Introdução
A sexualidade é um componente-chave do comportamento e personalidade humana, sendo considerada como uma das necessidades humanas básicas1. Todavia, diante dos preconceitos, mitos e tabus referentes à sexualidade entre os idosos, dissemina-se a desvalorização da temática na sociedade e desconsidera-se que os idosos também possuem desejos2. Não obstante, no contexto cultural em que a sexualidade é estritamente representada por meio da penetração sexual, os idosos expressam sentimentos de exclusão, visto que as limitações fisiológicas impostas pelo processo de envelhecimento associadas à senilidade, podem interferir no grau de excitação e penetração2,3.
Vale destacar que o termo sexualidade não se limita apenas ao ato sexual, como é amplamente acreditado2. Trata-se de uma componente intrínseco a cada indivíduo em todas as fases e aspectos da vida, presente desde o nascimento até a morte. A sexualidade pode ser considerada como identidade estruturante do ser humano e se manifesta por meio de pensamentos, desejos, amor, carinho, intimidade, prazer, dentre outras expressões, constituindo-se, portanto, em uma necessidade humana básica3.
Diversos estudos evidenciam a permanência dos desejos sexuais na velhice4. Entretanto, muitos profissionais de saúde não abordam a sexualidade em suas rotinas de cuidados para a terceira idade5. Como consequência, a supressão da sexualidade nessa faixa etária pode acelerar o processo de envelhecimento e repercutir de forma negativa na saúde6 pois já é provado que a sexualidade na velhice promove a manutenção da saúde, qualidade de vida e bem-estar emocional entre os idosos7, até mesmo para aqueles que convivem com algum tipo de demência8,9, ou com o Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH)10, sendo este último, um público relevante, pois como o ato sexual faz parte da sexualidade e, os idosos estão cada vez mais ativos sexualmente, torna-se necessário orientações para prevenção de infecções transmitidas por via sexual e, portanto, reduzir a vulnerabilidade dessa população10.
Diante desse contexto, justifica-se o desenvolvimento desse estudo, pois por meio da síntese dos principais diagnósticos de enfermagem frente à sexualidade de idosos, haverá o direcionamento e facilitação do processo de trabalho em enfermagem visando cumprir a assistência integral a esta população. Espera-se que, desta forma, os enfermeiros sintam-se aptos em conduzir uma abordagem sobre sexualidade entre os idosos e sintam-se estimulados a buscarem mais evidências científicas que promovam saúde, bem-estar e qualidade de vida a essa população.
Nesta perspectiva, o Processo de Enfermagem é um instrumento metodológico, de cunho científico, que abrange o raciocínio e o julgamento diagnóstico, terapêutico e ético, de modo que sustenta as práticas e aperfeiçoa o cuidado de enfermagem. O Processo de Enfermagem possui cinco etapas interdependentes: coleta de dados, diagnósticos de enfermagem, planejamento, implementação e avaliação11. Os diagnósticos de Enfermagem estão mundialmente consolidados na North American Nursing Diagnosis Association (NANDA 2018-2020), que os define como o “julgamento clínico sobre uma resposta humana a condições de saúde/processos da vida, ou uma vulnerabilidade a tal resposta, de um indivíduo, uma família, um grupo ou uma comunidade”12.
Identificar diagnósticos de enfermagem que estão consolidados em uma linguagem universal auxilia na gestão de recursos e de pessoal, além da prescrição de intervenções, favorece a educação permanente e fortalece a identidade profissional por meio da delimitação de eventos científicos que pertencem ao escopo de atuação da Enfermagem13. Além do mais, a utilização de terminologias padronizadas melhora a comunicação entre os enfermeiros e demais membros da equipe, melhora a continuidade do cuidado, facilita a documentação e torna as práticas de enfermagem mais visíveis14. Diante disso, estabeleceu-se a seguinte questão de pesquisa: Quais os principais diagnósticos de enfermagem relacionados à sexualidade de idosos? No intuito de respondê-la, traçou-se o seguinte objetivo: identificar na literatura situações relacionadas à sexualidade dos idosos e, por meio delas, traçar diagnósticos de enfermagem tendo como suporte teórico a North American Nursing Diagnosis Association (NANDA 2018-2020).
