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Población y Salud en Mesoamérica

versão On-line ISSN 1659-0201

PSM vol.20 no.2 San Pedro Jan./Jun. 2023

http://dx.doi.org/10.15517/psm.v20i2.51221 

Artículo científico

Acidente de trabalho com exposição a material biológico entre enfermeiros

Occupational accident due to exposure to biological material in the nurses

Accidente de trabajo con exposición a material biológico entre enfermeros

Francisco Rosemiro Guimarães  Ximenes Neto1 
http://orcid.org/0000-0002-7905-9990

Suênia Évelyn Simplício Teixeira2 
http://orcid.org/0000-0002-7105-460X

Francisco Diogenes dos  Santos3 
http://orcid.org/0000-0002-0849-5525

Luciano Garcia Lourenção4 
http://orcid.org/0000-0002-1240-4702

Francisco Wellington Dourado Júnior5 
http://orcid.org/0000-0002-3326-338X

Sandra Maria Carneiro Flor6 
http://orcid.org/0000-0003-2266-9699

Eliany Nazaré  Oliveira7 
http://orcid.org/0000-0002-6408-7243

Isabel Cristina Kowal Olm Cunha8  isabelcunha@unifesp.br
http://orcid.org/0000-0001-6374-5665

Maria Helena Machado9 
http://orcid.org/0000-0002-5209-2424

1Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), Sobral, Ceará, BRASIL. rosemironeto@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7905-9990

2Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), Sobral, Ceará, BRASIL. suenia.evellyn@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7105-460X

3Universidade Federal do Ceará (UFC), Sobral, Ceará, BRASIL. diogenezjunior@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0849-5525

4Univerdidade Federal do Rio Grande (FURG), Rio Grande, Rio Grande do Sul, BRASIL. lucianolourencao.enf@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1240-4702

5Universidade Federal do Ceará (UFC), Sobral, Ceará, BRASIL. wjunior0599@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3326-338X

6Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), Sobral, Ceará, BRASIL. sandra_flor38@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2266-9699

7Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), Sobral, Ceará, BRASIL. elianyy@hotmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6408-7243

8Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, BRASIL. isabelcunha@unifesp.br, ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6374-5665

9Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP)/Fundação Osvaldo Cruz (FIOCRUZ). Rio de Janeiro, BRASIL. ana.moragonzalez@ucr.ac.cr, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2051-8961

Resumo

Objetivo: Descrever a epidemiologia dos acidentes de trabalho com exposição a material biológico entre enfermeiros. Método: Estudo epidemiológico, descritivo e retrospectivo, envolvendo 102 casos de acidentes de trabalho com enfermeiros. Resultados: Houve predominância do sexo feminino (77,4 %); faixa etária de 20 a 29 anos (58,8 %); raça/cor da pele parda (53,9 %). A maioria dos trabalhadores tinham registro em carteira (64,7 %). Em 68,2 % dos casos, a circunstância do acidente se deu por exposição percutânea e, em 71,5 %, por material orgânico - sangue; o principal agente foi a agulha com lúmen (66,6 %); 44,1 % usavam luvas e 35,9 % faziam uso de máscara no momento do acidente; 43,2 % tiveram o campo evolução do caso preenchido como ignorado/branco. Conclusão: Os acidentes são resultantes, em sua maioria, de ações da prática diária, como punções, embora estes profissionais façam uso dos equipamentos de proteção. Logo, a educação permanente sobre a segurança no trabalho, aliada a conscientização acerca da relevância da notificação é um desafio para o exercício de uma práxis segura.

Palavras-chave Epidemiologia descritiva; Saúde do trabalhador; Acidentes de trabalho; Enfermagem

Abstract

Objective: To describe the epidemiology of occupational accidents with exposure to biological material among nurses. Method: Epidemiological, descriptive and retrospective study, involving 102 cases of occupational accidents among nurses. Results: There was a predominance of females (77.4 %); 20 to 29 years of age (58.8 %); and brown skin color (53.9 %). Most of the workers had a work registration (64.7 %). In 68.2% of the cases, the circumstance of the accident was percutaneous exposure and, in 71.5%, by organic material - blood; the main agent was the lumen needle (66.6 %); 44.1 % were wearing gloves and 35.9 % were wearing masks at the time of the accident; (43.2 %) had the case evolution field filled in as ignored/white. Conclusion: Accidents are mostly the result of daily practice actions, such as punctures, although these professionals use protective equipment. Therefore, continuing education on safety at work, coupled with awareness about the relevance of notification is a challenge for the exercise of a safe practice.

