Introdução
A relação entre as condições físicas e mentais dos indivíduos, as relações sociais e o meio ambiente possibilitaram um novo olhar sobre as questões da saúde e da doença nas atividades organizacionais, uma vez que condições de trabalho precárias acabam trazendo uma baixa qualidade de vida (QV), que repercute negativamente na saúde e leva ao adoecimento1 e prejudica a saúde dos trabalhadores.
Nos últimos anos, a qualidade de vida (QV) tem sido um constructo de estudo em saúde ocupacional2. As definições da QV são numerosas, possuindo como variáveis interferentes: educação, atividade, longevidade, saúde, satisfação, condição socioeconômica, produtividade, continuidade de papéis familiares e ocupacionais, relações sociais, entre outros3.
A possível desarmonia na relação homem-trabalho e, principalmente, nos processos de trabalho, pode possibilitar a ocorrência de alterações na saúde do trabalhador. Isso tem sido estudado constantemente, por exemplo na área da saúde, em especial junto aos profissionais da enfermagem, tendo em vista, principalmente, o ambiente de trabalho que, neste caso, se torna ainda mais complexo que outros setores, já que o peso desta profissão está no fato do dever de cuidar de outras vidas4. A enfermagem é uma profissão que demanda maiores cuidados, sobretudo, por trabalhar em um ambiente laboral propício a afetar de forma mais severa a QV dos profissionais, seja a curto, médio ou longo prazo. Daí a importância de se avaliar com maior frequência a QV dos profissionais da saúde, em especial da enfermagem5.
O equilíbrio entre as condições e perspectivas individuais, o ambiente e a satisfação no trabalho faz-se necessário, pois a interação negativa do sujeito e as condições ambientais do seu trabalho podem ocasionar ansiedade e insatisfação6, comprometendo a qualidade de vida e desencadeando transtornos e doenças.
Desse modo, o presente estudo teve como objetivo de avaliar a qualidade de vida de trabalhadores de enfermagem hospitalar e sua relação com características sociodemográficas e laborais.
Materiais e método
Estudo de caso quantitativo, analítico e transversal, realizado em um hospital universitário federal (HUF) de pequeno porte, localizado em um município do estado de São Paulo, Brasil. O HUF possui 54 leitos de internação, 10 leitos de cuidados intensivos, além de pronto atendimento adulto e pediátrico.
Critérios de inclusão: enfermeiros e técnicos de enfermagem com idade acima de 18 anos, estar no posto de trabalho no momento da entrega dos instrumentos de coleta de dados. Foram excluídos do estudo enfermeiros e técnicos de enfermagem que não entregaram o instrumento preenchido após três tentativas ou trabalhadores que estavam de licença saúde, maternidade ou de férias no momento da coleta de dados.
A população deste estudo foi composta por enfermeiros e técnicos de enfermagem, um universo de 130 trabalhadores. Dentre os 46 enfermeiros, quatro estavam de licença maternidade, um havia sido transferido, um estava de licença saúde e oito recusaram participar da pesquisa, resultando em 32 participantes (70% de participação entre enfermeiros). Em relação aos 84 técnicos de enfermagem, três estavam em licença saúde, 45 recusaram participar, restando 36 participantes (43% de participação entre técnicos de enfermagem), portanto, 68 trabalhadores participaram da pesquisa. O método de amostragem foi por conveniência, tendo em vista a acessibilidade dos participantes pesquisados. Esta técnica é muito utilizada e fundamenta-se em captar uma amostra da população que seja acessível. Ou seja, os indivíduos empregados nessa pesquisa são selecionados porque eles estão prontamente disponíveis, não porque eles foram selecionados por meio de um critério estatístico. Geralmente, essa conveniência representa uma maior facilidade operacional e baixo custo de amostragem7.
Foi aplicado um questionário de caracterização sociodemográfica e laboral que contemplou gênero, idade, cor, situação conjugal, categoria profissional, jornada de trabalho semanal, cargo, turno de trabalho, tempo de trabalho no HUF, tempo de trabalho na enfermagem, vínculo(s) empregatício(s), afastamento(s) por acidente de trabalho, doença ocupacional durante trabalho no HUF, tipo de afastamento e tempo de afastamento.
