1. Introdução
As ações afirmativas são medidas redistributivas que buscam alocar bens para grupos específicos, discriminados e vitimados pela exclusão social, econômica ou cultural (Feres y Zoninsein, 2006). Agrupados sob essa denominação encontram-se procedimentos distintos que visam mitigar desigualdades que atendam a reivindicações coletivas, como distribuição de terras, de moradias, medidas de proteção a estilos de vida ameaçados e políticas de identidade (Daflon et al., 2013). Entre essas, as ações afirmativas relacionadas ao acesso ao ensino superior brasileiro será o objeto de estudo desse trabalho, iniciativa influenciada por movimentos semelhantes nos EUA, cujos resultados iniciais foram obtidos a partir da década de 1960 (Oliven, 2007; Peria, 2004; Moehlecke, 2002).
No Brasil, o estado do Rio de Janeiro foi pioneiro ao aprovar as primeiras leis de ações afirmativas relacionadas ao acesso ao ensino superior. A lei estadual 3.524/2000 instituiu que 50% das vagas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) fossem destinadas para alunos de escolas públicas. Posteriormente, a forma de seleção dos alunos beneficiários dessa política pública para acesso às universidades foi alterada, com a lei estadual 3.708/2001, que destinava 40% das vagas para a população negra e parda.
No Brasil, as ações afirmativas relacionadas ao acesso aos cursos superiores foram materializadas por uma política pública que tem seu marco legal a Lei 12.711 (2012), denominada Lei de Cotas, que destina 50% das vagas nas universidades públicas para candidatos que tenham cursado sua vida acadêmica integralmente em escolas públicas. A lei também prevê a reserva de vagas para candidatos oriundos de família de baixa renda (renda per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo), pessoas com deficiência e cotas raciais.
A importância da política de cotas reside no fato de que o acesso à educação formal é reconhecido como a principal oportunidade de mobilidade social e econômica do indivíduo (Martins et al., 2016; Ribeiro, 2014). Coletivamente, “para cada ano que a média de educação da população adulta aumenta, há um acréscimo correspondente de 3,7% no crescimento de longo prazo da economia e um acréscimo de 6% na renda per capita” (Ireland y Spezia, 2014, p. 275).
Os anos subsequentes foram marcados pela disseminação de medidas similares em universidades públicas em todo o país, por meio de leis estaduais e resoluções de conselhos universitários. A Universidade de Brasília (UnB) foi a primeira universidade federal a adotar cotas para negros e índios, em 2004 (Bento et al., 2016; Lima et al., 2014) e, em 2012, o sistema de cotas foi regulamentado em nível federal, por meio da lei 12.711 (2012).
Neste contexto, a questão que se coloca é: a política de cotas para as universidades públicas tem contribuído para a mobilidade social dos beneficiários dessa política pública no Brasil? Para responder ao questionamento, esse trabalho possui como objetivo investigar a contribuição da política pública de cotas para as vagas dos cursos de graduação nas universidades públicas brasileiras para a mobilidade social dos beneficiários. Neste artigo mobilidade social é caracterizada como um indivíduo que possui um determinado nível socioeconômico, ascende para uma posição socioeconômica mais elevada, independente da melhoria geral do ambiente econômico no qual ele está inserido, sendo definido por Margison (2017) como mobilidade social relativa. De acordo com Margison quando a mobilidade social relativa avança, a estrutura da sociedade torna-se mais igualitária.
Para tanto, foi realizado um estudo comparativo entre os egressos dos grupos de cotas e de ampla concorrência dos cursos de graduação oferecidos pela Universidade Federal Fluminense, no município de Volta Redonda – RJ.
A análise realizada ao longo desse trabalho ganha em importância pelo aspecto temporal, tendo em vista que a Lei das cotas – Lei 12.711/2012, está prestes a completar 10 anos e seu artigo 7º estabelece o prazo de 10 anos para promover a revisão do programa de cotas. Outro aspecto relevante é que o Brasil é um dos países com menor mobilidade intergeracional, que ocorre quando se filhos de pais ricos tendem a ser também ricos e os filhos de pais pobres tendem a ser pobres, fazendo assim que a desigualdade seja transmitida através das gerações (Pero y Szermam, 2008).
2. Revisão da literatura
2.1 Ações afirmativas
O registro mais antigo de políticas de ação afirmativa é o da Índia (Feres y Daflon, 2015), país que adotou um sistema de cotas raciais na década de 1930, a fim de favorecer o acesso dos Dalits, casta mais baixa e discriminada do país, ao ensino superior (Silva y Silva, 2012). Nos Estados Unidos, país cujo caminho percorrido pela política pública de ação afirmativa se assemelha ao Brasil (Feres, 2007), as ações afirmativas advêm de reivindicações democráticas, como o Movimento Negro, pelos direitos civis nos anos 1960 (Moehlecke, 2002). Segundo a autora, a busca pela igualdade de oportunidades possibilitou a eliminação das leis segregacionistas naquele país, tendo o Movimento Negro como uma das principais forças atuantes. Esta seção busca embasar o estudo que corresponde à essência deste artigo. Para tratar os movimentos relacionados às ações afirmativas relacionadas ao acesso ao ensino superior no Brasil, serão apresentados e discutidos o contexto no qual essas ações foram implantadas no Brasil, bem como a importância da educação para a mobilidade social.
No Brasil, a ação afirmativa surge com propósitos semelhantes aos propósitos americanos, embora o contexto nos dois países possua diferenças.
(...) a nação norte americana, desde sua origem, se define constitucionalmente como uma república democrática, avessa às desigualdades de berço tão caras às sociedades aristocráticas da Europa. Ao contrário da nação norte-americana que já nasceu república, o Brasil foi império a partir da independência até quase o início do século XX (Oliven, 2007, p. 31)
No Brasil, o primeiro registro encontrado de um projeto de lei que obrigasse as empresas privadas a reservarem uma percentagem mínima para empregados de cor data de 1968, por meio da manifestação favorável dos técnicos do Ministério do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho à criação da lei, entretanto, o projeto de lei não chegou a ser elaborado (Moehlecke, 2002).
