Introdução
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) é considerada uma doença emergente e um dos grandes problemas atuais de saúde pública em todo o mundo1-2. Com o advento da terapia antirretroviral altamente ativa (HAART), houve redução das taxas de mortalidade associada à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV)/AIDS3.
No entanto, o aumento da sobrevida em virtude do uso dos medicamentos antirretrovirais expõe os pacientes com AIDS a uma variedade de problemas de saúde, como efeitos adversos da terapia e degenerativos próprios da infecção pelo HIV. Tais fatores associados às enfermidades crônicas, a toxicidade à HAART a longo prazo e o envelhecimento favorecem o aumento da necessidade de hospitalização desses pacientes 4.
A internação hospitalar normalmente implica na utilização de diversos procedimentos terapêuticos a fim de promover melhora da condição clínica dos pacientes, contudo, a realização desses procedimentos, como cateteres e sondas, tornam os pacientes mais susceptíveis a infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) 5-6.
Nas ações de prevenção e controle das IRAS, o enfermeiro tem seu papel fundamental na identificação de fatores de risco para infecção, de modo a selecionar intervenções e proceder com condutas preventivas7. Por seu importante papel na assistência direta às pessoas com HIV/AIDS, este profissional tem sido apontado como integrante fundamental nas ações de controle de infecção hospitalar nas instituições, independente de fazer parte da comissão de controle de infecção hospitalar.
E para orientar o cuidado de enfermagem, o profissional faz uso de um instrumento metodológico denominado de Processo de Enfermagem (PE) o qual é organizado em cinco etapas inter-relacionadas: coleta de dados, diagnóstico de enfermagem, planejamento, implementação e avaliação de enfermagem 8.
A enfermagem diante da possibilidade de viabilizar a assistência de enfermagem sistematizada, por meio do PE, precisa de conhecimento sobre os fatores associados a seu diagnóstico e de experientes habilidades para proporcionar um cuidado integral para as pessoas que vivem com HIV/AIDS (PVHA) 9.
Diante desse contexto, a fim de que os profissionais enfermeiros conduzam as estratégias que orientem suas intervenções ao paciente com AIDS, resolveu-se neste estudo dar ênfase ao domínio 11 Segurança/proteção da Taxonomia II da North American Nursing Diagnosis Association (NANDA - International) 2015-2017, pois é a mais conhecida e difundida no Brasil10-11. Este domínio é definido como: estar livre de perigo, lesão física ou dano ao sistema imunológico; conservação contra perdas e proteção da segurança e da ausência de perigos. Abrange, dentre outros, o diagnóstico de enfermagem Risco de infecção, cuja definição é: vulnerabilidade à invasão e multiplicação de organismos patogênicos, que podem comprometer a saúde.
Frente ao exposto, esse estudo teve como objetivo identificar na literatura os fatores de risco do diagnóstico de enfermagem Risco de Infecção presentes em pacientes com AIDS hospitalizados.
Materiais e métodos
Este estudo trata-se de uma revisão integrativa da literatura sobre os fatores de risco do diagnóstico de enfermagem Risco de infecção da Taxonomia da NANDA International, 2015-2017. Para a realização dessa pesquisa foram obedecidas as seguintes etapas: identificação do problema e elaboração da questão norteadora; busca dos estudos na literatura; avaliação de dados encontrados nos estudos; análise de dados com síntese e conclusões destes; e apresentação da revisão integrativa 12.
Como forma de conduzir esta revisão foi formulada a seguinte questão direcionadora com base na estratégia PVO (População / Problema, Variável e Resultados / Outcomes) 13: quais os fatores de risco relacionados ao diagnóstico de enfermagem “risco de infecção” em pessoas com AIDS hospitalizadas são encontrados na literatura?
Como critérios de inclusão foram definidos: artigos completos disponíveis gratuitamente na íntegra, bem como pelo acesso remoto ao Periódicos CAPES por meio “Comunidade Acadêmica Federada” (CAFe) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); nos idiomas português, inglês ou espanhol, que abordam a temática em estudo. Os critérios de exclusão foram: revisão integrativa, editoriais, cartas ao editor, artigos de pediatria ou transmissão vertical. Vale ressaltar, que não houve restrição em relação ao tempo de publicação.
As buscas foram realizadas em Julho de 2017, nas bases de dados e bibliotecas virtuais, National Library of Medicine and Nattional Institutes of Health (PUBMED/MEDLINE), SCOPUS, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Literatura Latino-Americana em Ciências de Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO).
Em todas as bases foram realizadas buscas controladas, devido ao elevado número de artigos encontrados. Quanto aos cruzamentos, estes foram acompanhados do operador e palavra-chave AND NOT “HIV” com o intuito de eleger artigos que abordassem apenas a AIDS, já que esta é considerada a fase mais avançada da doença em que o paciente encontra-se vulnerável a infecções oportunistas.