Para a avaliação da Qualidade de Vida (QV) foi aplicado WHOQOL-Bref8, criado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1998. Esta escala foi traduzida e validada para a realidade brasileira8 que considera as duas últimas semanas vividas do participante e possui características psicométricas satisfatórias, considerando os escores finais de cada domínio (físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente). As característicaspsicométricas do instrumento validado no Brasil preenchem os critérios de validade discriminante, concorrente e de conteúdo, e de confiabilidade por consistência interna de valor Alfa de Cronbach de α>0,809.O WHOQOL-Bref deriva do instrumento original WHOQOL-100, sendo uma versão abreviada com 26 questões, duas gerais relacionadas à qualidade de vida geral e satisfação com a própria saúde e 24 questões distribuídas nos domínios físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente.O domíniofísico (e.g. dor física e desconforto, dependência de medicação/tratamento, energia e fadiga, mobilidade, sono e repouso, atividades da vida cotidiana, capacidade para o trabalho), “psicológico” (e.g. sentimentos positivos e negativos, espiritualidade/crenças pessoais, aprendizado/memória/concentração, aceitação da imagem corporal e aparência, autoestima), “relações sociais” (e.g. relações pessoais, atividade sexual, suporte/apoio social) e “ambiente” (e.g. segurança física, ambiente físico, recursos financeiros, novas informações/habilidades, recreação e lazer, ambiente no lar, cuidados de saúde, transporte)9. As respostas foram avaliadas por meio de escala Likert com cinco pontos, graduados em intensidade (nada, muito pouco, médio, muito e extremamente), frequência (nunca, algumas vezes, frequentemente, muito frequentemente e sempre), capacidade (nada, muito pouco, médio, muito e completamente) e avaliação (muito insatisfeito, insatisfeito, nem satisfeito ou insatisfeito, satisfeito e muito satisfeito, além de muito ruim, ruim, nem ruim e nem boa, boa e muito boa)9. A determinação dos escores dos domínios é realizada multiplicando-se a média de todos os itens incluídos dentro de um domínio por quatro. Dessa forma, o escore pode variar de zero a 100, sendo que quanto maior o valor, melhor é o domínio de qualidade de vida avaliado, melhor percepção de QV9.
A abordagem aos trabalhadores de enfermagem foi realizada durante o turno de trabalho, onde explicou-se os objetivos da pesquisa e foi feito o convite para participação. Aqueles que aceitavam participar assinavam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ficavam com uma cópia dos instrumentos de coleta de para devolução no próximo plantão. A pesquisa foi feita nos turnos diurnos e noturnos durante três meses, de março a maio de 2019.
Para a análise dos dados utilizou-se o Programa StatisticalPackageof Social Sciences (SPSS) versão 21.0. Foi realizada dupla digitação dos dados em planilha de Excel for Windows 8. A consistência interna da escala de WHOQOL-bref foi avaliada por meio do Alfa de Cronbach. Variáveis qualitativas foram apresentadas em tabelas de frequência. Nas variáveis quantitativas foi realizado o teste de normalidade de Shapiro Wilk. Dados não normais tiveram descritiva com mediana e quartis e dados normais tiveram descritiva com média e desvio padrão. As comparações de 2 grupos foram realizadas utilizando o teste de Mann Whitney considerando a não normalidade das variáveis e teste t quando a normalidade foi confirmada. O nível de significância utilizado foi de 5%.
Para a preservação dos aspectos éticos da pesquisa com seres humanos, foram seguidas as disposições da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) do Brasil, em que preze o princípio de não maleficência, voluntariedade, beneficência, respeito à liberdade, proteção da dignidade e à decisão do participante. Todos os participantes assinaram o TCLE. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de São Carlos, parecer n. 3.043.333/2018, CAAE 88169218.8.0000.5504.
Resultados
A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas e laborais dos participantes do estudo.
