e umidade relativa do ar de até 15% (12).
Delineamento e material vegetal
Foi utilizado o Delineamento Inteiramente Casualizado (DIC), com três tipos de propágulos: P1: disco do colmo contendo 1 (uma) gema não brotada, P2: gema primaria brotada obtida da região média e/ou extremidade dos colmos, P3: estaca com 15 cm de comprimento e 5 a 6 cm de diâmetro de gemas secundárias (Figura 1). Cada propágulo foi submetido a cinco dosagens diferentes de lodo de esgoto (0, 10, 30, 50, 70%) e cada tratamento constituído por 30 repetições, totalizando 450 amostras.
Figure 1. Bambusa vulgaris propagules used in the production of seedlings by cuttings. (A): Culms disc; (B): Primary yolk; (C): Cuttings.
Recipientes e substrato
Os recipientes utilizados foram sacos plásticos de polietileno preto, nas dimensões de 20 cm x 35 cm e espessura de 0,15 mm, preenchidos com substrato composto por solo oriundo de horizonte B, peneirado, misturado com lodo de esgoto, em diferentes quantidades.
O lodo foi obtido junto à Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (CAESB), produzido através de um sistema de tratamento em nível secundário, onde é tratado em digestores que possuem função de estabilizar a matéria orgânica (Tabela 1).
Coleta do material vegetal, recipientes e irrigação
A coleta dos colmos foi realizada em uma touceira de Bambusa vulgaris var Schrad. ex Wendl, localizada na entrada principal da Fazenda Água Limpa, abatidos com auxílio de motosserra, e posterior divisão dos três tipos de propágulos (Figura 1). Os recipientes, foram acondicionado em canteiro, a pleno sol, e o plantio dos propágulos foi realizado imediatamente após o beneficiamento dos colmos (corte e separação), evitando a murcha dos propágulos. A irrigação foi realizada duas vezes ao dia (manhã e tarde).
Avaliações e análise estatística
As avaliações referentes ao crescimento da parte aérea foram realizadas em dois períodos aos 30 e 90 dias após o plantio, onde avaliou-se os parâmetros morfológicos relacionados ao número de brotos (NB) e altura dos brotos (HB). O NB foi obtido a partir da contagem direta, e a HB com auxílio de régua graduada em centímetros. Aos 90 dias, além da dos parâmetros morfológicos da parte aérea, foi avaliado também a massa seca da parte aérea e o sistema radicular. Para a obtenção da massa seca dos brotos raízes (g), realizou-se a pesagem, após a secagem do material em estufa por 72 horas a 65ºC, com auxílio de uma balança eletrônica de precisão.
Os dados obtidos foram submetidos à Análise de Variância (ANOVA) (α=0,05) e, constatada a significância entre as interações dos fatores testados, as médias foram submetidas ao teste de Scoth & Knott, utilizando SISVAR Statistical Software v. 5.6 (13).
No experimento II, foi avaliado o efeito do sombreamento nas mudas para superação da dominância apical na indução de brotações. Para isso, as mudas foram podadas a 30 cm da região do colo e mantidas em casa de sombra (Figura 1b) (50 % de sombreamento) ou a pleno sol, ambas irrigadas por 30 minutos, 4 vezes ao dia. No experimento III, avaliou-se o efeito de diferentes alturas de poda na indução de brotações. As mudas foram podadas a 30 ou 60 cm da região do colo e mantidas a pleno sol, com irrigação por 30 minutos, quatro vezes ao dia.
Após 60, 90, 120, 150 e 250 dias da implantação dos experimentos, foram avaliadas as variáveis número, comprimento (cm) e diâmetro (mm) das brotações epicórmicas com mais de 2 cm de comprimento (Figura 1d). Os dados referentes a cada um dos experimentos foram submetidos ao teste t-Student para comparação de amostras independentes (p <0.05) (16).
Resultados e discussão
A análise de variância revelou significância na interação nos dois períodos de avaliação do experimento (30 e 90 dias), demostrando que o tempo de avaliação possui influência sobre as variáveis analisadas (Tabela 2).
A dosagem de lodo de esgoto mais indicada para disco do colmo (P1) aos 30 dias após o plantio foi de 30%, com alturas das mudas superior nesta dosagem quando comparadas com os demais propágulos nos dois períodos (Figura 2A). Para tanto, é importante ressaltar que o disco de colmo (P1) apresentou altura superior em todas as dosagens de lodo de esgosto que os demais propágulos. Já os demais tratamentos não obtiveram resultados favoráveis para a altura 30 dias após o plantio. Nota-se que no P2 (Gema primária), no último período, aos 90 dias, as dosagens de 50 a 70%, resultou em um aumento significativo na altura das plantas, mas ainda assim, não superior ao P1 que alcançou a maior altura com 30% de incorporação de lodo de esgoto tratado nos dois períodos.
