Introdução
A erosão de solos tornou-se um dos principais problemas diante das condições de degradação ambiental, incluindo a insegurança alimentar, assoreamento de cursos d’águas e perdas de nutrientes para a biodiversidade.
De acordo com Gomes et al. (2021), os processos erosivos são intensos em áreas de clima equatorial, devido aos índices pluviométricos que ultrapassam 2.000mm anuais. A respeito da vulnerabilidade climática, os processos erosivos são mais intensos em anos sob a influência do El Niño, com aumento das cheias e intensidades relacionadas à erosão marginal dos cursos d’água pelo fenômeno das terras caídas.
Ross (2005) afirma que a Depressão Amazônica possui uma tendência erosiva na escala geológica dos processos de erosão e sedimentação, com processo fluvial de dissecação para esculpir os sedimentos terciários e quaternários.
A Floresta Amazônica apresenta fragilidades dos solos, visto que a dinâmica pedológica em áreas de clima equatorial depende da concentração de matéria orgânica na superfície. A supressão da floresta impacta diretamente na pedogênese, com perda qualitativa e quantitativa, com redução de nutrientes e produção de sedimentos.
De acordo com dados apresentados por Borges (2023), entre 2018 e 2021 ocorreu um aumento progressivo nas áreas desflorestadas da Amazônia em todos os estados da Amazônia Legal. No estado do Acre, o desflorestamento em 2018 foi de 444km² em 2018 e 889km² em 2021. No estado do Amazonas, em 2018 o desflorestamento foi de 1.045km², enquanto que em 2021 foi de 2.306km². O último mandato presidencial da extrema-direita (2019-2022) foi negligente diante das atividades de extração de madeira, com diminuição do apoio ao IBAMA e ao Instituto de Pesquisas da Amazônia, incluindo redução dos recursos governamentais para o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais que mantém o Projeto de Monitoramento do Desmatamento da Amazônia por Satélites.
Por outro lado, Piontekowski et al. (2011) dizem que a região do sul do estado do Amazonas e sudeste do estado do Acre são áreas com pertencentes à borda do desmatamento com retirada da floresta para implantação da pecuária extensiva, devida existência de solos incipientes para fertilidade agrícola, baixo valor das terras e implantação de frigoríficos. No estado do Acre, a implantação de frigoríficos e questões sociais de luta pela conservação da floresta pelos seringueiros remonta a década de 1980, com o assassinato de Francisco Alves Mendes Filho, conhecido como Chico Mendes.
Diante desse contexto, o objetivo da pesquisa foi apresentar uma estimativa de perdas de solo em uma bacia hidrográfica localizada em uma área de desflorestamento do sul do estado do Amazonas e leste do Acre, a fim de aplicar os métodos de análise espacial diante de um problema ambiental relevante de repercussão internacional.
Área de estudo
A Bacia do Rio Acre possui uma dimensão territorial de 2,7 milhões de ha, cuja vasta extensão dificulta a elaboração de um estudo nessa escala de análise. Diante disso, optou-se pelo estudo na área do Baixo Rio Acre, devido à ação do desflorestamento concentrado nos municípios de Boca do Acre-Estado do Amazonas e Porto Acre-Estado do Acre.
O Rio Acre pertence à Grande Bacia do Rio Purus, com características peculiares de um curso d’água amazônico: canal meandrante, grande vazão, planície aluvial extensa com cheias periódicas. No município de Boca do Acre-AM, o Rio Acre apresenta largura média de 130m com 1,75 de sinuosidade (187m de extensão / 107m em linha contínua). O aspecto meandrante na Bacia do Rio Purus é destacado ocorrendo existência do Lago Novo na área urbana de Boca do Acre, como meandro abandonado.
A Bacia do Baixo Rio Acre compreende uma área de 490 mil ha, 130 km de comprimento por largura média de 45km. Ao leste da bacia está localizada a BR-317 e ao oeste está localizada a borda da Reserva Extrativista Arapixi, pertencente à unidade de conservação Floresta Nacional Mapiá-Inauini.
O mapa da Figura 1 apresenta a localização da bacia hidrográfica da pesquisa.
Continuando com Ross (2005), em relação ao relevo da Bacia do Baixo Rio Acre, a morfoescultura é a Depressão da Amazônia Ocidental, formada por terrenos baixos com altitudes de até 200m, com topos planos esculpidos nos sedimentos quaternários da Formação Solimões. A paisagem do relevo local é marcada pela planície dos afluentes do Rio Purus, pelo aspecto meândrico com existência de lagos em meandros abandonados.
