Introdução
A socialização da emoção (SE) faz referência ao processo pelo qual as crianças aprendem a compreender, expressar e regular suas emoções segundo seu contexto cultural (Halberstadt & Lozada, 2011; Kitzmann, 2012). Esse termo apareceu pela primeira vez na psicologia nos anos de 1920, porém os estudos empíricos sobre o tema começaram a ser publicados nos jornais na década de 1980 (Kitzmann, 2012). No início, esse processo foi descrito como natural, universal e sem aparente conexão com a cultura, o que pode ser explicado pelo fato de que a psicologia, desde seus primórdios como ciência, procurava por leis universais do comportamento humano. Desta maneira, a cultura e a compreensão das particularidades humanas foram excluídas por muito tempo do discurso psicológico (Kashima & Gelfand, 2012). Especificamente, Raval e Walker (2019) apontam que antes do ano 2000 eram escassos os estudos sobre socialização das emoções em diversos grupos culturais, sendo a maioria das pesquisas feitas com famílias predominantemente de origem europeia-americana.
Uma revisão feita por Raval e Walker (2019) salienta que o aspecto mais estudado nas últimas décadas é o funcionamento e bem-estar nas crianças, concluindo que as práticas parentais de socialização da emoção podem ter bom funcionamento das crianças numa cultura, mas não em outra. Em outra revisão, Bader e Fouts (2019) abordaram a percepção dos pais sobre as emoções de seus filhos considerando os aspectos culturais, psicológicos, ambientais e neurobiológicos, achando poucos estudos que tenham abordado o papel da cultura na percepção dos pais, sendo os participantes de origem e contextos ocidentais super-representados. Metodologicamente, salientam que os estudos transculturais são raros pela dificuldade de utilizar métodos padronizados dada a diversidade de fatores contextuais que intervêm nas concepções e práticas parentais.
Por outro lado, durante anos procurou-se compreender a amplitude do conceito de cultura. Assume-se aqui que a cultura é composta por um sistema de significados e de práticas ou atividades compartilhadas por um grupo em particular (Greenfield et al., 2003). Especificamente, tem-se considerado a socialização da emoção como o meio entre o contexto cultural e o funcionamento emocional das crianças, sendo que a cultura intervém na relação entre pais-filhos a partir de práticas que se definem de acordo com um sistema de crenças que organizam o contexto de desenvolvimento emocional (Lozada & Halberstadt, 2015). Nesse sentido, o papel da cultura e as variações culturais na socialização das emoções podem ser conhecidas a partir do estudo dos valores, práticas e etnoteorias das mães e pais (Kärtner et al., 2012). Embora os pais não sejam os únicos agentes socializadores, seu papel é de suma importância para compreender este processo (Camras et al., 2014).
De modo acentuado, a socialização das emoções como tema de pesquisa tem suscitado diversos estudos nos dias atuais. Ainda que a produção científica sobre a dimensão cultural seja relativamente recente, uma revisão da literatura já é possível em razão do interesse crescente sobre este tema. Neste sentido, para orientar esta revisão lançou-se a seguinte pergunta: quais são as características e resultados dos estudos que abordaram a socialização de emoções em amostras de mães e pais de origem não ocidental? Por isso, o objetivo desta revisão integrativa é identificar as características teóricas e metodológicas e os principais resultados dos estudos que abordam a socialização das emoções entre mães e pais de diversas culturas não ocidentais. Para alcançar este objetivo, a revisão envolveu uma estrutura que consistiu na apresentação dos resultados organizados a partir das abordagens teóricas empregadas nos estudos, as características metodológicas e as principais descobertas das investigações, o que permitiu entender melhor os avanços na pesquisa sobre as variações culturais na socialização das emoções, identificar as lacunas ainda presentes na literatura e propor orientações para futuras pesquisas.
Método
Realizou-se uma revisão integrativa de literatura, como proposto por Mendes et al. (2008), que se diferencia das sistemáticas ou meta-análises, por não focalizarem evidencias quantitativas e experimentais, mas, sim, sintetizarem resultados de pesquisas de diferentes metodologias. Além disso, esta orientação metodológica tornou possível incluir as mais diversas abordagens teóricas empregadas nas perquisas empíricas, permitindo fazer uma revisão mais ampla e profunda do tema estudado. Desse modo, esta revisão foi orientada pelas seis etapas sugeridas por Mendes et al. (2008): estabelecimento da questão de pesquisa, busca na literatura a partir do estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão, categorização dos estudos e definição das informações a serem extraídas dos estudos, avaliação dos estudos incluídos, interpretação dos resultados e síntese do conhecimento ou apresentação da revisão.
