Introducción
Mudanças na forma e cor dos cabelos têm sido, desde o início das civilizações, um dos indicadores de beleza. A moda não se restringe às vestimentas, mas expande-se aos cabelos, gerando uma busca incessante por uma aparência diferenciada1. Tais preocupações com a beleza refletem-se no grande consumo de produtos para higiene pessoal, perfumaria e cosméticos. Apesar de queda no mercado no ano de 2015, relacionada a fatores políticos e econômicos, o Brasil continua ocupando a terceira posição mundial, sendo o segundo lugar em consumo de produtos destinados aos cabelos2.
Cosméticos são produtos naturais ou sintéticos que têm entre suas funções higienização corporal, proteção, odorização e embelezamento. Dentro desta classe, os alisantes são produtos que alteram temporariamente a estrutura dos cabelos, alisando; relaxando; amaciando ou reduzindo o volume dos cabelos de maneira mais ou menos duradoura, podendo se apresentar com denominações variadas: amaciantes, relaxantes e desfrisantes3.
As substâncias ativas dos alisantes agem diretamente sobre a estrutura do fio de cabelo, mais precisamente na região do córtex, rompendo as ligações dissulfeto, tornando a fibra momentaneamente deformável e sem elasticidade. Em seguida, as mesmas são fixadas de forma desejada pela reconstrução das ligações por aplicação de um agente neutralizante, realocando a queratina dentro do córtex, reorganizando as escamas da cutícula capilar e selando o fio do cabelo4.
Conforme Resolução nº 335 de 22 de julho de 1999 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)5, que trata da segurança no uso de produtos higiene pessoal, cosméticos e perfumes, inclui os alisantes na categoria 2, isto é, entre aqueles potencialmente tóxicos para o organismo humano. Dentre os agentes alisantes autorizados pela Anvisa, os mais comumente utilizados são: tiglicolato de amônio, hidróxido de sódio, hidróxido de potássio, hidróxido de cálcio, hidróxido de lítio e guanidina. Contudo, em virtude de baixo custo e de aparentes bons resultados, tem-se utilizado o formol (ou formaldeído) na composição desses produtos. Esta substância reconhecidamente oferece sérios riscos à saúde6.
Assim, a ANVISA publicou a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 36 de 17 de junho de 20096, a qual proíbe a comercialização do formol (solução a 37%) em estabelecimentos como drogarias, farmácias, supermercados, empórios, lojas de conveniências e drugstores. Manteve, no entanto, o uso até a concentração de 0,2% como conservante7.
Apesar da regulamentação, o uso do formol e danos à saúde de clientes e de profissionais cabeleireiros tem sido relatado na mídia e na literatura especializada4,8,9. Dessa forma, o trabalho buscou determinar como os meios de comunicação apresentam o uso de formol na estética capilar. Além disso, tentou-se reconhecer a percepção de um grupo de profissionais cabeleireiros da cidade de Petrópolis-RJ sobre riscos do uso de formol para si e para os clientes, além de buscar evidência do real uso dessa substância nos estabelecimentos comerciais visitados a partir da triagem da presença na substância em produtos fornecidos por estes salões de beleza.
Métodos
A pesquisa é exploratória e descritiva, desenvolvida a partir da documentação indireta por meio de fontes primárias e secundárias de matérias jornalísticas relacionadas a casos reais de exposição e uso do formol, seus riscos à saúde e resultados. O levantamento das informações veiculadas foi feito a partir de sites de busca, utilizando-se as matérias oriundas de portais de notícias e sites de jornais: G1; Rede Globo-Fantástico; R7; Correio de Urberlândia; Folha de São Paulo; Jornal da Cidade; Revista Isto É; Portal Vila Mulher; Fala Cidade/SBT. Os termos de busca foram risco; formol; alisamento capilar; intoxicação e acidente. As buscas limitaram-se a dezoito matérias publicadas após o ano de 2007.
A medida que foram analisadas as notícias, surgiram dúvidas sobre o conhecimento de profissionais cabeleireiros a respeito do formol. Desta forma, no segundo semestre de 2014, pesquisa de opinião com sete perguntas relacionadas à atividade profissional foi respondida anonimamente por 12 profissionais cabeleireiros, do município de Petrópolis- RJ, Brasil. As questões buscavam determinar o grau de instrução, o conhecimento sobre a presença ou adição de formol em produtos alisantes, o conhecimento dos riscos à saúde ocasionados pelo uso do formol e a relação que os profissionais faziam entre o uso e ocorrências clínicas neles próprios ou em seus clientes.