Para a análise da QV, o alfa de Cronbach foi aplicado na escala WHOQOL-bref. Para o domínio físico o valor de alfa de Cronbach foi 0,82, para o domínio psicológico 0,88, das relações sociais 0,79 e meio ambiente 0,83. Portanto, foi identificada a confiabilidade interna em todos os domínios da escala.
Na Tabela 2 estão expressas as medidas descritivas das dimensões da QV dos técnicos de enfermagem e enfermeiros.
Na tabela 3, são apresentadas as comparações da QV e a categoria profissional.
Sendo assim, identificou-se que não existiu diferença significativa nos resultados para a percepção de QV e satisfação com a QV entre os dois grupos de profissionais, ambos os valores de p estavam acima de 0,05.
Ainda por meio do Teste de Mann Whitney foi verificado que entre a variável "percepção de qualidade de vida" e a variável "carga horária" (p= 0,448) não houve diferença estatística. Em relação a "satisfação com a qualidade de vida" e a variável "carga horária" (p= 0,664) não existia diferença significativa nos resultados de QV entre os dois grupos (enfermeiros e técnicos de enfermagem), ambos os valores de p estavam acima de 0,05.
Na comparação entre os turnos de trabalho e a QV foram encontradas diferenças significativas no Domínio Físico (t = 2,365; p = 0,021), ou seja, os trabalhadores do turno diurno (M = 3,65) obtiveram médias significativamente superiores na comparação com o turno noturno (M = 3,30).
A regressão linear múltipla univariada da QV foi realizada para as quatro dimensões do questionário. Para a regressão relacionada à dimensão física e às variáveis independentes “tempo de trabalho” identificou-se p=0,495, “gênero” p=0,055, “carga horária de trabalho” p=0,231, “categoria profissional” p=0,233 e “turno de trabalho” p=0,459. Apenas a variável gênero obteve valor inferior a 0,2 e estaria apta ao modelo multivariado. No entanto, não existiam outras variáveis que pudessem fazer parte do modelo e, portanto, não houve p inferior a 0,05 e não houve diferença significativa entre essas variáveis. Por conseguinte, a dimensão física não foi explicada por nenhuma das variáveis independentes propostas.
Variáveis | N | (%) |
---|---|---|
Gênero | ||
Mulher | 54 | 79,4 |
Homem | 13 | 19,1 |
Não respondeu | 1 | 1,5 |
Idade | ||
Média ± desvio-padrão | 39,1 ± 7,09 | |
Mediana (mínimo - máximo) | 38 (26 - 56) | |
Situação conjugal | ||
Solteiro | 17 | 25,0 |
Casado | 37 | 54,4 |
União Estável | 12 | 17,6 |
Divorciado | 2 | 2,9 |
Cor/raça (autodeclarada) | ||
Preto | 9 | 13,3 |
Amarelo | 2 | 2,9 |
Branco | 37 | 54,4 |
Pardo | 18 | 26,5 |
Não respondeu | 2 | 2,9 |
Categoria profissional | ||
Técnico de Enfermagem | 36 | 52,2 |
Enfermeiro | 32 | 47,8 |
Carga horária | ||
36 horas | 61 | 89,7 |
40 horas | 7 | 10,3 |
Turno | ||
Diurno | 41 | 60,3 |
Noturno | 25 | 36,8 |
Ambos | 2 | 2,9 |
Tempo de trabalho no HUF (meses) | ||
Média ± desvio-padrão | 33,4 ± 11,38 | |
Mediana (mínimo - máximo) | 36 (1 - 48) | |
Tempo de afastamento (dias) | ||
Média ± desvio-padrão | 21,0 ± 29,17 | |
Mediana (mínimo - máximo) | 9,5 (2 - 90) | |
Tempo que trabalha na enfermagem (meses) | ||
Média ± desvio-padrão | 156,5 ± 56,16 | |
Mediana (mínimo - máximo) | 156 (6 - 324) | |
Afastamento por doença ocupacional | ||
Sim | 8 | 11,7 |
Não | 59 | 86,8 |
Não respondeu | 1 | 1,5 |
Doença ocupacional | ||
Depressão | 3 | 37,5 |