Na década de 1970, com o Movimento Negro no Brasil, ocorreram passeatas, debates, palestras e diversos trabalhos foram realizados no sentido de conscientizar a sociedade sobre o problema existente e em busca de um maior espaço do negro na sociedade brasileira (Contins y Sant'ana, 1996). Essas ações ocorreram em vários estados do país, como Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul (Domingues, 2007).
No Rio de Janeiro, destacaram-se o movimento Soul, depois batizado de Black Rio, e a fundação do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (Domingues, 2007). O autor destaca, entretanto, que estas iniciativas eram fragmentadas e não tinham um sentido político de enfrentamento com o regime. Em 1978, pelas lideranças do então recém-criado Movimento Negro Unificado, o movimento negro volta à cena política do país (Pereira, 2011).
(...) O protesto negro contemporâneo se inspirou na luta a favor dos direitos civis dos negros estadunidenses, onde se projetaram lideranças como Martin Luther King, Malcon X e organizações negras marxistas, como os Panteras Negras, e nos movimentos de libertação dos países africanos, sobretudo de língua portuguesa, como Guiné Bissau, Moçambique e Angola. Tais influências contribuíram para o Movimento Negro Unificado ter assumido um discurso radicalizado contra a discriminação racial (Domingues, 2007, p. 112)
As mobilizações surtem efeito e, em 1983, surge a proposta legislativa sobre ação afirmativa: o projeto de lei nº 1332 (1983). De autoria do deputado Abdias Nascimento, dispunha sobre ação compensatória, buscando o princípio da isonomia social do negro em relação aos demais segmentos étnicos da população brasileira (Silva, 2017; Rosa, 2014). Apesar da proposta ter tramitado na Câmara dos Deputados por seis anos, tendo pareceres favoráveis nas três comissões pelas quais passou, o projeto de lei não foi votado pelo Plenário da Câmara e foi arquivado em 1989 (Silva, 2017).
A implantação de ações afirmativas no Brasil se deu após a redemocratização do país, a partir de 1985, devido à mobilização de movimentos sociais e de uma postura mais ativa do poder público a questões como raça, etnia e gênero, bem como a adoção de medidas capazes de solucionar estes problemas (Gomes, 2012; Moehlecke, 2002).
Um ano antes do arquivamento do projeto de lei do deputado Abdias Nascimento, foi promulgada a Constituição Federal de 1988 que, segundo Lima (2010), representa um importante marco nas mudanças sociais ocorridas no país, uma vez que introduz a criminalização do racismo e reconhece o direito de posse de terra às comunidades quilombolas. Aliadas à criação da Fundação Cultural Palmares, essas ações podem ser interpretadas como uma resposta às reivindicações do movimento negro e representam uma forma de reconhecimento do valor histórico e cultural destes grupos (Lima, 2010).
No início dos anos 2000, as políticas de ação afirmativa ganham destaque na educação com o sistema de cotas, devido a aprovação da lei estadual nº 4.151/2003, que estabeleceu cotas para pretos, pardos e alunos de escolas públicas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) (Feres y Daflon, 2015). A utilização das cotas em universidades públicas coloca a discussão sobre ações afirmativas em evidência. Assim, a aprovação da Lei Federal 12.711, em agosto de 2012, é um marco após mais de duas décadas de lutas dos movimentos sociais engajados com a democratização da educação superior pública (Magalhães y Menezes, 2014).
2.2 Educação e mobilidade social
O crescimento econômico ocorrido no período pós-guerra no Brasil não se traduziu em resultados sociais positivos, culminando em uma sociedade urbana e industrial marcada por pobreza e elevada desigualdade social e econômica (Dedecca et al., 2014). O crescimento econômico observado no Brasil na década de 1960 não trouxe maiores possibilidades de mobilidade social e redução das desigualdades sociais, mas promoveu exatamente o contrário: a intensificação das desigualdades (Barrozo, 2004).
(...) a mobilidade intrafamiliar transgeracional ascendente de educação e renda no Brasil é minúscula, no que reflete tendência mundial. A inércia da parca educação e da pobreza entre gerações da mesma família marca, com cicatriz brutal, a sociedade brasileira (Barrozo, 2004, p. 133)
Se o crescimento da economia e a diminuição das desigualdades sociais não são proporcionais, a educação é apontada por Rota (2013) como uma medida capaz de alterar essa situação e proporcionar a mobilidade social. Tratando especificamente do ensino superior, Alon e Tienda (2007) apontam que a expectativa é de que a formação dos indivíduos sirva às sociedades democráticas e promova a mobilidade social.
De acordo com Angrist e Krueger (1991) quando alunos são compelidos a frequentar a escola por mais tempo pela escolaridade obrigatória, eles ganham salários mais altos em consequência da maior escolaridade. Estudo abrangendo países e realidades distintas apontam que, nos países de língua inglesa e na Europa ocidental, a contribuição do ensino superior para a mobilidade social relativa pode ser maximizada sob determinadas condições: 1) Financiamento, em grande parte, por fontes públicas e 2) Papel secundário do setor privado no ensino superior. Atender a primeira dessas condições, evita que as famílias utilizem recursos econômicos privados desiguais, gerando uma desvantagem para aqueles desprovidos de um maior volume de capital; enquanto atender à segunda condição, reduz o potencial de diferenciação social com base na divisão entre setores público e privado (Marginson, 2017).
Em relação às condicionantes para maximizar a contribuição do ensino superior para a mobilidade social no Brasil, uma delas é parcialmente atendida: há o incremento de iniciativas de financiamento público do ensino superior, com a implantação de políticas públicas que têm proporcionado maior abertura e extensão da escolarização às populações menos privilegiadas (Rota, 2013). Entretanto, em relação à atuação do setor privado no ensino superior, o resultado do Censo da Educação Superior de 2017 indicou que 87,9% das Instituições de Ensino Superior do Brasil naquele ano eram privadas (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), 2017).