A primeira etapa consistiu em formular as perguntas de pesquisa que dirigirão os objetivos a serem alcançados. Assim, como foi salientado anteriormente, o objetivo desta revisão foi orientado pela seguinte pergunta: quais são as características e resultados dos estudos que investigaram aspectos da socialização das emoções entre mães e pais representantes de diversas culturas não ocidentais? De maneira específica, procurou-se conhecer: quais são as caraterísticas teóricas e metodológicas dos estudos? Quais são os resultados encontrados?
Para alcançar os objetivos, uma busca começou a ser feita no início de abril e finalizou em agosto de 2020 nas bases de dados Scopus, Science Direct, SAGE Journals, Scielo e Redalyc. Em cada base foi procurado no título, nas palavras-chave (keywords) e no resumo (abstract) dos artigos os termos “socialization” AND “emotion” AND “culture” para o caso do inglês, “socialización” AND “emoción” AND “cultura” para espanhol, enquanto para o português foram pesquisados os termos “socialização” AND “emoção” AND “cultura”. No caso dos termos em espanhol e português, usamo-los nas bases Scielo e Redalyc.
Para a seleção dos artigos foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão: artigos provenientes de pesquisa empírica, publicados no período 2010-2020, em inglês, espanhol e português, com amostra de mães e pais de culturas não ocidentais (por exemplo: chineses e indianos), podendo ter amostras ocidentais somente para efeito de comparação com participantes de outras culturas no mesmo estudo. Deu-se ênfase às amostras não ocidentais, já que estas têm sido sub-representadas na pesquisa psicológica, assim como um intento de evidenciar as diversas formas de se socializar as emoções, além da visão predominante europeia-americana. Foram considerados ainda aqueles artigos que envolviam mães e pais com ou sem filhos incluídos no estudo. A Figura 1 apresenta um fluxograma do processo que orientou a seleção dos artigos e a conformação da amostra.
Os artigos excluídos foram aqueles que estudavam a socialização das emoções sem considerar a cultura no processo, com amostras compostas apenas por crianças ou com população ocidental exclusivamente ou multicultural não especificada, além de predominantemente caucasiana ou com temática diferente à socialização de emoção. Ao final, um total de 33 artigos foram incluídos para análise de acordo com os critérios de inclusão.
Para identificar as características dos estudos foram extraídos três tipos de dados em cada artigo: 1) dados descritivos como autor, ano de publicação, revista; 2) abordagem teórica; 3) dados metodológicos como objetivo do estudo, amostra, técnicas e instrumentos; e 4) resultados.
Os artigos foram lidos completamente e sistematizados em tabelas compostas no software Excel. Em particular, os dados de análise de cada artigo foram classificados em categorias temáticas baseadas na proposta de análise qualitativa de Rodríguez et al. (1996). Para a apresentação desta revisão de literatura, fez-se uma revisão teórica dos estudos, uma exploração dos métodos empregados e uma análise temática dos resultados dos artigos considerados.
Resultados
Os artigos que ao final integraram esta revisão foram 33. Os resultados específicos sobre as características dos estudos se apresentam a continuação como segue: 1) abordagens teóricas; 2) aspectos metodológicos; 3) resultados organizados por subcategorias temáticas. A Tabela 1 apresenta uma síntese dos estudos com ênfase na metodologia e organizados pelas seis subcategorias temáticas dos resultados.
Autor (es), ano | Participantes | Instrumentos |
Funcionamento e bem-estar das crianças | ||
Raval et al. (2014) | 110 indianas | Questionário, escalas |
Raval et al. (2018) | 238 indianos | Questionários, escalas |
McCord & Raval (2016) | 34 indianas, 38 brancas-americanas | Escalas, questionário, lista de controle |
Lugo-Candelas et al. (2015) | 38 latinas, 96 europeias-americanas | Gravações de áudio, escala |
Yang et al. (2020) | 58 chinesas imigrantes 59 europeias-americanas | Tarefas, escalas, lista de controle, enquete |
Bowie et al. (2011) | Famílias de africanos-americanos, europeus-americanos e multirracial | Escalas, entrevistas |
Rodas et al. (2017) | 264 anglos, 80 latinos | Teste, escalas, lista de controle |
Raval et al. (2018) | 147 indianas, 158 chinesas | Questionários, escalas |
Corapci et al. (2012) | 140 turcas | Escalas |
