Introdução
O trabalho docente na sociedade contemporânea é uma atividade complexa que exige a mobilização de saberes que ultrapassam o conhecimento dos conteúdos curriculares para que obtenha uma prática contextualizada e consonante com o meio em que atua. Paralelamente, os professores se veem com menor autonomia para exercer seu ofício frente a currículos que restringem a sua liberdade e mediante a pressão por resultados de avaliações de larga escala. Frequentemente se sentem culpabilizados pelo fracasso do desempenho de seus alunos, enfrentam jornadas de trabalho extensas que não se restringem à sala de aula (Lima & Leite, 2020). Segundo os autores, a desvalorização política, social e econômica da profissão docente nos últimos anos tem configurado um quadro de precarização do trabalho e a constatação de um número significativo de abandono profissional.
A rotatividade ou mobilidade docente tem sido considerada um grave problema devido à instabilidade que ocasiona no professorado que persiste ao longo do tempo em muitos países (Madigan & Kim, 2021; Palma-Vasquez et al., 2022). Na perspectiva dos autores, reter professores qualificados representa um grande empreendimento frente a dificuldade de contar com a força de trabalho necessária para lidar com os desafios educacionais que se apresentam a cada ano. A docência é uma das profissões com maiores taxas de rotatividade (Borman & Dowling, 2008; Jensen, 2021) e a preocupação com este fenômeno tem sido aumentada devido ao fato de que são os profissionais mais habilidosos e qualificados que tem deixado a profissão para postos de trabalho mais valorizados e mais bem remunerados no mercado de trabalho (Federičová, 2021).
A rotatividade de professores tem consequências graves para a qualidade do ensino, para os alunos e sua aprendizagem e, mais amplamente, para a comunidade educacional (Bain et al., 2022; Jensen, 2021; Räsänen et al., 2020). Para o docente, abandonar a profissão implica custos emocionais, diminuição do reconhecimento social e da identidade profissional, assim como a perda do tempo, treinamento e investimento financeiro (Carson et al., 1995). A intenção de rotatividade pode indicar uma desarmonia entre as demandas de trabalho percebidas e os recursos insuficientes na profissão docente (Räsänen et al., 2020).
É importante destacar que o conceito de rotatividade está relacionado ao comportamento real, que neste contexto implica deixar o emprego e a intenção de rotatividade é a atitude ou cognição em relação à saída do emprego (Jensen, 2021). A intenção de abandono pode ser compreendida como um indicativo do abandono definitivo, antecedendo o comportamento de saída do trabalho. Nessa condição, o trabalhador realiza as suas atividades com um mínimo de envolvimento para preservar o emprego. Neste sentido, também, se caracteriza como um modo de abandono psicológico, no qual ocorre um afastamento emocional para lidar com as demandas e insatisfação com o trabalho, fazendo com que a pessoa passe a utilizar estratégias evitavas como faltas e licenças (Carlotto & Câmara, 2020).
Revisão sistemática da literatura internacional, desenvolvida por Palma-Vasquez et al. (2022), identificou diversos fatores explicativos para o abandono profissional de professores. Quanto ao perfil, revela ser os professores com menos de cinco anos de experiência profissional, que atuam na área científico-matemática, línguas estrangeiras, educação especial e professores do Ensino Médio, ter maior e menor nível de formação, e atuar com contratos temporários de trabalho. Quanto aos motivos relacionados aos estudantes, aponta o baixo nível socioeconômico, problemas de aprendizagem, baixo desempenho, comportamento disfuncionais e lidar com minorias étnicas. No que diz respeito às condições de trabalho, ter baixos salários, alta carga horária de trabalho, insuficiente suporte administrativo, má liderança da escola, alta quantidade de alunos por sala de aula e a falta de apoio de colegas. Também identificou sintomas de Burnout, conflito de papéis, sensação de incompetência, baixa motivação intrínseca, falta de adaptação, perda de identidade profissional, baixo comprometimento, altos níveis de estresse, baixa flexibilidade e autonomia.
Revisão de literatura brasileira, realizada por Kuhn et al. (no prelo), encontrou como principais motivações para a intenção e o abandono docente o baixo salário, a indisciplina e desinteresse dos alunos, a insatisfação com a estrutura do sistema educacional, as condições de trabalho inadequadas, a desvalorização profissional, a sobrecarga, a falta de apoio dos pais dos estudantes, o nascimento de filhos, cursar pós-graduação, a falta de possibilidade de crescimento profissional e a falta de tempo livre. Em outro estudo brasileiro, realizado por Carlotto et al. (2019), foi identificado como preditores do abandono docente os estressores a multiplicidade de papéis a desempenhar, conciliar trabalho e lazer e a má relação com alunos.