Estudo realizado no continente europeu sobre a importância da educação para a mobilidade social destaca uma nova era vivida na Europa nos últimos sessenta anos, marcada por mais investimentos em educação e maior acesso à escola a todas as classes sociais (Martins et al., 2016). De acordo com os autores, a educação representa uma dimensão muito influente na explicação de processos de mobilidade e um elemento estrutural das desigualdades sociais na Europa e completam ao afirmar que:
(...) a dimensão educativa tem efeitos importantes na mobilidade social, nas inserções profissionais e na distribuição dos recursos. Escolaridades mais elevadas conduzem a maiores oportunidades médias de acesso a profissões mais qualificadas e a rendimentos também mais elevados. Essa é uma tônica visível em todos os países europeus (Martins et al., 2016, p. 280)
Em período posterior ao europeu, no final da década de 1990, houve um aumento significativo da proporção de indivíduos no ensino médio no Brasil, que estaria relacionado ao declínio da desigualdade de renda ocorrido no mesmo período. Em paralelo, há o aumento de vagas no ensino superior ofertadas por instituições privadas, como resultado de sua desregulamentação. A subsequente expansão das universidades públicas contribuiu para o aumento do número de vagas e, este conjunto de aspectos, possibilita que uma fração maior da população brasileira tenha acesso ao ensino superior (Silva et al, 2014; Menezes-Filho et al., 2007).
As reformas educacionais ocorridas no Brasil na década de 1990, sucedidas por maiores investimentos a partir dos anos 2000, com um aumento percentual de investimento público total em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) entre os anos de 2000 e 2015 foram ações que buscaram criar as condições para que a mobilidade social ocorresse, entretanto, ainda há muito que fazer: relatório do United Nations Development Programme - UNPD (UNPD, 2019) indica que, em 2019, o Brasil era o 8º país mais desigual do planeta. Para Langoni:
(...) educação é não apenas uma variável fim, mas também uma variável meio. Em outras palavras, ela é um importante mecanismo de transmissão da influência do status familiar, não tendo muito sentido tentar isolar a contribuição na margem de cada uma dessas funções. Por outro lado, a evidência empírica de outros estudos sugere que, mesmo levando-se em consideração o impacto dessas outras variáveis, educação continua sendo a variável mais significativa na determinação da renda individual (Langoni, 1973, p. 5)
O volume de capital (econômico, cultural ou social), citado por Silva et al (2014), é considerado por Lemos et al. (2009) uma variável potencializadora para a conversão do capital cultural, representado pela educação formal, em capital econômico. Para Ribeiro (2006), a educação formal é uma das principais vias de mobilidade social da sociedade contemporânea e Carnevale e Strohl (2013) reconhecem que alguns estudos comprovam que existe mais de uma variável envolvida no processo de ascensão social, mas destacam que o acesso às escolas continua a ser um importante mecanismo para a mobilidade social.
Bresser-Pereira sugere que uma alternativa para verificar se ocorreu mobilidade social em determinado grupo, é classifica-lo “segundo a situação econômica da família na época da infância ou adolescência, segundo o nível de instrução do pai, e, principalmente, segundo a profissão do pai” (Bresser-Pereira, 1973, p. 21). Bresser-Pereira cita especificamente o pai, porém, trata-se de um trabalho de 1973, época que a composição das famílias era bem distinta. Considerando que, atualmente, as mães também compõem a renda da família, a proposta do autor deve ser ampliada, contemplando os níveis de escolaridade e as carreiras do pai e da mãe, ou ainda, daquele(s) que assumiu(ram) esse papel.
Para Ribeiro (2006), a educação formal é uma das principais vias de mobilidade social da sociedade contemporânea e Carnevale e Strohl (2013) reconhecem que alguns estudos comprovam que existe mais de uma variável envolvida no processo de ascensão social, mas destacam que o acesso às escolas continua a ser um importante mecanismo para a mobilidade social.
3. Metodologia
A presente pesquisa é de natureza aplicada, com abordagem quantitativa com objetivo exploratório e descritivo (Strauss y Corbin, 2008) tendo como procedimentos técnicos revisão bibliográfica (Kripka et al., 2015; Sá-Silva et al., 2009).
3.1 Enfoque
A presente pesquisa é de natureza aplicada, com abordagem quantitativa com objetivo exploratório e descritivo (Strauss y Corbin, 2008) tendo como procedimentos técnicos revisão bibliográfica (Kripka et al., 2015; Sá-Silva et al., 2009).
3.2 Unidades de análise
A população da pesquisa é formada pelos egressos dos cursos de graduação ofertados pela Universidade Federal Fluminense no município de Volta Redonda - RJ, que ingressaram nos cursos após o ano de 2012, quando a lei de cotas foi regulamentada, e que concluíram sua graduação entre o segundo semestre de 2016 e o segundo semestre de 2020. A amostra constituída pelos respondentes foi de 77 entrevistados (14,2% do total) e destes, 54 ingressaram na universidade por ampla concorrência e 23 por grupos de cotas e foi auto selecionada: formada pelos egressos que concordaram em participar da pesquisa e responderam ao questionário que foi encaminhado por e-mail, utilizando o aplicativo Google Forms para a coleta de dados. A participação na pesquisa foi voluntária, sendo esclarecido aos participantes a confidencialidade dos dados coletados, bem como o tratamento coletivo de todas informações prestadas na pesquisa.
3.3 Coleta de dados
O instrumento de coleta de dados foi um questionário com duas seções: 1) Dados demográficos e 2) Percepção sobre a situação social dos respondentes. Para coletar os dados, foram elaboradas questões com múltipla escolha, afirmativas e uma questão aberta. Nas questões de múltipla escolha, o respondente deveria selecionar a(s) resposta(s) considerada(s) mais adequada(s) e nas questões com as afirmativas, atribuir uma nota (0 a 10) conforme o grau de concordância: quanto maior a concordância com as afirmações, maior deveria ser a nota atribuída.
Para elaboração das questões e afirmativas, considerou-se a contribuição da educação no processo de mobilidade social (Rota, 2013), a política pública de cotas (Magalhães y Menezes, 2014) e a proposta de Bresser-Pereira (1973) para investigação de mobilidade social.
Outra adaptação à proposta de Bresser-Pereira foi decorrente do perfil da população pesquisada que, em sua maior parte, é solteira e mora com os pais, logo, a posição social atual do egresso tende a ser uma extensão daquela que ocupava na infância e na adolescência. Assim, foi suprimida a pontuação das respostas para determinar a posição social atual da família do egresso e adotou-se como parâmetro a perspectiva dos respondentes quanto à sua situação social no futuro. Evidentemente, isso direciona a uma análise subjetiva, por se tratar de uma perspectiva. Os demais critérios apontados por Bresser-Pereira foram utilizados: nível de instrução do pai (acrescida à informação sobre a mãe), profissão do pai (acrescida à informação sobre a mãe) e a idade em que o egresso começou a trabalhar.