Karkhanis & Winsler (2016) | 40 caucásicas (EUA), 32 indianas-americanas, 64 indianas | Questionário, auto teste, inventário, escalas |
Chen et al. (2011) | Famílias de chineses | Questionários, escalas |
Di Giunta et al. (2020) | 1 298 famílias de 12 grupos culturais de 9 países | Escalas, questionários, lista controle |
Modelos culturais e expressão emocional | ||
Trommsdorff & Friedlmeier (2010) | 20 japonesas, 30 alemãs | Tarefas |
Trommsdorf et al. (2012) | 479 mães de cinco países (Índia, Nepal, Alemanha, Estados Unidos e Coreia do Sul) | Entrevistas, escalas |
Her et al. (2012) | 41 africanas-americanas, 41 europeias-americanas, 31 indígenas Lumbee | Questionários, tarefa lúdica |
Corapci et al. (2017) | 52 turcas, 40 romenas, 51 europeias-americanas | Vinhetas de elicitação, escala, questionário |
Raval et al. (2013) | 60 indianas de subúrbios, 60 indianas de cidade velha, 60 europeias-americanas | Questionário, entrevistas |
Louie et al. (2013) | 46 asiáticos-americanos, 42 coreanos, 39 europeus-americanos | Escalas, Questionário, Tarefas de elicitação |
Chen & Zhou (2019) | 210 chineses americanos imigrantes | Questionário, escala |
Reações parentais diante das emoções das crianças | ||
Mckee et al. (2015) | 20 africanas-americanas | Entrevistas |
Sosa-Hernandez et al. (2020) | 870 (17% asiáticos, 59% brancos e 18% negros) | Escalas, inventario, lista de controle |
Raval et al. (2016) | 146 indianas | Questionários |
Fishman et al. (2014) | 15 indianas migrantes | Escala, entrevistas |
Raval & Martini (2011) | 120 indianas | Questionário, entrevistas |
Bader et al. (2019) | 29 gamos (Etiópia) | Entrevistas, observações |
Práticas narrativas | ||
Doan & Wang (2010) | 60 chinesas imigrantes, 71 europeias-americanas | Tarefas narrativas, inventario |
Wang (2013) | 58 chinesas nativas, 60 chinesas imigrantes | Tarefas narrativas |
Tao et al. (2012) | 187 chinesas-americanas imigrantes | Tarefas narrativas, escalas |
Curtis et al. (2020) | 207 chineses-americanos | Tarefas, escalas, questionários |
Práticas de criação das crianças | ||
Röttger-Rössler et al. (2013) | Mães e pais dos grupos étnicos: Minangkabau de Indonesia e Bara de Madagascar | Observação participante, censo, entrevistas não estruturadas, semiestruturadas e estruturadas, etnolexicografía, observação sistemática |
Röttger-Rössler et al. (2015) | Mães e pais dos grupos étnicos: Bara de Madagascar e Tao de Taiwan | Observação participativa, entrevistas não estruturadas, semiestruturadas etnolexicografía, observação sistemática, documentação |
Crenças parentais sobre as emoções das crianças | ||
Remorini (2012) | Mães, pais e cuidadores de comunidades argentinas: indígena Mbya Guarani e crioula de Molinos, Província Salta. | Etnografia, observação etnográfica, entrevistas, documentação de vídeos e fotográfica |
Kwong et al. (2018) | 16 chinesas | Grupo de foco |
Abordagem teórica dos estudos
Nessa revisão, nem todos os estudos deixaram explícita sua abordagem teórica. Nos casos em que o fizeram (n = 18), concluiu-se que dois enfoques teóricos foram os mais utilizados: as abordagens ecológicas (n = 5) e o modelo heurístico da socialização da emoção (n = 5).
Nas abordagens ecológicas se destacou o modelo bioecológico de Bronfenbrenner (1987) que propõe a existência de relações recíprocas entre o indivíduo e seu ambiente em diferentes níveis e sistemas, sendo utilizado para estudar a expressão emocional e orientação cultural em adultos e seus filhos (Chen & Zhou, 2019). Outra abordagem, o nicho do desenvolvimento proposto por Super e Harkness (1986), sustenta que o entorno imediato das crianças se encontra estruturado pelas etnoteorias parentais, as práticas de criação e o entorno físico e social. Essa foi empregada para estudar as etnoteorias parentais sobre a infância e as expressões emocionais (Remorini, 2012), assim como para identificar as teorias intuitivas sobre a socialização das emoções das crianças (Trommsdorff et al., 2012). Também foi usado o modelo ecossistêmico de García (1996) que considera como uma cultura se adapta às demandas contextuais. Esse foi utilizado para explorar a percepção parental sobre a competência socioemocional das crianças (Kwong et al., 2018). Quanto ao modelo ecocultural do desenvolvimento proposto por Keller e Kärtner (2013) considera que o contexto ecossocial e os modelos culturais impactam no desenvolvimento das crianças. Esse foi empregado para estudar o contexto ecocultural dos sentimentos e percepções de mães diante das emoções negativas de seus bebês (Bader et al., 2019).