Diversos estudos têm sido realizados visando entender o abandono da profissão docente, mas poucos têm abordado especificamente da intenção do abandono (Kuhn, et al., no prelo) e, mais especificamente, nenhum foi identificado com os cinco níveis de ensino presentes no Brasil. Separadamente, pode-se citar os estudos de Carlotto et al. (2019) com professores da educação básica, o de Heleno et al. (2018) com professores de educação profissional tecnológica e o realizado por Polizzi e Claro (2019) com professores universitários.
Pelo exposto, pesquisar e ampliar o conhecimento sobre fatores que levam o docente a pensar em abandonar a profissão é importante para subsidiar gestores na implantação de políticas de gestão que possam reverter este fenômeno psicossocial. Neste sentido, o presente estudo buscou identificar os preditores sociodemográficos, laborais, estressores psicossociais, foco regulatório para a obtenção das metas no trabalho, trabalho emocional e a síndrome de burnout para a intenção de abandono profissional em professores brasileiros de acordo com os cinco níveis de ensino: Infantil, Fundamental, Médio, Graduação e Pós-graduação.
Método
A amostra, não probabilística, constituiu-se de 1284 professores do estado do Rio Grande do Sul - Brasil, dentre eles 199 (15.5%) da educação infantil, 322 (25.1%) do Ensino Fundamental, 196 (15.3%) do Ensino Médio, 362 (28.2%) do Ensino de Graduação e 205 (16%) da Pós-graduação. Como critério de inclusão, os professores deveriam estar em atividade docente, no mínimo, há um ano. A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas e laborais dos participantes de acordo com os níveis de ensino.
- | Nível de ensino | |||||||||||
Variáveis | Infantil | Fundamental | Médio | Graduação | Pós-graduação | |||||||
- | n | % | n | % | n | % | n | % | n | % | ||
Sexo | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | ||
Feminino | 194 | 97.5 | 294 | 91.3 | 137 | 69.4 | 215 | 59.4 | 105 | 51.2 | ||
Masculino | 5 | 2.5 | 28 | 8.7 | 59 | 30.1 | 147 | 40.6 | 100 | 48.8 | ||
Companheiro | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | ||
Sem | 71 | 35.7 | 78 | 24.2 | 58 | 29.6 | 103 | 28.5 | 51 | 24.9 | ||
Com | 128 | 64.3 | 244 | 75.8 | 138 | 70.4 | 259 | 71.5 | 154 | 75.1 | ||
Filhos | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | ||
Sim | 118 | 59.6 | 216 | 67.1 | 136 | 69.4 | 223 | 61.6 | 140 | 68.3 | ||
Não | 80 | 40.4 | 106 | 32.9 | 60 | 30.6 | 139 | 38.4 | 65 | 31.7 | ||
Instituição | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | ||
Pública | 132 | 68.4 | 268 | 83.8 | 163 | 84.5 | 209 | 57.7 | 88 | 42.9 | ||
Privada | 61 | 31.6 | 52 | 16.3 | 30 | 15.5 | 153 | 42.3 | 117 | 57.1 | ||
- | M | DP | M | DP | M | DP | M | DP | M | DP | ||
Idade | 35.3 | 9.8 | 41.9 | 9.8 | 44.1 | 9.1 | 44.3 | 9.7 | 50.4 | 10.3 | ||
Tempo de atuação | 10.6 | 7.6 | 16.6 | 9.4 | 15.9 | 9.9 | 14.7 | 9.9 | 20.9 | 11.7 | ||
Nº alunos | 52.2 | 70.2 | 208.5 | 275.2 | 268.3 | 199.7 | 96.5 | 70.5 | 64.1 | 43.2 |
Instrumentos
Os dados foram coletados por meio dos seguintes instrumentos:
Questionário de dados sociodemográficos e laborais
Composto por 12 questões (sexo, idade, situação conjugal, filhos, formação acadêmica, remuneração, tempo de atuação como docente, carga horária de trabalho semanal, se possui outra atividade laboral, tipo de instituição, nível de ensino, número de alunos).
