Introduçao
O início da vida adulta constitui um período pautado por significativas alterações cognitivas e afetivas que se repercutem no desenvolvimento de novas tarefas relacionais e a reorganização dos modelos internos dinâmicos (Bowlby, 1988). A criação e desenvolvimento de relações românticas nesta fase desempenha um papel preponderante no processo de formação da identidade e bem-estar, uma vez que as relações se revestem de um maior significado e estabilidade no tempo (Van de Bongardt et al., 2015; Viejo et al., 2015). Contudo, o estabelecimento de relações fora do seio familiar constitui para os jovens um importante desafio que implica o desenvolvimento de competências interpessoais e regulação emocional que nesta fase se encontram em formação e podem ocasionar vulnerabilidade (Espelage et al., 2015). Nesta medida, as relações de intimidade nos jovens nem sempre são vivenciadas de forma serena e saudável, pautando-se, não tão poucas vezes, pela presença de conflitos ou algum tipo de abuso ou violência (e.g. Barroso-Corroto et al., 2022; Bonache et al., 2016; Choi et al., 2017; Machimbarrena et al., 2018).
De acordo com Wolfe et al. (2001), os conflitos no namoro caracterizam-se pelas estratégias de resolução não abusivas, estratégias de resolução abusivas e comportamentos violentos. As estratégias de resolução não abusivas implicam uma abordagem de compromisso e negociação sem qualquer tipo de abuso ou violência; as estratégias de resolução abusivas implicam o desenvolvimento de ações prejudiciais ao bem-estar e estabilidade emocional do parceiro que implicam ameaças, controlo do comportamento, insultos, humilhações ou comportamentos depreciativos; os comportamentos violentos assumem a forma extrema de conflito que conduzem a alterações muito significativas na vivência afetiva e saúde mental, perturbam a vida diária do companheiro ou ex-companheiro, e englobam formas mais específicas de violência, nomeadamente, violência física, sexual, emocional ou verbal, comportamentos de ameaça efetivos e abuso relacional (Bonache et al., 2016; Machimbarrena et al., 2018; Wolfe et al., 2001).
Embora a construção das relações afetivas nos jovens seja um ensaio para as relações ao longo da adultícia, importa destacar fatores interpessoais e relacionais, como a vinculação insegura (e.g. Letcher & Slesnick, 2014; Mikulincer & Shaver, 2012; Stover et al., 2018), a saúde mental comprometida (e.g. Verhees et al., 2021) e a vivência de conflitos interparentais (e.g. Goncy, 2020) podem prejudicar o desenvolvimento de estratégias de resolução adaptativas no seio dos conflitos no namoro. Paradis et al. (2017) apontam ainda que o desenvolvimento das estratégias de resolução de conflitos pode estar dependente da qualidade da vinculação na relação amorosa e da forma como cada parceiro regula as estratégias para com o companheiro/a.
As primeiras experiências de vinculação mostram-se relevantes na natureza das novas relações, observando-se semelhanças entre os laços de vinculação estabelecidos precocemente e os laços estabelecidos com os parceiros românticos (e.g., Fraley, 2019; Mikulincer & Shaver, 2012; Murta et al., 2019). Jovens com relações precoces pautadas por uma vinculação segura com sentimentos de confiança e apoio tendem a desenvolver comportamentos mais estáveis e confiantes com estratégias de resolução de conflitos construtivas face ao estabelecimento e qualidade das novas relações (Feeney & Karantzas, 2017; Tan et al., 2016). Jovens com padrões de vinculação pautados pela rejeição e baixo suporte emocional tendem a mostrar-se mais evitantes e ambivalentes nas relações de intimidade (Bretaña et al., 2022; Stover et al., 2018), ou excessivamente dependentes e submissos (Marcos et al., 2020), apresentando dificuldade na construção de estratégias de regulação emocional e resolução de conflitos adaptativas (e.g. Santona et al., 2019; Zimmermann & Iwanski, 2014). O desenvolvimento de relações românticas de qualidade nos jovens adultos, relacionam-se com a estabilidade e segurança emocional, operando como porto seguro capaz de proporcionar bem-estar e proteção em momentos de maior dificuldade e desconforto (e.g. Van de Bongardt et al., 2015).
Mas se a qualidade das relações vivenciadas pelos jovens são relevantes para o desenvolvimento de conflitos nas relações amorosas, a literatura tem vindo também a apontar que a exposição precoce a múltiplas formas de conflitos interparentais, e a ausência de práticas educativas adequadas, também consistente com as teorias de aprendizagem social, constituem fatores de risco para o desenvolvimento de relações românticas adaptativas (e.g. Aizpitarte et al., 2017; Bandura, 1986; Bonache et al., 2016; O’Leary, 1988). Neste sentido, a perceção de conflitos interparentais parece desempenhar um papel relevante face ao desenvolvimento de conflitos e violência no namoro (Goncy, 2020). Os conflitos interparentais não resolvidos, particularmente face à sua frequência e intensidade, podem contribuir para o desenvolvimento de comportamentos desadaptativos por parte dos jovens nas suas próprias relações amorosas (Caridade & Machado, 2013; Goncy, 2020; Morris et al., 2015). Esta exposição culmina numa escalada de normalização do uso de estratégias de resolução abusivas, comportamentos violentos e ausência de sensibilidade moral nas relações de intimidade (Bretaña et al., 2022; Costa et al., 2022; Santona et al., 2019; Stover et al., 2018). A exposição continuada e não resolvida dos jovens a todo tipo de conflitos interparentais, não tão poucas vezes ocasiona distúrbios na relação com as figuras parentais, numa dinâmica de triangulação ou coligação que se traduzem frequentemente em processos depressivos e ansiosos (Melo & Mota, 2014; Mota & Matos, 2014; Verhees et al., 2021).