Da mesma forma, Simões (2023) compartilha que, a respeito dos solos na Bacia do Baixo Rio Acre, ocorre fertilidade baixa e inviabilidade para uso agrícola e reforma de pastagens, com baixa quantidade de nutrientes com média de 0,3cmol/dm³ de magnésio sendo recomendado 0,5cmol/dm³, e necessidade de 10 toneladas de calagem para cada hectare, devido pH médio de 3,8. Essa análise química dos solos apresenta uma saturação de alumínio em até 92%.
Conforme relatos de Dantas et al. (2019), sobre o uso do solo e mudanças na cobertura da terra na Bacia do Baixo Rio Acre, ao considerar os aspectos históricos, em 1878 o comendador João Gabriel de Carvalho e Melo realizou uma expedição com cerca e 60 pessoas, a maioria por cearenses, para implantar uma vila às margens do Rio Purus, juntamente na foz do Rio Acre, em decorrência das atividades econômicas do ciclo da borracha. O comendador fundou a localidade de Floriano Peixoto, do qual tornou-se município na década de 1900. Na década de 1940, o município de Floriano Peixoto foi rebatizado de Santa Maria da Boca do Acre, sendo a denominação religiosa posteriormente retirada. Em 1971, o governador amazonense José Walter de Andrade planejou a construção de uma cidade, batizada de Walterlândia, há 7km do Rio Purus, em um lugar de planalto localizado em decorrência das cheias. Atualmente, Walterlândia é distrito de Boca do Acre.
A abertura da rodovia BR-317, sendo o eixo de ligação com a rodovia BR-364 (Porto Velho-Rio Branco), induziu o desmatamento da região do Baixo Rio Acre, para a implantação de pastagens e pecuária extensiva. Aproximadamente 55% das áreas desmatadas estão localizadas a 15km do eixo da rodovia. Até 1997, o município de Boca do Acre havia desmatado 96 mil hectares. A área desmatada no município era de 195 mil hectares em 2009, com 98% utilizada para pastagem. Em 2008, o município de Boca do Acre possuía 84 mil bovinos; Piontekowski et al. (2011).
Por outro lado, Lopes et al. (2019) afirmam sobre a quantidade expressiva de bovinos no município de Boca do Acre, ao favorecer a implantação de frigoríficos, cujo rebanho bovino era de 400 mil unidades em 2019. A carne processada pelos frigoríficos do município de Boca do Acre é vendida a cidade de Manaus e estados brasileiros, cujos frigoríficos geram diretamente mais de 400 empregos, para uma população com cerca de 8 mil famílias.
Apesar do PIB municipal apresentar aproximadamente R$ 13,7 mil, o IDH é de apenas 0,588, representando problemas sociais de distribuição de renda. O município de Boca do Acre apresenta alta taxa de mortalidade infantil (22 óbitos/mil nascidos vivos) e apenas 6% dos domicílios com esgoto tratado, com segundo pior indicador estadual para risco de contágio de doenças pela falta de tratamento da água (IBGE, 2020a). Ao possuir mais de 20 mil habitantes, o município de Boca do Acre possui a obrigatoriedade de elaboração de Plano Diretor, com a proposta para áreas de zoneamento ambiental e aplicação das práticas de conservação do solo.
A história de Porto Acre está relacionada diretamente ao ciclo da borracha e formação do território do Acre, sendo uma vila fundada por um boliviano em 1899 e tornou-se a capital da República do Acre, cujo movimento foi reprimido pela República Velha em 1903. Até 1992 a vila de Porto Acre pertenceu ao município de Rio Branco. O município de Porto Acre possui uma população de 16,7 mil habitantes, cujo IDH é de 0,576 (IBGE, 2020b).
A maior parte da população economicamente ativa atua em trabalhos no campo e serviços na capital Rio Branco. Aproximadamente 44% da área territorial do Porto Acre é composta por propriedades em projetos de reforma agrária, totalizando 126 mil hectares. Apesar da proposta ideológica de criação dos assentamentos ser direcionada para o extrativismo vegetal com manutenção de árvores da Hevea brasiliensis (seringueira), grande parte das áreas foram desmatadas pelos assentados para pecuária leiteira e plantio de produtos hortifrutigranjeiros, nas palavras de Malavazi et al. (2017).
Em síntese, a parte norte da bacia hidrográfica possui grandes propriedades de pecuária extensiva para bovinos de corte, enquanto a parte sul apresenta assentamentos rurais de agricultura familiar para atividades hortifrutigranjeiras.
Referencial teórico-conceitual
A respeito do Montgomery (2007), as atividades agropecuárias provocaram mudanças nos processos hidrológicos nas vertentes, com a taxa global de erosão induzida pela ação humana em 75 bilhões de toneladas anuais, enquanto a taxa global de erosão nas encostas pela ação natural é de 21 milhões de toneladas.
