Introdução
Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze (Araucariaceae), também conhecida como araucária, pinheiro-brasileiro ou pinheiro-do-Paraná, é uma espécie nativa de ampla ocorrência na Floresta Ombrófila Mista, com elevado interesse econômico (1). Sua madeira de alta qualidade e de fácil trabalhabilidade é indicada para construções em geral, caixotaria, carpintaria e laminados, dentre outros usos (1)(2). Além disso, a araucária possui sementes muito nutritivas, utilizadas na alimentação humana e da fauna silvestre, conhecida popularmente como pinhão (3).
Dentre as dificuldades na propagação sexuada da araucária, destaca-se a característica recalcitrante das sementes, inviabilizando o seu armazenamento a longo prazo, além da grande variabilidade genética (4). Em relação à propagação vegetativa da espécie, tem-se observado uma série de limitações no estabelecimento de protocolos de estaquia, principalmente em relação aos métodos de resgate e rejuvenescimento de material adulto, hábito plagiotrópico de crescimento das brotações laterais e dificuldade na indução de brotações ortotrópicas (5).
A araucária apresenta caule composto por três elementos morfogenicamente distintos: tronco (ortotrópico, vertical), ramos primários (plagiotrópicos, horizontais) e ramos secundários (grimpas) (6). Quando utilizados na enxertia ou estaquia, os ramos primários assumem um crescimento horizontal, comprometendo a arquitetura da muda (7)(8). Em Araucariaceae, a gema terminal e as gemas dormentes ao longo do tronco são os únicos meristemas capazes de produzir troncos com hábito ortotrópico de crescimento, aptos para utilização na propagação vegetativa (9).
A araucária possui elevada dominância apical, o que dificulta a produção de brotações epicórmicas (10). A dificuldade na indução de brotações com morfologia de tronco (verticais) em araucária é dependente de dois fatores: a dominância apical e a ausência de gema axilar completa na base das acículas (11). A emissão e o crescimento de gemas laterais é fisiologicamente regulada pela interação de hormônios, como as auxinas, citocininas e giberelinas. A gema apical é o local de biossíntese de auxinas, hormônios que bloqueiam a ação de citocininas e giberelinas nas gemas laterais, evitando a formação de brotações laterais. Dessa forma, a remoção do ápice caulinar (decapitação) resultaria na emergência e no desenvolvimento das gemas laterais pelo desbloqueio da ação de citocininas e giberelinas (12).
Aliada à retirada do ápice caulinar, aplicações de giberelina (GA3) podem promover a superação da dominância apical, como observado em mamoeiro (13). Ainda, maior comprimento das brotações pode ser obtido pelo sombreamento das mudas, induzido pela elevada concentração de auxinas, que não sofrerão foto oxidação na zona de alongamento do caule, resultando em maior crescimento das brotações em direção à luz (12)(14).
Observou-se em trabalhos anteriores (não publicados) com a espécie, que por mais que haja indução de um grande número de brotações, apenas uma ou duas dessas brotações continuaram seu crescimento constante, inibindo o crescimento das demais, o que se torna um problema quando pretende-se instalar pomares com plantas de porte reduzido e arquitetura de copa que facilite a colheita das pinhas. O estabelecimento de protocolos de miniestaquia e enxertia de A. angustifólia dependem de técnicas adequadas para a obtenção de propágulos, possibilitando a formação de pomares de produção de pinhão com características desejadas. Diante do exposto e da hipótese de que a indução de brotações em araucária é estimulada pela quebra da dominância apical, objetivou-se avaliar a eficiência da aplicação de giberelina, o sombreamento e diferentes alturas de poda na superação da dominância apical e indução de brotações epicórmicas em mudas de A. angustifolia.
Material e métodos
Foram realizados três experimentos para superação da dominância apical em A. angustifolia, conduzidos no Laboratório de Propagação de Espécies Florestais da Embrapa Florestas, localizado em Colombo (PR). O clima na região é, segundo a classificação de Köppen (15), subtropical e úmido (cfb) mesotérmico, com verões frescos, inverno com geadas frequentes, sem estação seca definida. A temperatura média no mês mais frio abaixo de 18ºC e temperatura média no mês mais quente abaixo de 22ºC.
Os experimentos foram realizados em mudas com aproximadamente quatro anos de idade, plantadas em sacos plásticos de seis litros preenchidos com substrato comercial a base de casca de pinus, carvão vegetal e vermiculita, com adubação de NPK 4-14-8 (20 g por muda) a cada três meses, desde o plantio. Foram utilizadas, para cada experimento, quatro repetições de 10 mudas, totalizando 40 mudas por unidade experimental, dispostas em delineamento experimental inteiramente casualizado.
