Introdução
Mimosa tenuiflora (Willd.) Poiret, conhecida popularmente como jurema-preta, calumbi ou jurema, é uma espécie característica da caatinga. Por ser uma espécie pioneira, com sistema radicular profundo e sementes ortodoxas, ocorre constantemente em áreas de solo degradado (2), o que configura sua importância ímpar na recuperação dessas áreas e posterior desenvolvimento de espécies mais exigentes, tais como Myracrodruon urundeuva Allem., Handroanthus impetiginous (Mart. Ex. DC) Mattos, Adenanthera colubrina (Vell.) e Ziziphus joazeiro Mart.
A espécie tem ocorrência em todo o Nordeste brasileiro e também no México, todas as suas partes são de interesse para os mais diversos fins, tais como rituais indígenas e curativos para queimaduras. Além dos usos medicinais, a espécie também tem madeira com características favoráveis para utilização na produção de moveis, cercas, bem como para fins energéticos e como forragem, por manter parcialmente sua folhagem nas épocas de estiagem (17).
Dada sua importância na restauração de áreas degradadas de caatinga, estudos acerca da germinação de sementes, produção de mudas, bem como importância ecológica da jurema-preta têm sido desenvolvidos (3), (2), (4), (16). Experimentos envolvendo tecnologia de sementes florestais nativas, apesar de não serem de grande interesse econômico, são muito importantes para fornecerem subsídios a produtores de mudas e outras pesquisas relacionadas aos produtos oriundos destas espécies e seu uso na recuperação de ecossistemas.
Dentre os aspectos a serem considerados quando se trabalha com qualidade de sementes e produção de mudas, a germinação e o vigor das sementes são os mais empregados, com destaque para o segundo que, de acordo com Souza et al (22), relaciona-se com o potencial de armazenamento e deterioração das sementes. Em geral, sementes com maior vigor apresentam germinação mais elevada e maior quantidade de plântulas normais, mesmo após terem sido submetidas a condições adversas ou armazenamento prolongado (10).
O teste de vigor utilizando envelhecimento acelerado consiste em submeter sementes a fatores ambientais adversos, tais como altas temperaturas e umidade relativa elevada, condições consideradas causadoras de deterioração (12), e assim avaliar as sementes que ainda mantém algum vigor após a exposição a estas condições (8).
As sementes submetidas às condições de envelhecimento acelerado têm a viabilidade e o vigor gradativamente reduzidos, provavelmente devido ao aumento da atividade metabólica, que acarreta um maior consumo das reservas e tem como consequência a menor velocidade de emergência das plântulas (13). Sendo assim, este trabalho teve por objetivo verificar a influência do teste de envelhecimento acelerado no vigor de sementes de Mimosa tenuiflora (Willd.) Poiret.
Material e métodos
As sementes de Mimosa tenuiflora foram coletadas de 12 matrizes no município de Cabrobó/PE, em Janeiro de 2017. O município localiza-se sob as coordenadas 08º30'51'' S e 39º18'36'' W, a 325m de altitude. O clima da região é tipo BSh, caracterizado como clima semiárido quente, com verões extremamente quentes e invernos amenos, mas precipitação mínima. Após a coleta, os frutos maduros foram beneficiados e as sementes armazenadas em câmara fria a 3,4 ºC até o início dos experimentos, que foram conduzidos no Laboratório de Análises de Sementes Florestais do Departamento de Ciências Florestais da Universidade Federal do Paraná, em Curitiba/PR.
Inicialmente foi realizada a caracterização física e biométrica das sementes. Para a biometria, 100 sementes foram medidas quanto ao comprimento, largura e espessura, utilizando um paquímetro digital com duas casas de precisão. O grau de umidade inicial foi determinado pelo método de estufa a 105 ± 3 ºC, durante 24 horas, com duas amostras de 25 sementes (5). O peso de mil sementes e número de sementes por quilo foi determinado a partir da pesagem de 8 amostras de 100 sementes, e calculando o coeficiente de variação (5).