De acordo com Morgan (2005), de 1,6 bilhão de hectares de áreas cultivadas no mundo, cerca de 217 milhões de hectares estão em condições de degradação irreversíveis pela ação da erosão hídrica e cerca de 780 milhões de hectares estão em condições de degradação moderada. As perdas de solo no Brasil são estimadas em aproximadamente 848 milhões de toneladas ao ano.
A erosão hídrica de solos apresenta incisões na paisagem com existência de ravinas e boçorocas, incluindo o assoreamento de fundos de vale, mas torna-se necessário sua quantificação, através de estimativas. Laflen & Moldenhauer (2003) afirmam que na década de 1960 foi criado o método da Equação Universal de Perda de Solo a partir da erosividade das chuvas, erodibilidade dos solos, fator topográfico, condições de cobertura da terra e práticas conservacionistas. Boin (2000) explica que a erosividade das chuvas considera o histórico de precipitações anuais e um índice calculado por estatísticas descritivas para estimar o impacto de energia potencial pelas precipitações por hectare ao ano.
A erodibilidade estima a suscetibilidade do solo de acordo com a existência de matéria orgânica nos horizontes superficiais e propriedades químicas, conforme o tipo de solo analisado nas palavras de Denardin (1990).
O fator topográfico considera a declividade e o comprimento de rampa na vertente da bacia hidrográfica analisada, de acordo com parâmetros calculados pelas parcelas experimentais de institutos de pesquisa, como o Instituto Agronômico de Campinas. As parcelas experimentais em rampas com coletores de sedimentos foram aplicadas com diferentes formas de cobertura, tais como: gramíneas de pastagens, culturas agrícolas e vegetação nativa, cujos resultados geraram índices utilizados no fator de cobertura da terra da Equação Universal de Perda de Solo, por Bertoni & Lombardi (1999).
Parveen & Kumar (2012) afirmam que o método pode ser aplicado aos dados em Sistema de Informação Geográfica, principalmente em regiões com dificuldades de acesso aos trabalhos de campo e técnicas de geoprocessamento.
Em síntese Pinto (1991), afirma que os estudos geográficos podem utilizar a Equação Universal de Perda de Solo em ambiente de Sistema de Informação Geográfica para desenvolver mapeamento e indicações das áreas mais vulneráveis ao desenvolvimento dos processos erosivos.
Referencial metodológico
Para a obtenção das áreas correspondentes aos aspectos pedológicos, de cobertura da terra e topográficos da Bacia do Baixo Rio Acre, foi elaborado um banco de dados geográfico no QGIS, versão 3.28. Foram elaborados os planos de informação com os aspectos relacionados aos parâmetros de aplicação da Equação Universal de Perdas de Solo.
A estimativa de erosividade das chuvas para os municípios de Boca do Acre e Porto Acre foi obtida de acordo com os indicadores regionais apresentados por Trindade et al. (2016).
Os tipos de solo foram vetorizados no QGIS, a partir dos mapas exploratórios de solos dos estados do Acre e Amazonas (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE, 2010). As convenções da cartografia temática foram adotadas de acordo com o manual de Pedologia (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE, 2015).
Para estimativa para cálculo do fator de erodibilidade foram utilizados os parâmetros analisados em uma área do sul do Estado do Amazonas, conforme metodologia apresentada por Duarte et al. (2020).
A carta de declividades foi elaborada com a ferramenta de análise matricial a partir do modelo digital de elevação disponibilizado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, de origem SRTM. As convenções cartográficas foram adotadas de acordo com o Manual Técnico em Geomorfologia (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE, 2009).
A estimativa do fator LS, ao considerar os aspectos topográficos da Bacia do Baixo Rio Acre, foram analisados os parâmetros apresentados por Bertoni & Lombardi (1999), com o cálculo da declividade média na bacia e o comprimento de rampa.
A cobertura da terra foi estimada a partir da vetorização das áreas com imagens sensoriamento remoto de alta resolução disponíveis no aplicativo Google Earth Pro, cujos arquivos dos polígonos das áreas foram convertidos em formato vetor do tipo shapefile para serem importados no banco de dados do QGIS. Os índices de cada cobertura da terra foram adotados de acordo com Bertoni & Lombardi (1999). Para editar a carta de cobertura da terra foram adotadas as convenções de acordo com o Manual Técnico de Uso da Terra (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE, 2013).
Resultados
A estimativa de erosividade das chuvas para a Bacia do Baixo Rio Acre foi obtida em 14.852MJ.mm/h/ha/ano.