No experimento I, foram utilizados dois tratamentos com aplicação de giberelina (GA3), nas concentrações 0 e 500 mg L-1. As mudas foram podadas a 30 cm da região do colo e mantidas à pleno sol (Figura 1a), com irrigação de 30 minutos,quatro vezes ao dia e vazão de 28,0 L h-1. Os tratamentos de giberelina foram aplicados com pulverizador manual, 5 mL de solução por muda, entre 8 e 10 horas, em intervalos semanais, por três semanas.

Figura 1 Araucaria angustifolia: (a) experimento instalado a pleno sol; (b) e em casa de sombra; (c) início do crescimento das brotações; (d) brotações com mais de 2 cm de comprimento e (e) detalhe da dominância apical de um broto inibindo o crescimento dos demais.
Figure 1. Araucaria angustifolia: (a) experiment installed in full sun; (b) and in a shade house; (c) beginning of sprout growth; (d) shoots over 2 cm in length and (e) detail of the apical dominance of one bud, inhibiting the growth of the others.
No experimento II, foi avaliado o efeito do sombreamento nas mudas para superação da dominância apical na indução de brotações. Para isso, as mudas foram podadas a 30 cm da região do colo e mantidas em casa de sombra (Figura 1b) (50 % de sombreamento) ou a pleno sol, ambas irrigadas por 30 minutos, 4 vezes ao dia. No experimento III, avaliou-se o efeito de diferentes alturas de poda na indução de brotações. As mudas foram podadas a 30 ou 60 cm da região do colo e mantidas a pleno sol, com irrigação por 30 minutos, quatro vezes ao dia.
Após 60, 90, 120, 150 e 250 dias da implantação dos experimentos, foram avaliadas as variáveis número, comprimento (cm) e diâmetro (mm) das brotações epicórmicas com mais de 2 cm de comprimento (Figura 1d). Os dados referentes a cada um dos experimentos foram submetidos ao teste t-Student para comparação de amostras independentes (p <0.05) (16).
Resultados
De maneira geral, houve uma baixa quantidade de brotações desenvolvidas em todos os experimentos. A aplicação de GA3 não surtiu efeito positivo nas variáveis analisadas (Figura 2), sendo observado maior número de brotações no tratamento testemunha, sem a aplicação do regulador vegetal (Figura 2a).
Figure 2. (a) Number of developed shoots (NMB); (b) Shoot length (CMB) and (c) Shoot diameter (DMB) in Araucaria angustifolia seedlings submitted to GA3 application in nursery condition. Means followed by the same letter in each evaluation period do not differ statistically from each other using t-student test (p <0.05).
O sombreamento não causou estiolamento das brotações (Figura 3b). Observou-se também que a condição em casa de sombra promoveu menor número de brotações que a condição a pleno sol nas avaliações mais tardias (Figura 3a). Na condição de sombreamento (Figura 3a) e na poda realizada a 60 cm (Figura 4a), após a indução das brotações, apenas um ou dois brotos se formaram nas posições superiores das mudas e apresentaram crescimento constante (Figura 1e). Os demais brotos, por sua vez, iniciaram o crescimento, mas morreram com poucos centímetros de comprimento.

Figura 3 Médias para (a) Número de brotações desenvolvidas (NMB); (b) Comprimento das brotações (CMB) e (c) Diâmetro das brotações (DMB) em mudas de Araucaria angustifolia submetidas a condições de sombreamento e pleno sol. Médias seguidas pela mesma letra em cada época de avaliação não diferem estatisticamente entre si pelo
teste t de Student (p <0.05).
Figure 3. Averages for (a) number of developed shoots (NMB); (b) Shoot length (CMB) and (c) Shoot diameter (DMB) in Araucaria angustifolia seedlings submitted to shading and full sun conditions. Means followed by the same letter in each evaluation period do not differ statistically from each other using t-student test (p <0.05).
A altura de poda influiu significativamente no número e no diâmetro de brotações (Figura 4). Nota-se maior número de brotos nas mudas podadas a 30 cm e diâmetro bastante superior nas brotações das plantas podadas a 60 cm, sendo o comprimento das brotações nas duas alturas muito similar.