Subescala de Intenção de Abandono Profissional
Pertencente à escala de Escala de Intenção de Abandono do Trabalho de Carlotto et al. (2023) (5 itens, α = .88, ex. de item: eu penso em mudar de profissão). Os itens são avaliados por uma escala de frequência de 5 pontos (0 “Nunca” a 4 “todos os dias”).
Questionário para Avaliação da Síndrome Burnout
A versão para professores Cuestionario para la Evaluación del Síndrome de Quemarse por el Trabajo - CESQT-PE (Gil-Monte, 2005) é a versão traduzida e adaptada para o Brasil por Gil-Monte et al. (2010) com 20 itens que se distribuem em quatro subescalas denominadas: ilusão pelo trabalho (5 itens; α = .72; ex. de item: o meu trabalho representa para mim um desafio estimulante); desgaste psíquico (4 itens; α = .86; ex. de item: sinto-me desgastado(a) emocionalmente); indolência (6 itens; α = .75; ex. de item: penso que trato com indiferença alguns alunos); e culpa (5 itens; α = .79; ex. de item: sinto-me culpado(a) por algumas atitudes no trabalho). Os itens são avaliados com uma escala de frequência de cinco pontos (0 “Nunca” a 4 “Todos os dias”).
Escala Geral de Focus Regulatório
Desenvolvida por Lockwood et al. (2002) e adaptada para contextos organizacionais e para uso no Brasil por Carlotto et al. (2020). Avalia como a pessoa regula seu foco para obtenção de metas: foco na promoção, em que medida uma pessoa está focada na obtenção de resultados positivos (9 itens; α = .81; ex. de item: sou uma pessoa que se esforça para alcançar as minhas expectativas, desejos e objetivos profissionais) e foco na prevenção, em que medida uma pessoa está focada em evitar resultados negativos (9 itens; α = .75; ex. de item: estou mais interessado em prevenir perdas do que obter ganhos na minha vida profissional). A escala é avaliada pelo sistema de pontuação tipo Likert, variando de 1 (“muito falso a meu respeito“) a 5 (“muito verdadeiro a meu respeito“).
Escala de Emoções no Trabalho (EET) (Emotional Labour Scale-ELS) de Brotheridge e Lee (2003)
Adaptada para o uso no Brasil por Carlotto et al. (2016). O instrumento contém 15 itens distribuídos em quatro subescalas denominadas: frequência (3 itens; α = .67; ex. de item: quantos tempo costuma durar uma interação típica com os alunos no meu trabalho); intensidade (2 itens; α = .78; ex. de item: demonstro algumas emoções fortes no meu trabalho); variabilidade (3 itens; α = .84; ex. de item: expresso muitos tipos diferentes de emoções) e regulação emocional (4 itens; α = .79; ex. de item: tento realmente vivenciar as emoções que eu devo demonstrar). Os itens são avaliados a partir de uma escala de frequência de quatro pontos (0 “nunca” a 3 “sempre”).
Escala de Avaliação de Estressores Psicossociais no Contexto Laboral
Desenvolvida por Ferreira et al. (2015), composta por 35 itens, que avaliam as dimensões: conflito e ambiguidade de papéis (5 itens; α= .77; ex. de item: receber instruções contraditórias sobre o que fazer no trabalho); sobrecarga de papéis (5 itens; α = .71; ex. de item: realizar várias tarefas ao mesmo tempo); falta de suporte social (6 itens; α = .77; ex. de item: não receber ajuda de meus superiores quando tenho algum problema pessoal); insegurança na carreira (5 itens; α = .62; ex. de item: conviver com rumores sobre dificuldades financeiras da instituição); falta de autonomia (5 itens; α = .71; ex. de item: não poder estabelecer meu próprio ritmo de trabalho); conflito trabalho/família (5 itens; α = .75; ex. de item: ter dificuldades de conciliar as questões profissionais com as familiares); pressão do grau de responsabilidade (4 itens; α = .77; ex. de item: saber que meus erros podem interferir negativamente na vida de outras pessoas). Os itens são respondidos em escala de seis pontos, variando de “nunca me afeta (1)” a “sempre me afeta (6)”. Quanto maior o resultado obtido em cada dimensão, maior a percepção de que ele representa uma fonte de estresse para o indivíduo.
Escala de Satisfação com a Vida de Diener et al. (1985)
Adaptada ao contexto brasileiro por Gouveia et al. (2005), desenvolvida para medir julgamentos cognitivos globais e a satisfação com a vida (5 itens; α = .87; ex. item: na maioria dos aspectos minha vida está perto do meu ideal). As respostas seguiram uma escala Likert de 1 a 7 pontos, (1 = discordo totalmente a 7 = concordo totalmente).