Estudos recentes têm vindo a demonstrar uma significativa associação entre estados depressivos e ansiosos em jovens e o desenvolvimento de violência nas relações de namoro tanto em vítimas como em perpetuadores (e.g. Aizpitarte et al., 2017; Barroso-Corroto et al., 2022). Esta relação parece desenvolver-se de forma recíproca, pelo que a existência de saúde mental comprometida condiciona a qualidade das relações e o desenvolvimento de conflitos e violência no namoro (e.g. Cava et al., 2020; Watt et al., 2016). Todavia relações de namoro pautadas por abusos e violência conduzem frequentemente ao desenvolvimento elevada sensibilidade interpessoal, estados depressivos e ansiosos particularmente nas vítimas (e.g. Choi et al., 2017). A existência de instabilidade emocional nos jovens pode ser considerada uma causa de comportamentos violentos nas relações de namoro, destacando a depressão, estresse pós-traumático e consumo de substâncias psicoativas, como os indicadores psicopatológicos mais comuns (Aizpitarte et al., 2017; Nascimento et al., 2018).
Algumas diferenças são apontadas face à forma como os conflitos no namoro são vivenciados entre sexos, pelo que as jovens do sexo feminino tendem a apresentar mais sensibilidade, sintomatologia depressiva e ansiosa (e.g. Cava et al., 2020). No que concerne às estratégias de resolução de conflitos, a literatura parece inconsistente, pelo que estudos como o de López-Barranco et al. (2022), apontam que as mulheres tendem a perpetrar mais estratégias abusivas (particularmente de difamação verbal ou controlo), enquanto que a nível da vitimização, as estratégias abusivas apresentam níveis semelhantes entre jovens do sexo feminino e masculino. Aguilera-Jiménez et al. (2021) apontam que, enquanto perpetradores, jovens do sexo feminino tendem a apresentar maiores níveis na coerção e violência física, enquanto que jovens do sexo masculino apresentam níveis superiores em estratégias de resolução através da humilhação; porém, a nível da vitimização, são os jovens do sexo masculino que apresentam maiores níveis de violência através da coerção, humilhação e violência física; e as jovens do sexo feminino que são mais vítimas de violência sexual. Por outro lado, Paíno-Quesada et al. (2020) sugerem que apesar das mulheres perpetradoras fazerem mais uso de estratégias de resolução de conflitos através de violência física, quando se reportam níveis severos de violência física e sexual são os homens que apresentam níveis superiores. Os jovens do sexo masculino apresentam tendencialmente menor capacidade de regulação emocional e o acting out assume contornos mais severos, ao invés dos jovens do sexo feminino que tendem a procurar suporte e gerir as emoções de forma mais adaptativa (e.g. Del Giudice, 2019; Machado et al., 2014).
O presente estudo pretende colmatar lacunas existentes na literatura, na medida em que apesar da existência de evidências capazes de trazer modelos preditor de risco dos conflitos no namoro (e.g. Aizpitarte et al., 2017), poucos combinam a perceção do próprio face à sua qualidade da vinculação na relação amorosa, a vivência dos conflitos interparentais no seio familiar e o estado de saúde mental enquanto preditores de estratégias de resolução não abusivas, abusivas e comportamentos violentos. O presente estudo procura, ainda, acrescentar na presente amostra a prevalência da sintomatologia psicopatológica e das estratégias de resolução de conflitos face ao sexo.
Neste sentido, o presente estudo tem como principal objetivo analisar o papel preditor da vinculação amorosa, conflitos interparentais e sintomatologia psicopatológica no desenvolvimento de conflitos no namoro em jovens adultos, e analisar as diferenças das variáveis de sintomatologia psicopatológica e conflitos no namoro (perspetiva de ambos conjuges eu e outros) em função do sexo dos participantes. Espera-se que as estratégias de resolução de conflitos não abusivas sejam positivamente preditas pela vinculação amorosa e negativamente preditas pelos conflitos interparentais e sintomatologia psicopatológica. Por outro lado, espera-se que estratégias de resolução de conflitos abusivas e comportamentos violentos sejam preditos negativamente pela vinculação amorosa e positivamente pelos conflitos interparentais e sintomatologia psicopatológica. Espera-se ainda que a sintomatologia depressiva e ansiosa, assim como a sensibilidade interpessoal seja mais prevalente em jovens do sexo feminino, assim como estratégias de resolução de conflitos não abusivas no namoro.
Método
Participantes
No presente estudo participaram 505 jovens adultos, 139 (27.5%) do sexo masculino e 366 (72.5%) do sexo feminino com idades compreendidas entre os 18 e os 25 anos (M = 20.59; DP = 1.78). Os participantes possuem habilitações entre o 9º ano (3º ciclo) e o ensino superior (mestrado) (0.8% com menos de 12º anos de escolaridade; 85.5% com 12 anos de escolaridade e 13.8% com licenciatura e mestrado). Relativamente às relações amorosas, 277 (54.4%) participantes mantêm atualmente um relacionamento amoro em média há 29 meses (M = 29.10; DP = 26.39), enquanto 232 (45.6%) não mantêm qualquer relacionamento no momento. São critérios de inclusão jovens de ambos sexos, com idade entre os 18 e 25 anos de qualquer orientação sexual, e que tenham no momento ou tenham tido no passado uma relação amorosa com compromisso e duração significativas para si. Foram excluídos jovens fora da faixa etária que nunca tenham tido uma relação amorosa com compromisso ou duração para si, e ainda jovens com comprometimento cognitivo incapazes de responder ao protocolo.
Instrumentos
Questionário Sociodemográfico
Para o questionario sociodemográfico foram consideraradas as seguintes informações: sexo, idade, escolaridade e informações relativas ao seu contexto familiar e amoroso.