Keywords Descriptive epidemiology; Worker's health; Work accidents; Nursing

Resumen

Objetivo: Describir la epidemiología de los accidentes de trabajo con exposición a material biológico entre los enfermeros. Método: Estudio epidemiológico, descriptivo y retrospectivo, que incluyó 102 casos de accidentes de trabajo en enfermeros. Resultados: Hubo predominio del sexo femenino (77,4 %); rango de edad de 20 a 29 años (58,8 %); raza/color de piel morena (53,9 %). La mayoría de los trabajadores tenían vinculo de trabajo formal (64,7 %). En el 68,2% de los casos, la circunstancia del accidente fue la exposición percutánea y, en el 71,5 %, por materia orgánica - sangre; el agente principal fue la aguja del lumen (66,6 %); el 44,1 % llevaba guantes y el 35,9 % mascarilla en el momento del accidente; el 43,2 % tenía el campo de evolución del caso rellenado como ignorado/en blanco. Conclusión: Los accidentes son en su mayoría el resultado de acciones de la práctica diaria, como los pinchazos, aunque estos profesionales hacen uso de equipos de protección. Por lo tanto, la educación permanente sobre la seguridad en el trabajo, combinada con la concientización sobre la relevancia de la notificación, es un desafío para el ejercicio de una práctica segura.

Palabras clave Epidemiología descriptiva; Salud del trabajador; Accidentes de trabajo; Enfermería

1. Introdução

Os profissionais da saúde, sobretudo, os de Enfermagem, por conta de atuarem na linha de frente dos serviços de saúde, estão mais vulneráveis a acidentes, agravos e doenças relacionadas ao trabalho, a exemplo perfuração ao manuseio de objetos pontiagudos, doenças infectocontagiosas e, mais recentemente a COVID-19, entre outras. Essa situação está aumentada por conta das condições de trabalho insalubres e do dimensionamento de pessoal inadequado.

O contato direto e constante durante a assistência ao paciente, os expõem sobretudo, em razão do contato com material biológico. Estes podem ocorrer por inoculação percutânea, por meio de agulhas ou objetos cortantes, e pelo contato direto com pele e/ou mucosas não íntegras, representando um grave problema de saúde pública, tanto para as instituições, quanto para os trabalhadores (Fernandes et al., 2019; Gomes & Caldas, 2019).

Estudos apontam que a equipe de enfermagem está frequentemente exposta a material biológico, sendo os perfurocortantes os objetos mais comumente envolvidos nos acidentes. Dentre os microrganismos de maior relevância epidemiológica associados a esse tipo de exposição, destacam-se os Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) e das hepatites B (HBV) e C (HCV). No Brasil, os cinco casos publicados de soroconversão ao HIV após exposição no trabalho, ocorreram com membros da equipe de enfermagem, o que reforça a interface do risco biológico (Barros et al., 2016; Cavalho et al., 2018; Fernandes et al., 2019).

Estudo realizado em um hospital público do Paraná, demonstrou que dos 1.217 acidentes notificados, 48,8 % eram com profissionais de enfermagem. Os tipos de exposição mais frequentes foram os percutâneos (65,7 %), em pele íntegra (20,5 %) e em mucosa (12,6 %). O material biológico mais comumente envolvido foi o sangue (78,9 %) (Giacontii et al., 2014). Apesar da maioria envolverem perfurocortantes, por conta da manipulação inadequada, o descarte e o reencape de agulhas são as principais causas, e qualquer contato direto com material biológico potencialmente contaminado é também considerado uma exposição e requer avaliação (Barbosa et al., 2017).

Nesse contexto, considerando a importância dos estudos sobre as condições de trabalho e o adoecimento em decorrência destas, o presente manuscrito objetiva descrever a epidemiologia dos acidentes de trabalho com exposição a material biológico por enfermeiros.

2. Metodologia

Trata-se de um estudo epidemiológico, descritivo e retrospectivo, desenvolvido no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) de Sobral – Ceará, Brasil, durante o período de março a maio de 2020, com 102 casos de enfermeiros vítimas de acidentes de trabalho, com exposição a material biológico, notificados no Sistema de Informação dos Agravos de Notificação (SINAN), entre 1º de janeiro de 2009 à 31 de dezembro de 2019.

