Introdução
As emergências são definidas como agravos à saúde que implicam em risco iminente à vida ou sofrimento intenso, requerem tratamento imediato1 e seu prognóstico é tempo-dependente da qualidade das ações empreendidas, ou seja, tais situações são caracterizadas pela exigibilidade de rápidas intervenções com vistas à redução das possíveis sequelas e ao aumento da sobrevida da vítima do agravo2.
As condições emergenciais por demandarem respostas ágeis, devem contar com uma equipe qualificada, com habilidade de comunicação e capacidade de aplicar decisões assertivas3.
No contexto intra-hospitalar, os pacientes internados em diversos setores e com variadas condições subjacentes podem desenvolver quadros emergenciais, como por exemplo, a parada cardiorrespiratória, as degenerações súbitas do nível de consciência ou as alterações na permeabilidade da via aérea, que necessitam de reconhecimento imediato e ações imprescindíveis para manutenção da vida4. O enfermeiro merece destaque nessas circunstâncias, visto que atua não só na assistência, mas também no gerenciamento dos serviços de saúde e, para tanto, precisa utilizar a liderança como instrumento gerencial5.
A liderança pode ser concebida como uma competência necessária para o enfermeiro-líder para influenciar sua equipe, com vistas ao alcance de objetivos estabelecidos para a assistência à saúde do indivíduo e sua família6. Assim, ela é fundamental para o trabalho em enfermagem, constitui-se, portanto, um requisito cujo desenvolvimento é necessário para o estudante de enfermagem durante o processo de sua formação profissional7-8.
Ademais, a liderança é uma competência fundamental para que o enfermeiro exerça o gerenciamento e contribua para a sincronia da equipe durante os atendimentos de emergência, o que concorre para o aperfeiçoamento dos processos de trabalho, redução da possibilidade de erros e, consequentemente, implica em melhores resultados para o cliente9. Em contrapartida, no âmbito intra-hospitalar a equipe de enfermagem pode reconhecer a liderança como inapropriada quando o enfermeiro se demonstra inábil para conduzir o atendimento de emergência e realizar os procedimentos exigidos, bem como quando adota uma postura autocrática e estabelece relações interpessoais hierarquizadas, não abertas ao diálogo10.
Portanto, para que enfermeiro recém-graduado aprimore a autoconfiança para o exercício da liderança de uma equipe nas situações de emergência, é necessário que o desenvolvimento desta última seja incentivado durante a formação acadêmica11.
Nesse sentido, esse eixo de formação é contemplado nas Diretrizes Curriculares para o Ensino de Graduação em Enfermagem no Brasil (DCN/ENF). Tais diretrizes prescrevem que sejam incluídas atividades que fomentem o processo de ensino e aprendizagem de habilidades não técnicas durante a graduação12.
Apesar de sua importância para a atuação do enfermeiro, o ensino da liderança, principalmente quando se trata de situações emergenciais, é visto como um desafio, pois deve ser subsidiado não somente a partir da abordagem teórica, mas também do exercício prático. Assim, nota-se a importância da liderança ser inserida como um eixo transversal na graduação e não ser tratada como temática isolada11, bem como os demais conteúdos referentes à dimensão gerencial do trabalho do enfermeiro.
No intuito de dar voz aos sujeitos envolvidos e situar o acadêmico de enfermagem como protagonista de seu processo de aprendizagem, questiona-se, ¿qual a percepção destes sobre o desenvolvimento da liderança para atender as situações de emergência no ambiente hospitalar ao longo da graduação?
Parte-se da premissa de que o conhecimento da percepção dos acadêmicos de enfermagem a respeito dos espaços que lhe propiciam (ou não) o desenvolvimento desta competência, no contexto dos atendimentos de emergência, pode favorecer a identificação das facilidades ou dificuldades subjacentes a este processo e contribuir para potencializar algumas estratégias de ensino e repensar outras, com vistas à melhoria da formação.
Isto posto, este estudo tem como objetivo conhecer a percepção dos acadêmicos de enfermagem sobre a aprendizagem, durante a graduação, da competência para liderar a equipe de enfermagem nas situações de emergência no ambiente hospitalar.