Questionário de Vinculação Amorosa (QVA, versão reduzida de Matos et al., 2001)
Trata-se de um instrumento constituído por 25 itens, que visa analisar a qualidade da vinculação amorosa a uma figura significativa no presente ou no passado, considerando uma relação de compromisso e duradoura para si. A escala é constituída por quatro dimensões: Confiança (6 itens) (e.g. O(a) meu namorado(a) respeita os meus sentimentos); Dependência (6 itens) (e.g. Fico muito nervoso(a) se não consigo encontrar a(o) minha (meu) namorada(o) quando preciso dela (ele)); Evitamento (6 itens) (e.g. Sei que sou capaz de resolver as coisas sozinho(a)); Ambivalência (7 itens) (e.g. Gostava de ser a pessoa mais importante para ela (ele) mas não estou certo(a) de que assim seja). Os itens estão apresentados numa escala do tipo Likert de seis pontos, que varia entre 1 (Discordo completamente) e 6 (Concordo completamente). Na presente amostra a análise de consistência interna foi de .77 relativamente à totalidade do instrumento. No que se refere à consistência interna de cada dimensão registaram-se valores de .90 para a Confiança, .82 para a Dependência, .71 para o Evitamento e .78 para a Ambivalência. A análise confirmatória na presente amostra apresentou valores ajustados: χ2(45) = 149.209, χ2/gl = 3.31, p = .001, com CFI = .97, RMR = .04, RMSEA = .07.
Conflict in Adolescent Dating Relationships Inventory (CADRI)
Trata-se de um instrumento desenvolvido por Wolfe et al. (2001) e adaptado para a população portuguesa por Saavedra et al. (2008)para adolescentes e jovens adultos. O CADRI é constituído por duas dimensões,com 35 itens cada: na primeira dimensão são avaliadas as estratégias de resolução de conflitos utilizadas pelo próprio; na segunda dimensão são avaliadas as estratégias de resolução de conflitos que o próprio relata serem praticadas pelo parceiro(a). Em ambas as dimensões são avaliados três fatores: estratégias de resolução de conflitos não abusivas (10 itens que dizem respeito ao uso de estratégias sem qualquer tipo de abuso ou violência: e.g. Eu apresentei os meus motivos / Ele(a) apresentou os motivos dele(a)); estratégias de resolução de conflitos abusivas (13 itens que se referem ao uso de estratégias que implicam algum tipo de abuso: e.g. Eu fiz alguma coisa para lhe provocar ciúmes / Ele(a) fez alguma coisa para me provocar ciúmes) e comportamentos violentos (12 itens que englobam formas mais específicas de violência, nomeadamente, violência física, sexual, emocional ou verbal, comportamentos de ameaça e abuso relacional: e.g. Eu toquei-o(a), sexualmente, contra a vontade dele(a)/ Ele(a) tocou-me, sexualmente, contra a minha vontade). Os itens são cotados de 0 a 3, em que 0 = nunca e 3 = frequentemente. O alpha de Cronbach foi de .85 para o comportamento do próprio (eu) e .85 para o comportamento do parceiro(a) (ele/ela) relativamente à totalidade do instrumento. No que se refere à consistência interna de cada dimensão, registaram-se na presente amostra os seguintes valores: Estratégias de resolução de conflitos não abusivas = .78/.77, Estratégias de resolução abusivas = .82/.86 e Comportamento violento = .71/.63, para o próprio e para o parceiro(a) respetivamente. As análises fatoriais confirmatórias para a presente amostra apresentaram valores de ajustamento adequados: χ2 (20) = 81.987/ χ2 (19) = 72.937; p = < .001/ χ2/gl (eu) = 4.09/ χ2/gl (outro) = 3.83; p = .001; CFI = .97/ CFI = .98; SRMR = .050/ SRMR = .02; RMSEA = .07/ RMSEA = .07 para o próprio e para o parceiro(a) respetivamente.
Children’s Perception of Interparental Conflict Scale (CPIC)
Desenvolvido por Grych et al. (1992) e adaptado para uma população de adolescentes e jovens adultos portugueses por Moura et al. (2006), este instrumento tem como objetivo avaliar a perceção que os adolescentes e jovens adultos têm relativamente à existência de conflitos entre as figuras parentais no momento atual. Esta escala é constituída por 48 itens divididos por três dimensões, nomeadamente: Propriedades dos conflitos interparentais, Culpa e Ameaça. No presente estudo foi utilizada apenas a dimensão Propriedades dos conflitos interparentais, por ir ao encontro dos objetivos do presente estudo na descrição dos conflitos, que engloba as escalas Frequência (6 itens) (e.g. Eu vejo frequentemente os meus pais a discutirem); Intensidade (7 itens) (e.g. Quando os meus pais têm uma discussão gritam muito um com o outro) e Resolução (6 itens) que contém questões que remetem para a não resolução: (e.g. Mesmo quando terminam uma discussão os meus pais continuam zangados). A resposta aos itens foi efetuada numa escala tipo Likert entre 1 (Discordo totalmente) e 6 (Concordo totalmente). Os itens 1, 2, 12, 18, 26, 27, 35 e 38 são invertidos. A análise de consistência interna demonstrou valor de alpha de Cronbach de .93 relativamente à totalidade do instrumento. No que respeita à consistência interna de cada dimensão, na presente amostra registaram-se valores de .79 para Frequência, .89 para a Resolução e .84 para a Intensidade. As análises fatoriais confirmatórias do presente estudo apresentaram índices de ajustamento adequados, χ2 (20) = 92.074; χ2/gl = 4.60, p = .001; CFI = .98; SRMR = .03; RMSEA = .08.
Brief Symptom Inventory (BSI)
Trata-se de um instrumento adaptado e validado para a população portuguesa por Canavarro (1999). Este instrumento é constituído por 53 itens e pretende que o indivíduo classifique o grau em que um dos problemas referidos o afetou durante a última semana, relacionando-se com sintomatologia psicopatológica, numa escala tipo Likert que varia entre 0 (Nunca) e 4 (Muitíssimas vezes). O questionário avalia 9 dimensões, porém, na presente investigação procedeu-se apenas à utilização de três dimensões, por não consistir uma população clínica, e considerar-se apenas a sintomatologia mais pertinente no presente estudo, nomeadamente: Depressão (6 itens) (e.g. Pensamentos de acabar com a vida); Ansiedade (6 itens) (e.g. Nervosismo e tensão interior) e Sensibilidade Interpessoal (4 itens) (e.g. Sentir-se facilmente ofendido nos seus sentimentos). A análise de consistência interna, através do alfa de Cronbach, foi de .91 face à totalidade do instrumento. No que respeita à consistência interna de cada dimensão na presente amostra, registaram-se valores de .83 para Depressão, .84 para a Ansiedade e .77 para a Sensibilidade Interpessoal. As análises fatoriais confirmatórias do presente estudo apresentam valores de ajustamento adequados para o modelo, χ2 (16) = 50.561, χ2/gl = 3.16, p = .001, com CFI = .99; SRMR = .023; RMSEA = .065.