Procedimentos de coleta de dados
Os dados do estudo foram coletados por meio de um instrumento on-line a partir de divulgação em redes sociais, contato telefônico a escolas particulares, escolas públicas e Prefeituras Municipais de diversas regiões do Rio Grande do Sul e posterior encaminhamento do link da pesquisa, bem como envio de e-mails a professores de graduação e vinculados a Programas de Pós-Graduação (PPGs). O recrutamento foi realizado pela técnica do Respondent Driven Sampling (RDS), na qual os primeiros participantes (1ª onda) enviaram o convite para novos participantes (2ª onda) até que se atingisse o tamanho desejado da amostra (Goel & Salganik, 2009). De acordo com os autores, essa técnica possibilita o alcance de um número elevado de participantes com características semelhantes e que possuem tecnologia para acessar os instrumentos.
Foram realizados os procedimentos éticos conforme Resolução 466 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil (CNS). O estudo tem aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do vale do Rio dos Sinos sob o número CAAE: 1.874.619.
Procedimentos de análise de dados
O banco de dados foi analisado com o pacote estatístico PASW, versão 22 (SPSS/PASW, Inc., Chicago, IL). Inicialmente foram testados os pressupostos de regressão linear múltipla sem identificação de violação que contraindicasse sua utilização de acordo com os parâmetros de Field (2009). Identificou-se ausência de multicolinearidade entre as variáveis, pois o maior valor das correlações foi de .587, os valores de Variance Inflation Factor (VIF) situaram-se se abaixo de 4 (1.788) e o valor de tolerância foi inferior a 1 (.953). Todos os valores da análise do coeficiente de Durbin-Watson situaram-se próximo a 2 (variação de 1.832 a 1.978) indicando a independência da distribuição e a não correlação dos resíduos. A distância de Cook apresentou valores entre .003 e .006, inferiores a 1, revelando não existir preditores atípicos e apresentar um adequado ajuste do modelo.
Após, foi realizada a análise de regressão linear múltipla (método Stepwise). A análise definiu como variável dependente a Intenção de abandono profissional e, como variáveis independentes as variáveis sociodemográficas, laborais, estressores ocupacionais, as dimensões do foco regulatório e as dimensões do trabalho emocional. A seleção das variáveis preditoras adotou o nível de significância de p < .05. Na análise de regressão, a magnitude do efeito foi obtida pelos coeficientes de regressão padronizados calculados para cada modelo final (Marôco, 2007).
Resultados
A Tabela 2 apresenta os resultados da análise de regressão linear múltipla para a Intenção de abandono profissional para cada nível de ensino, considerando, como variáveis preditoras, as variáveis sociodemográficas, laborais, estressores psicossociais no contexto laboral, foco regulatório, trabalho emocional e síndrome de burnout.
Níveis de ensino | Variáveis | B | β | R 2 Adj | ΔR | t |
Infantil | SB | 1.05 | .58 | .36 | .37 | 9.67*** |
- | OA* | -.45 | -.16 | .39 | .03 | -.2.59* |
- | FO | .22 | -.16 | .41 | .02 | -2.57* |
Fundamental | SB | .72 | .39 | .30 | .30 | 7.47*** |
CTF | .17 | .18 | .34 | .05 | 3.10*** | |
TT | -.03 | -.22 | .38 | .04 | -4.98*** | |
SV | -.23 | -.16 | .40 | .02 | -3.14*** | |
FO | .18 | .01 | .40 | .01 | 2.21*** | |
CAP | .14 | .17 | .41 | .01 | 2.79** | |
PR | -.12 | -.13 | .42 | .01 | -2.10* | |
Médio | SB | .87 | .43 | .27 | .28 | 6.39*** |
RE | .36 | .23 | .32 | .05 | 3.78*** | |
OA* | -.46 | -.16 | .34 | .02 | -2.72*** | |
SP | .16 | .16 | .36 | .02 | 2.37* | |
Graduação | SB | .62 | .34 | .22 | .22 | 6.27*** |
SV | -.29 | -.21 | .25 | .03 | -4.13*** | |
CAP | .07 | .10 | .26 | .01 | 2.10* | |
Pós-Graduação | SB | .63 | .33 | .33 | .34 | 4.31*** |
| | SV | -.50 | -.35 | .39 | .06 | -5.47*** |
TIb | .23 | .11 | .41 | .02 | 2.07** | |
VE | .17 | .17 | .42 | .02 | 3.21*** | |