O modelo heurístico da socialização da emoção proposto por Eisenberg et al. (1998) aponta que os pais socializam as emoções de seus filhos através de três métodos: respostas dos pais às emoções, discussão da emoção entre pais e filhos, e modelagem dos pais através da expressão de sua própria emoção. Esta abordagem foi utilizada para examinar a relação entre as respostas de mães às emoções negativas de seus filhos e problemas de conduta das crianças (McCord & Raval, 2015), o vínculo entre respostas parentais e depressão nas crianças (Raval et al., 2018), práticas de socialização da emoção e problemas de comportamento (Lugo-Candelas et al., 2015), respostas maternas diante das emoções negativas das crianças (Raval et al., 2016) e a fala emocional parental (Curtis et al., 2020).
Uma abordagem clássica são os modelos culturais, independente e interdependente, o primeiro predominante em sociedades europeias-americanas e caracterizado pela promoção da autonomia, o segundo descreve o indivíduo em relação aos outros, presente principalmente em sociedades não ocidentais (Keller & Otto, 2009; Markus & Kitayama, 1991). Esta abordagem foi utilizada (n = 3) para estudar a socialização da emoção considerando os modelos culturais (Corapci et al., 2017; Raval et al., 2013) e para explorar o impacto da cultura na expressão emocional negativa de crianças e reação materna (Trommsdorff & Friedlmeier, 2010). Um terceiro modelo foi identificado, o autônomo-relacional, onde coexistem os dois outros e sua intersecção. Nas sociedades urbanas não-ocidentais , apresenta-se não apenas com desenvolvimento social e econômico, mas também com a manutenção de valores tradicionais (Kagitcibasi, 2017).
A meta filosofia parental da emoção (n = 2), abordagem proposta por Gottman et al. (1996), segundo a qual as pessoas têm um conjunto de pensamentos sobre suas próprias emoções e das crianças, foi utilizada para estudar a relação entre a filosofia parental sobre as emoções e problemas nas crianças (Karkhanis & Winsler, 2016), e para explorar a filosofia parental sobre as emoções maternas e suas reações às emoções negativas das crianças (Fishman et al., 2014).
Alguns estudos utilizaram abordagens provenientes da antropologia em combinação com propostas psicológicas (n = 2), tais como os universais da criação dos filhos de Quinn (2005), onde Röttger-Rössler et al. (2013) adicionaram o termo de socializar a emoção e utilizaram o princípio genético do desenvolvimento psicológico de Vygotsky (1997) para estudar as práticas de criação envolvidas na socialização da emoção em duas culturas. Igualmente, Röttger-Rössler et al. (2015) combinaram o modelo de internalização do desenvolvimento emocional e as propostas sobre a socialização das emoções da antropologia da emoção para articular o conceito de socializar as emoções e estudar as práticas de criação que estimulam a socialização da emoção e identificar as emoções socializadoras em duas culturas.
Finalmente a abordagem funcional do desenvolvimento (n = 1), que propõe que as funções das emoções e os objetivos emocionais mudam ao longo da vida de acordo com as metas do entorno cultural, foi empregada para estudar a expressão emocional nos adultos e sua relação com a orientação cultural dos filhos (Chen & Zhou, 2019).
Caraterísticas metodológicas dos estudos
Em relação à metodologia, os métodos quantitativos foram os mais usados (n = 30), com a aplicação de instrumentos como as escalas, questionários e testes. Em menor medida foram empregados os métodos qualitativos como a etnografia (n = 3). Os participantes dos estudos foram predominantemente de origem asiática (n = 26), seguidos de africanos (n = 8), e em menor medida latinos (n = 4), alguns deles no mesmo estudo ou comparados com amostras de europeus-americanos. Todos os estudos contaram com a presença de mães, e menor participação de pais (n = 9).
Em alguns estudos (n = 5), os participantes foram abordados como famílias ou dados específicos com respeito às amostras não foram informados. Estudos que utilizaram o método etnográfico (n = 3) abordaram os participantes como comunidades culturais. Por exemplo, Röttger-Rössler et al. (2013) estudaram as práticas de criação e a socialização da emoção em duas comunidades, Bara e Minangkabau. Outro estudo desenvolvido por Röttger-Rössler et al. (2015) utilizaram o método etnográfico para estudar as práticas de criação envolvidas na socialização da emoção em duas comunidades, Bara e Tao. Igualmente, Remorini (2012) utilizou o método etnográfico para estudar os discursos sobre a expressão emocional das crianças em dois contextos ecológicos da Argentina.
Resultados encontrados nos estudos
Nesta seção, se apresentam os resultados dos estudos que abordaram diversos aspectos da socialização da emoção organizados em seis subcategorias temáticas.