Procedimentos e estratégias de análise de dados
A recolha de dados foi realizada presencialmente, no espaço de tempo de 2 meses, na sua maioria em jovens adultos da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), bem como de forma aleatória na população em geral da região norte do país. Inicialmente, o protoloco foi submetido à Comissão de Ética da respetiva universidade no sentido de solicitar a devida autorização e clarificar a pertinência, estrutura e objetivos do estudo. Após obtenção do parecer positivo, procedeu-se à aplicação do respetivo protocolo ocorrendo sempre na presença da investigadora responsável que, de forma sucinta, realizou uma série de instruções standard onde foram explicados os objetivos gerais do estudo, sendo recolhido o consentimento informado de cada participante mediante documento rubricado, e garantidos todos os pressupostos de voluntariedade, privacidade, anonimato e confidencialidade. Previamente à aplicação dos questionários foi realizada uma reflexão falada (aplicação piloto) que procurou aferir a compreensibilidade e adequação formais e semânticas do protocolo, convidando-se cerca de 10 sujeitos com jovens adultos entre os 18 e 25 anos a realizar uma discussão, permitindo validar o protocolo.
O tratamento dos resultados foi realizado através do recurso ao programa estatístico SPSS na sua versão 27.0 para o sistema Windows. No sentido de identificar e excluir missings e eventuais outliers, realizou-se, de forma preliminar, uma limpeza da amostra. Seguidamente, procedeu-se à realização das análises confirmatórias de 1ª ordem, através do programa estatístico AMOS (versão 27). De modo a verificar se os dados seguiam os pressupostos de normalidade procedeu-se ao cálculo dos valores de skeweness (assimetria) e kurtosis (achatamento), assumindo-se a normalidade sempre que os valores se encontrassem compreendidos no intervalo (-1 e 1) (Maroco, 2007). Procedeu-se, ainda, à realização do teste de Kolmogorov-Smirnov, gráficos de histogramas, Q-Q Plots, Scatterplots e Boxplots (Maroco, 2007). Atendendo aos objetivos traçados, recorreu-se ao desenvolvimento de análises de variâncias, através do teste t, para analisar as diferenças das variáveis sintomatologia psicopatológica e conflitos no namoro face ao sexo; e ao desenvolvimento de modelos de regressões múltiplas hierárquicas com o prepósito de testar a presença de um efeito preditor cumulativo das variáveis Vinculação amorosa, Conflitos interparentais e Sintomatologia psicopatológica, e ainda controlar a idade e sexo sobre a variável dependente (Conflitos no namoro). O valor de significância considerado para todas as análises foi de p < .05.
Resultados
Papel preditor da vinculação amorosa, conflitos interparentais e sintomatologia psicopatológica nos conflitos no namoro
De modo a dar resposta a um dos objetivos inicialmente propostos, procedeu-se à realização de análises de regressão múltipla hierárquica, nas quais se utilizou como variável dependente os conflitos no namoro (comportamento do próprio).
As análises de regressão múltipla hierárquica foram realizadas mediante a introdução de 5 blocos, especificamente sexo, idade, sintomatologia psicopatológica, conflitos interparentais e vinculação amorosa. As variáveis sexo e idade foram, também, controladas e recodificadas em dummy, de forma a analisar qual dos sexos (0 - masculino; 1 - feminino) e idades (0 - 18 aos 21 anos; 1 - 21 aos 25 anos) explicam e predizem melhor as variáveis preditas. Na análise de regressão múltipla hierárquica face à dimensão estratégias de resolução não abusivas do próprio da escala conflitos no namoro foram introduzidos 5 blocos: no bloco 1 o sexo (dummy) apresenta um contributo significativo F (1, 503) = 4.346, p = .038, explica 0.9% da variância total (R² = .009) e contribuiu individualmente com 0.9% da variância para o modelo (R² change = .009). No que se refere ao bloco 2, a idade (dummy) contribui significativamente para a variância do modelo F (2, 502) = 4.32, p = .014, e explica 1,7% da variância total (R² = .017) apresentando um contributo individual para a variância do modelo de 0,8% (R² change = .008). No bloco 3, a entrada da sintomatologia psicopatológica contribui significativamente para o modelo F (5, 499) = 9.78, p = .001 e explica 8.9 % da variância total (R² = .089), apresentando um contributo individual de 7.2% (R²change = .072). Relativamente ao bloco 4, foi introduzido os conflitos interparentais que se mostra igualmente significativa F (8, 496) = 7.56, p = .001 e explica 10.9% da variância total (R² = .109), apresentando um contributo individual de 1.9% (R² change = .019). Por fim, a vinculação amorosa apresenta um contributo significativo F (12, 492) = 6.61, p = .001, explica 13.9% da variância total (R² = .171) e contribuiu individualmente com 3% da variância para o modelo (R² change = .030). Através da análise individual do contributo de cada uma das variáveis independentes dos blocos, constata-se que oito apresentam uma contribuição significativa (p < .05) enquanto preditoras de estratégias de resolução não abusivas, cuja sua apresentação será efetuada por ordem de importância: depressão (β = -.231), confiança (β = .216), ansiedade (β = -.181), sensibilidade interpessoal (β = -.181), ambivalência (β = -.177), resolução (β = -.167) intensidade (β = -.148), idade (β = .132) com contributo do grupo de indivíduos com idades compreendidas entre os 22 e os 25 anos e sexo (β = .123) com contributo feminino (Tabela 1).