Base de dados | Descritores | |
Pubmed/Medline, Scopus, Cinahl | Descritores Medical Subject Headings (MESH) | Acquired immuno deficiency syndrome |
Cross infection | ||
Risk fator | ||
Hospitalization | ||
- | - | - |
Lilacs | Descritores em ciências da saúde (DeCS) | Síndrome de Imunodeficiência Adquirida |
- | Infecção Hospitalar | |
- | Fator de Risco | |
- | Hospitalização |
Fonte: autoria própria, 2017.
Com aplicação dos descritores do estudo, localizou-se o total de 2.136 artigos nas quatro bases de dados pesquisadas. Em seguida, realizou-se a leitura dos títulos e resumos, selecionando 45 estudos considerados potencialmente relevantes. Após análise crítica, 38 artigos foram selecionados para leitura na íntegra. Depois da leitura, verificou-se que dez artigos respondiam ao objetivo deste estudo e compuseram a amostra final da revisão.
Para a coleta de dados, foi elaborado um instrumento, o qual contempla os seguintes itens: identificação do artigo (autores, ano de publicação, idioma, título, periódico e local de busca), características metodológicas do estudo (tipo de estudo, nível de evidência, e local da pesquisa), e resultados pertinentes ao objeto de estudo (Fatores de risco do diagnóstico de enfermagem risco de infecção).
Os artigos selecionados foram classificados em relação ao nível de evidência (NE) em sete níveis14: Nível I - Evidências oriundas de revisão sistemática ou meta-análise de todos relevantes ensaios clínicos randomizados controlados; nível II - Evidências derivadas de pelo menos um ensaio clínico randomizado controlado bem delineado; nível III - Evidências obtidas de ensaios clínicos bem delineados sem randomização; nível IV - Evidências provenientes de estudos de coorte e de caso-controle bem delineados; nível V - Evidências originárias de revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos; nível VI - evidências derivadas de um início estudo descritivo ou qualitativo; nível VII - Evidências oriundas de opinião de autoridades e/ou relatório de comitês de especialistas.
Após a leitura dos artigos, os dados foram digitados em planilhas eletrônicas, analisados por meio da estatística descritiva e apresentados sob a forma de quadros e tabelas.
Resultados
A partir da análise dos artigos que compuseram a amostra, constatou-se que predominaram os estudos descritivos (40%), publicados em 2012 (20%), realizados nos Estados Unidos da América - EUA (40%) e com nível de evidência VI (60%), conforme apresentado no tabela 2.
Base de dados / estudo | Tipo de Estudo | Ano de Publicação | País | Nível de Evidência |
Pubmed/medline 15 | Caso-controle | 2015 | Taiwan | IV |
Pubmed/medline 16 | Ensaio Clínico | 2012 | EUA | III |
Pubmed/medline17 | Transversal | 2012 | Brasil | VI |
Pubmed/medline28 | Coorte | 2009 | Brasil | IV |
Scopus29 | Retrospectivo | 2001 | EUA | IV |
Scopus20 | Caso-controle | 2001 | Itália | IV |
Pubmed/medline21 | Descritivo | 1995 | Espanha | VI |
Cinahl22 | Descritivo | 1994 | EUA | VI |
Pubmed/medline23 | Descritivo | 1991 | Dinamarca | VI |
Pubmed/medline 24 | Descritivo | 1986 | EUA | VI |
Fonte: autoria própria, 2017.
Em relação aos fatores de risco, cinco dos 19 fatores presentes no diagnóstico de enfermagem “Risco de infecção” foram encontrados na literatura selecionada. Dentre eles, a imunossupressão foi o mais frequente, sendo observada em 50% dos estudos. A tabela 3 descreve a distribuição dos fatores de risco nos estudos encontrados.
Discussão
A predominância de pesquisas realizadas nos EUA revela a frequência de estudos internacionais sobre a temática em questão. Apesar dos estudos terem predomínio nos EUA, há uma distribuição em diferentes continentes, o que, de fato, sugere que o tema é de interesse mundial. Uma das principais taxonomias utilizadas na enfermagem, a (NANDA - I), é de origem norte-americana25, portanto é natural que a maioria dos estudos realizados com o diagnóstico de enfermagem Risco de infecção, sejam dos EUA.
No que diz respeito ao fator de risco “imunossupressão”, ele é um dos que mais colaboram para o desenvolvimento e disseminação de infecções hospitalares, consequentemente, a morte15-16-23. Esse resultado corrobora com o estudo de outros autores, ao referir que o tratamento com glicocorticóides basicamente leva a redução no número de células B por indução de apoptose e inibição da liberação de citocinas, que são responsáveis pela produção de anticorpos, e mediadores inflamatórios26, o que implica em depressão do sistema imunológico. Ou seja, quando o paciente que já possui imunodepressão, utiliza um imunossupressor, o torna ainda mais suscetível do que os demais pacientes que usam a mesma medicação.