Lesão por Esforços Repetitivos / Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT) | 4 | 50,1 |
Não respondeu | 1 | 12,5 |
Enfermeiro | Técnico enfermagem | ||||
Média | Desvio padrão | Média | Desvio padrão | Valor p* | |
DomínioFísico | 66,1 | 15,4 | 61,5 | 15,7 | 0,233 |
Domínio Psicológico | 63,7 | 13,0 | 59,4 | 22,4 | 0,332 |
Domínio Relações Sociais | 58,6 | 20,7 | 64,4 | 24,0 | 0,297 |
Domínio meio ambiente | 62,6 | 13,2 | 56,5 | 17,2 | 0,110 |
Percepção QV | Satisfação com QV | ||||
---|---|---|---|---|---|
Categoria | Técnico de Enfermagem | Enfermeiro | Técnico de Enfermagem | Enfermeiro | |
Q25 | 50 | 50 | 50 | 50 | |
Mediana | 75 | 75 | 75 | 75 | |
Q75 | 75 | 75 | 75 | 75 | |
Mínimo | 0 | 25 | 0 | 25 | |
Máximo | 100 | 100 | 100 | 100 | |
Valor p* | 0,120 | 0,853 |
*Teste Mann Whitney
Na regressão univariada para a dimensão relações sociais obteve-se o que se segue: “tempo de trabalho” p=0,747, “gênero” p=0,562, “carga horária” p=0,398, “categoria profissional” p=0,297, “turno de trabalho” p=0,716. Todos os valores de p estavam acima de 0,2 portanto não houve relação entre as variáveis. Para a dimensão meio ambiente obteve-se “tempo de trabalho” (p=0,841), “gênero” (p=0,319), “carga horária de trabalho” (p=0,813), “categoria profissional” (p=0,110) e “turno de trabalho” (p=0,434). Apenas a variável categoria profissional obteve valor inferior a 0,2 e estaria apta para entrar no modelo multivariado. No entanto, não existiam outras variáveis que pudessem fazer parte do modelo e, portanto, não havia como gerar valor p inferior a 0,05. Sendo assim, a dimensão meio ambiente não foi explicada por nenhuma das variáveis independentes propostas.
Por fim, para a dimensão psicológica obteve-se “tempo de trabalho” (p=0,625), “gênero” (p=0,276), “carga horária de trabalho” (p=0,668), “categoria profissional” (p=0,345) e “turno de trabalho” (p=0,948). Não existiam variáveis que pudessem fazer parte do modelo, pois todas tinham valores p superiores a 0,2, então, a dimensão psicológica não foi explicada por nenhuma das variáveis independentes propostas.
Discussão
Este estudo evidenciou uma população de enfermeiros predominantemente feminina, com média de idade de 39,1 anos, o que coincide com o perfil da enfermagem brasileira cuja predominância é de profissionais do sexo feminino e adultos-jovens2.
Investigação desenvolvida com profissionais de enfermagem em um hospital na cidade de Durango, México, que identificou que 88,7% eram mulheres, tinham idade mínima de 22 anos e máxima de 64 anos e a média de 37 anos de idade10.
No Brasil, pesquisa realizada em hospital público na cidade do Rio de Janeiro com profissionais de enfermagem identificou que a média de idade dos profissionais foi de 39,6 anos, a maioria era do sexo feminino (82,7%) e vivia com companheiro (70,6%)11.
Também no Brasil, investigação realizada em um hospital filantrópico de médio porte do interior do Estado de São Paulo com 164 trabalhadores de enfermagem, identificou que 80% eram do sexo feminino, 46,34% casados, 57,9 tinha entre 31 e 50 anos, 76,2% trabalhava há menos de 10 anos na profissão, 84,76% tinha apenas um trabalho na enfermagem e trabalhavam o mínimo de 30 horas e um máximo de 60 horas por semana12. Esses são dados semelhantes aos encontrados pelo Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), onde 84,6% da categoria são mulheres em todo Brasil13.