O survey foi realizado nos meses de agosto, setembro e outubro de 2020. Foram contatados por e-mail os 541 egressos dos cursos de graduação ofertados pela Universidade Federal Fluminense no município de Volta Redonda–RJ (UFF-VR).: Administração, Administração Pública, Ciências Contábeis, Direito, Engenharia de Agronegócios, Engenharia de Produção, Engenharia Mecânica, Engenharia Metalúrgica e Psicologia.
3.4 Análise dos dados
Para a análise os resultados foram, tanto quanto possível, segregados pelos grupos de egressos pesquisados (ampla concorrência e cotas), com o intuito de identificar e apresentar padrões de similaridade e distinção dos respondentes. Para tanto, foram geradas estatísticas descritivas, tabelas de referências cruzadas, e diversos testes estatísticos com nível de significância 0,10, entre esses: comparação de médias, testes de aderência e independência de variáveis (qui-quadrado), correlação de Pearson e análise de regressão (Triola, 2013; Bussab y Moretin, 2010; Hair et al, 2005; Meyer, 1987). Para geração das estatísticas, foram utilizados os softwares SPSS 23 (Statistical Package for the Social Science – version 23.0) e Microsoft Excel 2016.
4. Apresentação e discussão dos resultados
A coleta de dados foi remota e ocorreu via e-mail, enviado para todos os egressos dos cursos de graduação ofertados pela Universidade Federal Fluminense, no município de Volta Redonda–RJ: Administração, Administração Pública, Ciências Contábeis, Direito, Engenharia de Agronegócios, Engenharia de Produção, Engenharia Mecânica, Engenharia Metalúrgica e Psicologia. Os dados dos egressos foram organizados em dois grupos principais, a partir da modalidade de ingresso na universidade, para que fosse possível identificar e apresentar padrões de similaridade e distinção relacionados à mobilidade social nestes dois grupos de respondentes: 1) ampla concorrência e 2) cotas.
4.1 Descrição da população e da amostra
A população foi constituída por 541 egressos e a amostra por 77 respondentes (14,2% do total) e, destes, 54 ingressaram na universidade por ampla concorrência (15,8% do total de egressos deste grupo) e 23 por grupos de cotas (14,7% do total de egressos deste grupo). Apesar da amostra ser auto selecionada, a diferença entre o número de respondentes de cada grupo não interferiu em sua representatividade, haja vista que a proporção de respostas em relação a cada grupo de egressos é muito próxima, conforme apresentado no Tabela 1:
Tabela 1 Proporção das respostas em relação ao total de alunos da Universidade Federal Fluminense/ Campus Volta Redonda (Brasil) – Ano Base: 2020
Grupos de acesso | Total de alunos | Total de respostas | |
Quantidade | % | ||
Ampla Concorrência | 341 | 54 | 15,8% |
Cotas | 156 | 23 | 14,7% |
Outros | 44 | 0 | 0,0% |
Total | 541 | 77 | 14,2% |
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
O egresso pesquisado, predominantemente, possui menos de 30 anos (média de 26,7 anos), do sexo feminino (59,7% do total dos respondentes), solteiro (83,1% dos respondentes) e mora com os pais (46,8% dos respondentes). Tendo em vista o perfil identificado, a mobilidade social foi tratada em uma perspectiva futura, uma vez que este grupo de egressos, em sua maioria, ainda é jovem e não constituiu sua própria família.
4.2 O egresso e o mercado de trabalho
A análise do processo de mobilidade social requer uma investigação sobre a inserção do egresso no mercado de trabalho. A importância dessa investigação é destacada na literatura, como apontam Martins et al. (2019), que compreendem que o processo de inserção profissional é um momento importante para a mobilidade social.
Os egressos do grupo de ampla concorrência começam a trabalhar, em média, mais tarde que os egressos do grupo de cotas. A maioria dos integrantes dos grupos de cotas (47,8% dos respondentes) assumiu alguma atividade remunerada entre os 16 e 18 anos de idade, uma faixa etária antes da maioria dos integrantes do grupo de ampla concorrência (37,0% dos respondentes), que assumiu alguma atividade remunerada entre os 19 e 23 anos de idade. Ao mesmo tempo. Segundo Mocelin (2020), este fato pode representar desvantagem aos alunos do grupo de cotas, uma vez que a inserção precoce no mercado de trabalho diminui as oportunidades de formação. Tal fato, em conjunto com os dados apresentados neste parágrafo, reforça o exposto por Martins et al. (2019), que apontam que possíveis desigualdades de oportunidade de ascensão social podem ser percebidas durante o processo de inserção profissional. Os dados referentes à média de idade de ingresso no mercado de trabalho são apresentados na Tabela 2:
Tabela 2. Frequências e percentagens das faixas etárias de ingresso no mercado de trabalho dos alunos da Universidade Federal Fluminense/ Campus Volta Redonda (Brasil) – Ano Base: 2020
Faixa etária que começou a exercer alguma atividade remunerada (Formal ou informal, com carga horária semanal superior a 20 horas - não considerar Estágio) | Modalidade de ingresso no curso | Total | |
Ampla concorrência | Cotas | ||
Antes dos 16 anos | 5 9,2% | 0 0,0% | 5 6,5% |
Entre 16 e 18 anos | 11 20,4% | 11 | 22 28,6% |
47,8% | |||
Entre 19 e 23 anos | 20 37,0% | 8 | 28 36,4% |
34,8% | |||
Com 24 anos ou mais | 9 16,7% | 2 | 11 14,3% |
8,7% | |||
Ainda não exerci atividade remunerada | 9 16,7% | 2 | 11 14,3% |
8,7% | |||
Total | 54 100,0% | 23 | 77 100,0% |
100,0% |
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
O resultado do teste de qui-quadrado, X2= 7,842, p = 0,931) indicou que não há diferença significativa entre os principais motivos apontados para não trabalharem durante o curso de graduação: os respondentes informaram que não tiveram atividade remunerada durante a graduação porque o curso era em período integral (43,5% dos respondentes de ampla concorrência e 50% dos respondentes do grupo de cotas) ou porque buscaram um emprego, mas não conseguiram (21,7% dos respondentes de ampla concorrência e 25% dos respondentes do grupo de cotas). Entretanto, apenas egressos do grupo de ampla concorrência (3 egressos ou 13,0% desse grupo de respondentes), declararam que optaram por aguardar a conclusão do curso para pleitear um emprego melhor, situação não foi verificada entre os egressos do grupo de cotas.