Materiais e métodos
Trata-se de pesquisa de abordagem qualitativa, desenvolvida em um curso de graduação em enfermagem de uma Universidade Pública do sul do Estado de Minas Gerais, Brasil. Participaram da pesquisa os acadêmicos de enfermagem regularmente matriculados nas disciplinas Estágio Curricular I e II, respectivamente, oitavo e nono períodos do curso, que conta com nove semestres para a integralização.
Não foram incluídos os alunos que já possuíam formação e atuação profissional como técnico de enfermagem. Esse critério foi adotado porque entende-se que esses alunos poderiam possuir experiência profissional na área e discorrer sobre outros fatores que influenciaram o desenvolvimento de sua competência para liderar, relacionados às vivências fora do contexto da graduação. Optou-se apenas pelos alunos nos períodos finais do curso uma vez que, nessa etapa, eles já tiveram oportunidade de estudar os conteúdos teóricos e práticos relacionados à atuação do enfermeiro nas situações de emergência.
A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semi-estruturada, dirigida por roteiro composto por questões sociodemográficas (idade, sexo e tempo de curso) e pelas seguintes perguntas norteadoras: Você já presenciou alguma situação de emergência no hospital? Você já atendeu alguma situação de emergência no hospital? Ao longo do curso, como você percebe o desenvolvimento de sua competência para liderar uma situação de emergência? Para você, qual o papel do enfermeiro como líder nas situações de emergência no hospital?
As entrevistas foram previamente agendadas e ocorreram em uma sala reservada nas dependências da Universidade, no período de novembro de 2017 a abril de 2018. Foram realizadas pelo pesquisador principal, registradas em áudio com auxílio de um gravador e transcritas na íntegra após seu término. O depoimento de cada participante foi identificado pelas iniciais AE (acadêmico de enfermagem), seguido por numeral ordinal, para garantia do anonimato.
Realizou-se o pré-teste do roteiro de entrevista, com dois acadêmicos de enfermagem, com o objetivo de verificar o entendimento das questões, bem como preparar o entrevistador para a coleta de dados. Observou-se que as questões se adequavam ao objetivo do estudo, assim, os dados resultantes foram inseridos no conjunto para análise, haja vista que não foram necessárias modificações no roteiro de perguntas.
Durante o período de coleta de dados haviam 21 acadêmicos de enfermagem regularmente matriculados, destes, foram entrevistados 15 que atenderam aos critérios de inclusão. Os demais se recusaram a participar ou não compareceram à entrevista previamente agendada.
Para análise dos dados utilizou-se a Análise Temática (AT), um método para identificar, analisar e reportar padrões dentro dos dados, ou seja, temas. Este método pressupõe o papel ativo do pesquisador na identificação e seleção dos padrões relevantes à questão de pesquisa. Dessa forma, a análise dos dados é concebida como um processo criativo, reflexivo e subjetivo que não pode ser desarticulada da história de vida e da visão de mundo do pesquisador13-14.
O desenvolvimento da AT obedeceu às seis fases preconizadas pelas autoras:13-14 na primeira fase foi realizada a transcrição dos dados, a leitura repetida para a familiarização do pesquisador com os dados coletados e a busca inicial por significados e padrões de repetição.
Em seguida, na segunda fase, gerou-se os códigos iniciais, que são elementos que retratam as características dos dados e correspondem aos interesses da investigação. Durante a fase três, organizou-se os códigos iniciais semelhantes em temas e a respectiva organização dos trechos das entrevistas correspondentes. Na fase quatro, revisou-se os temas verificando sua homogeneidade interna e heterogeneidade externa de acordo com os fragmentos dos depoimentos e, após, procedeu-se à verificação da consistência dos temas em relação a todo o conjunto de dados com vistas a assegurar que os mesmos retratavam de modo amplo as informações contidas nas entrevistas. Na fase cinco nomeou-se e definiu-se claramente cada tema.
Na última fase produziu-se o relatório da pesquisa, permeando os fragmentos das entrevistas que melhor retratassem o conteúdo de cada tema, analisando-os à luz da literatura correlata.
Considerações éticas
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob Parecer 2.353.655 (CAAE 78787417.8.0000.5142). Obteve-se a anuência dos voluntários para participação no estudo por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme estabelecido pela Resolução 466/201215.