O CEREST foi cenário da coleta de dados, e se configura como um serviço que funciona sobretudo no desenvolvimento de ações de vigilância epidemiológica, sanitária e ambiental, com a finalidade de levar informações aos trabalhadores, associado a redução dos riscos de acidente de trabalho, representando um componente essencial para o entendimento em Saúde do Trabalhador. O CEREST de Sobral tem uma abrangência de 47 municípios, sendo composto por municípios de quatro microrregiões de saúde (Acaraú, Camocim, Crateús e Sobral) e contava, em 2017, com uma população geral de aproximadamente 1.326.974 habitantes (Plataforma RENAST online, 2017).

Os dados secundários foram extraídos da base do banco de dados do SINAN, e organizados em planilhas eletrônicas, geradas pelo sistema TabWin32®, versão 3.6b, e exportados para o programa Excel®, última versão. As características dos acidentes registrados foram obtidas por meios das seguintes categorias de variáveis selecionadas da “Ficha de Investigação de Acidente de Trabalho com Exposição a Material Biológico” (Brasil, 2016): notificação individual (sexo, faixa etária, raça/cor), antecedentes epidemiológicos (situação no mercado de trabalho), acidente com material biológico (tipo de exposição, material orgânico, circunstância do acidente, agente, uso de Equipamentos de Proteção Individual – EPI) e conclusão (evolução do caso). Em seguida, os dados secundários foram sistematizados e apresentados em forma de tabela, com cálculos dos números absolutos e percentuais simples e, discutidos à luz da literatura mais recente acerca da saúde do trabalhador.

Este estudo é um recorte do projeto de pesquisa intitulado “Doença, Labor e Trabalho no Semiárido Cearense: Avaliação do perfil dos acidentes e da mortalidade por causas relacionadas ao trabalho na Zona Norte do Ceará”. Para sua realização foram observados os aspectos éticos da Resolução n° 466/12, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), sendo protocolo submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) com o CAAE N° 47808515.4.0000.5053, e aprovado sob Parecer Nº 1.344.066.

3. Resultados

Durante o período de 2009 a 2019, o CEREST Regional Sobral registrou 102 notificações de acidentes de trabalho com enfermeiros, por exposição a material biológico; estando assim distribuídos, por ano de ocorrência: 2009 – cinco (4,9 %); 2010 – um (1 %); 2011 – 11 (10,8 %); 2012 – nove (8,8 %); 2013 –10 (9,8 %); 2014 – 19 (18,6 %), 2015 – 13 (12,8 %) 2016 – oito (7,8 %), 2017 – 12 (11,8 %), 2018 – cinco (4,9 %) e 2019 – nove (8,8 %).

A Tabela 1 apresenta o perfil dos profissionais que sofreram acidente por material biológico.

Tabela 1 Dados sociodemográficos dos enfermeiros que sofreram acidentes de trabalho com exposição a material biológico. Sobral – Ceará, Brasil, 2009 a 2019. 

Categorias de Variáveis n %
Sexo
Feminino 79 77,4
Masculino 23 22,6
Total 102 100,0
Faixa Etária (anos)
Menos de 20 2 1,9
20 a 29 60 58,8
30 a 39 23 22,6
40 a 49 12 11,8
50 a 59 5 4,9
Total 102 100,0
Raça/Cor
Parda 55 53,9
Branca 47 46,1
Total 102 100,0
Situação no Mercado de Trabalho
Empregado registrado 66 64,7
Servidor Público Estatutário 6 5,9
Trabalho Avulso 1 1,0
Cooperativado 6 5,9
Trabalho Temporário 5 4,9
Empregado não registrado 7 6,8
Servidor Público Celetista 1 1,0
Outros 8 7,8
Ignorado/Branco 2 2,0
Total 102 100,0

Nota*n é maior que 102 por conta de ter ocorrido mais de um tipo de exposição e EPI em uso

A Tabela 2 descreve o tipo de exposição e de material orgânico a que os profissionais foram expostos e o uso de EPI.

Tabela 2 Tipo de exposição e material orgânico dos acidentes de trabalho por enfermeiros e a frequência do uso de EPI. 