Funcionamento e bem-estar dad crianças
Esta subcategoria apresenta os resultados do tema mais desenvolvido (n = 12), refere-se a como a socialização da emoção se relaciona com o funcionamento e bem-estar das crianças. A pesquisa a respeito indica que as práticas de pais americanos-europeus contribuem para um bom funcionamento nas crianças, mas há questionamentos se aquelas práticas levam a um desenvolvimento emocional ótimo em culturas não ocidentais (Bowie et al., 2011). Pesquisas como a de Raval et al. (2014) demostraram que as metas de socialização relacionais e interdependentes de mães indianas, assim como suas condutas orientadas à explicação em resposta à expressão da raiva e tristeza de seus filhos não se relacionam com o funcionamento socioemocional (por exemplo: desregulação emocional, problemas de conduta) das crianças. Igualmente, Raval et al. (2018) não encontraram entre pais indianos relação entre as estratégias de resposta ao afeto positivo de seus filhos, como o amortecimento (minimizar ou ignorar as expressões emocionais positivas, castigar) ou o aumento da regulação (promover as experencias emocionais positivas, tempo com a criança), com a depressão das crianças.
Alguns trabalhos mostraram como as mesmas condutas parentais de socialização da emoção podem ter consequências diferentes para as crianças dependendo da sua origem cultural. Por exemplo, McCord e Raval (2015) evidenciaram como o alto nível de expressão emocional das mães americanas, não tem relação com problemas em seus filhos, mas em mães indianas se relacionam com problemas de conduta nas crianças. Entretanto, o controle da expressão da raiva entre mães indianas não esteve associado com problemas nas crianças. Também Lugo-Candelas et al. (2015) mostraram como o maior uso da minimização das mães latinas às emoções negativas de seus filhos não tem consequências no bem-estar das crianças. Da mesma forma, Yang et al. (2020) concluíram que as estratégias das mães chinesas imigrantes de não apoio (punição, minimização) diante das emoções negativas das crianças não mostraram efeitos negativos. No caso das mães americanas e europeias, encontrou-se que estas estratégias não apoiadoras resultavam em problemas comportamentais entre filhos.
Outrossim, Bowie et al. (2011) revelaram que nas famílias africanas americanas onde os pais treinavam (por exemplo: em reconhecer emoções próprias) a seus filhos para aprender a regular a tristeza e a raiva apresentavam níveis baixos de sintomas de ansiedade e depressão. Especificamente, Rodas et al. (2017) mostraram que entre mães latinas com filhos com deficiência, suas reações de apoio (por exemplo: reações focadas na emoção e encorajamento expressivo) às emoções das crianças, levaram a níveis baixos de problemas de comportamento. Mas o contrário foi encontrado com os pais latinos: o apoio contribuiu para problemas de conduta.
Também Raval et al. (2018) mostraram que, em uma amostra composta por mães asiáticas (indianas e chinesas), incentivar as crianças a expressar suas emoções resultou em resposta parental não apropriada, nem adaptativa. Além disso minimização de emoções das crianças não se relacionou com problemas de conduta na amostra pesquisada. Nessa direção, Corapci et al. (2012) demonstraram que as mães turcas tendem a promover a expressão de tristeza mais que da raiva, sendo que nenhuma das respostas maternas foi associada ao funcionamento das crianças.
No entanto, se identificou que algumas práticas podem levar a resultados de mal funcionamento nas crianças. Karkhanis e Winsler (2016) evidenciaram que, em comparação com as mães caucásicas e indianas americanas, as mães indianas não respondem à afetividade negativa, nem fazem treinamento das emoções das crianças, resultando crianças com maior ansiedade. Particularmente, Chen et al. (2011) demonstraram que a expressividade emocional dominante negativa e estilo parental autoritário de pais chineses predisse problemas nas crianças. Também Di Giunta et al. (2020) descobriram numa amostra transcultural (12 grupos culturais de 9 países), que as mães e pais com maior irritabilidade e baixa regulação da raiva utilizavam um estilo de paternidade severa e tinham filhos adolescentes com alto grau de irritabilidade e problemas; encontrando semelhanças entre as culturas estudadas.
Modelos culturais e expressão emocional
Esta subcategoria contém resultados sobre a socialização da emoção e modelos culturais independente, interdependente e autônomo-relacional (n = 7). Os estudos demonstraram como a origem cultural dos participantes correspondia ao modelo cultural já documentado na literatura. Por exemplo, Trommsdorff e Friedlmeier (2010) encontraram como as mães alemãs deram suporte à angústia das crianças, promovendo sua expressão, próprio do modelo cultural independente. Enquanto as mães japonesas promoveram mais a preocupação por outros nas crianças, concordando com os valores culturais do modelo interdependente. Também Trommsdorff et al. (2012) detectaram as habilidades sociais ideais numa criança emocionalmente competente entre mães de cinco culturas diferentes, achando que as asiáticas se enfocaram na obediência e respeito, valores da interdependência, enquanto as estadunidenses e alemãs salientaram o comportamento autônomo, próprio do desenvolvimento da independência.