Resultados
Os participantes da pesquisa possuíam idade média de 25 anos, distribuídos entre 21 e 39 anos. O tempo médio de curso foi de quatro anos e seis meses. Oito alunos de enfermagem reportaram ter presenciado situações de emergência, destes, sete informaram terem atendido ou auxiliado de alguma forma, e realizado procedimentos delegados por profissionais da unidade ou professores, por exemplo, manobras de reanimação cardiopulmonar ou ventilação manual por meio de dispositivo de bolsa-válvula-máscara. Um aluno presenciou, entretanto, não atendeu à situação de emergência e sete dos entrevistados não tiveram oportunidade de presenciar circunstâncias emergenciais.
Ao final do processo de análise temática, obteve-se três temas: “Liderança do enfermeiro nas situações de emergência: a prática é fundamental”; “Ser estagiário: somos mais liderados do que lideramos”; “Potencialidades e fraquezas na aprendizagem da liderança nas situações de emergência”.
Liderança do enfermeiro nas situações de emergência: a prática é fundamental
O entendimento dos alunos sobre o papel do enfermeiro como líder nas situações de emergência sinaliza a apropriação de conceitos teóricos sobre a liderança, que foram ensinados em vários momentos da formação, trasladados às situações específicas das emergências.
“[...] o enfermeiro como líder é fundamental na equipe porque ele é o que sempre está mais em contato com os pacientes [...] se houver uma emergência, ele quem vai identificar” (AE01).
“[...] que além do médico, o enfermeiro também determina a função, delega a função para o técnico, né? E qualquer imprevisto ali, é o enfermeiro quem tem que resolver” (AE14).
“[...] ele tem que saber questão de medicação, a questão do que fazer, a liderança, a questão do que fazer com os outros técnicos, as outras pessoas atrapalhando. Então, ele meio que gerencia a pessoa no que fazer” (AE04).
“[...] ele tem que direcionar a equipe para ter um resultado satisfatório daquilo que ele planeja, né? [...] é... como eu falei anteriormente um bom convívio com a equipe, uma boa interação é... é isso sabe?” (AE02).
Denota-se que, para os participantes do estudo, o enfermeiro possui papel fundamental nas situações de emergência e que o modo como este profissional se insere no atendimento pode implicar na qualidade da assistência:
“acho que se não tiver enfermeiro numa situação de emergência, não vai ter liderança, vai virar uma bagunça” (AE10).
“[...] o enfermeiro como líder da equipe é... ele que vai poder otimizar o tempo para minimizar os riscos do paciente, então se ele souber como agir na emergência, é tanto essencial para equipe ali que ela não vai ficar sem saber o que fazer” (AE11).
Embora reconheçam o papel do enfermeiro como líder nas situações de emergência, os participantes asseguram que o desenvolvimento dessa competência só é possível por meio das experiências práticas:
“mas na prática a gente sabe que é outra coisa e aplicar um conteúdo na prática às vezes é um pouco, é difícil” (AE01).
“É, foi uma parada [cardiorrespiratória], é tempo, é o tempo, o que você deve fazer, as massagens [compressões cardíacas], as contagens tudo correto, foi muito bom. É, não foi igual na sala de aula que a gente imagina, a gente idealiza uma coisa dentro da sala de aula” (AE05).
“[...] ao mesmo tempo se houvesse mais práticas, seria melhor, entendeu? [...] promoveria mais esta questão de liderança e autonomia [...] acredito que se for só ali é, conteúdo teórico, eu ia chegar na prática e falar - o que eu faço agora, né?” (AE01).
Ser estagiário: “somos mais liderados do que lideramos”
Nesse tema, os participantes indicaram que o ser estagiário pode representar limites que dificultam o desenvolvimento de liderança frente às situações de emergências:
“quanto estagiário, eu sei aonde vai meu limite ali, até aonde eu posso chegar, entendeu?” (AE02).
“Eu acho que os professores falam bastante sobre liderança, mas eles não dão muita liberdade quando a gente está lá no campo de prática para liderar. Nós somos mais liderados do que lideramos” (AE09).
A condição de estagiário parece gerar um sentimento de medo e insegurança nos primeiros contatos com o setor. Além disso, alguns fatores pessoais também dificultam a atuação do acadêmico de enfermagem como líder:
“Porque a gente não chega num lugar, até porque a gente chega como acadêmico, então se você chegar tentando colocar uma liderança é muito difícil. É um local que você acaba tendo mais que respeitar do que se impor” (AE07).