Estratégias de resolução não abusivas | R² | R² Change | B | SE | β | t | p |
Bloco 1 - Sexo (dummy) | .009 | .009 | .144 | .052 | .123 | -2.766 | .006 |
Bloco 2 - Idade (dummy) | .017 | .008 | .155 | .051 | .132 | 3.076 | .002 |
Bloco 3 - Psicopatologia (BSI) | .089 | .072 | - | - | - | - | .001 |
Depressão | - | - | .161 | .047 | -.231 | 3.437 | .001 |
Ansiedade | - | - | .122 | .041 | -.181 | 2.972 | .003 |
Sensibilidade interpessoal | - | - | -.088 | .043 | -.135 | -2.062 | .007 |
Bloco 4 - Conflitos interparentais (CPIC) | .109 | .019 | - | - | - | - | .001 |
Frequência | - | - | - | - | - | - | - |
Resolução | - | - | -.078 | .037 | -.167 | -2.093 | .047 |
Intensidade | - | - | .080 | .038 | -.148 | 2.081 | .038 |
Bloco 5 - Vinculação amorosa (QVA) | .139 | .030 | - | - | - | - | .001 |
Confiança | - | - | .138 | .038 | .216 | 3.587 | .001 |
Dependência | - | - | - | - | - | - | - |
Evitamento | - | - | - | - | - | - | - |
Ambivalência | - | - | -.104 | .033 | -.177 | 3.134 | .002 |
Nota. BSI = Brief Symptom Inventory; CPIC = Children’s Perception of Interparental Conflict Scale; QVA = Questionário de Vinculação Amorosa.
No que respeita às estratégias de resolução abusivas, utilizaram-se igualmente cinco blocos, onde foi introduzido no bloco 1 o sexo (dummy) tendo um contributo significativo F (1, 503) = 6.61, p < .010, explicando 1.3% da variância total (R² = .013), contribuindo individualmente com 1.3% da variância para o modelo (R² change = .013). No bloco 2, a idade (dummy), contribui significativamente para a variância do modelo F (2, 502) = 3.31, p < .037 e explica 1.3% da variância total (R² = .013), não apresentando um contributo individual (R² change < -.001). No bloco 3 a entrada da sintomatologia psicopatológica contribui significativamente para o modelo F (5, 499) = 25.14, p < .001 e explica 20.1% da variância total (R² = .201), apresentando um contributo individual de 18.8% (R² change = .188). No bloco 4 a entrada dos conflitos interparentais mostra-se significativa F(8, 496) = 17.884, p < .001 e explica 22.4% da variância total (R² = .224), contribuindo individualmente com 2.3% da variância para o modelo (R² change = .023). Por fim, no bloco 5, a vinculação amorosa contribui igualmente de forma significativa para a variância do modelo F(12, 492) = 17.32, p < .001 e explica 29.7% da variância total (R² = .297), apresentando um contributo individual de 7.3% (R² change = .073).
Analisando individualmente o contributo de cada uma das variáveis independentes dos blocos constata-se que sete variáveis apresentam uma contribuição significativa, entre elas apresentam-se por ordem de importância: depressão (β = .247), ansiedade (β = .217), ambivalência (β = .204), confiança (β = -.188), sensibilidade interpessoal (β = -.170), intensidade (β = .132) e sexo (β = -.097), com contributo dos indivíduos do sexo masculino (Tabela 2).
Estratégias de resolução não abusivas | R² | R² Change | B | SE | β | t | p |
Bloco 1 - Sexo (dummy) | .013 | .013 | -.085 | .035 | -.097 | -2.406 | .016 |
Bloco 2 - Idade (dummy) | .013 | <.001 | |||||
Bloco 3 - Psicopatologia (BSI) | .201 | .188 | .001 | ||||
Depressão | .129 | .032 | .247 | 4.078 | .001 | ||
Ansiedade | .109 | .028 | .217 | 3.944 | .001 | ||
Sensibilidade interpessoal | -.083 | .029 | -.170 | -2.837 | .005 | ||
Bloco 4 - Conflitos interparentais (CPIC) | .224 | .023 | .001 | ||||
Frequência | |||||||
Resolução | |||||||
Intensidade .053 .026 .132 | 2.046 | .041 | |||||
Bloco 5 - Vinculação amorosa (QVA) | .297 | .073 | .001 | ||||
Confiança | -.090 | .026 | -.188 | -3.457 | .001 | ||
Dependência | |||||||
Evitamento | |||||||
Ambivalência | .089 | .022 | .204 | 3.995 | .001 |
Nota. BSI = Brief Symptom Inventory; CPIC = Children’s Perception of Interparental Conflict Scale; QVA =Questionário de Vinculação Amorosa.
Por último, no que concerne à análise de regressão múltipla hierárquica face aos comportamentos violentos utilizaram-se cinco blocos: no bloco 1 o sexo (dummy) apresentando um contributo significativo F (1, 503) = 20.93, p < .001 com 4% da variância total (R² = .040), apresentando um contributo individual de 4% da variância para o modelo (R² change = .040). No bloco 2, a idade (dummy), contribui significativamente para a variância do modelo F (2, 502) = 10.60, p < .001 com 4.1% da variância total (R² = .041), apresentando um contributo individual de 0.1% (R² change = .002). No bloco 3 a entrada da sintomatologia psicopatológica contribui significativamente para o modelo F (5, 499) = 12.26, p < .001 e explica 10.9% da variância total (R² = .109), apresentando um contributo individual de 6.9% (R² change = .069). No que respeita ao bloco 4, a introdução dos conflitos interparentais contribui também significativamente para o modelo F (8, 496) = 9.25, p = .001 e explica 13% da variância total (R² = .130), apresentando um contributo individual de 2% para o modelo (R² change = .020). Por fim, no bloco 5, a vinculação amorosa apresenta um contributo significativo F (14, 490) = 6.99, p = .001, explica 16.6% da variância total (R² = .166) e contribuiu individualmente com 3.0% da variância para o modelo (R² change = .030).
Através da análise individual do contributo de cada uma das variáveis independentes dos blocos, constata-se que seis apresentam uma contribuição significativa (p < .05) enquanto preditoras de comportamentos violentos, cuja sua apresentação será efetuada por ordem de importância: confiança (β = -.373), frequência (β = .296), depressão (β = .293), ambivalência (β = .213), sexo (β = -185), com contributo masculino e sensibilidade interpessoal (β = -.145) (Tabela 3).