Figure 2. Average values of the height of shoots of Bambusa vulgaris seedlings. (A): 30 days; (B): 90 days. Means followed by the same letter do not differ statistically from each other by the Scott-Knott test (at the 5% probability level). P1: Culms disc; P2: Primary yolk; P3: Cutting.
A relação entre crescimento em altura e porcentagem de incorporação de lodo, também verificada em outros estudos, com uso do lodo de esgoto em substrato para produção de mudas de Plathymenia reticulata Benth, do qual os pesquisadores verificaram similarmente que mudas com menores quantidade de lodo apresentaram altura superior que as de maiores concentrações (14). No entanto, pode-se afirmar que a espécie Bambusa vulgaris apresenta comportamento diferenciado quanto à altura das mudas ao verificar o tipo de propágulo e a dosagem de lodo contida no substrato, o que também foram verificados em trabalhos que utilizaram incorporação de lodo de esgoto ao substrato para produção de mudas.
Verificaram um crescimento em altura das mudas conforme aumenta-se da dosagem de incorporação de lodo segundo os autores (15), estudando Schinus terebinthifolius, (16), em Tectona grandis, Da Silva et al. (17), na aplicação de lodo de esgoto em cana-de-açucar, Rodrigues et al. (18) em mudas de mamona e Freitas et al. (19) na aplicação de lodo de esgoto em mudas de diferentes espécies de interesse comercial na área florestal.
Hurtado et al. (20), avaliando o efeito das características das plantas cultivadas in vitro de Bambusa vulgaris na fase de aclimatação, contataram que a altura das plantas foi a característica morfológica que mais influenciou em sua sobrevivência, durante a fase de aclimatização. Os pesquisadores verificaram que as maiores plantas apresentaram as maiores porcentagens de sobrevivência, maior altura, número de raízes e número de brotos por planta. Para tanto a presença de raízes não foi diretamente relacionado à resposta de plantas na fase de aclimatação
A dosagem com 10% de incorporação proporcionou maior número de brotos durante o período de avaliação do experimento nos propágulo disco de colmo (P1), com valores superiores em relação aos demais nos dois períodos (30 e 90 dias). Todavia, aos 90 dias, dosagens acima de 50 % proporcionaram menor número de brotos, resultado considerado não vantajoso para tais dosagens. Para os demais propágulos (gema e estaca), não foi verificada diferença estatística independente da dosagem de incorporação de lodo de esgoto ao substrato (Figura 3).
Figure 3. Average values of the number of shoots of Bambusa vulgaris seedlings. (A): 30 days; (B): 90 days. Means followed by the same letter do not differ statistically from each other by the Scott-Knott test (at the 5% probability level). P1: Culms disc; P2: Primary yolk; P3: Cutting.
Nos dois períodos de avaliação, para o propágulo disco de colmo (P1), a testemunha (sem incorporação) apresentou números de brotos inferiores às dosagens entre 10 e 30% de incorporação, demonstrando que a quantidade de lodo em menores proporções não foi prejudicial no desenvolvimento desta variável, para o propágulo 1.
Azzini e Salgado (21), estudando Bambusa vulgaris por meio de placas de colmo contendo gema primária constataram que este tipo de propágulo foi o mais indicado para o plantio do que de pedaços de colmos com gemas secundárias. Sousa (22), também verificou que os maiores números de brotos foram encontrados no propágulo disco de colmo.
Verifica-se também, que o disco de colmo (P1) possui uma melhor capacidade de sobrevivência em campo para as condições testadas por ser um propágulo mais végeto que os demais, podendo ser atribuído a maior quantidade de nutrientes. Estudo de Mendes et al. (23) destacam que bambus apresentam diferenças nas concentrações de nutrientes na parte aérea, ou seja, a quantidade de nutrientes varia conforme o ambiente, parte da planta, idade, genótipo e entre outros. Ressalta-se ainda, que a permanência de brotos em propágulos favorece o surgimento de raízes aumentando os índices de sobrevivência e estabelecimento das mudas (24).
Observa-se também, que o número de gemas resultou na brotação diversificada entre o tipo propágulo utilizado, e a quantidade de número de nós utilizados nas estacas implica diretamente na brotação dos propágulos, e que pode constituir uma alternativa que garante maior potencial de desenvolvimento das mudas, sendo fundamental na sobrevivência dos propágulos (24). A análise de variância do peso seco da parte aérea e raiz, apresentou significância entre a interação dos dois fatores para as duas variáveis (Tabela 3).