RM | .39 | .21 | .44 | .02 | 3.80*** | |
ID | -.02 | -.18 | .46 | .02 | -3.18*** | |
IC | .11 | .16 | .47 | .01 | 2.62*** | |
SP | .13 | .17 | .48 | .02 | 2.44* |
SB = síndrome de burnout; SV = satisfação com a vida; TA= tempo de trabalho; CAP = conflito e ambiguidade de papel; IC = insegurança na carreira; CTF = conflito trabalho-família PR = pressão pela responsabilidade; SP = sobrecarga de papéis; VE= variabilidade emocional; RE = regulação emocional; TI = tipo de instituição; ID = idade; FO = formação; RM = remuneração; OA = ter outra atividade profissional. A Ter outra atividade profissional: 0 = sim, 1 = não; b Tipo de instituição: 0 = pública, 1 = privada. *p < .05, **p < .01, ***p < .001
O nível de Ensino Infantil evidenciou um modelo explicativo constituído por três variáveis (maiores índices de síndrome de burnout, não ter outra atividade profissional e maior formação acadêmica). Essas, conjuntamente, explicaram 41% da variância da intenção de abandonar a profissão.
No nível de Ensino Fundamental, o modelo explicativo foi constituído por sete variáveis (maiores índices da síndrome de burnout, conflito trabalho-família, conflito e ambiguidade de papel, maior formação acadêmica e menor tempo de trabalho, pressão pela responsabilidade, satisfação com a vida). O conjunto de variáveis explicou 42% da variância.
No Ensino Médio, o modelo explicativo ficou composto por quatro variáveis que explicaram 36% da variância (maiores índices de síndrome de burnout, sobrecarga de papéis e maior regulação emocional e não ter outra atividade profissional).
A análise na Graduação resultou em um modelo composto por três variáveis (maior síndrome de burnout, conflito e ambiguidade de papel e menor satisfação com a vida) que explicaram 26% da variação da Intenção de abandono profissional. Na Pós-graduação, o modelo explicativo foi constituído por oito variáveis (menor idade e satisfação com a vida e maior índice de síndrome de burnout, insegurança na carreira, sobrecarga de papéis, variabilidade emocional, maior remuneração, ser de instituição privada) que, conjuntamente, explicaram 48% do modelo da variável dependente.
É importante ressaltar que em todos os cinco níveis de ensino, a síndrome de burnout foi a variável de maior poder explicativo relativo (36%, 30%, 27%, 22%, 33% nessa ordem). Os resultados revelam magnitudes de efeito elevadas (R 2 = .26 a R 2 = .48), de acordo com os parâmetros recomendados por Marôco (2007). Nesse sentido, indica que as relações identificadas possivelmente também estarão presentes na população-alvo de professores, principalmente no grupo de professores de Pós-graduação que obteve a maior magnitude de efeito.
Discussão
O objetivo do presente estudo foi identificar os preditores sociodemográficos, laborais, estressores psicossociais, foco regulatório para a obtenção das metas no trabalho, trabalho emocional e a síndrome de burnout para a Intenção de abandono profissional em professores brasileiros de acordo com os cinco níveis de ensino: Infantil, Fundamental, Médio, Graduação e Pós-graduação. A discussão será apresentada de acordo com cada nível de ensino investigado.
O nível de Ensino Infantil evidenciou que maiores índices de síndrome de burnout, não ter outra atividade profissional e maior formação acadêmica aumentaram a intenção de abandono. Quanto à síndrome de burnout, os resultados confirmam os obtidos por Pereira e Ramos (2020). Provavelmente pelo fato destes docentes trabalharem com crianças pequenas que exigem muita atenção e cuidados, e que demandam esforços não apenas emocionais, mas, também, físicos (Rodrigues et al., 2010). Trabalhar exclusivamente neste nível de ensino pode ser um fator de sobrecarga laboral e emocional que induz ao pensamento de abandonar a profissão que somada ao maior nível de formação faz com que o profissional pense em buscar uma nova colocação no mercado de trabalho.