Essa investigação apontou que a maioria dos trabalhadores eram casados (54,4%). Essa porcentagem de trabalhadores casados não se diferenciou da caracterização apresentada em outras investigações onde mais de 50% eram casados5,14. Ademais, autores afirmam que indivíduos casados apresentam maior tendência em possuírem melhor QV devido ao conforto e apoio emocional e financeiro que esta situação conjugal proporciona. No entanto, complementam que o fato de ser casado, principalmente para as mulheres pode representar um empecilho à QV, por trazer consigo maiores responsabilidades e um maior acúmulo de funções o que resultaria em maior sobrecarga e maiores desgastes físicos e emocionais5,14.
Sobre o tempo de formação profissional médio dos trabalhadores, a maioria informou ter em torno de 10 anos, sendo que havia profissionais formados há menos de um ano e outros com 23 anos de formação. O tempo de trabalho na instituição variou de um mês a quatro anos, sendo que a maioria (43,3%) informou trabalhar há aproximadamente três anos na instituição pesquisada. Estudo realizado com profissionais de enfermagem identificou que o tempo de formação profissional médio foi em torno de 16 anos, sendo oito anos na instituição11, ao passo que estudo desenvolvido no México, identificou o tempo de trabalho variando entre um ano a 43 anos, com média de 13 anos10.
A maioria dos profissionais que participou do estudo trabalhava no turno diurno, cumpria carga horária semanal de 36 horas e tinha apenas um vínculo empregatício. Vale destacar que os enfermeiros que atuavam no hospital estudado recebiam remuneração diferenciada por se tratar de um hospital federal, o que difere da realidade de grande parte das instituições de saúde no Brasil.
Confirmando os achados do presente estudo, uma pesquisa realizada no Rio de Janeiro, Brasil com 145 enfermeiros para avaliar a associação entre danos à saúde e QV no trabalho de enfermeiros hospitalares, encontrou idade média de 44 anos (DP± 10,8), 82% sexo feminino, 57,3% casados. Com relaçãoàsvariáveis ocupacionais, a média de tempo de trabalho no hospital foi de 15 anos (DP±12,1), 51% trabalhavam em mais de uma instituição, 86,2% eram servidores públicos federais, 54,8% estavam lotados no turno diurno e 75,9% cumpriam carga horária de 30 horas semanais. Quanto à faixa salarial, 41,4% recebiam entre 6 e 8 salários mínimos15.
Corroborando, estudo realizado em hospital psiquiátrico estadual na região nordeste do Brasil em 2016 com 74 trabalhadores, 91,9% eram do sexo feminino, sem companheiro(a) (54,1%), na faixa etária compreendida entre 48 e 72 anos (59,5%), com média de 49 (±9,22) anos de idade. Quanto àscaracterísticas relacionadas ao trabalho, observou-se predomínio de profissionais que trabalhavam até 30 horas semanais (70,3%), com apenas um vínculo empregatício (54,1%)5.
Outra pesquisa realizada no Rio de Janeiro, identificou que a maioria dos trabalhadores (54,3%) atuava no turno diurno, tinha somente um vínculo empregatício e realizava 52 horas semanais. Nos profissionais que trabalhavam em turnos houve associação entre menor exaustão emocional e níveis pressóricos alterados na Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA) do período de vigília (0 (DP=7,6) vs. 29,9 (DP=7,6) ) e maior despersonalização e níveis pressóricos alterados na MAPA do período de sono (12,2 (DP=4,6) vs. 10,7 (DP=4,3) pontos)11.
O trabalho em turnos pode ter repercussão na QV, devido às adaptações ao cotidiano para o desempenho das atividades laborais16. Por conseguinte, um estudo realizado com enfermeiros de Unidades de Cuidados Coronarianos na Grécia evidenciou que os profissionais do turno diurno apresentaram níveis maiores de satisfação e autonomia no trabalho, quando comparados aos trabalhadores noturnos16.