Categorias de Variáveis n %
Tipo de exposição
Percutânea 77 68,2
Mucosa 16 14,2
Pele íntegra 14 12,4
Pele não íntegra 4 3,5
Outros 2 1,7
Total* 113 100,0
Material orgânico
Sangue 73 71,5
Fluido com sangue 12 11,8
Outros 7 6,9
Ignorado 10 9,8
Total 102 100,0
Uso de EPI
Luva 86 44,1
Avental 18 9,2
Óculos 10 5,1
Máscara 70 35,9
Proteção facial 4 2,1
Bota 7 3,6
Total* 195 100,0

Nota*n é maior que 102 por conta de ter ocorrido mais de um tipo de exposição e EPI em uso

Observou-se no estudo que os acidentes ocorreram em diversas circunstâncias e envolveram diferentes agentes causadores, conforme descrito na Tabela 3.

Tabela 3 Circunstâncias de ocorrência do acidente e o agente dos acidentes com exposição a material biológico por Enfermeiros e o desfecho do caso. Sobral – Ceará, Brasil, 2009 a 2019. 

Categorias de Variáveis n %
Circunstância do Acidente
Punção venosa/arterial para coleta de sangue 18 17,6
Procedimento cirúrgico 10 9,8
Descarte inadequado de material perfurocortante em bancada, cama, chão etc. 12 11,8
Reencape de agulhas 9 8,8
Administração de medicação endovenosa 4 3,9
Administração de medicação intramuscular 8 7,8
Punção venosa/arterial não especificada 5 4,9
Procedimento laboratorial 6 5,9
Administração de medicação subcutânea 1 1,0
Administração de medicação intradérmica 1 1,0
Descarte inadequado de material perfurocortante em saco de lixo 2 2,0
Lavagem de material 1 1,0
Outros 25 24,5
Total 102 100,0
Agente
Agulha com lúmen 68 66,6
Agulha sem lúmen/maciça 2 2,0
Lâmina/lanceta (qualquer tipo) 11 10,8
Outros 16 15,7
Ignorado 5 4,9
Total 102 100,0
Evolução do Caso
Ignorado/Branco 44 43,2
Alta paciente fonte negativo 43 42,2
Alta sem conversão sorológica 10 9,8
Abandono 3 2,9
Alta com conversão sorológica 2 1,9
Total 102 100,0

3.1 Discussão

Os dados sociodemográficos encontrados neste estudo se equiparam a de outros (Brito et al., 2021; Dias et al., 2012; Giacontii et al., 2014; Pimenta et al., 2013; Santos & Mascarenhas, 2013; Valim & Marziale, 2012), e evidenciam que a enfermagem é uma profissão predominantemente feminina, com a tendência ao crescimento da masculinização. Essa feminilização da profissão está intrinsicamente associada à tradição e a cultura que impunha à mulher o cuidado e vigilância, transferindo para a esfera pública o que, tradicionalmente fazia na esfera doméstica. Estar no mercado de trabalho, exercendo o que exercia no doméstico traduz em menos conflito nos primórdios da emancipação feminina. Isso se estende às atividades laborais de um modo geral, e em particular na saúde, setor com forte marca da assistência, do cuidado e da promoção à saúde.

Em relação à faixa etária, houve a predominância de adultos jovens de 20 a 29 anos (58,8 %). Essa faixa etária, com base na categorização de fases profissionais, estabelecida por Machado et al. (2016), a partir do constructo da sociologia da profissões, que leva em conta a idade, o tempo de formado e a inserção no mercado de trabalho, refere-se à primeira fase “início da vida profissional” (até 25 anos), em que os jovens ainda buscam a definição de que área atuar, sendo a fase de “sonho profissional, da ilusão de uma vida profissional promissora, mas é também a fase das indecisões” (Machado et al., 2016). Outra fase que incide nessa faixa etária, é a de “formação profissional”, em que eles buscam se qualificar em “funções de maior complexidade e destreza cognitiva” (Machado et al., 2016).

O fato de a maioria dos enfermeiros estar no início da carreira pode ser um fator de risco para sofrerem acidentes de trabalho, por conta da pouca ou nenhuma qualificação para a atividade exercida, bem como por estarem num momento de desenvolvimento de sua destreza pessoal, em ações que envolvem o contato direto com o paciente e o manuseio de perfurocortantes e material orgânico. Estudo realizado por Valim e Marziale (2014), em hospitais de dois municípios brasileiros com 121 enfermeiros, a faixa etária que prevaleceu foi de 30 a 41 anos (41,3 %), sendo a média de idade igual a 37,4 anos.