Quanto ao exercício de atividade remunerada, a maioria dos egressos que teve alguma atividade remunerada durante todo o curso faz parte do grupo de cotas (23,8%) quando comparado com o grupo de ampla concorrência (8,9%). A mesma situação é verificada ao considerar, em conjunto, os egressos que mantiveram atividade remunerada durante todo o curso ou em, pelo menos, uma parte do curso de graduação: o percentual de egressos que acumularam atividade laboral com o curso é maior entre os egressos do grupo de cotas (82.2%) do que os egressos do grupo de ampla concorrência (62,2%). Já o percentual de egressos que não acumularam atividade laboral com o curso é maior entre os egressos da ampla concorrência (33,3% dos respondentes) do que entre os egressos dos grupos de cotas (14,3% dos respondentes), conforme apresentado na Tabela 3.
Tabela 3. Frequências e percentagens dos tipos de atividade remunerada durante o curso dos alunos da Universidade Federal Fluminense – Campus Volta Redonda (Brasil) – Ano Base: 2020
Faixa etária que começou a exercer alguma atividade remunerada (Formal ou informal, com carga horária semanal superior a 20 horas - não considerar Estágio) | Modalidade de ingresso no curso | Total | |
Ampla concorrência | Cotas | ||
Antes dos 16 anos | 5 9,2% | 0 0,0% | 5 6,5% |
Entre 16 e 18 anos | 11 20,4% | 11 | 22 28,6% |
47,8% | |||
Entre 19 e 23 anos | 20 37,0% | 8 | 28 36,4% |
34,8% | |||
Com 24 anos ou mais | 9 16,7% | 2 | 11 14,3% |
8,7% | |||
Ainda não exerci atividade remunerada | 9 16,7% | 2 | 11 14,3% |
8,7% | |||
Total | 54 100,0% | 23 | 77 100,0% |
100,0% |
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
Quanto à motivação para realização de atividade remunerada, o resultado do teste de qui-quadrado, X2=4,283, p=0,369, indicou que não há diferença quando a justificativa é a oportunidade de desenvolvimento profissional (31,1% dos egressos de ampla concorrência e 33,3% do grupo de cotas), complementação de renda (22,2% dos egressos de ampla concorrência e 23,8% do grupo de cotas) ou realização de estágio (4,5% dos egressos de ampla concorrência e 4,8% do grupo de cotas).
Foi questionado, ainda, aos egressos que assumiram uma posição no mercado de trabalho somente após a conclusão do curso, quais os motivos que os levaram a essa situação. O respondente poderia apontar mais de uma resposta, então, o total de repostas apresentado na Tabela 4 ultrapassa o número de 18 egressos nessa situação.
Tabela 4. Frequências e percentagens dos motivos para os egressos da Universidade Federal Fluminense/ Campus Volta Redonda (Brasil) terem atividade remunerada durante o curso de graduação – Ano Base: 2020
Justificativa para não exercer atividade remunerada durante o período do curso | Modalidade de ingresso no curso | Total | |
Ampla concorrência | Cotas | ||
Meu curso era integral, o que inviabilizou exercer quaisquer atividades remuneradas | 10 43,5% | 2 50% | 12 44,5% |
Busquei emprego, mas não encontrei | 5 21,7% | 1 25% | 6 22,2% |
Optei por me dedicar apenas ao curso | 4 17,4% | 1 25% | 5 18,5% |
Optei por aguardar a conclusão do curso para pleitear um emprego melhor | 3 13,0% | 0 0,0% | 3 11,1% |
Projetos internos na faculdade (Empresa Júnior) | 1 4,4% | 0 0,0% | 1 3,7% |
Total | 23 100% | 4 100% | 27 100% |
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
O resultado do teste de qui-quadrado, X2=0,851, p=0,931, indicou que não há diferença significativa entre os principais motivos apontados para não trabalharem durante o curso de graduação: os respondentes informaram que não tiveram atividade remunerada durante a graduação porque o curso era em período integral (43,5% dos respondentes de ampla concorrência e 50% dos respondentes do grupo de cotas) ou porque buscaram um emprego, mas não conseguiram (21,7% dos respondentes de ampla concorrência e 25% dos respondentes do grupo de cotas). Entretanto, apenas egressos do grupo de ampla concorrência (3 egressos ou 13,0% desse grupo de respondentes), declararam que optaram por aguardar a conclusão do curso para pleitear um emprego melhor, situação não foi verificada entre os egressos do grupo de cotas.
Cumpre destacar que a justificativa mais frequente em ambos os grupos foi o fato de o curso ser integral. Este fato pode representar um cenário excludente para o estudante que precisa dividir as atenções do curso com o trabalho. Trata-se de um problema comum no sistema educacional superior federal no Brasil, o qual não está estruturado para contemplar o estudante sem disponibilidade de tempo, mas para contemplar o estudante em tempo integral (Vargas y Paula, 2013). Estudantes das classes mais baixas, que trabalham para compor a renda familiar, podem sentir ainda mais dificuldade nesse contexto. Medidas como bolsas de estudo, auxílio moradia, auxílio alimentação, entre outras, são apontadas por Vargas e Paula (2013) como medidas governamentais de apoio à permanência dos estudantes.
4.3 Perspectiva de mobilidade social
Para identificar a perspectiva de mobilidade social do egresso, foi solicitado que fosse realizada uma comparação entre a classe social da qual o entrevistado fazia parte durante sua infância e adolescência com sua perspectiva futura, considerando a classe social que o egresso julga conseguir atingir. Os dados referentes à perspectiva de mobilidade social dos egressos estão apresentados na Tabela 5.