Estratégias de resolução abusivas | R² | R² Change | B | SE | β | t | p |
Bloco 1 - Sexo (dummy) | .040 | .040 | -.070 | .016 | -.185 | -4.349 | .001 |
Bloco 2 - Idade (dummy) | .041 | .001 | - | - | - | - | - |
Bloco 3 - Psicopatologia (BSI) | .109 | .069 | - | - | - | - | .001 |
Depressão | - | - | .066 | .014 | .293 | 4.557 | .001 |
Ansiedade | - | - | - | - | - | - | - |
Sensibilidade interpessoal | - | - | -.030 | .013 | -.145 | -2.278 | .023 |
Bloco 4 - Conflitos interparentais (CPIC) | .130 | .020 | - | - | - | - | .001 |
Frequência | - | - | .049 | .014 | .296 | 3.491 | .001 |
Resolução | - | - | - | - | - | - | .51 |
Intensidade | - | - | - | - | - | - | - |
Bloco 5 - Vinculação amorosa (QVA) | .210 | .080 | - | - | - | - | .001 |
Confiança | - | - | -.077 | .012 | -.373 | -6.474 | .001 |
Dependência | - | - | - | - | - | - | - |
Evitamento | - | - | - | - | - | - | - |
Ambivalência | - | - | .040 | .010 | .213 | -3.937 | .001 |
Nota. BSI = Brief Symptom Inventory; CPIC = Children’s Perception of Interparental Conflict Scale; QVA = Questionário de Vinculação Amorosa.
Variância da sintomatologia psicopatológica e dos conflitos no namoro face ao sexo
As análises diferenciais da sintomatologia psicopatológica face ao sexo revelam a presença de diferenças estatisticamente significativas na variável ansiedade t (503) = -2.06, p = .040; com 95% IC (-.31, -.007), sendo os indivíduos do sexo feminino (M = 1.25; DP = .79) quem evidencia níveis mais elevados de ansiedade comparativamente com os indivíduos do sexo masculino (M = 1.09; DP = .74). Todavia, não se observam diferenças significativas no que concerne às variáveis depressão t (503) = -.42, p = .673; com 95% IC (-.18, .12) e sensibilidade interpessoal t (503) = -1.78, p = .076; com 95% IC (-.30, .01).
Relativamente às análises de variância dos conflitos na relação de namoro (comportamento do própio) face à variável sexo observam-se diferenças estatisticamente significativas em todas as variáveis, seja estratégias de resolução não abusivas t (503) = 2.09, p = .038; com IC 95% (.01, .21), onde o sexo feminino (M = 1.91; DP = .40) evidencia níveis mais elevados comparativamente ao sexo masculino (M = 1.80; DP = .56), estratégias de resolução abusivas t (503) = 2.57, p =.010; com IC 95% (.02, .18), onde o sexo masculino (M = .63; DP = .42) apresenta maiores níveis comparativamente aos do sexo feminino (M = .53; DP = .38) e comportamentos violentos t (503) = 4.56, p = .001; com 95% IC (.04, .10), onde o sexo masculino (M = .15; DP = .25) regista novamente níveis mais elevados quando comparado com o sexo feminino (M = .08; DP = .12). No que respeita à variância dos conflitos no namoro (comportamento do par amoroso) face ao sexo, os resultados sugerem igualmente a presença de diferenças significativas entre todas as variáveis, nomeadamente, estratégias de resolução não abusivas t (503) = 2.84, p = .005; com IC 95% (.05, .25) estratégias de resolução abusivas t (503) = 6.47, p = .001; com IC 95% (.19, .37) e comportamentos violentos t (503) = 5.26, p = .001; com IC 95% (.05, .11). Assim, observam-se níveis mais elevados de estratégias de resolução não abusivas, estratégias de resolução abusivas e comportamento violento em indivíduos do sexo masculino (M = .16 até M = 1.83; DP = .24 até DP = .44) comparativamente com indivíduos do sexo feminino (M = .08 até M = 1.68; DP = .12 até DP = .37).
Discussão
O presente estudo pretendeu analisar o efeito preditor da qualidade da vinculação amorosa, conflitos interparentais e sintomatologia psicopatológica no desenvolvimento de conflitos na relação de namoro. Pretendeu-se ainda analisar diferenças da sintomatologia psicopatológica e conflitos no namoro face ao sexo dos participantes.
A análise dos resultados possibilitou o estabelecimento de algumas conceções importantes em relação a um modelo com variáveis de cariz preditor dos conflitos no namoro em jovens. Ainda que outras propostas tenham surgido na literatura (e.g. Aizpitarte et al., 2017), este trabalho destaca a abordagem do papel cumulativo da vinculação amorosa dos jovens, assim como a sua vivência face aos conflitos interparentais e o surgimento de alguma sintomatologia psicopatológica, que concorrem para a predição de estratégias de resolução adaptativas ou não adaptativas de conflitos, e o desenvolvimento de comportamentos violentos.