“Eu acho que não ter a... que a gente querendo ou não, não tem muita autonomia tanto assim na equipe, né? Você chegar e assumir, liderar não [...] eu não, não... eu fico meio restrito, por medo da reação da equipe e, tal, porque a gente está ali meio que prestando um serviço para eles. Tudo bem, mas... é, como você vai chegar invadindo um espaço exatamente?” (AE02).
Potencialidades e fraquezas na aprendizagem da liderança nas situações de emergência
Os participantes discorreram sobre elementos que, na sua percepção, facilitaram ou dificultaram o desenvolvimento da liderança para as situações emergenciais ao longo de sua formação.
Nesse aspecto, os alunos destacaram o estágio no Centro de Terapia Intensiva (CTI) como fator que contribuiu para este desenvolvimento e situam as enfermarias como ambientes que não foram muito propícios para o aprendizado:
“Porque eu fiz estágio no Centro de Terapia Intensiva, CTI, né? Fiquei cerca de um mês e quinze dias, então [...] eu tive bastante experiência na questão de emergência” (AE02).
“É que aqui [na enfermaria] a gente não é tão preparada para lidar com a questão de emergência. Acho que a gente vivencia mais é no CTI, né?” (AE04).
“Mas tipo, falando na área hospitalar, quando você fica em uma ala [de enfermaria] é diferente [...] na ala eu acredito que você fique mais, afastado disso” (AE07).
A respeito das ocasiões propícias para aprendizagem, vários relatos denotam que em função das escassas oportunidades, alguns entrevistados não se sentiam preparados para assumirem o papel de líder diante de uma situação de emergência:
“ah eu acho que...tem que ser bem mais colocado... na graduação, na parte de emergência, porque fala-se muito em liderança, mas assim, no setor que não tem muita emergência” (AE09).
“[Ao discorrer sobre sua experiência com situações de emergência na graduação] Só foram procedimentos comuns, nada urgente, emergência assim” (AE14).
“Ah! Eu acho que é bem falho... a gente não tá preparado para isso. Que não tem oportunidade de... realmente assumir uma postura de líder ali naquele momento. [...] fica meio perdido por não ter vivência, na ala [enfermaria] fica mais afastado” (AE03).
“[...] É que em questão de emergência tem que ter mais treinamento, né? Que a gente não tem tanto treinamento assim, então, não está preparado para lidar com emergência” (AE04).
Em face da percepção de que o curso não proporciona as melhores oportunidades para o desenvolvimento desta competência durante a formação, o aluno pode assumir a ideia de que o seu aprimoramento ocorrerá unicamente na vida profissional:
“porque eu acho que, é... ser líder é uma coisa que a gente conquista com a vida né? Não é assim, você vai sair daqui e já vai liderar uma equipe. [...] na liderança eu acho que só com prática, só com a vida mesmo. A vida ensina, eu acho que... a gente não sai pronto para isso, a gente sai...é... assim, uma sementinha e a gente tem que desenvolver ao longo do tempo” (AE01).
“Talvez depois que eu formar eu busco é... trabalhando mais isso” (AE14).
Outro aspecto que pode potencializar a aprendizagem da competência para liderar nas situações de emergência remete à atuação do professor. Depreende-se das entrevistas que o professor presente nas práticas hospitalares se torna referência para os acadêmicos e suporte para seu aprendizado:
“só nesse caso, porque aí eu quem estava responsável por ela [a paciente], daí eu junto da professora, a gente prestou toda assistência a ela” (AE01).
“Foi algo maravilhoso porque o professor ele passa a calma, faz a gente refletir, faz como a gente tem que agir, então foi uma experiência magnífica” (AE05).
No entanto, este mesmo sujeito pode limitar as possibilidades de desenvolvimento do aluno:
“se eu tivesse numa situação mais séria eu acho que eu ficaria mais sem saber o que fazer [risos], se não tivesse os professores ali perto e os outros profissionais, se eu tivesse sozinha eu não daria conta” (AE03).
“Quando é paciente mais crítico assim eu tenho um pouco de dificuldade, que aí eu fico mais é... como posso falar? Mais esperando o professor, o que ele acha que eu devo fazer” (AE13).