Apesar de ser um método destrutivo a matéria seca deve ser considerada, uma vez que é um indicador da rusticidade das mudas (25, 26, 27, 28). Os maiores valores médios da massa seca da parte aérea foram obtidos para o propágulo P2 (gema primária) na dosagem de incorporação de 70% de lodo de esgoto, seguido de P1 (disco de colmo), nas dosagens de incorporação de 10 e 30 (Figura 3).
Figure 4. Average values of the shoot dry mass of Bambusa vulgaris. The means followed by the same letter do not differ statistically from each other by the Scott-Knott test at the level of 5% probability. (A): Culms disc; (B): Primary yolk; (C): Cuttings.
O propágulo 2 (estaca com gema primária), obteve considerável resultado massa seca da parte aérea com a dose de incorporação de 70% de lodo, aos 90 dias, fato que pode ser comprovado também quando analisa-se a altura dos brotos demostrados na figura 1 (B), aos 90 dias, onde obteve maior altura para este propágulo. No geral, os bambus, apresentaram maior vigor da parte aérea, quando comparados ao sistema radicular, uma vez que os propágulos podem conter nutrientes armazenados, ocasionando a permanência dos brotos, e favorecendo o crescimento dos mesmos.
A massa seca da raiz, apresentou valores baixos, nos tratamentos P1 e P2, com exceção da incorporação de lodo a 70%, o que sugere a necessidade de maior tempo de avaliação no desenvolvimento e estabelecimento das mudas de bambu em viveiro, já que o tratamento P3, não apresentou sistema radicular em nenhuma das repetições (Figura 4).
As raízes do propágulo 2 (gema primária), a 70% de incorporação, apresentaram maior expansão que as demais dosagens, e também que os demais propágulos, que explica o baixo número de brotos, e que provavelmente causou a redução da parte aérea da planta. Para tanto, mantêm-se como um propágulo de capacidade promissora para a produção de mudas, pois obteve um enraizamento favorável, indicando que nesta dosagem esse tipo de propágulo possui capacidade de sobrevivência, mesmo não tendo número de broto ideal, pois nas estacas, as raízes podem manter a sobrevivência dos mesmos, e posteriormente haver o surgimento dos brotos. A massa seca do sistema radicular é reconhecida como uma característica para estimar a sobrevivência e o crescimento inicial das mudas no campo (16).
De maneira geral, nota-se um baixo índice do sistema radicular para as mudas de Bambusa vulgaris, ocasionado devido as alterações de macro e microporosidade causada pela presença de lodo de esgoto ao substrato (29). Outro fator que também ocasionou o não desenvolvimento das raízes nas mesmas foi a posição dos propágulos e o número de nós, que associado às dosagens de lodo utilizadas pode ter reduzido a capacidade de enraizamento. É comum a variação do enraizamento nas diferentes partes das plantas, onde as partes apicais constituem as regiões de maior capacidade de enraizamento (30).
O propágulo de estaca de gemas secundárias (P3), não obteve resultados positivos para parte aérea, nem para raiz, onde não se verificou respostas das estacas com as diferentes dosagens de lodo no substrato, não sendo indicado para produção de mudas de Bambusa vulgaris por estaquia.
Conclusões
Os três diferentes tipos de propágulos promoveram diferenças no crescimento e desenvolvimento das mudas de Bambusa vulgaris por estaquia, sendo os propágulos oriundos a partir disco de colmo contendo uma gema não brotada, os mais promissores à produção de mudas através da estaquia em viveiro. A dosagem de lodo de esgoto mais indicada para disco do colmo (P1) é a de 30%, uma vez que as mudas se destacaram nesta dosagem quando comparadas com os demais propágulos.
O propágulo 2 (gema primária), a 70% de incorporação de lodo, também é indicado como um propágulo de capacidade promissora para a produção de mudas, indicando que nesta dosagem esse tipo de propágulo possui capacidade de sobrevivência. Outro fator que pode se observar é que a incorporação de lodo de esgoto não foi prejudicial ao crescimento e desenvolvimento das mudas, sendo a dosagem de 30% a mais recomendada para plantio de bambus.
Para os valores da massa seca de raíz, os valores obtidos foram considerados baixos em todos os tratamentos avaliados, deste modo sugere-se em futuros experimentos de propagação vegetativa com bambús, a aplicação de um maior tempo de avaliação para que haja o desenvolvimento e estabelecimento das mudas em viveiro.