No nível de Ensino Fundamental, os índices mais elevados da síndrome de burnout também foram identificados em estudos realizados por Carlotto y Câmara (2019). O estresse ocupacional desempenha um papel importante na intenção de abandono da profissão (Nazari & Oghyanous, 2021), confirmando os resultados obtidos pelas variáveis preditivas no modelo, ou seja, os estressores psicossociais conflito trabalho-família, conflito e ambiguidade de papel, pressão pela responsabilidade.
Os professores nesse nível de ensino além de ensinar, devem motivar os alunos para a aprendizagem, cuidar dos materiais de ensino, da sala de aula e até da escola como um todo e, não raras vezes, cuidar da higiene, nutrição e saúde dos alunos, as quais correspondem a responsabilidades familiares que têm sido transferidas para a escola (Campos & Viegas, 2021).
O trabalho docente envolve um número cada vez maior de atividades, sem aumento da disponibilidade de tempo para sua realização. Somam-se novas responsabilidades como a exigência de maior participação em processos de gestão, a necessidade de habilidades e conhecimentos para abordar conteúdos novos e para atender diferentes tipos de alunos e novas formas de avaliação. Nesse sentido, contata-se um claro processo de intensificação e sobrecarga de trabalho (Campos & Viegas, 2021). Os autores complementam afirmando que essas demandas ocasionam a extensão das tarefas para o ambiente doméstico que pode gerar um conflito entre o trabalho e as demandas familiares tendo como resultado com uma menor satisfação com a vida. Também se verifica a ocorrência de conflito e ambiguidade de papel, uma vez que o professor, segundo estudo de Diehl e Carlotto (2015), é, não raras vezes, convocado a desempenhar diversos papéis, ou seja, devem ser amigos, companheiros, psicólogo, pai e mãe, sem que se sintam preparados para atender tais demandas.
Quanto maior a formação acadêmica e quanto menor o tempo de trabalho, maiores os índices de intenção de abandono profissional. Provavelmente professores com menor experiência e que investiram em uma maior formação acadêmica sintam-se mais frustrados e possuam maior desprendimento para buscar uma outra profissão.
O abandono da profissão docente é maior em profissionais mais jovens e com menos tempo de experiência (Carrasqueira & Koslinski, 2021). Os professores desistentes, especialmente os professores com menos experiência, referem ter tido muita dificuldade em lidar com problemas de disciplina em sala de aula e com a elevada carga de trabalho (Elyashiv, 2019), provavelmente, devido ao choque de realidade ao ingressarem na docência (Santos et al., 2020).
O maior tempo de profissão diminui a intenção de abandono confirmando estudo de Carrasqueira e Koslinski (2021), cujo resultado é o de que o abandono da profissão docente é maior em profissionais mais jovens e com menos tempo de experiência. De acordo com investigação realizada por Schaefer et al. (2021), professores em início de carreira possuem uma maior capacidade de alinhar seus pensamentos e ações com outros no cenário do conhecimento profissional (Cavalcante & Farias, 2020). O crescimento e a complexidade das demandas, articulados à deterioração das condições para o exercício da docência, conduzem à evasão de professores, geralmente de professores mais bem capacitados que migram para outras carreiras (Almeida et al., 2019).
O modelo preditor do Ensino Médio constituiu-se por maiores índices de síndrome de burnout, sobrecarga de papéis, regulação emocional e não ter outra atividade profissional. Esse resultado confirma outros estudos (Diehl & Carlotto, 2020; García-Carmona et al., 2019) que revelam a ocorrência de Burnout professores do Ensino Médio e sua relação com a intenção de deixar sua profissão (Owusu & Nkyi, 2021).
A sobrecarga de papéis pode ser explicada pelo perfil dos alunos deste nível de ensino, no caso, adolescentes. Professores de adolescentes lidam diariamente com conflitos, desentendimentos, desinteresse e falta de comprometimento com os estudos por parte dos alunos. Fazer o manejo das relações é necessário para atingir os objetivos educacionais (Marum, 2021). Segundo o autor, o professor deve ser capaz de impor limites, mas também suprir afetivamente, incentivar a criatividade, apoiar e suportar os impulsos agressivos, implicando em uma maior necessidade de regulação de suas emoções. O professor assume muitas funções e desempenha papéis, muitas vezes, contraditórios - ou seja, a instrução acadêmica e a disciplina da classe - tendo que lidar com aspectos sociais e emocionais de alunos, bem como com conflitos ocasionados pelas expectativas de pais, estudantes, administradores e comunidade (Burke et al., 1996). Trabalhar exclusivamente na docência pode representar uma maior sobrecarga, fazendo que o profissional pense em procurar uma outra profissão.