Os tipos de solo da Bacia do Baixo Rio Acre estão presentes na carta da Figura 2.
A estimativa de erodibilidade dos solos da Bacia do Baixo Rio Acre, a partir das áreas de cada tipo de solo é apresentada na Tabela 1.
Tipo de Solo | Fator K | Área (ha) | Perda (t/ha/ano) |
Argissolo | 0,015 | 284.324,40 | 4.264,87 |
Latossolo | 0,031 | 85.300,73 | 2.644,32 |
Gleissolo | 0,096 | 94.761,64 | 9.097,12 |
Nitossolo | 0,005 | 27.531,82 | 137,66 |
∑ | 491.918,59 | 16.143,97 | |
(K) | 30,47 |
Elaboração própria.
Apesar da área do Gleissolo corresponder a 19% da bacia hidrográfica, a erodibilidade estimada é equivalente a 56%. Em comparação, a área de Argissolo corresponde a 57,8% da bacia hidrográfica, representa 26,4% da erosão relacionada às propriedades dos solos.
A estimativa do fator LS considera os aspectos de declividades e comprimentos das vertentes da bacia hidrográfica. A Figura 3 apresenta a carta de declividades da Bacia do Baixo Rio Acre, com uma distribuição geográfica da declividade média de 2%.
O comprimento de rampa médio na Bacia do Baixo Rio Acre é de 8.000m e a declividade média é de 2%. Para calcular a declividade média aplicada ao parâmetro da equação, foi utilizada a expressão:
S = 0.00654 x 0.02² + 0.0456 x 0.02 + 0.065 (1)
Ao aplicar os parâmetros para estimar o fator LS, foi calculado o índice 527,32.
As mudanças na cobertura da terra influenciam diretamente no escoamento superficial e na dinâmica da erosão hídrica. A carta da Figura 4 apresenta as classes de cobertura da terra na Bacia do Baixo Rio Acre.
A Tabela 2 apresenta as taxas de erosão de acordo com as áreas pelas respectivas classes de cobertura da terra.
Cobertura | Índice C | Área (ha) | Estimativa (t/ha/ano) |
---|---|---|---|
Agricultura | 0,1142 | 53.283,1 | 6.084,93 |
Floresta | 0,0003 | 336.797,3 | 101,04 |
Pastagem | 0,0377 | 101.838,2 | 3.839,30 |
∑ | 491.918,6 | 10.025,27 | |
(C) | 49,07 |
Elaboração própria.
A área de Floresta Amazônica corresponde a 68% do território da bacia hidrográfica induz em apenas 1% da erosão. Em contrapartida, a área de agricultura correspondente a aproximadamente 11% da bacia hidrográfica, induz 60,7% da erosão.
A estimativa relacionada às práticas conservacionistas foi estimada em 33% devida ausência de métodos de conservação do solo nas pastagens de pecuária extensiva e agricultura familiar.
Em síntese, a Equação Universal de Perdas de Solo aplicada na Bacia do Baixo Rio Acre obteve a seguinte expressão:
A = 14852 x 0,03047 x 527,32 x 49,07 x 0,33 (2)
A taxa de erosão hídrica estimada para a Bacia do Baixo Rio Acre foi de 386.422t/ha/ano. A taxa de produção de sedimentos na bacia hidrográfica, a partir dessa estimativa, foi de 46 milhões de toneladas de sedimentos anuais.
Conclusões
A perda de solos amazônicos precisa de estudos para gerar informações disponíveis na escala municipal, cuja pesquisa apresentada garante a elaboração de um banco de dados geográfico para análise espacial. Os resultados da análise espacial em sistema de informação geográfica contribuem na geração de documentos cartográficos e bases de dados para identificar as áreas mais suscetíveis aos processos erosivos. As bases de dados em sistema de informação geográfica podem ser atualizadas, visto que as alterações na área de desflorestamento são notáveis, cujos resultados de Geoprocessamento são favoráveis diante da vasta extensão territorial.
A escala de análise pode ser aprimorada com trabalhos posteriores, cujo resultado atual pode ser utilizado como referência para orientar os pesquisadores da área geográfica do sudoeste do Amazonas e leste do Acre.
A região analisada precisa de produção de informações geográficas para fornecer apoio aos municípios, na elaboração de planos de zoneamentos para evitar maiores danos à Floresta Amazônica.
A Cartografia contribui na aplicação do método da Equação Universal de Perdas de Solo devida análise espacial das informações para identificação dos índices e parâmetros. A perda de solos é um fenômeno que precisa ser quantificado para sustentar os argumentos científicos diante da necessidade de preservação das áreas inalteradas e conservação das áreas alteradas pela ação humana