O experimento de envelhecimento acelerado foi conduzido em delineamento inteiramente casualizado em esquema fatorial, tendo como tratamentos 3 temperaturas (40, 43 e 46 ºC) e 5 tempos de permanência na câmara de envelhecimento acelerado (0, 24, 48, 72 e 96 horas), o tratamento 0 h foi considerado como tratamento controle. Cada tratamento consistiu de 250 sementes, das quais 200 foram utilizadas para determinação da germinação em 4 repetições de 50 sementes e outras 50 sementes foram utilizadas para a determinação do grau de umidade após a aplicação dos tratamentos.
Antes do início do processo de envelhecimento, as sementes passaram por tratamento para superação de dormência, para isso foram colocadas em água a 100 ºC por 4 minutos, de acordo com resultados obtidos por Benedito et al (4). As sementes relativas a cada tratamento foram armazenadas em gerbox® contendo água destilada, acima da qual se encontrava uma tela onde as sementes foram alocadas. Os gerbox® foram acondicionados em câmara de envelhecimento acelerado, onde permaneceram sob as temperaturas e tempos indicados para cada tratamento.
Após, as sementes foram submetidas a teste de germinação à temperatura de 25ºC, com luz constante e tendo como substrato papel mata-borrão, sendo este procedimento adaptado dos resultados obtidos por Benedito et al (4) para germinação da espécie. A contagem da germinação foi realizada diariamente até que não fosse observada a germinação de nenhuma semente por 3 dias consecutivos. Foram consideradas germinadas as sementes com emissão de radícula de no mínimo 2 mm.
Os parâmetros avaliados foram o percentual, índice de velocidade (IVG) (18), tempo médio (TMG), frequência relativa de germinação (15) e o grau de umidade antes e depois de cada um dos tratamentos. Os dados de percentual de germinação, IVG e TMG foram submetidos ao teste de Bartlet, para verificar a homogeneidade e ao teste de Shapiro-Wilk para verificação da normalidade, seguido de análise de variância e, em caso de significância estatística, as médias foram submetidas ao teste de comparação de médias de Tukey (p> 0,05). Os dados expressos em porcentagem foram transformados em arco-seno a fim de normalizar a distribuição para realização das análises estatísticas.
Resultados e discussão
A biometria realizada nas sementes resultou em comprimento médio de 3,39 mm (± 0,31 mm, CV=0,1 %), largura média de 3,01 mm (± 0,27 mm, CV=0,1 %) e espessura em média de 1,49 mm (± 0,16 mm, CV=0,1 %). O peso de mil sementes calculado foi igual 9,175 g e número de sementes por quilo foi igual a 108.991 sementes (CV=5,0 %). A análise biométrica de sementes florestais constitui importante ferramenta para avaliação da variabilidade genética entre populações, lotes ou indivíduos, contribuindo fundamentalmente para programas de melhoramento genético (14).
As espécies arbóreas tropicais apresentam grande variabilidade no tamanho das sementes e este aspecto pode estar associado às características de dispersão e estabelecimento de plântulas da espécie. Carvalho e Nakagawa (7) explicam que as sementes de maior tamanho possivelmente foram mais bem nutridas durante seu desenvolvimento e são, consequentemente, as mais vigorosas. As sementes de jurema-preta utilizadas neste experimento apresentam biometria homogênea, indicando que as diferenças observadas nos testes de germinação foram ocasionadas pelos fatores ambientais aos quais as sementes foram expostas durante o envelhecimento acelerado.
O grau de umidade (GU) inicial das sementes foi de 8,51 %, indicando que as sementes desta espécie são ortodoxas e toleram longos períodos de armazenamento sem perder a viabilidade. Os dados obtidos após a aplicação dos tratamentos mostram um acréscimo considerável na umidade interior das sementes (Figura 1). Sementes ortodoxas, como é o caso da espécie em estudo, são caracterizadas como sementes cujo processo de maturação é encerrado com uma fase pré-programada de dessecação que reduz a atividade metabólica, preservando sua viabilidade (1).