“[...] Muitas vezes nós não podemos tomar uma decisão. Eles não dão esse... apoio pra gente ir lá e tomar a decisão e fazer. Na maioria das vezes, a gente tem aquela coisa... não eu tenho que ir lá e vou perguntar para o professor e ele vai falar o que eu tenho que fazer” (AE09).
“Assim, eu não tive uma participação direta na época foram os professores que tomaram a iniciativa junto com os técnicos e os enfermeiros do hospital, sabe? E eu tentei acalmar a família, conversar” (AE03).
“No início a gente tem mesmo um pouco de medo de tomar a frente, de fazer, tem medo de errar [...] o professor quem está observando, quem está fazendo junto, quem está mostrando, a gente não tem muito autonomia” (AE15).
Dentre os aspectos favoráveis para o desenvolvimento da competência de liderar em situações emergenciais, as simulações foram destacadas:
“[...] aquele treinamento que a gente fez com o manequim eu achei que foi de muita importância, para gente poder ter essa vivência, porque nem sempre nos estágios a gente tem essa... essa experiência” (AE08).
“A gente faz simulações também é muito necessário e muito, é uma metodologia muito legal” (AE01).
Consoante a esta ideia, alguns estudantes sugeriram aumentar o número de simulações durante o curso para que se sintam mais preparados:
“ter mais simulações que envolvam esse tipo de atendimento para o aluno sair daqui mais preparado na hora de liderar uma situação de emergência” (AE14).
“Antes de chegar a lidar com pessoas em situações reais de emergência é importante ter simulações e muitas. E o nosso curso oferece poucas” (AE03).
“O que a gente teve de oportunidade foi na sala de simulação e foi, me desculpa a palavra, foi horrível. É... ninguém sabia o que fazer e não teve assim uma...uma aula mais intensiva, sabe? Alguma preparação para isso” (AE03).
“Poderia estar trabalhando mais isso, no real, assim nas simulações. Entendeu? Uma situação de emergência e colocar o enfermeiro ali como ele deve delegar as funções de cada um e... para gente sair daqui tendo uma visão mais real, assim da situação” (AE14).
Discussão
Para os alunos integrantes desse estudo, compete ao enfermeiro organizar o atendimento, delegar funções, observar e identificar de forma precoce o risco ou a situação de emergência. Nessa direção, ressaltaram o conhecimento teórico, a capacidade de relacionar teoria e prática e a habilidade técnica como aspectos necessários para transmitir segurança para equipe.
Autores que apontam que o enfermeiro, na posição de líder, deve coordenar, gerenciar, direcionar e delegar à equipe a execução das ações necessárias, pensar rápido e saber realizar os procedimentos de sua competência facilitando a organização do serviço e a fluidez da assistência3,16. Para isso é necessário preparo e conhecimento3.
Nesse contexto estudos inferem que o conhecimento é fator importante e referem a necessidade de inserção de conteúdos na grade curricular dos cursos de graduação em enfermagem que viabilizem o aprendizado sobre a liderança, possibilitando o melhor preparo dos estudantes para atuarem em situações adversas de emergência, haja vista que os fundamentos teóricos são importantes a prática profissional3,10,17.
No entanto, apenas o suporte teórico parece não subsidiar o desenvolvimento da liderança para o atendimento às emergências. O pressuposto de que a prática complementa a formação de liderança do enfermeiro é confirmado também em outro estudo em que se observou que enfermeiros recém graduados reportavam insegurança como líderes de uma equipe, em especial no contexto de situações que envolviam emergências, em função de considerarem insuficiente a base teórico-prática no decorrer de sua graduação18. Assim, o conhecimento teórico, isoladamente, pode não garantir o exercício competente da liderança,3 o que por sua vez pode estabelecer dificuldades para que a equipe reconheça o enfermeiro como líder na situação de emergência10.
Constatou-se que a percepção dos estudantes de enfermagem acerca da sua posição e suas atribuições como estagiários parece não contribuir para o desenvolvimento da competência de liderança no processo de formação.