Os resultados das quatro primeiras perguntas objetivas foram simplesmente totalizados e apresentados no texto ou dispostos em tabelas. As respostas abertas das três últimas questões foram analisados através de representação gráfica por nuvens de palavras criadas pelo site https://tagul.com.
Na ocasião do inquérito, foram também solicitadas amostras de alguns produtos utilizados para a determinação qualitativa do formaldeído. Foram cedidas por três profissionais cabeleireiros 12 amostras de produtos. A análise qualitativa, triagem, baseia-se no conhecimento de que o formaldeído livre ou combinado, quando superior a 0,01%, em meio sulfúrico, na presença do reagente de Schiff, indica a coloração rósea ou malva10,11.
Para esta análise, foram pesadas em duplicada, em uma balança semi-analítica de precisão de 0,01 g, aproximadamente 2 g das amostras de alisantes capilares em coletores universais estéreis. Após a pesagem foram adicionadas duas gotas de ácido sulfúrico 1M e 2 mL de reagente de Schiff. As amostras que apresentaram coloração rósea ou malva foram consideradas positivas, isto é, com dosagem de formaldeído superior a 0,01%10-13.
O reagente de Schiff foi preparado diluindo-se 100 mg de fucsina em 75 mL de água destilada a 80°C. Após o resfriamento, acrescentou-se 2,5 g de sulfito de sódio heptahidratado e completou com água destilada até 100 mL em um balão volumétrico10-13.
Resultados
A Tabela 1 apresenta vinte notícias veiculadas na grande mídia entre 2007 e 2016 sobre os riscos do uso do formol na estética capilar, as notícias foram localizadas a partir de sites de busca.
Segue a descrição pormenorizada das principais notícias entre as selecionadas: o Portal G1 em 21 de março de 2007 (Tabela 1 - Notícia 3)14 relatou que na cidade de Porangatu-GO, uma dona de casa de 33 anos veio a óbito três dias após fazer uma escova progressiva para alisar o cabelo. De acordo com a família da vítima, ela ainda estava com uma mistura de creme e formol nos cabelos quando reclamou de forte dor de cabeça e dificuldade para respirar. A suspeita inicial foi de intoxicação com o produto que fora aplicado. Amostras do produto foram encaminhadas para análise. A biopsia foi feita na dona de casa, relatando que havia formol em seu cabelo e vísceras, mas o resultado foi inconclusivo, pois os peritos relataram que o formol ali presente era devido à preparação do corpo para o enterro, já que os exames foram realizados após exumação, alguns dias depois do enterro.
Ainda no ano de 2007, na cidade de Anápolis, em Goiás, a Vigilância Sanitária recebeu denúncia de que salões de beleza estariam utilizando o formol. De acordo com a notícia, publicada no Portal G1 (Tabela 1 - Notícia 2)15, o órgão recebeu várias denúncias nos 15 dias anteriores ao fato. Na notícia, também é descrito o caso de uma mulher que não quis se identificar, relatando que seu cabelo caiu após fazer uma escova progressiva.
Tabela 1 Principais notícias sobre os riscos do uso do formol na estética capilar obtidas a partir de busca na internet conforme descrito em material e métodos, divulgadas em meios de comunicação entre os anos de 2007-2016.

Em outro relato, também em Goiás uma técnica de enfermagem, de 30 anos, foi internada com a cabeça inchada, dores e fadiga muscular, logo após ter feito uma escova progressiva com essência de chocolate (Tabela 1 - Notícia 5)18.
No ano de 2009, uma menina de 11 amos sofreu queimaduras no couro cabeludo, logo após alisar os cabelos em um salão de beleza em Sorocaba-SP. De acordo com o relato, a menina que tem diabetes e hipertensão, teve irritação nos olhos e falta de ar durante o alisamento. Os médicos que cuidaram da criança constataram que ela sofreu uma intoxicação (Tabela 1 - Notícia 9)22.
No ano de 2010, em Santa Fé do Sul, interior de São Paulo, uma mulher registrou um boletim de ocorrência, por sofrer queimaduras no couro cabeludo ao fazer uma escova progressiva. De acordo com a notícia, a mulher relatou que “sentiu um grande ardor e perguntou à moça do salão se poderia lavar, mas que a mesma garantiu de que ela poderia lavar em casa e que, mesmo após sair do salão, continuou sentindo irritação no couro cabeludo” (Tabela 1 - Notícia 11)24.