Especificamente, Her et al. (2012) pesquisaram as crenças e discurso dos pais e sua relação com o self-construal independente e interdependente das crianças em três grupos étnicos: os afro-americanos, europeu-americanos e Lumbee indígenas-americanos. O self-construal faz referência à própria definição, enfatizando a individualidade, independente, ou a relação com outros, interdependente. Os autores observaram nos pais dos três grupos pesquisados a crença de que as emoções podem ser perigosas, sendo relacionada com menos ênfase na construção do sefl-construal, tanto independente como interdependente das crianças pesquisadas. As diferenças entre os grupos foram inesperadas, pois se localizou maior ênfase na independência no grupo Lumbee que nos demais grupos.
A expressão emocional segundo o modelo cultural também foi identificada. Por exemplo, Corapci et al. (2017) mostraram como as mães turcas e romanas correspondiam ao modelo autônomo relacional, desalentando a raiva, enquanto as mães europeias-americanas promoviam um modelo de independência nas crianças, fomentando a alegria. Igualmente, Raval et al. (2013) constataram que as mães indianas da cidade velha mostraram mais probabilidade de desalentar a expressão de raiva e tristeza, consistente com o modelo interdependente e as mães indianas dos subúrbios apresentaram uma síntese entre o modelo indiano tradicional e o modelo ocidental, relacionada com o modelo autônomo-relacional. As mães estadunidenses reportaram maior promoção das expressões de raiva e tristeza, consistente com um modelo independente.
Particularmente, Louie et al. (2013) evidenciaram que os pais coreanos e os asiáticos-americanos mostraram mais controle e supressão das emoções em comparação com pais europeus-americanos. Por outro lado, Chen e Zhou (2019) mostraram que os pais podem expressar mais emoções positivas se, na família, eles e seus filhos tiverem uma baixa orientação cultural chinesa e mais orientada à cultura americana, enquanto que se tiverem uma orientação cultural chinesa apresentavam uma menor expressão emocional.
Reações parentais diante das emoções das crianças
Nesta subcategoria se encontram os resultados sobre as reações das mães às emoções de seus filhos (n = 6). McKee et al. (2015) acharam que mães africanas com história de depressão promovem as emoções positivas de seus filhos. Particularmente, Sosa-Hernández et al. (2020) estudaram as respostas ante as emoções dos filhos de pais asiáticos, brancos e afro-americanos; eles evidenciaram que pais asiáticos eram mais propensos do que os pais brancos a adotar um perfil de resposta de ensino e focado no problema, sendo valorados a supressão e inibição emocional. Comparados com os pais afro-americanos, os pais brancos enfatizavam mais um perfil voltado para o ensino e focalizado no problema. Ao passo que, os pais afro-americanos eram mais propensos à proteção e desenvolvimento da resiliência.
Alguns estudos desenvolvidos em amostras de mães indianas apresentaram resultados similares, sendo desalentar, ignorar, adaptar-se e seguir em frente as reações mais comuns diante das emoções negativas das crianças. Por exemplo, Raval et al. (2016) mostraram que as mães indianas aceitam em maior medida as emoções negativas como a tristeza e raiva em contextos interpessoais e menos no acadêmico. Também Fishman et al. (2014) identificaram entre mães indianas migrantes como as emoções negativas foram consideradas inevitáveis e a reação mais prática foi seguir em frente com a vida. Enquanto, Raval e Martini (2011) evidenciaram como as mães indianas reagiram com comportamentos mais punitivos e minimizadores à raiva e tristeza das crianças com problemas, já que as crianças devem entender e se adaptar à situação.
Especificamente, Bader et al. (2019) encontraram variedade intracultural nos sentimentos e reações das mães Gamo (Etiópia) diante das emoções negativas de seus bebês, algumas expressaram que se sentiram estressadas e reagiram com menos proximidade aos bebês, e outras, que não apresentaram estresse, se relacionavam mais com os bebês.
Práticas narrativas
Uma forma de socializar as emoções implica a narração ou conversa sobre emoções entre mães e seus filhos (n = 4). Nesta subcategoria, Doan e Wang (2010) mostraram que as mães chinesas migrantes fizeram mais referências a manifestações físicas e condutas em suas narrativas, e as mães europeias-americanas se enfocaram mais nos estados mentais e emocionais.
Igualmente, Wang (2013) constatou que mães chinesas imigrantes fazem menos explicações emocionais nas narrativas e procuram compreender as emoções de outros, enquanto que as mães chinesas nativas, promovem a explicação e discussão dos estados emocionais, reflexo dos valores ocidentais adotados pela modernização na China. Também, Tao et al. (2012) evidenciaram como uma maior afiliação materna à cultura chinesa predisse menos conteúdo e discussão emocional. A aculturação das mães chinesas à cultura americana se associou com o uso de palavras das emoções positivas e explicações emocionais.