A raça/cor autodeclarada segundo nomenclatura do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), prevaleceu a parda (53,9 %), seguida pela branca (46,1 %). Os dados encontrados divergem dos encontrados na pesquisa “Perfil da Enfermagem no Brasil”, em que dos 414.712 enfermeiros, 57,9 % se consideravam brancos e 31,3 % pardos (Machado et al., 2016), retratando aquele momento de realização da pesquisa de base nacional.

Com relação a ocorrência dos acidentes por exposição percutânea, também foi observado em outros estudos (Barbosa et al., 2017; Dias & Machado, 2012; Souza et al., 2014; Valim & Marziale, 2014) a associação à quantidade de procedimentos invasivos realizados pelo enfermeiro, como: punção venosa, soroterapia, gasometria arterial, coleta de exames, dentre outros. Em relação ao material orgânico envolvido nos acidentes com enfermeiros, o sangue predomina (71,5 %), fato também observado em outros estudos (Alves et al., 2013; Barbosa et al., 2017; Gomes & Caldas, 2019; Ximenes Neto et al., 2016). Quanto à exposição mucosa (Ximenes Neto et al., 2016), está atrelada, na grande maioria das vezes, a realização de procedimentos tais como aspiração, sondagem vesical, entre outros, sem o uso adequado dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI) (Souza et al., 2017).

Este estudo identificou mais de um tipo de exposição, o que pode estar associado à falta de capacitação para o exercício do labore, ao não uso ou uso inadequado de EPI, durante a exposição ao material biológico, bem como as condições de trabalho a que estes estão submetidos ou mesmo ao dimensionamento inadequado da equipe. A variabilidade nas circunstâncias que levaram ao acidente, reflete a magnitude dos riscos que cercam os enfermeiros durante o desenvolvimento de suas atividades laborais.

No entanto, as circunstâncias encontradas demonstram que parte dos acidentes poderiam ter sido evitados pelas medidas de precaução padrão, a exemplo, do não reencape de agulhas e o descarte adequado de perfurocortantes. Tais comportamentos também foram identificados como sendo responsáveis por acidentes de trabalho com a equipe de Enfermagem em outros estudos (Barros et al., 2016; Negrinho et al., 2017; Silva et al., 2021; Souza et al., 2017).

O manejo inadequado dos Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde (RSSS), pode estar associado ao descarte do material sem atentar para a segregação correta, atingindo profissionais, que pela lógica da atividade desempenhada, não mantém contato direto com o paciente, mas manuseiam os resíduos oriundos dessa assistência, como por exemplo, a equipe de higiene e limpeza e a equipe de coletores externos (Barros et al., 2016; Silva et al., 2021).

O agente causador evidenciado neste estudo assemelha-se ao encontrado em outro estudo (Ximenes Neto et al., 2016), em que dos 178.431 registros de acidentes de trabalho por exposição a material biológico com profissionais da saúde nos municípios brasileiros, mais da metade (57,5 %), foi a agulha com lúmen. Outro estudo mostrou que dos 351 casos de acidentes de trabalho com exposição a material biológico pela equipe de Enfermagem, 252 tiveram também como agente causador a agulha com lúmen (Souza et al., 2017), que a depender do tipo de contato com fluido e imunização prévia do profissional, deve ser realizada a quimioprofilaxia, profilaxia ambulatorial como caso de emergência (Soares et al., 2013).

Estudo de Marchi Junior et al. (2014) mostrou que as principais causas dos acidentes de trabalho por exposição a materiais biológicos foram o não uso de EPI, o descarte inapropriado de materiais perfurocortantes, transporte de agulhas desencapadas, desconexão de agulhas de seringas e o reencape de agulhas. Estes descartes ainda existem em grande número, muito embora diversas recomendações sobre a adoção das precauções padrões venham sendo repassadas há anos para estes profissionais.