Materiais e métodos
O presente estudo refere-se a uma revisão integrativa da literatura elaborada de forma sistematizada por meio das seguintes etapas: “identificação do tema e seleção da questão de pesquisa; estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos/amostragem ou busca na literatura; definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados/categorização dos estudos; avaliação dos estudos incluídos; interpretação dos resultados; e apresentação da revisão/síntese do conhecimento”15:9.
Para a sistematização do percurso metodológico, a busca de artigos foi fundamentada na estratégia PICO. Trata-se de um acrômio que significa População/Problema (P), Intervenção (I), Comparação (C) e Resultados (O), utilizado na construção de revisões e objetiva a qualificação das buscas por meio da delimitação de palavras-chave diretamente relacionadas ao objeto de estudo, que por sua vez, evita buscas desnecessárias e maximiza a identificação de evidências relevantes para atender o objetivo proposto16.
Desse modo, o elemento “P” consistiu em idosos com idade igual ou superior a 60 anos, de ambos os sexos, independentemente de condição clínica; o elemento “I” consistiu na sexualidade de idosos e o elemento “O” consistiu nos fatores que se relacionam com a sexualidade como o carinho, toque, afeto, amor, cuidado, companheirismo, amizade, erotismo, ato sexual, intimidade, masturbação, prazer, dentre outras expressões quanti-qualitativas3, 8,17, para a partir deles, traçar os diagnósticos de Enfermagem. Vale ressaltar que o elemento “C” não foi utilizado nesse estudo por se configurar uma técnica que não foi utilizada nesta revisão.
A coleta de dados ocorreu em março de 2020 pelos dois primeiros autores de forma independente, responsáveis por todo o processo de busca e seleção dos materiais. Após esta etapa, um terceiro autor interviu como mediador entre os resultados apresentados pelos dois primeiros autores e verificou se os estudos selecionados atenderam aos critérios de inclusão previamente estabelecidos.
As buscas foram realizadas em duas bibliotecas eletrônicas: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Scientific Electronic Library Online (Scielo); em sete bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Base de Dados de Enfermagem (BDENF), Índice Bibliográfico Espanhol de Ciências de Saúde (IBECS), ScienceDirect, Scopus e Web of Science; em um portal: Pubmed, e em um buscador acadêmico: Google Scholar. Para todas as bases de dados foram utilizados cinco Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): “Diagnóstico de enfermagem”, “Sexualidade”, “Idoso”, “Envelhecimento” e “Processo de enfermagem” e cinco Medical Subject Headings (MeSH): “Nursing diagnosis”, “Sexuality”, “Aged”, “Aging” e “Nursing process”. Para aumentar a probabilidade de encontrar maior quantitativo de estudos, foram realizadas cinco combinações com os DeCS (D1, D2, D3 D4 e D5) e cinco combinações com os MeSH (M1, M2, M3, M4 e M5), ambos intercalados com o operador booleano AND, conforme quadro 1.
Detalhou-se o quantitativo de estudos encontrados nas bases de dados, de acordo com as combinações, conforme tabela 1. Após esta etapa, os artigos foram submetidos à triagem para identificação, seleção, elegibilidade e inclusão dos que contemplarem à temática, conforme ilustrado na figura 1. Os critérios de inclusão foram artigos científicos originais, indexados, publicados nos últimos 20 anos (1999-2019), sem restrição de idiomas e disponíveis de forma gratuita para download. Foram excluídos todos os estudos não originais.