Figure 1. Degree of humidity of Mimosa tenuiflora seeds subjected to accelerated aging test.
O aumento no grau de umidade das sementes associado à elevação das temperaturas e tempo de exposição deve-se também à ocorrência de fungos, visto que a avaliação desta variável é feita através de pesagens. O aparecimento de fungos nos tratamentos com maior tempo de exposição (72 e 96 h) fez com que os resultados obtidos apresentassem maiores valores para o grau de umidade das sementes. Avaliando o vigor de sementes de mogno, Carvalho et al. (8) observou que com o decorrer do tempo de exposição das sementes ao envelhecimento acelerado, o grau de umidade teve um acréscimo considerável, principalmente na primeira avaliação, após 24h de exposição.
Os dados obtidos para as variáveis porcentagem de germinação, IVG e TMG estão expostos na Tabela 1. É possível observar, de maneira geral, que ao aumentar a temperatura e o tempo de exposição, as sementes tiveram seu potencial germinativo reduzido, bem como o IVG. O TMG, no entanto, não apresentou diferença entre os tratamentos aplicados neste experimento.
Tabela 1 Porcentagem (%G), Índice de velocidade (IVG) e tempo médio de germinação (TMG) e porcentagem de sementes não germinadas de Mimosa tenuiflora submetidas a envelhecimento acelerado.

As sementes submetidas ao envelhecimento a 40 ºC por 24 horas apresentaram a maior porcentagem de germinação, não diferindo dos outros tempos de envelhecimento nesta temperatura, bem como da testemunha. Nota-se que o aumento da temperatura ocasionou reduções significativas na porcentagem de germinação, independentemente do tempo de permanência sob tais temperaturas. As condições às quais as sementes foram submetidas podem ter acelerado o processo de deterioração das mesmas, afetando o vigor e reduzindo a germinação.
Outro fator relevante para a redução do vigor das sementes seria o aparecimento de fungos no decorrer da avaliação, nota-se que a elevação da temperatura e tempo de permanência na câmara de envelhecimento acarretou no aumento expressivo na porcentagem de sementes com fungos, descritas na tabela como sementes mortas. Acredita-se que estes fungos sejam inerentes às sementes da espécie, pois foram tomados todos os cuidados necessários em relação à assepsia do material utilizado. Garcia et al. (10) e Caldeira e Perez (6) também observaram o aumento da incidência de fungos nas sementes submetidas ao envelhecimento acelerado, mesmo tomando todos os cuidados sanitários. Uma alternativa ao aparecimento de fungos no processo de envelhecimento acelerado de sementes é o uso de NaCl ao invés de água, tal como sugerido por Moraes et al. (19).
As sementes submetidas a 46 ºC tiveram sua germinação drasticamente reduzida nos tratamentos em que as sementes permaneceram 48 horas ou mais na câmara de envelhecimento acelerado, chegando a apresentar apenas 1,5 % de germinação no tempo de 96 horas. A germinação do tratamento 46 ºC em 24 horas de permanência na câmara de envelhecimento acelerado assemelhou-se aos valores de germinação dos tratamentos a 43 ºC, indicando que neste período o efeito da maior temperatura sobre o vigor das sementes não foi efetivo em relação à temperatura anterior.
Flávio e Paula (9) observaram que o aumento da temperatura e da permanência em condições de envelhecimento afetam negativamente a germinação das sementes em função do maior estresse ambiental. Ravikumar et al. (21) e Goel et al. (11) explicam ainda que o processo de envelhecimento gera uma série de reações oxidativas, tais como peroxidação de lipídios e peroxidação enzimática, resultando em perda das reservas e degradação de metabólitos essenciais à germinação e manutenção do vigor das sementes.