Nesta medida os resultados apontam que as estratégias de resolução não abusivas são preditas positivamente pela confiança e negativamente pela ambivalência na qualidade da vinculação amorosa. Este resultado seria expectável, na medida em que a confiança e a menor ambivalência na relação amorosa permite aos jovens o sentimento de maior cuidado na relação e a promoção de estratégias de resolução de conflitos adaptativas. A literatura corrobora esta perspetiva dado que os jovens que desenvolvem nas relações amorosas modelos positivos de segurança tendem a estar mais disponíveis para encontrar estratégias de regulação emocional e fazer face aos conflitos de forma adaptativa (e.g. Feeney & Karantzas, 2017; Santona et al., 2019; Van de Bongardt, 2015). Por outro lado, e tal como já foi abordado previamente no presente estudo, a vivência dos conflitos interparentais por parte dos jovens, nomeadamente face à sua intensidade e falta de resolução conduzem a uma escalada de aprendizagem na dinâmica e gestão das emoções desadaptativas, pelo que são preditores negativos das estratégias de resolução não abusivas dos conflitos no namoro. Também estes resultados seriam previstos, percebendo-se que os conflitos interparentais se encontram estreitamente relacionados com a vinculação e os modelos internos do sujeito que se transferem para as demais relações significativas ao longo do tempo (e.g. Aizpitarte et al., 2017; Bandura, 1986; Bonache et al., 2016; O’Leary, 1988). A metanálise desenvolvida por Goncy (2020) corrobora este resultado, pelo que a perceção de conflitos interparentais encontra uma associação significativa ao desenvolvimento de estratégias de resolução de conflitos na relação pouco adaptativas. A saúde mental dos jovens assume ainda neste modelo uma relação significativa, pelo que a presença de sintomas de sensibilidade interpessoal, assim como sintomas depressivos e ansiosos constituem preditores negativos das estratégias de resolução não abusivas de conflitos. Numa perspetiva integradora, jovens com vinculações inseguras na relação e na presença de conflitos interparentais poderão estar mais suscetíveis ao desenvolvimento de uma sensibilidade interpessoal que reporta para a vulnerabilidade afetiva, tal como os sintomas depressivos e ansiosos (e.g. Melo & Mota, 2014; Mota & Matos, 2014; Verhees et al., 2021). A presença de sintomas psicopatológicos ainda que presentes tanto em perpetuadores como em vítimas (e.g. Aizpitarte et al., 2017; Barroso-Corroto et al., 2022), tendem a particularmente nas vítimas a dificultar a regulação emocional e capacidade de resolução de conflitos de forma adaptativa (e.g. Cava et al., 2020; Watt et al., 2016). Ainda face ao desenvolvimento de estratégias de resolução não abusivas são os jovens mais velhos da presente amostra (21- 25 anos), assim como as jovens do sexo feminino que apresentam um papel preditor. Nesta medida, julgamos relevante apontar que à medida que os jovens vão desenvolvendo novas relações de qualidade com figuras significativas de afeto, e ainda que podendo deter vivências menos adaptativas no que concerne às suas experiências afetivas prévias (na vinculação com os cuidadores e na presença de conflitos interparentais), à luz da teoria da vinculação e da organização dos modelos internos dinâmicos (Bowlby, 1988), também estão mais capazes de reorganizar a sua dimensão afetiva. Ao mesmo tempo são os jovens mais velhos potencialmente os detentores de maior maturidade emocional e mais estratégias de gestão emocional (e.g. Letcher & Slesnick, 2014; Mikulincer & Shaver, 2012; Stover et al., 2018), que na presente amostra predizem as estratégias de resolução de conflitos não abusivas. Os resultados encontrados face ao sexo feminino são em parte expectáveis, pelo que as jovens desenvolvem usualmente mais capacidade de gestão emocional, pela proximidade das relações estabelecidas e pela capacidade de internalização e reflexão pessoal (e.g., Machado et al., 2014). Todavia,embora a literatura aponte que enquanto perpetradoras as jovens façam mais uso de mais estratégias abusivas (e.g. López-Barranco et al., 2022), tendencialmente são mais vitimizadas nas estratégias de resolução de conflitos abusivas e comportamentos violentos (Paíno-Quesada et al., 2020).
As estratégias de resolução de conflitos abusivas e o comportamento violento apresentaram no presente estudo um padrão similar no que concerne ao seu modelo preditivo. Assim, tal como nas estratégias não abusivas, a confiança e a ambivalência na vinculação amorosa sugerem uma predição significativa, com magnitudes mais fortes, mas com sinal oposto. Percebe-se, portanto, que níveis elevados de ambivalência e baixa confiança na relação amorosa podem associar-se a modelos inseguros de si e do outro (e.g. Fraley, 2019), e a uma dificuldade no desenvolvimento de estratégias adaptativas de resolução de conflitos.
Alguns estudos sugerem que a vinculação insegura pode potenciar nos jovens uma desorganização afetiva e menos recursos internos para gerir as dificuldades ocasionando comportamentos violentos (e.g. Fraley, 2019; Letcher & Slesnick, 2014; Mikulincer & Shaver, 2012; Stover et al., 2018). Da mesma forma, e no sentido do esperado, os conflitos interparentais são preditores positivos pela intensidade nas estratégias de resolução abusiva e pela frequência nos comportamentos violentes. Nesta medida, os jovens expostos a uma vivência de conflitos interparentais frequentes e intensos são muitas vezes confrontados com conflitos de lealdade face à dinâmica das suas relações com as figuras parentais, pautadas por coligação ou triangulação, que conduzem a uma vinculação desorganizada e à emergência de psicopatologia (Melo & Mota, 2014; Mota & Matos, 2014; Verhees et al., 2021). Esta vivência no seio familiar pode conduzir à integração da normalidade das estratégias abusivas e dos comportamentos violentos, numa escalada que caracteriza a ausência de sensibilidade moral nas relações de intimidade (Bretaña et al., 2022; Costa et al., 2022; Santona et al., 2019; Stover et al., 2018). Na sequência dos resultados, o modelo observado aponta que a sintomatologia psicopatológica, nomeadamente a sensibilidade interpessoal prediz negativamente, e a sintomatologia depressiva e ansiosa predizem positivamente estratégias de resolução abusivas e comportamentos violentos. A sensibilidade interpessoal traduz-se numa maior vulnerabilidade e suscetibilidade na confrontação de dificuldades interpessoais particularmente nos jovens, pelo que seria expectável que os jovens que cumulativamente desenvolvem relações de vinculação inseguras, e estejam expostos a situações de risco tenham menor tendência ao desenvolvimento de estratégias abusivas ou comportamentos violentos (Choi et al., 2017). O mesmo não acontece com processos depressivos e ansiosos, na medida em que podem surgir mascarados em sentimentos de inferioridade, injustiça e raiva, que facilmente se poderão associar a estratégias abusivas e comportamentos violentos (através dos processos depressivos), com uma significativa ausência de regulação emocional e controlo dos impulsos (Aizpitarte et al., 2017; Nascimento et al., 2018). Por último, cabe destacar que tanto para o modelo das estratégias de resolução abusivas, como para os comportamentos violentos são os jovens de sexo masculino que apresentam significância. Este resultado seria expectável, dado que os jovens do sexo masculino apresentam mais tendência à externalização e ao acting out pela menor capacidade de regulação emocional (e.g. Machado et al., 2014). Assim, ainda que a literatura seja controversa e aponte as jovens do sexo feminino com maiores níveis de perpetração na forma de coersão, humilhação e violência física (e.g. Aguilera-Jiménez et al., 2021), os estudos são unanimes de que a violência com maior severidade, particularmente física e sexual é realizada por jovens do sexo masculino (e.g. Paíno-Quesada et al., 2020).