Figura 4 Médias para (a) Número de brotações desenvolvidas (NMB); (b) Comprimento das brotações (CMB) e (c) Diâmetro das brotações (DMB) em mudas de Araucaria angustifolia submetidas à diferentes alturas de podas. Médias seguidas pela mesma letra em cada época de avaliação não diferem estatisticamente entre si pelo teste t de
Student (p <0.05).
Figure 4. Averages for (a) number of developed shoots (NMB); (b) Shoot length (CMB) and (c) Shoot diameter (DMB) in Araucaria angustifolia seedlings submitted to different pruning heights. Means followed by the same letter in each evaluation period do not differ statistically from each other using t-student test (p <0.05).
Discussão
Não há relatos de aplicação de giberelinas na superação da dominância apical em araucária. Porém, a utilização de giberelinas e citocininas, juntamente com a remoção da gema apical, é indicada para indução de brotações em mamão (Carica papaya L.), espécie que também possui alta dominância apical, garantindo elevada produção de brotações e crescimento (13).
A biossíntese da auxina ocorre, principalmente, no meristema apical do caule (12). Portanto, a retirada do ápice caulinar (decepa) proporciona aumento na relação citocinina/auxina, a qual pode favorecer a emissão das brotações laterais (17)(18). Também há indícios de que aplicações de giberelina promovam desejável efeito no alongamento de brotações em experimento com Catharanthus roseus (19). Tais resultados corroboram com os dados obtidos neste estudo, em que a decepa promoveu a indução de brotações epicórmicas. Ainda que não haja diferenças significativas entre os tratamentos, observa-se um pequeno acréscimo no comprimento das brotações com a aplicação de 500 mg L-1 GA3 (Figura 2b), indicando efeito favorável e a possibilidade de estudos futuros utilizando concentrações mais altas deste regulador vegetal.
As plantas são capazes de se adaptar para maximizar a aquisição de luz, o que promove maior crescimento em condição de baixa luminosidade (20). Esse fato foi observado em plantas jovens de A. angustifólia, em resposta ao sombreamento, apresentando maior crescimento em altura quando comparadas com o ambiente a pleno sol (21). No entanto, esses estudos discordam do observado no presente trabalho, no qual o sombreamento não surtiu efeito positivo no comprimento e diâmetro das brotações (Figura 3b,c).
A baixa quantidade de brotações com desenvolvimento satisfatório se deve, provavelmente, a elevada dominância apical da araucária, fato já relatado por outros autores como um empecilho na produção de brotações epicórmicas da espécie (10). Essa característica foi também descrita em minicepas de cedro-australiano (Toona ciliata) (22), e canafísula (Peltophorum dubium) cultivadas em sistema de minijardim clonal (23). Além das distinções no hábito de crescimento dos variados elementos morfológicos da araucária, observou-se também que há diferenças no acúmulo de aminoácidos, indicando que podem haver também variações bioquímicas que interfiram no desenvolvimento destes elementos (tronco e ramos) (24).
Wendling et al. (5), trabalhando com plantas adultas e Rickli-Horst (10) com plantas jovens de A. angustifólia a campo, relataram que a decepa em corte raso (20 e 25 cm da altura do solo, respectivamente) é uma técnica bastante eficiente para produção de brotações ortotrópicas (tronco), não sendo analisadas alturas maiores de decepa. Em contrapartida, Stuepp et al. (25) em estudo com erva-mate (Ilex paraguariensis), avaliando diferentes alturas de decepa (15, 30 e 60 cm) em árvores de 17 anos de idade, observaram maior número de brotações na poda realizada a 60 cm da altura do solo. Estes resultados evidenciam a importância deste aspecto no estabelecimento de protocolos de propagação distintos para cada espécie.
De maneira geral, a eficiente produção de brotações com morfologia de tronco obtidas no presente estudo demonstra o grande potencial da técnica de decepa na indução de brotações para estaquia em mudas de Araucaria angustifolia, sendo esse resultado semelhante àqueles obtidos por (5) e (10).
No entanto, são necessários mais estudos para superação da dominância apical na indução de brotações, principalmente no que tange à aplicação de giberelinas em períodos mais longos, após o início do crescimento das brotações.
Conclusões
A técnica da remoção do ápice caulinar por decepa a 30 cm do colo das mudas é eficiente e indicada para a produção de brotações epicórmicas em Araucaria angustifolia. No entanto, o crescimento das brotações não é influenciado positivamente por aplicações exógenas de GA3, tampouco por sombreamento das mudas. Condições de pleno sol são mais indicadas para produção de brotações epicórmicas em mudas de araucária.