Ainda de acordo com a notícia, o Dermatologista Alan Marques Ferreira, ressaltou que as queimaduras (Figura 1) ocorrem quando o produto é aplicado em quantidade errônea ou por alergia ao produto.

Figura Queimaduras causada em cliente de salão de beleza da cidade de Santa Fé do Sul, após o uso de escova progressiva24
Na cidade Uberlândia-MG, o jornal Correio de Uberlândia noticiou que (Tabela 1 - Notícia 12)25 uma mulher de 31 anos procurou o hospital após fazer uma escova progressiva. Ela teve uma reação alérgica ao formol e relatou sintomas como dores de cabeça, inchaço no corpo e coceiras no couro cabeludo.
Na cidade Uberlândia-MG, o jornal Correio de Uberlândia noticiou que (Tabela 1 - Notícia 12)25 uma mulher de 31 anos procurou o hospital após fazer uma escova progressiva. Ela teve uma reação alérgica ao formol e relatou sintomas como dores de cabeça, inchaço no corpo e coceiras no couro cabeludo.
Já no ano de 2012, foi relatado o caso de uma comerciante, que reagiu de forma exacerbada a uma intoxicação por formaldeído. O alergista Juliano Coelho Philippi afirmou que “Ela deu entrada na emergência do hospital e que estava com a face inchada e com feridas no couro cabeludo, perdendo parte do cabelo”. Ainda internada, a comerciante fez vários testes alérgicos, no quais, ainda de acordo com o alergista, foram aplicadas 40 substâncias, resultando positivo para formol. A comerciante ainda relata que tinha medo de morrer, enquanto esteve no hospital (Tabela 1 - Notícia 14)27.
Em Sergipe, no ano de 2013, uma adolescente de 13 anos veio a falecer por parada cardiorrespiratória, após fazer uma escova progressiva, conforme relatado pelo Portal R7 (Tabela 1 - Notícia 17)30. A família informou que o evento fatídico ocorreu no mesmo dia em que fez a escova com produto que continha formol.
Nesse mesmo ano, como relatado pelo portal de notícias G1 (Tabela 1 - Notícia 16)29, o programa fantástico apresentou análises realizadas por laboratório da UFRJ em produtos de escova progressiva de várias marcas. Essas análises buscavam verificar a quantidade de formol presente nos produtos. Foram analisadas 12 amostras, estando sete delas acima do valor permitido pela Anvisa (Tabelas 2 e 3). Algumas das marcas testadas contestaram a análise.
Tabela 2 Produtos reprovados em teste de quantitativo de formaldeído realizado por laboratório da UFRJ e apresentado pelo Programa Fantástico da TV Globo em 201329

Tabela 3 Produtos aprovados em teste de quantitativo de formaldeído realizado por laboratório da UFRJ e apresentado pelo Programa Fantástico da TV Globo em 201329

Quanto ao inquérito realizado com cabeleireiros, foi possível determinar que profissionais apresentam o seguinte grau de instrução: 1 ensino superior completo (em administração); 6 ensino médio e 5 ensino fundamental. Esses profissionais responderam às perguntas objetivas de acordo com o descrito na tabela 4:
Já as perguntas que permitiam respostas subjetivas, abertas, os resultados estão expressos conforme Figuras 2, 3 e 4, por meio de nuvem de palavras.
Nove das 12 amostras cedidas pelos profissionais do município de Petrópolis-RJ mostraram-se positiva, isto é, com dosagem maior do que 0,01%, na análise qualitativa, conforme figura 5.
Discussão
É bastante fácil localizar na mídia de massa, jornais, revistas e portais de notícias, algum tipo de informação sobre o uso de formol na estética capilar. Estas reportagens, que tiveram seu auge em número no ano de 2007 (Tabela 1), são denúncias do uso ilegal de produtos contendo formol ou da comercialização de produtos com dosagens acima da autorizada pela ANVISA (Tabelas 2) em salões de beleza ou focalizam os riscos para a saúde humana, apresentando casos concretos de lesões corporais e até morte após o uso desses produtos alisantes.
Quanto aos danos à saúde, são apresentados relatos de queda de cabelos, alergias e queimaduras. Contudo, o que mais assusta, são as suspeitas de mortes causadas pelo formol. É certo que o formol após exposição aguda, com absorção respiratória ou gastrintestinal ou simplesmente pelo contato com pele e mucosas pode provocar irritação e sensibilidade imunológica imediata caracterizadas por coriza, coceira, falta de ar, tosse e dor de cabeça. A intoxicação por uma dosagem de 50 - 100 ppm pode levar à morte. Através da exposição crônica, o formol é reconhecidamente carcinogênico, provocando, sobretudo tumores de nasofaringe e leucemias3,32-34.