Assim como nos resultados encontrados por Carvalho et al. (8), na presente pesquisa também foi observada uma relação entre o aumento na absorção de água das sementes, no caso aumento no grau de umidade, com a redução da taxa de germinação. Em geral, os tratamentos com maior grau de umidade apresentaram germinação abaixo de 20%. O autor explica que esta redução na germinação ocorre através da deterioração bioquímica e fisiológica das sementes quando submetidas a condições adversas.
Tais resultados para porcentagem de germinação mostram que o envelhecimento acelerado, de fato, aumentou a deterioração das sementes de Mimosa tenuiflora, com a diminuição do vigor das sementes de acordo com o aumento das temperaturas e do tempo de permanência na câmara de envelhecimento acelerado. Sementes de Anadenanthera columbrina avaliadas por Garcia et al. (10) também apresentaram redução gradativa com a intensificação da permanência das sementes na câmara de envelhecimento
O maior índice de velocidade de germinação foi observado no tratamento com 40ºC e 96 horas de permanência das sementes na câmara de envelhecimento. No entanto, os outros tratamentos apresentaram queda neste índice associada ao aumento da temperatura e ao tempo de permanência na câmara. O valor de IVG é importante, pois pode expressar maior ou menor vigor de sementes submetidas a diferentes tratamentos mesmo quando não há diferença entre as porcentagens de germinação (20).
A frequência relativa de germinação das sementes analisa a distribuição da germinação no tempo (Figura 2). Sem o envelhecimento (T 0), há concentração da germinação entre o segundo e o quinto dias após a semeadura e nota-se que a aplicação do envelhecimento acelerado altera esta distribuição (Figura 2A), apesar de não haver diferença entre os tempos médios de germinação dos tratamentos, apresentado anteriormente.

Figura 2 Frequência de germinação de sementes de Mimosa tenuiflora submetidas a envelhecimento acelerado. A - Testemunha; B - Envelhecimento a 40 ºC; C - Envelhecimento a 43 ºC; D - Envelhecimento a 46 ºC.
Figure 2. Germination frequency of Mimosa tenuiflora seeds subjected to accelerated aging test. A - Witness; B - Aging at 40 ºC; C - Aging at 43 ºC; D - Aging at 46 ºC.
As sementes submetidas a envelhecimento acelerado a 40ºC (Figura 2B) apresentaram frequência relativa de germinação semelhante às sementes sem envelhecimento. O aumento do tempo de permanência das sementes a temperatura de 40ºC aumentou a frequência de germinação entre o segundo e terceiro dia após a semeadura, tendo o tratamento a 96 horas atingido a maior frequência de germinação dentre todos os tratamentos aplicados neste experimento (77,04%).
Azevêdo et al. (2) explicam que a germinação da espécie é naturalmente esparsa, possivelmente devido à presença de dormência, e este comportamento permite maior longevidade no banco de sementes do solo, diferentemente de outras espécies da caatinga. No entanto, o tratamento aplicado para a superação de dormência aumentou a homogeneidade de germinação nos primeiros dias após a semeadura e tal comportamento foi modificado apenas nas temperaturas 43 e 46 ºC (Figura 2C e 2D, respectivamente).
A natural desuniformidade da germinação pode ser uma importante estratégia de ocupação da espécie ao diminuir a competição entre plântulas, submetendo-as a condições ambientais diferenciadas e reduzindo a herbivoria. Em contrapartida, na produção de mudas a homogeneidade da germinação é fundamental para a manutenção da logística e produtividade do viveiro, evidenciando a importância da aplicação de pré-tratamentos para o aumento da frequência de germinação logo nos primeiros dias após a semeadura.
Conclusão
O envelhecimento acelerado a 40 ºC não comprometeu o vigor das sementes de jurema-preta e aumentou a frequência de germinação nos primeiros dias após a semeadura.
O envelhecimento acelerado a 43 e 46 ºC reduziu o vigor das sementes de jurema-preta, comprometendo a germinação das mesmas e aumentando a incidência de fungos.