Particularmente, Curtis et al. (2020) acharam que os pais chineses americanos de nível socioeconômico alto e com domínio de inglês mostraram maior qualidade de fala emocional, ao passo que o alto domínio de chinês foi associado à baixa narrativa emocional.
Práticas de criação das crianças
Nesta subcategoria, abordam-se as crenças e práticas de criação que levam ao desenvolvimento de processos de socialização específicos (n = 2). Por exemplo, Röttger-Rössler et al. (2013) revelaram que na cultura Minangkabau (Indonésia) as estratégias de criação para fomentar a socialização do malu (trad. vergonha) se caracterizam pela exposição pública, o ridículo, promovendo o controle das emoções, como o mara (trad. raiva). Enquanto na cultura Bara, deMadagascar, a socialização do tahotsy (trad. medo) se enfoca em bater, privar de alimentos e em ameaças. Igualmente, Röttger-Rössler et al. (2015) identificaram que entre os Bara o tahotsy é uma emoção socializadora que usa o castigo corporal para a formação das crianças para o mahitsy, comportamento caraterizado pela obediência e aceitação da subordinação. Enquanto que na cultura Tao, deTaiwan, se concentram em promover a maníahey (trad. ansiedade), o manig (trad. vergonha relacionada com a exposição social) e masnek (trad. vergonha pelas violações às normas), procurando conscientizar às crianças sobre os perigos de seu entorno para elas ficarem cautelosas.
Crenças parentais sobre as emoções das crianças
Finalmente, nesta subcategoria alguns estudos (n = 2) abordaram as crenças dos pais sobre o que esperam das emoções das crianças. Remorini (2012) estudou em dois contextos ecológicos contrastantes da Argentina os discursos das mães, concluindo que, para os Mbya, o controle do choro (expressão emocional) significa que a criança está entendendo e crescendo de acordo com as expetativas culturais, enquanto que os pais de Molinos esperam que as crianças sejam tranquilas, silenciosas e responsáveis, para que permitam às mães fazerem suas atividades e labores diários.
Também Kwong et al. (2018) mostraram que os chineses esperam que uma criança competente possa compreender as emoções de outros para estabelecer relações sociais, além de defender ou liderar o grupo.
Discussão
As abordagens ecológicas e o modelo heurístico de socialização da emoção predominaram nos estudos nesta revisão. Halberstadt e Lozada (2011) indicaram que no princípio os quadros coletivista/individualista e distância do poder foram as primeiras abordagens para estudar a socialização das emoções em diferentes culturas. Neste sentido, se observaram mudanças no marco teórico e conceitual no estudo deste processo de socialização.
Especificamente, o modelo heurístico de Eisenberg et al. (1998) é questionado porque, segundo Raval et al. (2014), apoia a ideia de que a socialização da emoção concorda com as práticas europeias americanas, mas não com outras amostras, como a asiática. Também Fishman et al. (2014) apontam que a meta da filosofia parental da emoção de Gottman et al. (1996) prioriza as metas e valores individuais, enfatizando o modelo cultural de independência. A este respeito, existe um padrão dominante nas abordagens teóricas da psicologia que promove a aplicação universal dos resultados, onde a referência é a cultura ocidental, sendo que as diferencias culturais são consideradas como exceções (Hruschka et al., 2018). Por isso, é urgente que se planteiem abordagens teóricas, como as ecológicas, que explicitamente considerem os contextos sociais, culturais e ambientais (Gurven, 2018), de tal forma que permitam maior compreensão do processo e gerem mais questionamentos.
Quanto à questão metodológica, nesta revisão predominou o uso de metodologias e técnicas quantitativas, sendo escassos os estudos qualitativos, como a etnografia. Possivelmente a psicologia ainda considera que os métodos quantitativos providenciam evidência mais confiável que os métodos qualitativos, pois se baseiam ainda na perspectiva que procura a medição e relações causa-efeito, sendo a diversidade cultural ainda medida como uma variável. Além de que métodos como a etnografia proveem de abordagens antropológicos onde o que se procura é aprofundar nas práticas e significados de um grupo em particular em detalhe. Os estudos transculturais tem feito a comparação da socialização das emoções de diversas culturas, mais ainda mantem a ideia subjacente de que existe uma psique universal e que a cultura pode ser considerada uma caraterística variável a mais. Neste contexto, uma abordagem mista poderia ampliar o conhecimento sobre os processos de socialização da emoção em diversos contextos culturais. Autores como Amir e McAuliffe (2020) propõem que se complementem os estudos múltiplos de lugares diferentes com padronização para obter amplitude, em combinação com abordagens direcionadas ao detalhe, que permita compreender a profundidade de um fato, como a etnografia. Além disso, é necessária uma abordagem interdisciplinar, onde métodos de diversas disciplinas possam complementar-se para compreender a complexidade da cultura nos processos de socialização das emoções.