Tabela 5. Frequências e percentagens da perspectiva de mobilidade social dos egressos (2016 - 2020) Universidade Federal Fluminense – Campus Volta Redonda (Brasil)
Perspectiva de mobilidade social | Modalidade de ingresso no curso | Total | |
Ampla concorrência | Cotas | ||
Mobilidade social ascendente | 47 87,0% | 22 95,7% | 69 89,6% |
Mobilidade social descendente | 0 0,0% | 0 0,0% | 0 0,0% |
Sem perspectivas de mobilidade social | 3 5,6% | 1 4,3% | 4 5,2% |
Não respondeu | 4 7,4% | 0 0,0% | 4 5,2% |
Total | 54 100% | 23 100% | 77 100% |
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
A maioria dos egressos (89,6% dos respondentes) têm percepção de que terão mobilidade social ascendente, ao confrontar a expectativa em relação à sua situação social futura, frente a situação familiar no período da infância e juventude. Não houveram respostas que apontaram mobilidade social descendente enquanto que 5,2% dos respondentes declararam não ter perspectiva de mobilidade social.
Os egressos dos grupos de cotas têm maior percentual de respondentes com perspectiva de mobilidade social (95,7% dos respondentes), quando comparado com os egressos do grupo de ampla concorrência (87,0% dos respondentes). O resultado do teste de independência (qui-quadrado), X2=1,882, p=0,390, indica que não há relação estatisticamente significativa entre a perspectiva de mobilidade social dos egressos que entraram na universidade e a modalidade de ingresso no curso: ampla concorrência e cotas.
A partir das respostas dos egressos que possuem perspectiva de mobilidade ascendente (não estão inseridos os dados dos 8 respondentes que indicaram não haver perspectiva de mobilidade social ou não responderam), foi identificado quantos níveis de ascensão social esse grupo de egressos poderia ter, tendo a própria situação social familiar como referência. Para definir o nível no qual o respondente se encontrava e o nível no qual tinha perspectiva de pertencer foram geradas 7 categorias de classe social (de classe social baixa inferior até classe social alta). No intuito de padronizar a percepção dos respondentes foi contextualizado os aspectos sócios-econômicos relacionados a cada classe social possibilitando o devido enquadramento. O resultado está apresentado na Tabela 6.
Tabela 6. Frequências e percentagens da proporção de expectativa de ascensão social dos egressos (2016 - 2020) dos egressos da Universidade Federal Fluminense – Campus Volta Redonda (Brasil)
Expectativa de ascensão social | Modalidade de ingresso no curso | Total | |
Ampla concorrência | Cotas | ||
1 nível | 22 46,8% | 5 22,7% | 27 39,1% |
2 níveis | 11 23,4% | 8 36,4% | 19 27,5% |
3 níveis | 11 23,4% | 7 31,8% | 18 26,1% |
4 níveis ou mais | 3 6,4% | 2 9,1% | 5 7,3% |
Total | 47 100,0% | 22 100,0% | 69 100% |
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
Ao comparar a própria situação durante a infância e adolescência com sua perspectiva de mobilidade social, os egressos do grupo de ampla concorrência têm, em maioria, a expectativa de ascender um nível socioeconômico (46,8% dos respondentes). Já os egressos do grupo de cotas têm, em maioria, a expectativa de ascender 2 (35,4% dos respondentes) ou 3 (31,8% dos respondentes) níveis socioeconômicos. Embora tenham sido identificadas diferenças referentes ao quanto cada grupo tem expectativa de mobilidade social, o resultado do teste de independência (qui-quadrado), X2= 3,693, p = 0,297 indica que não há relação estatisticamente significativa na expectativa do número de níveis de ascensão social dos egressos a perspectiva de mobilidade social dos egressos que entraram na universidade e modalidade de ingresso no curso: ampla concorrência e cota.
4.4 Condicionantes da perspectiva de mobilidade social
Assumindo que a conclusão de um curso de graduação é um fator condicionante para a mobilidade social, foi questionado aos egressos qual a sua opinião sobre a contribuição de sua formação universitária para sua mobilidade social. Quanto maior a concordância com as afirmativas apresentadas na Tabela 7, maior deveria ser o conceito atribuído pelo respondente, indicando maior influência do curso graduação em sua mobilidade social.
Tabela 7. Estatísticas descritivas da percepção dos egressos da Universidade Federal Fluminense – Campus Volta Redonda (Brasil) sobre a influência do curso de graduação na mobilidade social
Afirmativas | Ampla concorrência | Cotas | ||||||||
Média | Desvio-padrão | r | n | p-valor | Média | Desvio-padrão | r | n | p-valor | |
1 - De uma forma geral, considero que tive mobilidade social ascendente em função do curso de graduação. | 6,15 | 2,86 | 1 | 54 | - | 7,00 | 2,56 | 1 | 23 | |
2 - Ingressar em uma universidade me proporcionou uma boa rede de contatos que me ajudou a evoluir profissionalmente. | 7,35 | 2,56 | 0,491 | 54 | 0,000 | 6,74 | 3,17 | 0,685 | 23 | 0,000 |
3 - Eu não teria o emprego no qual trabalho sem ter concluído o curso de graduação. | 7,06 | 3,40 | 0,422 | 54 | 0,001 | 6,96 | 3,72 | 0,549 | 23 | 0,007 |
4 - A minha situação econômica atual é devido ao esforço e dedicação aos estudos na minha graduação, que exerceram influência positiva na minha condição econômica atual | 6,63 | 3,15 | 0.549 | 54 | 0,000 | 6,70 | 3,07 | 0,805 | 23 | 0,000 |
5 - Na minha condição socioeconômica atual, sou dependente de minha família (Pais ou responsáveis). | 4,5 | 3,62 | -0,428 | 54 | 0,001 | 4,26 | 3,57 | - 0,612 | 23 | 0,002 |
Média de todas as respostas | 6,34 | - | - | 6,33 | - | - |
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
Verifica-se que os conceitos atribuídos pelos respondentes quanto aos fatores que poderiam influenciar em sua mobilidade social não apresentam distinção em função da modalidade de ingresso no curso: ampla concorrência ou cotas. O grau de concordância apresenta alguma diferença na média das respostas das afirmativas, mas, ao consolidar todas as respostas, a opinião expressa pelos conceitos atribuídos pelos egressos de ampla concorrência (M = 6,34) é praticamente a mesma para os egressos das cotas (M = 6,33).