A análise do nível Graduação resultou em um modelo constituído por maior Síndrome de Burnout, Conflito e ambiguidade de papel e menor Satisfação com a vida. Quanto à síndrome, este achado confirma os encontrados na literatura (Carlotto & Câmara, 2017; Parmar et al., 2022; Watts & Robertson, 2011). O conflito e ambiguidade de papel, resultado também encontrado por Faisal et al. (2019) e Carlotto e Câmara (2017). O conflito e ambiguidade de papel tem sido uma das dimensões frequentemente associada à insatisfação com a profissão e pensamento de deixá-la (Carlotto et al., 2019; Cavalcante & Farias, 2020). Esta questão pode estar relacionada à ampliação e alargamento das atividades dos professores, bem como a precarização das condições de trabalho e a correspondente desvalorização do trabalho e da profissão são traços apontados pelos pesquisadores como características flagrantes do trabalho docente nesse novo contexto universitário (Reis et al., 2020).
Segundo estudo de Carlotto e Câmara (2017), pode estar relacionado aos interesses antagônicos entre governos e universidade, pois os governos esperam uma universidade a serviço do desenvolvimento do país e os alunos buscam uma formação profissional voltada para o de desenvolvimento de habilidades que lhes permitam a ingressar no mercado de trabalho, ou seja, uma universidade funcional. A menor satisfação com a vida apresenta relação com o trabalho excessivo (Ribeiro & Carlotto, 2018) e com a satisfação no trabalho (Bernarto et al., 2020). De acordo com Aziz e Zickar (2006), os trabalhadores que possuem outras fontes de satisfação com a vida, que não apenas o trabalho, tendem a não trabalhar excessivamente, apresentando um maior equilíbrio entre trabalho e vida pessoal.
O modelo explicativo para professores da Pós-graduação constituiu-se de maiores índices da síndrome de burnout, insegurança na carreira, sobrecarga de papéis, regulação emocional, trabalhar em instituição privada, não ter companheiro, menor satisfação com a vida, remuneração e idade.
A organização do trabalho do professor na Pós-graduação é uma condição de trabalho relativamente nova quando comparada a outros níveis educacionais (Viana et al., 2019). O professor neste nível de ensino desenvolve atividades de pesquisa, captação de recursos, emite pareceres para agências de fomento e periódicos científicos, atua em bancas de julgamento de trabalho final, publica artigos, livros, resenhas, faz conferências, palestras, organiza eventos na área, tudo isso além do exercício regular da orientação de alunos e ensino na Pós-graduação e Graduação (Rocha & Deusdará, 2012). Assim, é responsável pela pesquisa, formação e produção intelectual, qualidade e adequação das teses e dissertações e qualidade da produção de discentes e egressos do curso avaliado na instituição de ensino superior (Santos & França, 2022).
A insegurança na carreira pode ser entendida pelo fato do atual sistema de avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), órgão brasileiro governamental de apoio em pesquisa que, dentre vários quesitos, solicita que cada Programa de Pós-graduação tenha regras definidas para credenciamento e descredenciamento de docentes (Viana et al., 2019). Em universidades privadas há o risco de desligamento e em universidades federais a saída do Programa para atuação somente na graduação. Este docente tem vínculos contratuais específicos; disciplinamento de seu regime de trabalho; regulamentação de sua produção intelectual como parâmetro de avaliação por parte dos órgãos reguladores e; por fim, uma complexa gama de prescrições para sua atuação (Viana et al., 2019). Neste sentido, explica-se a sobrecarga de papéis, gerada pela intensificação da carga de trabalho em decorrência da pressão em relação à produção científica e pela necessidade de executar, não raras vezes, simultaneamente várias tarefas. As pressões ligadas à organização do trabalho e as metas impostas pelos órgãos que avaliam a Pós-graduação vêm influenciando negativamente o exercício da profissão (Vivian et al., 2020), que pode estar relacionada a menor satisfação com a carreira e menor satisfação com a vida (Hagmaier et al., 2018) e pensamentos de abandonar a profissão (Watts & Robertson, 2011).