Um dado que chama a atenção é a predominância de amostras asiáticas, e menor presença de participantes latinos. Na pesquisa feita em bases representativas da América Latina, como Scielo e Redalyc, só foi encontrado um registro. Talvez em América Latina, ainda que exista uma grande diversidade cultural, muitas práticas dos povos indígenas não constituem a prioridade nas pesquisas psicológicas. Embora estudos etnográficos tenham reportado importantes descobertas sobre a socialização das emoções em povos da América Latina ( Remorini, 2012).
Por outra parte, mesmo que consideram a cultura, alguns estudos não informam detalhes sobre os participantes, o que também foi evidenciado nos estudos de psicologia em geral, onde as especificidades das amostras não são consideradas e dados referentes à cultura ou contexto são ignorados (Rad et al., 2018). De tal forma que, uma recomendação para pesquisas futuras é citar as caraterísticas das amostras e considerar os efeitos da origem cultural nas análises dos estusdos.
Com respeito aos resultados dos estudos nesta revisão, foi evidenciada a variabilidade da socialização da emoção em pais de diversos grupos culturais em diversos aspectos, tais como o funcionamento das crianças, que foi oelemento mais estudado, as reações parentais, expressão emocional, modelos culturais, narrativa emocional, práticas de socialização e etnoteorias parentais. O que chama a atenção é como o que pode constituir uma prática de socialização emocional efetiva numa cultura, pode significar o contrário em outra, especialmente no funcionamento emocional das crianças. Nos resultados podem ser encontradas evidências de aspectos emergentes, por exemplo, as reações parentais às emoções de filhos com deficiência, as diferenças na expressão emocional em contextos transculturais, as práticas de socialização e etnoteorias parentais mostraram o específico que pode ser a socialização de emoções. Também se apresentaram resultados esperados, como os dos modelos culturais, que já têm sido documentados na literatura. Processos como os migratórios foram salientados, em especial nos estudos de narrativa emocional. Em conjunto mostram a complexidade da socialização das emoções, evidenciando a importância de não ignorar as variações culturais.
Essas descobertas têm importantes implicações teóricas e práticas dada a relevância e necessidade de se formular propostas com pertinência cultural que contribuam para melhorar os programas e atendimentos psicológicos nos dias atuais e não unicamente permitir comparações com o ocidente e apontar diferenças observadas nas pesquisas. A socialização das emoções que ocorre dentro de cada sociedade ajuda na integração das pessoas na sua comunidade cultural. Na medida em que conhecemos essas práticas e o que é importante e relevante para elas, poderemos fazer intervenções não apenas culturalmente pertinentes, mas também eficazes para garantir que as pessoas tenham bem-estar e desenvolvimento emocional como membros de suas comunidades. Conhecer mais sobre as variações culturais na socialização das emoções também forneceria diretrizes para considerar essa diversidade na formação de psicólogos e outros profissionais. A síntese de estudos é uma referência para a prática profissional fundamentada em evidência científica na medida em que se apoia em estudos contextualizados e sensíveis às características das sociedades não-ocidentais. Teoricamente, assinala o papel das abordagens ecológicas para pesquisas futuras, já que permitem direcionar estudos com perspectivas mais sensíveis à diversidade cultural, investigando mais ampla e detalhadamente a socialização de emoções em culturas não-ocidentais.
Entre os aspectos positivos da presente revisão aponta-se a abrangência dos estudos incluídos em termos das diferentes perspectivas metodológicas por eles adotadas. Além disso, ressalta-se a identificação dos avanços teóricos e metodológicos e não meramente os resultados dos estudos, o qual permite entender com maior amplitude como é estudada a variação cultural da socialização da emoção. Uma das limitações observadas foi que com o processo realizado, poucos estudos foram encontrados, o que mostra que outros aspectos na busca poderiam ser considerados a fim de ter um corpo teórico-metodológico mais robusto.
Finalmente, entre os delineamentos para futuras pesquisas, reforça-se a necessidade de incluir mais os pais como participantes, pois sua presença é escassa. Também a necessidade de estudos com amostras latinas, os quais resultaram pouco representadas. Ainda que não foi o foco da revisão houve a participação das crianças nos estudos, sendo necessário incluí-los desde uma concepção que reconheça sua agência neste processo. Em geral, se precisa formular abordagens e metodologias para aprofundar e ampliar o conhecimento sobre a socialização da emoção e evidenciar a necessidade de considerar a diversidade cultural como inerente ao ser humano.