Consoante a este achado, estudo realizado com acadêmicos de enfermagem no estágio supervisionado evidenciou a presença de sentimentos como medo de não agradar a equipe e dificuldade na interação, contudo, os autores ressaltam que estes sentimentos ocorreram apenas no início do estágio, modificando-se no decorrer do processo educativo3. Ademais, fatores como a rígida hierarquia presente nos ambientes de ensino clínico podem dificultar o aprendizado, assim como o curto tempo das práticas clínicas. Isto coloca em questão a necessidade de qualificar os espaços de aprendizado clínico dos alunos de enfermagem para que se desenvolvam, sobretudo porque inseri-los para estagiar em condições insatisfatórias pode resultar na desqualificação profissional19.
Infere-se que são necessárias estratégias pedagógicas que proporcionem aos estudantes uma inserção gradativa e prolongada nos espaços de prática para o aprendizado de competências, que, como a liderança, envolvam a dinâmica dos contextos de trabalho e a interação entre os atores neste campo19.
Pode-se contribuir para a melhor inserção do estudante ao compartilhar informações com a equipe assistencial, logo no início do estágio, acerca do objetivo da formação do aluno e seu papel na assistência ao paciente. Isso requer que se deixe claro que a formação integral contempla não apenas o aprimoramento na execução das técnicas, mas também o desenvolvimento das competências não técnicas. Do contrário, o aluno pode ser percebido pela equipe, inadequadamente, como mão de obra a baixo custo, o que pode estabelecer barreiras no processo de aprendizagem20.
Dentre os recursos para o desenvolvimento da liderança para situações de emergências destacou-se o CTI como espaço propício de aprendizado. Este setor é caracterizado pela grande complexidade, haja vista que os pacientes ali assistidos estão comumente em estado grave de saúde e precisam de maior aporte de instrumental tecnológico e de recursos humanos em relação a outros setores de enfermaria21. Dessa forma, no CTI torna-se possível uma prática de ensino com tratamentos mais complexos, que exigem maiores habilidades técnico-procedimentais e competências do aluno22. Talvez por isso o estágio nesse setor seja percebido pelos participantes como espaço mais favorável para aprimoramento da competência para liderar nas situações de emergência quando comparado às enfermarias.
Esse aspecto é relevante quando se considera que sem a oportunidade de vivenciar uma situação de emergência o aluno pode não conseguir se apropriar da posição de líder, o que seria desejável durante a graduação. Ele pode apresentar insegurança, sentimento de medo e esperar que a competência de liderar se desenvolva tardiamente durante as rotinas de trabalho, de forma não intencional. Este apontamento identifica semelhanças com um estudo que reporta que, mesmo fora do contexto de uma situação de emergência, os enfermeiros recém-graduados afirmaram não se considerarem aptos a liderar, por medo, insegurança, falta de preparo e/ou conhecimentos17.
Nessa perspectiva, o estudo destacou a falta de oportunidades nos estágios, que muitas vezes não oferece condições propícias para execução de técnicas ou mesmo aprimoramento de competências não-técnicas. Isso pode ocasionar dificuldades para que enfermeiros recém-graduados assumam seus cargos23.
À semelhança desse achado, autores destacam que os profissionais de enfermagem consideraram que a liderança seria desenvolvida ao longo do tempo e, por este motivo, mencionaram dificuldades para exercê-la no início da profissão17.
Reforça-se a preocupação com a formação do enfermeiro líder durante do curso de graduação, por meio de estratégias de ensino. Ao inserir-se no mercado de trabalho, o enfermeiro recém-formado depara-se com a necessidade imediata de assumir a liderança da equipe de enfermagem. Dessa forma, reconhece-se a importância de que se trabalhe a liderança transversalmente na graduação11.
Adicionalmente, os depoimentos evidenciam a necessidade de que os modelos de supervisão e inserção do aluno nas situações clínicas sejam repensados. Se por um lado o professor precisa instruir o aprendizado e garantir a segurança do paciente, por outro, deve criar um espaço que permita que o estudante caminhe por si e se desenvolva. Esta dupla função representa um desafio importante na prática pedagógica no âmbito do ensino clínico, particularmente em ocasiões de emergência.
Durante as práticas de estágio é imprescindível que o professor acompanhe de forma efetiva o processo de ensino clínico e as funções inerentes, pois quando a supervisão ocorre de maneira ineficiente, pode prejudicar o aprendizado e as atividades correm o risco de serem desenvolvidas de forma inadequada, assim como as interações com a equipe. Ou seja, ocorre o distanciamento daquilo que se estuda com o que se pratica24-25.