A maior variabilidade emocional do trabalho se relacionou a níveis mais baixos de satisfação no trabalho e níveis mais altos de afastamento do trabalho (Scott et al., 2012). De acordo com Bosi (2019), professores de Pós-graduação tendem a se sentirem rejeitados e fracassados quando uma revista científica rejeita seus artigos para publicação, quando não são comtemplados por um edital ou quando não alcançam os critérios para receber a bolsa produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Quanto à remuneração, o resultado confirma estudos realizados por Palma-Vasquez et al. (2022) e Wagner e Carlesso (2019). Embora a remuneração não seja um fator decisivo para o abandono da profissão, este apresenta um peso importante na decisão, pois além de ser uma questão de sobrevivência é também um fator que representa a valorização e reconhecimento profissional (Cavalcante & Farias, 2020). Os maiores índices de insatisfação no trabalho relatados pelos orientadores no nível de Pós-graduação foram relacionados ao salário incompatível com experiência e responsabilidade, estrutura organizacional da universidade e carga de trabalho (Teixeira, 2020).
No que diz respeito à idade, o fato de profissionais com mais idade apresentarem menos pensamentos de deixar a profissão, pode-se pensar que professores com mais idade e experiência, desenvolvem estratégias para lidar melhor com estressores no trabalho conforme análise realizada em estudo de Faisal et al. (2019).
A mudança de profissão é realizada por professores em busca de maior qualidade de vida. Embora cientes de que a carga de trabalho seria um desafio, e isso não os impediu que entrassem na profissão, mas a realidade se mostrou mais desgastante (Perryman & Calvert, 2019). Trabalhar na Pós-graduação é condição de destaque na docência, sendo um emblema de crescimento intelectual e sucesso na carreira (Bosi, 2019).
Conclui-se, a partir dos resultados, que a intenção de abandono profissional em professores, de acordo com os cinco níveis investigados, é explicada por um conjunto complexo de variáveis. Destaca-se que para todos os níveis a síndrome de burnout foi a variável de maior poder preditivo relativo corroborando a literatura que estabelece esta relação com professores de Ensino Infantil (Schaack et al., 2020), Educação Básica (Rajendran et al., 2020), Ensino Médio (Lee, 2019) e Ensino Superior (Watts & Robertson, 2011). Pode-se pensar que professores que apresentam indicativos da síndrome de burnout possuem menor ilusão pelo trabalho, dimensão de burnout que indica o desejo do indivíduo de alcançar suas metas de trabalho e avaliar seu trabalho como fonte de prazer pessoal, que apresentam desgaste psíquico, esgotamento físico e mental devido ao atendimento de pessoas que apresentam ou causam problemas e indolência caracterizada pela presença de atitudes negativas de indiferença e distanciamento frente aos alunos, colegas e instituição de ensino apresentem em maior frequência pensamentos de abandonar a profissão.
Como forças do estudo, destaca-se a relevância do tema proposto, o fato de ser o primeiro estudo nacional que avalia a intenção do abandono simultaneamente em cinco níveis de ensino, a adequada consistência interna das medidas utilizadas e a elevada magnitude do efeito dos modelos obtidos. O estudo apresenta três limitações, que devem ser consideradas na apreensão de seus resultados. A primeira diz respeito ao seu delineamento transversal que impede inferência causais, a segunda se refere à utilização de uma amostra não probabilística que impede a generalização dos seus resultados e a terceira deve-se ao fato de o estudo ter sido realizado com participantes de um estado específico da região sul do Brasil que pode apresentar características e cultura de trabalho diferenciadas de outras regiões.
Como novas possibilidades de pesquisas, sugere-se a realização de estudos longitudinais com amostras aleatórias estratificadas de outros estados ou regiões do Brasil a fim de verificar a estabilidade dos modelos identificados. Variáveis de natureza organizacionais também podem ser incluídas a fim de aumentar o poder explicativo da intenção de abandono profissional. Como implicações para a prática é importante destacar a necessidade de intervenções diferenciadas para a prevenção de desligamento da profissão e manutenção dos professores no ensino, principalmente para os profissionais mais jovens e com menor experiência profissional. Destaca-se a importância de ações efetivas para prevenir a síndrome de burnout uma vez que se mostrou explicativa para todos os níveis de ensino.
A manutenção da profissão docente representa um grande desafio a ser enfrentado por gestores educacionais e professores, portanto é de fundamental importância a criação de um ambiente social saudável que estimule o apoio e suporte social entre professores e estudantes como estratégia para o enfrentamento do estressores ocupacionais e as altas exigências existentes nesta profissão. Tais medidas podem evitar o desgaste físico e emocional e o alcance de uma melhor qualidade de vida para a comunidade educacional.