A análise de diferenças dos conflitos no namoro face ao sexo vem corroborar os resultados destacados nos modelos de predição, pelo que na perspetiva do próprio, os jovens do sexo masculino apresentam níveis mais elevados de estratégias de resolução abusivas e comportamentos violentos, enquanto o sexo feminino regista maiores níveis de estratégias de resolução não abusivas. Esta questão poderá prender-se com o facto dos jovens do sexo masculino tenderem a adotar uma atitude de maior distanciamento emocional, menos assertiva emocionalmente, mas ao mesmo tempo uma necessidade de controlo (Del Giudice, 2019; Machado et al., 2014). As jovens do sexo feminino por outra parte, tendem a desenvolver maior confiança e investimento afetivo na relação romântica (Del Giudice, 2019), pelo que perante a existência de dificuldades e discórdias poderão ser mais assertivas e desenvolver maior comunicação, recorrendo a estratégias de resolução de conflitos mais positivas (Machado et al., 2014). No que concerne às diferenças observadas na perspetiva do outro, os resultados apontam para uma prevalência dos jovens do sexo masculino face aos conflitos no namoro em geral (estratégias de resolução não abusivas, abusivas e comportamentos violentos). Este resultado corrobora o papel da vítima associada ao sexo feminino, pelo que pelas razões já antes discutidas, a vivência do sexo feminino tende a ser mais vulnerável nas relações afetivas. No presente estudo torna-se evidente a sua vivência pautada por níveis superiores de sensibilidade interpessoal e o maior risco dos processos depressivos e ansiosos quando comparados com os jovens do sexo masculino (e.g. Cava et al., 2020). A combinação de maior vulnerabilidade emocional, a dependência e confiança depositadas nas relações românticas, por parte das jovens do sexo feminino, tendencialmente as torna mais permeáveis à vivência de abusos e comportamentos agressivos que são desenvolvidos pelo sexo masculino de forma mais severa (e.g. Paíno-Quesada et al., 2020).
Implicações práticas, limitações e pistas futuras
Através do presente estudo pretendeu-se contribuir para uma reflexão sobre o papel preditor cumulativo da vinculação amorosa, da vivência dos conflitos interparentais e da sintomatologia psicopatológica no desenvolvimento de estratégias de resolução de conflitos no namoro. Este estudo vem colmatar uma lacuna de análise compreensiva na combinação de variáveis que ajudam a criar um modelo de risco para o desenvolvimento dos conflitos no namoro. Nesta medida, fica patente que a qualidade da vinculação precoce exerce um papel preponderante na transmissão de modelos positivos de relação para as relações amorosas. Torna-se por isso fundamental investir na prevenção de situações de risco que implicam a vivência de uma vinculação segura, e ainda a exposição de conflitos interparentais desadaptativos. O presente estudo destaca também que os conflitos interparentais, vivenciados com frequência, intensidade e particularmente quando não resolvidos, são fatores de risco para o desenvolvimento de estratégias de resolução de conflitos abusivas e comportamentos violentos no namoro. Por último, fica patente que a sintomatologia psicopatológica ainda que a níveis não clínicos constitui para os jovens um fator desorganizador e preditor de estratégias de resolução abusivas e comportamentos violentos, particularmente nos jovens do sexo masculino. Assim, à luz do que tem vindo a ser apontado na literatura, intervenções focadas na prevenção dos comportamentos abusivos e violentos tornam-se necessários (Caridade et al., 2012; De La Rue et al., 2016). Mais do que expor boas práticas e explicar consequências, importa prevenir através da intervenção com cuidadores primários (na família e na escola), no sentido de treinar competências de regulação emocional e desconstruir preconceitos de género, que estão muitas vezes patentes nos conflitos no namoro. Abordar a temática dos abusos e violência nas relações deverá constituir uma prática integrante nos conteúdos escolares desde a primeira infância, desenvolvendo nas crianças e jovens o sentido de respeito por si e pelos demais.
Algumas limitações podem ser apontadas ao presente estudo, pelo que desde logo o seu cariz transversal limita a inferência de causalidade e poder explicativo. Na presente amostra destaca-se que cerca de 46.6% dos jovens respondentes não possuíam no momento uma relação amorosa, pelo que apesar de previsto no instrumento de vinculação amorosa, esta questão poderá ter-se repercutido na forma como os jovens equacionam as suas relações no namoro, e em especial nas estratégias de resolução de conflitos que poderão variar consoante as circunstâncias da relação e dos parceiros, pelo que futuramente esta dimensão carece de controlo. Adicionalmente verifica-se alguma desproporcionalidade de sexo, pelo que apesar de serem significativos, os resultados deverão futuramente ser corroborados numa amostra mais equitativa. A mesma questão é colocada para a tipologia dos jovens respondentes, pelo que na sua maioria são estudantes universitários, podendo os resultados ficar restritos a uma faixa cultural e económica limitada.
Enquanto pistas futuras, poderia ser oportuno a inclusão de mais variáveis em estudo como a perspetiva da vítima nos modelos de predição, assim como outras variáveis de controlo, nomeadamente a configuração familiar dos jovens e a duração das relações. A realização de investigações longitudinais seria igualmente relevante, pois possibilitaria estabelecer relações ao longo do tempo, assim, analisar o efeito das variáveis em estudo nas diferentes etapas do desenvolvimento.