Como as mídias são hoje um dos principais produtores de representações sociais, as quais, para além de seu conteúdo como falso ou verdadeiro, têm função pragmática como orientadoras de condutas dos atores sociais35, era de se esperar que a intensa exposição desses riscos tenha sido capaz de levar à redução do uso. Talvez essa redução pudesse ser vislumbrada na redução do número de notícias de casos nos últimos anos.
Todavia, quando são avaliadas as respostas ao inquérito (Tabela 4), verifica-se que da grande maioria dos entrevistados diz não se preocupar em adquirir produtos sem formol na composição (75%), percentual ainda maior afirma que usa produtos com formol (83%). Ainda mais preocupante é perceber que 50% dos participantes afirmam adicionar formol por conta própria aos produtos colocando em risco sua própria saúde e a dos clientes.
Na verdade, esse resultado apesar de trazer preocupação não traz novidade. Pesquisa realizada em Porto Alegre- RS mostrou que profissionais de salões de beleza não têm conhecimento sobre a legislação sobre o uso e riscos do formaldeído, além de não utilizarem os equipamentos de proteção individual (EPI) necessários36. Já em outro estudo realizada em Maringá-PR, ficou claro que os cabeleireiros utilizam produtos com formol sem saber perfeitamente o funcionamento do produto e os riscos que acarreta37.
A falta do conhecimento adequado sobre o funcionamento e mesmo sobre os EPIs necessários pode estar relacionada à formação dos profissionais. A esmagadora maioria (92%) possui apenas Ensino Fundamental ou Médio. A que se lembrar, no entanto, que cursos de cabeleireiro demandam nível médio ou não requisitam grau de instrução específico.
Além disso, muitos cabeleireiros ainda são pessoas que aprenderam a profissão na prática, pois não há exigência legal do curso de formação38.
Por outro lado, os consumidores também não se preocupam com a utilização de produtos que sigam as normas da vigilância sanitária, ou sequer, lembram que produto foi utilizado nos tratamentos capilares pelos quais passaram32.
Além disso, a maioria não conhece os riscos da utilização do formol na estética capilar39. Na tentativa de minimizar esse desconhecimento, o Estado do Rio de Janeiro publicou a lei nº5.409/09, obrigando os salões de beleza do Estado a informar em cartaz afixado em local de fácil visualização o texto: “O uso de formol nos tratamentos capilares é proibido e causa males à saúde. Comissão de Defesa do Consumidor da Assembléia Legislativa do Rio - telefone 0800 282 7060”40.
Diferentemente do observado por Tisolin e Zanoli37, que os profissionais entrevistados apontam corretamente alguns riscos da utilização do formol para a saúde dos clientes e para suas próprias3,32-34. A análise das respostas abertas através da ferramenta denominada nuvem de palavras apontou como predominante os riscos de câncer, enjoo, dor de cabeça, seguido por irritação nos olhos, alergia e queimadura.
A mesma análise permite verificar um certo equilíbrio entre as respostas ao questionamento sobre já terem sentido algum efeito desagradável relacionado ao uso do produto ou se tinham conhecimento de relatos de clientes com algum desses efeitos. Apareceram sobretudo as expressões dor de cabeça, falta de ar e ardência nos olhos e na pele.
Também de acordo com os sintomas descritos na literatura para a exposição aguda ao formol3,32-34.
Por fim, ao se realizar a triagem de formol nas amostras de produtos alisantes cedidas pelos profissionais e verificara que 9 em 12 resultaram positivo, constata-se que, a despeito da legislação, muitos produtos ainda apresentam formol em sua composição. É claro que o limite de detecção da técnica é de 0,01%, bem abaixo do 0,2% estabelecido como limite pela resolução 162/01 da ANVISA, mas ressalta-se que este método de triagem é preconizado pela ANVISA10 e os resultados positivos são suspeitos de estarem fora dos padrões.
Conclusão
Assim, reconhece-se que apesar da regulamentação e de algum conhecimento dos riscos à saúde por parte dos profissionais cabeleireiros, o uso do formol em produtos para alisamento continua sendo feito, contribuindo para a prática de crimes. Foi possível detectar essa substância em alguns produtos recolhidos em salões da cidade de Petrópolis-RJ, Brasil. Apesar disso, vem ocorrendo certa redução na divulgação de casos de intoxicação aguda por formol após uso em produtos para estética capilares nos últimos dez anos.