Ao relacionar a Afirmativa 1, da Tabela 7, que trata de forma geral a percepção do egresso quanto à sua mobilidade social ascendente em função do curso de graduação (variável dependente), com as demais afirmativas da Tabela 7, que tratam de aspectos específicos relacionados à mobilidade social (variáveis independentes), verificou-se que há forte correlação. Conforme estatísticas apresentadas na Tabela 7.
Quanto a possível influência da formação dos pais na perspectiva de mobilidade social dos egressos, foi confrontada a escolaridade do egresso com a de seus pais, conforme apresentados na Tabela 8.
Tabela 8. Frequências e percentagens da escolaridade dos egressos da Universidade Federal Fluminense – Campus Volta Redonda (Brasil) em relação à escolaridade dos país
Nível de escolaridade dos pais versus escolaridade do egresso | Modalidade de ingresso no curso | Total | |
Ampla concorrência | Cotas | ||
Maior que os pais | 27 50,9% | 16 72,7% | 43 57,3% |
Maior que um dos pais | 15 28,3% | 5 22,7% | 20 26,7% |
Igual aos pais | 11 20,8% | 1 4,6% | 12 16,0% |
Total | 53 100,0% | 22 100,0% | 75 100% |
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
A maioria dos respondentes (57,3%) possui maior escolaridade que os pais (ou substitutos legais), entretanto, ao considerar a modalidade de ingresso na universidade, verifica-se que a proporção de egressos nessa situação é maior entre os egressos dos grupos de cotas (72,7% dos respondentes desse grupo) quando comparado com os egressos do grupo de ampla concorrência (50,9% dos respondentes desse grupo). Ao mesmo tempo, verifica-se que apenas um dos egressos do grupo de cotas tem o pai e a mãe com pelo menos o curso de graduação. O resultado do teste de independência (qui-quadrado), X2=4,021, p=0,134 não é suficiente para afirmar que a escolaridade dos pais é determinante nas perspectivas dos egressos quanto à sua mobilidade, pois, ao fazer essa afirmação, a possibilidade de erro é de 13,4%. Entretanto, este resultado pode ser tratado como um dos indicativos de mobilidade social, haja vista que o acesso ao ensino superior é um dos fatores indicados na literatura que exerce influência no processo de ascensão social do indivíduo.
Para complementar a análise sobre a relação entre escolaridade dos pais e dos egressos, foi verificado se há relação entre o grau de escolaridade do pai e ou da mãe e a modalidade de ingresso nos cursos (ampla concorrência e cotas). Não há correlação em relação ao pai, entretanto, os filhos das mães com baixa escolaridade, estão predominantes entre os egressos do grupo de cotas. O contrário ocorre com os egressos de mães com maior escolaridade, predominantes no grupo de ampla concorrência.
Os dados coletados indicam que há diferença significativa entre a formação da mãe (ou substituta legal) dos integrantes dos dois grupos de egressos: ampla concorrência e cotas. A partir do resultado do teste de independência (qui-quadrado), X2=7,595, p=0,025, ao afirmar que a formação das mães (ou substitutas legais) dos egressos que entraram na universidade por meio do sistema de cotas têm menor grau de escolaridade, a probabilidade de erro é de 2,5%.
Os casos estudados não foram particularizados, porém, esta constatação pode, em parte, explicar porque há predominância de egressos de cotas que têm maior expectativa de mobilidade social e, também de que essa mobilidade seja mais acentuada, em termos do número de níveis sociais que se espera ascender: se a base de comparação é muito baixa, nesse caso a escolaridade da mãe, mesmos níveis de melhoria para os dois grupos de egressos irão apresentar resultado relativo mais expressivo naquele com cuja base está em nível inferior.
Com referência à percepção dos egressos sobre os principais fatores condicionantes para a mobilidade social, as respostas da questão aberta no questionário, não trouxeram profundidade à discussão. Embora os respondentes não tivessem para indicar quais os fatores que consideram contribuir para a mobilidade social, a maioria das respostas foi curta, por meio de substantivos e não frases completas. O conjunto de respostas permitiu que fosse gerada a Figura 1, com as palavras que mais apareceram.
Na ordem, foram: 1) oportunidade (s); 2) educação, 3) estudo e 4) dedicação, que traduzem a importância das ações afirmativas, instituídas por políticas públicas, para que haja mobilidade social ascendente, ao mesmo tempo que condiciona os resultados à contrapartida dos beneficiários na forma de dedicação para usufruir da oportunidade. Ampliando a análise, os resultados corroboram com a literatura ao apontarem a importância da educação no processo de mobilidade social. Apontada como principal canal de mobilidade social nas sociedades modernas (Ribeiro, 2014), a educação se mostra importante para fornecer ferramentas aos indivíduos para buscarem romper a barreira de classe.
5. Considerações finais
O estudo foi realizado tendo os egressos dos cursos de graduação oferecidos pela Universidade Federal Fluminense, no município de Volta Redonda – RJ como grupos de análise. Os dados dos egressos foram organizados a partir da modalidade de ingresso na universidade – ampla concorrência e cotas, para que fosse possível identificar e apresentar padrões de similaridade e distinção relacionados à mobilidade social nestes dois grupos de respondentes. O perfil do egresso pesquisado, predominantemente, é formado por indivíduos com menos de 30 anos (média de 26,7 anos), do sexo feminino (59,7% do total dos respondentes), solteiro (83,1% dos respondentes) e mora com os pais (46,8% dos respondentes).