Em relação aos trabalhadores de enfermagem que apresentaram afastamento devido a doenças (11,9%), 57,1% foram devido às doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho (DORT), seguida por doenças psíquicas (depressão e estresse) com 42,9%.
Corroborando com os achados desta pesquisa, um estudo realizado em uma Unidade de Pronto Atendimento no interior do Brasil descreveu em seus achados que os trabalhadores afastados por doença relacionada ao trabalho foram 55,6% devido à depressão e 33,3% lombalgia e quadros ortopédicos17.
Pesquisa desenvolvida em um pronto socorro de um Hospital Universitário no Brasil apontou que as doenças mais frequentes indicadas pelos trabalhadores de enfermagem foram infecções repetidas do trato respiratório (30,2%), principalmente sinusite crônica (27%), lesão nas costas (20,9%), varizes (20,6%) e distúrbio emocional leve (19%)19. Sabe-se que o adoecimento dos trabalhadores de enfermagem é um fator preocupante por contribuir com o aumento do absenteísmo e piora da qualidade da assistência prestada18.
Confirmando os achados nesta pesquisa, estudo realizado com 252 enfermeiros em hospital universitário de João Pessoa, Paraíba, Brasil, evidenciou que a maior parte dos enfermeiros investigados percebia a própria saúde como boa (50,7%; p<0,001), realizava atividade física regular (53,3%; p=0,417), não fumava (92,8%; p<0,001) e não ingeria bebidas alcoólicas (56,6%; p=0,105), possuía alguma doença ou problema de saúde (63,2%; p=0,001), principalmente as doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (31,6%) e utilizava diariamente algum tipo de medicamento (54,6%), com destaque para os analgésicos (32,2%) e anti-inflamatórios19.
No que se refere ao Whoqol-Bref, os resultados observados na literatura são muito distintos20,21, uma vez que a concepção de QV dispõe de um conceito subjetivo, que envolve diversos aspectos da vida. Assim, haveria um espectro de variáveis em interação para resultar na QV, no qual se insere a satisfação profissional. Dessa forma, cada sujeito, sendo único, tem sua visão diferenciada do seu ambiente laboral que refletirá em sua QV22.
Para os técnicos de enfermagem, nesta pesquisa, o domínio das relações sociais obteve maior escore (58,6). Segundo autores, este domínio deve ser observado constantemente pelos serviços de saúde uma vez que é apontado como intervenientes na QV dos profissionais da saúde23,24. Investigação realizada no Paraná, sul do Brasil, entrevistou 75 trabalhadores de enfermagem de uma instituição hospitalar filantrópica e obteve os maiores escores de QV no domínios da relação social (76,89) e Psicológico (65,33), o que pode indicar que os profissionais, de modo geral, possuem redes de apoio bem estabelecidas e estabilidade emocional condizente com o exigido pela função desempenhada, refletindo positivamente em sua saúde mental25.
Em relação aos enfermeiros, o maior escore foi relacionado ao domínio físico (66,1), semelhante aos resultados encontrados por investigação22 realizada em hospital público na cidade do Rio de Janeiro, Brasil, em que o domínio físico obteve escore de 65,9 e o domínio social a média de 65,7. Em contraposição, estudo realizado com chilenas26 revelou que o domínio físico obteve menor escore.
Ao realizar a análise da QV com os turnos de trabalho evidenciou-se que os trabalhadores do diurno obtiveram diferenças significativas no domínio físico (t=2,365, p=0,021) relacionado à capacidade para o trabalho, dor e desconforto, sono e repouso, energia e fadiga, mobilidade, ou seja, o diurno obteve médias superiores da QV (3,65) em relação ao pessoal do noturno (3,30).
Corroborando, pesquisa realizada em Hospital Universitário em Natal, Rio Grande do Norte, Brasil identificou que a QV em todos os domínios e, no geral, a QV dos enfermeiros do diurno foi melhor do que os que trabalhavam no noturno e, significativamente, no domínio social. Em conclusão, os enfermeiros que trabalhavam no período diurno apresentaram qualidade de sono e, em relação aos domínios da qualidade de vida, obtiveram melhores resultados do que os profissionais que atuavam no noturno27.