Com relação à desnutrição no paciente hospitalizado, é um importante fator de risco para a ocorrência de eventos sépticos, infecções de feridas, formação de abcessos e desenvolvimento de osteomielite e broncopneumonia27. Aspectos que podem refletir diretamente na qualidade de vida e na morbimortalidade das pessoas com HIV/AIDS.
A perda progressiva de peso e a redução acentuada da ingesta de energia são decorrentes de complicações clínicas conjugadas, relacionadas ao estado hipercatabólico causado por doenças oportunistas e pelo vírus HIV17. Ainda, a perda de peso e a desnutrição são achados clínicos frequentemente observados em pacientes com AIDS não tratados, causados por múltiplos problemas, como: má absorção de nutrientes e redução da ingestão de alimentos ocasionados por outras infecções oportunistas e pelo próprio vírus HIV 17.
Quanto à alteração do peristaltismo, este fator foi encontrado em nosso estudo na ocorrência de diarreia entre os pacientes da amostra e destaca-se como facilitador do desenvolvimento de infecções, pois sua ocorrência leva ao desequilíbrio eletrolítico, má absorção e perda de peso profunda28. Estes dados corroboram com um dos estudos encontrados, onde a diarreia apresentada pelos pacientes diagnosticados com AIDS esteve associada diretamente a infecções devido ao comprometimento imunológico destes, evidenciado por leucopenia apresentada nos resultados de hemogramas24.
No que concerne à realização de procedimentos invasivos, os pacientes hospitalizados têm um risco aumentado à infecção, posto que estejam expostos continuamente a procedimentos invasivos, como punções venosas e ventilação mecânica, e são excessivamente manipulados 29.
Estudo retrospectivo avaliou que a incidência de infecções relacionada ao uso de ventilação mecânica em pacientes com AIDS varia entre 2,7% e 4,9%, ou seja, é até 450 vezes maior do que a população não imunocomprometida 19.
A terapia intravenosa também é comumente utilizada em ambientes hospitalares, por meio da inserção de cateteres venosos periféricos e centrais. Entretanto, o uso de cateteres venosos, pode acarretar em complicações, tais como flebite, obstrução, infiltração, extravasamento e remoção acidental30.
Dentre as IRAS, destacam-se as infecções primárias da corrente sanguínea, por estarem entre as mais comumente relacionadas ao implante de um cateter venoso central 31. Estes dados confirmam-se com outro estudo ao apontar que os principais fatores de risco que contribuem para a mortalidade de pacientes submetidos a procedimentos invasivos são infecções e AIDS em estágio avançado 19.
Acerca das enfermidades crônicas, a hiperglicemia também diminui a aderência dos neutrófilos aos corpos estranhos32, sendo assim, dificultam o processo de quimiotaxia, além da alteração de fagocitose e atividade bactericida33, tornando a função imunológica alterada. Estudo encontrado confirma estes dados, pois os pacientes com AIDS apresentaram-se com baixo número de células T CD4+ (<100/mm3). A neutropenia e a diminuição da fagocitose foram considerados fator de risco para o desenvolvimento de infecções em pacientes com AIDS20.
Estima-se que 17,0% das pessoas que vivem com o HIV podem apresentar doença renal crônica, o que pode estar relacionado ao maior tempo de exposição ao tratamento com alguns antirretrovirais, infecção avançada, elevada carga viral, baixa contagem de linfócitos T CD4+34. Ressalta-se que a neutropenia (contagem de neutrófilos inferior a 1.000/mm3), é um fator que está presente com maior frequência em pacientes com AIDS devido à destruição dos linfócitos T CD4+ pelo vírus HIV22.
Conclusão
A fim de responder ao objetivo desse estudo, as evidências científicas mostram que a desnutrição; a enfermidade crônica; o procedimento invasivo; as defesas primárias inadequadas, como peristaltismo inadequado; defesas secundárias inadequadas, dentre elas, a imunossupressão, são fatores de risco para o diagnóstico de enfermagem risco de infecção presentes em pacientes com AIDS internados em instituições hospitalares.
O conhecimento sobre os fatores de risco a que a população com AIDS hospitalizada está susceptível, oferece um norteamento para uma assistência direcionada e eficaz, de forma a reduzir esses riscos no desenvolvimento da infecção no ambiente hospitalar.
A Enfermagem como a principal responsável na prevenção de infecções hospitalares e cuidados com o paciente, tem maior responsabilidade na identificação desses fatores de risco como medida para reconhecer o estado de saúde do paciente, como também desenvolver atividades de promoção da saúde e prevenção de doenças, que são baseadas frequentemente na redução ou eliminação desses fatores.
Assim, espera-se que este estudo subsidie a prática dos profissionais de enfermagem e da saúde em geral, para a melhoria da qualidade de vida das PVHA, visando à promoção da saúde e prevenção de agravos.