A ocorrência de acidentes por exposição a material biológico entre a equipe de enfermagem, que na assistência é detentora do maior número de procedimentos e, consequentemente, do maior risco ocupacional, muitos desses evitáveis, reflete as condições precárias e insalubres de trabalho. É sabido que muitos têm dupla ou tripla jornada de trabalho, executam inúmeros procedimentos, com carga horária exaustiva e salários defasados, o que corrobora com a ocorrência de acidentes de trabalho, seja pelo cansaço, seja pelo não uso de EPI e manejo inadequado dos equipamentos e resíduos. Vale destacar que, as enfermeiras ainda são responsáveis pelo cuidado do lar, filhos e companheiros, o que as sobrecarregam ainda mais (Cordioli Junior et al., 2020; Guimarães Ximenes Neto et al., 2022; Julio et al., 2021).

Tais pressupostos incidem também, na forma como eles veem o acidente de trabalho com exposição a material biológico, desde a adoção de medidas protetivas, até a adesão a quimioprofilaxia (quando indicada), o acompanhamento, a notificação e o desfecho. Neste estudo evidenciou-se que a maior parte dos casos de acidentes com material biológico notificados pelo CEREST Regional, teve desfecho (evolução) do caso ignorado ou em branco (43,2 %); corroborando com estudos já disponíveis na literatura (Valim & Marziale, 2014).

O estudo realizado por Valim e Marziele (2014) demonstrou que a maioria dos enfermeiros não informa a ocorrência do acidente por não considerar a notificação importante ou por achar que acidente não foi perigoso ou devido ao esquecimento, pelo estresse gerado por este, além da demora dos retornos às unidades responsáveis. Em outro estudo que investigou a taxa de subnotificação de acidentes com material biológico em um hospital universitário do interior paulista, mostrou que muitos foram os motivos relatados pelos profissionais acidentados como justificativa para a subnotificação. Dentre eles, o mais frequentemente referido foi a crença de que o acidente ocorrido apresentava baixo risco (Marchi Junior et al., 2014).

4. Conclusão

Os acidentes de trabalho por material biológico são importantes causas de agravos dos trabalhadores da enfermagem (enfermeiros, técnicos e auxiliares), devido a vulnerabilidade oriunda das condições de trabalho, da magnitude e amplitude dos riscos, impostos muitas vezes pelas condições de trabalho insalubres e a múltipla a que estes estão submetidos. Estes não devem ser encarados como eventos cotidianos da prática profissional e devem ser frequentemente estudados a fim de fomentar políticas públicas e medidas de segurança baseadas no conhecimento epidemiológico desse agravo.

Faz-se necessário ampliar o debate sobre os acidentes de trabalho com exposição a material biológico, tanto com os empregadores, quanto com os trabalhadores da saúde, para que estes visualizem a magnitude do evento, que pode gerar “perturbações” sociais, econômicas, psicológica e, sobretudo, na situação sanitária do acometido, com a aquisição de doenças infectocontagiosas.

Os profissionais devem estar implicados com a notificação do acidente de trabalho por exposição a material biológico, priorizando seu preenchimento adequado e com todas as informações necessárias. Para isso, faz-se necessário que as empresas e serviços de segurança e proteção dos trabalhadores os capacitem e implantem o Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT), para que seja ofertado um ambiente seguro e melhores condições de trabalho para os trabalhadores da saúde, em especial os da equipe de enfermagem, que se mantém nos serviços de saúde, sobretudo os hospitalares, durante longas jornadas de trabalho.

Como limitações deste estudo aponta-se o número elevado de fichas com o preenchimento inadequado, com informações incompletas ou ausentes, como o “campo banco/ignorado” selecionado; bem como, poucos artigos que versem sobre a ocorrência de acidentes de trabalho por exposição a material biológico com o enfermeiro. A maioria dos estudos aborda a equipe de Enfermagem, e mais comumente, os técnicos e auxiliares de enfermagem.

Este estudo identificou que em dez anos foram notificados 102 acidentes de trabalho com enfermeiros, cuja maioria eram mulheres jovens, pardas, com vínculo empregatício. O maior número de acidentes foi por exposições percutâneos, com sangue, em punções venosas e com agulhas com lúmen. A maior parte dos sujeitos evoluiu sem registro (ignorado/Branco) ou teve alta com fonte negativo.

O conhecimento sobre a ocorrência de acidentes de trabalho por exposição a material biológico com enfermeiros pode contribuir com o debate acerca do adoecimento destes profissionais, bem como subsidiar o estabelecimento de políticas e protocolos mais seguros sobre as medidas de proteção individual e coletiva.

5. Referências

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Received: June 01, 2022; corrected: October 20, 2022; Accepted: November 11, 2022

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