Em contraposição, investigação realizada em 2016 com 50 trabalhadores de enfermagem de um hospital municipal do interior do Brasil, sendo 94% do sexo feminino, com idade média de 37 anos (±10,03), que residiam com a família (88%), casados (44%) e com filhos (80%), identificou que ao comparar a qualidade de vida geral dos profissionais de enfermagem segundo os turnos de trabalho, verificou-se que não houve diferença estatisticamente significativa entre essas variáveis (p=0,84). Dessa maneira, o turno em que o profissional de enfermagem trabalhava não influenciou na sua QV geral28.
Ao se discutir o sexo e a QV, não houve diferença estatística significativa (p=0,57). No entanto, um estudo afirmou que, ao comparar o sexo feminino com o masculino, a mulher encontrou-se mais vulnerável para o desenvolvimento do estresse, Burnout, má QV e bem-estar, pois, além do trabalho, possui como atribuições as atividades domésticas e familiares, estando estes afazeres associados como uma fonte geradora de estresse, repercutindo em uma diminuição no rendimento laboral e na sua QV29.
A remuneração é um dos fatores que interfere diretamente na satisfação profissional e na QV, pois se o profissional é bem remunerado, ele não necessita buscar fontes complementares de renda. Nesse estudo, todos os trabalhadores possuíam apenas um emprego, talvez pelo fato de a remuneração ser justa e diferenciada em relação às demais instituições da região estudada, porque se tratava de um hospital federal. Pode-se inferir, também, que a remuneração tenha influenciado nos valores das médias da QV.
Nesse sentido, é imprescindível que os gestores promovam ambientes de trabalho saudáveis e desenvolvam estratégias para a identificação precoce de situações que possam comprometer a saúde e QV desses profissionais30 eofereça pagamentodigno ao trabalho realizado. Embora a relevância do trabalho de enfermagem nos diferentes níveis de atenção à saúde seja reconhecida em grande parte do mundo, no Brasil ainda são escassas as iniciativas que promovam a valorização da profissão e de uma maior atenção às fragilidades identificadas18.
Limitações do estudo
Os limites deste estudo estão relacionados ao fato da pesquisa ter sido realizada com uma amostra específica de trabalhadores de enfermagem e em uma únicainstituição de saúdepública federal. Dessa maneira, estudos relacionados a qualidade de vida da equipe de enfermagem devem ser incentivados nos diversos cenários assistenciais e acadêmicos.
DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSE
Não há conflitos de interesse.
Conclusão
Com esta pesquisa foi possível constatar um avanço no conhecimento científico relacionado ao perfil da equipe de enfermagem hospitalar federal bem como a QV de enfermeiros e técnicos de enfermagem enquanto trabalhadores de um serviço público no Brasil.
Os resultados evidenciaram que os trabalhadores de enfermagem, tanto os técnicos de enfermagem quanto os enfermeiros, possuíam QV regular. A menor média identificada ocorreu no domínio meio ambiente. O domínio que apresentou maior média foi o domínio físico. Portanto, a equipe de enfermagem demonstrava uma qualidade de vida regular com maior destaque para as atividades de vida cotidiana, sono e repouso, energia e fadiga, capacidade para o trabalho associada a sentimentos positivos, como pensar, aprender, memória e concentração, autoestima, imagem corporal, religiosidade, etc.
Propiciar estratégias que estimulem o domínio do meio ambiente é de extrema importância para prevenir o adoecimento desses trabalhadores, visto que o lazer e remuneração têm forte impacto na percepção e satisfação do trabalhador com a sua QV.
Sugere-se o fortalecimento de ações de promoção à saúde no ambiente de trabalho hospitalar para que se possa manejar e potencializar a melhoria da percepção da QV entre os trabalhadores de enfermagem. Outro fator importante a ser destacado refere-se à carência de políticas que trabalhem a temática QV na organização hospitalar e isso é necessário para que os profissionais desenvolvam melhor seu trabalho já que a QV está associada também a um ambiente de trabalho prazeroso.