Concorda-se com os apontamentos de um estudo que indica que ao docente compete incitar no estudante reflexões que o posicionem como enfermeiro logo nos momentos iniciais do estágio. Contudo, por vezes a formação do enfermeiro permanece pautada no aprimoramento das técnicas/procedimentos e o desenvolvimento de competências que o auxiliem a liderar pode ser secundarizado nesse processo11.
Assim, no período formativo, os alunos podem se posicionar como espectadores, deixando-se conduzir passivamente pelos professores11. Esse comportamento pode contribuir para que os enfermeiros recém-graduados, independentemente da sua área de atuação, encontrem entraves para liderar ao iniciarem suas atividades como profissionais24.
A este respeito, autores destacam que uma das dificuldades para o desenvolvimento de liderança durante estágio curricular, foi a postura de professores que restringiam as oportunidades para prática de habilidades essenciais do líder, como comunicação, a capacidade de influenciar a equipe, gerenciar conflitos e de aplicar escolhas11.
Todavia, para contribuir para a formação do enfermeiro com perfil de líder o professor deve assumir a posição de facilitador, com o objetivo de preparar os futuros enfermeiros para o mercado de trabalho e para a sua evolução, o que pressupõe sensibilidade para provocar no aluno o desenvolvimento da competência de liderar26-27.
Dentre as estratégias pedagógicas que podem favorecer a aprendizagem da liderança em situações de emergência, a simulação clínica foi a apontada como um recurso de grande importância. A utilização das simulações propicia a aplicação da teoria em ambiente seguro, de forma ética, antes que se confronte uma situação real no ambiente hospitalar28.
Neste sentido, entende-se que o estudante que vivencia uma simulação realística pode posicionar-se com mais autonomia e, consequentemente, demonstrar maior interesse no aprendizado.
Destaca-se que os enfermeiros que vivenciam simulações manifestaram avanços nos atendimentos de emergência, como melhoria na sensação de segurança, aprimoramento do conhecimento, desenvolvimento de empatia, desenvolvimento de habilidades de comunicação, satisfação com o processo de ensino-aprendizagem, diminuição do nível de ansiedade, conforto, motivação em aprender, capacidade de reflexão e de pensamento crítico e habilidades para o trabalho em equipe e liderança29.
Conclusões
Os estudantes de enfermagem voluntários do estudo reconhecem o papel do enfermeiro como líder nas situações de emergência no âmbito hospitalar, enfatizam que a aprendizagem da liderança nesse contexto está relacionada às oportunidades de vivenciar as situações na prática clínica. Contudo, observou-se que as escassas oportunidades de vivenciar as emergências associadas à condição de ser estagiário dificultam o desenvolvimento dos alunos e implica no aparecimento de sentimentos como medo e insegurança.
Como potencialidades, destacaram-se as estratégias como os estágios no ambiente de terapia intensiva, que oportunizam maior contato com as situações emergenciais, as simulações realísticas, que favorecem o aprendizado ativo em ambiente seguro e a mediação qualificada do professor, que deve possibilitar ao aluno um ponto de referência na medida em que apreende a caminhar por si, e não sujeitá-lo a uma postura passiva e expectante.
Este estudo apresenta como limite o fato de ter sido utilizada apenas uma técnica de coleta de dados. Provavelmente, a observação não participante nos campos de prática clínica poderia trazer maiores informações sobre as interações aluno-professor e aluno-equipe de enfermagem e sua implicação no desenvolvimento da liderança nas situações de emergência. Ademais, os resultados retratam a realidade local, com dinâmica curricular e campos de prática clínica particulares, que podem não representar a realidade de outras instituições formadoras. No entanto, as interpretações decorrentes são amplamente corroboradas pela literatura, o que pode permitir avanços na compreensão dos processos de ensino e aprendizagem em emergência em outras localidades.
Sugere-se novas investigações que articulem outras técnicas de coleta de dados e outros olhares, como a perspectiva dos professores e da equipe de enfermagem, para que seja possível elaborar estratégias que favoreçam a consecução dos objetivos formativos.
Conflito de interesse
Os autores declaram não possuir conflito de interesse de qualquer natureza relacionado ao artigo.