Quanto ao objetivo desta pesquisa, que foi 'investigar se a política pública de cotas para as vagas dos cursos de graduação nas universidades públicas brasileiras contribui para a mobilidade social dos beneficiários', conclui-se que, para a amostra pesquisada, não há diferença significativa quanto a contribuição do curso de graduação na mobilidade social entre os grupos pesquisados (grupo de contas e ampla concorrência). Embora, tanto a expectativa de mobilidade social, quanto a intensidade na qual isso pode ocorrer, sejam diferentes entre os grupos: os egressos dos grupos de cotas têm maior percentual de respondentes com perspectiva de mobilidade social (95,7% dos respondentes), quando comparado com os egressos do grupo de ampla concorrência (87,0% dos respondentes). Também a intensidade de mobilidade que se espera é maior entre os egressos do grupo de cotas: a maioria dos respondentes têm expectativa de ascender 2 (35,4% dos respondentes) ou 3 (31,8% dos respondentes) níveis socioeconômicos enquanto os egressos do grupo de ampla concorrência têm, em maioria, a expectativa de ascender um nível socioeconômico (46,8% dos respondentes), esses resultados não são estatisticamente significativos.
Os principais resultados indicam que os beneficiários dessa política pública de afirmação, relacionadas ao acesso aos cursos superiores no Brasil – o sistema de cotas para as vagas nos cursos de graduação das instituições públicas - ingressam no mercado de trabalho mais cedo, possuem maior expectativa de mobilidade social, esperam ascender maior número de níveis sociais em relação à própria família, possui maior escolaridade que os pais, com destaque em relação à mãe, e reconhecem de forma mais intensa, de forma geral, que tiveram mobilidade social ascendente em função do curso de graduação.
Com referência à escolaridade dos pais em relação aos egressos, com a conclusão da graduação, a maioria dos respondentes (57,3%) possui maior escolaridade que os pais (ou substitutos legais). Essa situação é mais acentuada no grupo de egressos do grupo de cotas (72,7% dos respondentes desse grupo) quando comparado com os egressos do grupo de ampla concorrência (50,9% dos respondentes desse grupo). Não foi verificada relação significativa entre o grau de escolaridade do egresso e do pai, entretanto, há relação entre o grau de escolaridade do egresso e da mãe: os filhos das mães com baixa escolaridade estão, predominante, entre os egressos do grupo de cotas, enquanto que os filhos das mães com maior escolaridade estão, predominante, entre os egressos do grupo de ampla concorrência. Os casos estudados não foram particularizados, porém, a constatação de que a maioria dos egressos do grupo de cotas possui mães com baixa escolaridade pode, em parte, explicar a expectativa de maior mobilidade social desse grupo e de que ela ocorra de forma mais intensa. Os possíveis resultados para o egresso de um curso de graduação, a princípio, são similares, entretanto, se análise for relativa, esse resultado será mais significativo para aqueles egressos que estavam em níveis socioeconômicos mais baixos antes concluir o curso de graduação, logo, um resultado similar em termos absolutos, irá significar muito mais em termos relativos.
Quanto ao reconhecimento da contribuição do curso de graduação para a própria mobilidade social, ao tomar a afirmativa “De uma forma geral, considero que tive mobilidade social ascendente em função do curso de graduação” como referência, verificou-se que há correlação direta e mais intensa na opinião dos egressos do grupo de cotas com o fato de que “ingressar em uma universidade me proporcionou uma boa rede de contatos que me ajudou a evoluir profissionalmente” de que “não teria o emprego no qual trabalho sem ter concluído o curso de graduação” e que “minha situação econômica atual é devido ao esforço e dedicação aos estudos na minha graduação, que exerceram influência positiva na minha condição econômica atual”. Ao mesmo tempo, foi inversa e mais intensa em relação à afirmação de que “na minha condição socioeconômica atual, sou dependente de minha família (pais ou responsáveis).
Quanto aos fatores apontados pelos egressos que influenciam a mobilidade social – oportunidade(s), educação, estudo e dedicação – é possível afirmar que são variáveis relacionados às ações afirmativas, instituídas por políticas públicas. Segundo a percepção dos egressos, os principais fatores que contribuem para a mobilidade social são, na ordem, oportunidade(s), educação, estudo e dedicação. Estes fatores estão relacionados às ações afirmativas, instituídas por políticas públicas. As palavras que mais apareceram nas respostas, para que haja mobilidade social ascendente, indicam políticas públicas, ao mesmo tempo que condiciona os resultados à contrapartida dos beneficiários na forma de dedicação para usufruir da oportunidade.
Quanto às limitações do trabalho, as respostas obtidas foram por meio de amostra auto-selecionada, os entrevistados quiseram participar da pesquisa, o que pode gerar um viés nos resultados; ainda em relação à amostra, a relação entre o número de entrevistados e o número das possíveis respostas impediu que algumas análises pudessem ser desdobradas: 1) cursos pesquisados: 9 cursos de graduação; 2) atividade profissional desempenhada pelo pai, mãe ou responsável legal e pelos egressos: 19 grupos de atividades profissionais mais uma de livre escolha e 3) modalidade de ingresso: 6 tipos de modalidade de ingresso (ampla concorrência, autodeclarados pretos, pardos ou indígenas egressos de escolas públicas ou com renda familiar bruta per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo egressos de escolas públicas; renda familiar bruta per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo egressos de escolas públicas, ensino médio em estabelecimento da rede pública estadual ou municipal, excluídos os colégios federais, universitários, militares e de aplicação ou egressos de escolas públicas); outro aspecto da pesquisa que pode causar fragilidade, é a adaptação à proposta de Bresser-Pereira para coleta da situação social dos respondentes que, em função do momento em que muitos se encontram – início da carreira profissional – responderam sobre a perspectiva de mobilidade social e não sobre a mobilidade propriamente dita. Isto pode ser um viés da pesquisa pois, a princípio, todas as pessoas têm perspectiva de ascensão socioeconômica e esse comportamento é mais acentuado no período imediatamente após a conclusão de um curso de graduação. A amostra não probabilística, impede que os resultados sejam extrapolados, podendo ser utilizados como um indicativo da situação estudada.
Algumas oportunidades de estudos correlatos e complementares relacionados às ações afirmativas foram identificadas ao longo desse estudo: importância e ou influência do volume do capital do aluno (econômico, cultural ou social) como fator que pode potencializar os resultados das ações afirmativas, neste caso, especificamente relacionadas à mobilidade social decorrente do acesso a um curso superior; contribuição do Plano Nacional de Apoio Estudantil (PNAES) do Ministério da Educação para manutenção do estudante na universidade.