DECS | |
D1 | Diagnóstico de enfermagem; Sexualidade; Idoso; Envelhecimento;Processo de enfermagem |
D2 | Diagnóstico de enfermagem; Sexualidade; Idoso |
D3 | Diagnóstico de enfermagem; Sexualidade; Envelhecimento |
D4 | Processo de enfermagem; Sexualidade; Idoso |
D5 | Processo de enfermagem; Sexualidade; Idoso; Envelhecimento |
MeSH | |
M1 | Nursing diagnosis; Sexuality; Aged; Aging; Nursing process |
M2 | Nursing diagnosis; Sexuality; Aged |
M3 | Nursing diagnosis; Sexuality; Aging |
M4 | Nursing process; Sexuality; Aged |
M5 | Nursing process; Sexuality; Aged; Aging |
Fonte: Elaboração própria
Após selecionar os 15 artigos que se enquadraram nos critérios de inclusão, os cinco primeiros autores realizaram a leitura crítico-reflexiva de todos os estudos com o objetivo de codificar e identificar os principais elementos que respondessem à questão de pesquisa. Esse processo seguiu as diretrizes propostas por Severino19 para a leitura, análise e interpretação de textos: delimitação da unidade de leitura, análise textual, análise temática, análise interpretativa, problematização e síntese pessoal. A síntese pessoal foi transferida para dois quadros sinópticos elaborados pelos autores: o quadro 2 que evidencia a categorização dos estudos selecionados e o quadro 3 que evidencia os diagnósticos de Enfermagem para cada evidência encontrada nos estudos. Ressalta-se que, por se configurar um estudo de revisão da literatura, não houve necessidade de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, conforme Resolução nº 466/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde. Além do mais, no intuito de garantir a qualidade desta revisão, seguiu-se rigorosamente todos os quesitos exigidos pelo checklist PRISMA18.
Resultados
Dentre os artigos selecionados, prevaleceram aqueles publicados em periódicos brasileiros (73,3%)20-30, com abordagem qualitativa (46,6%)20,22-27, seguido do delineamento transversal (33,3%)21,31-34e selecionados por meio da base Google Scholar (46,6%)22,26-30,34, conforme quadro 2.
O quadro 3 demonstra as principais evidências dos estudos relacionadas à sexualidade dos idosos, além dos diagnósticos de enfermagem para cada evidência. Ressalta-se que os diagnósticos foram fundamentados de acordo com o pressuposto teórico da NANDA (2018-2020)12. Desse modo, considerando que a NANDA define os diagnósticos de Enfermagem como um “julgamento clínico” 12 e que o Enfermeiro é o profissional legalmente e cientificamente habilitado para realizar esse julgamento, todos os autores com a referida formação na área leram os artigos selecionados, identificaram nos artigos as situações relacionadas à sexualidade dos idosos e, por meio delas, fundamentando-se no julgamento clínico, traçaram os diagnósticos de enfermagem, formados por seus tulos, fatores relacionados, características definidoras ou populações em risco.
Ressalta-se que, a leitura que os autores fizeram para identificar tais situações, pode ainda ser considerada como a primeira etapa do Processo de Enfermagem - a coleta de dados, que de acordo com a Resolução 358/200935 , trata-se de um “processo deliberado, sistemático e contínuo, realizado com o auxílio de métodos e técnicas variadas, que tem por finalidade a obtenção de informações sobre a pessoa, família ou coletividade humana e sobre suas respostas em um dado momento do processo saúde e doença”.
DeCS/ MeSH | BVS | PUBMED | SCIELO | LILACS | BDENF | IBECS | SCIENCE DIRECT | SCOPUS | WEB OF SCIENCE | GOOGLE SCHOLAR |
D1 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 5 |
D2 | 6 | 0 | 2 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 5 |
D3 | 0 | 0 | 1 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 2 |
D4 | 10 | 0 | 4 | 0 | 0 | 0 | 1 | 0 | 0 | 3 |
D5 | 4 | 0 | 3 | 0 | 0 | 0 | 1 | 0 | 0 | 0 |
M1 | 0 | 6 | 0 | 0 | 0 | 0 | 2.162 | 0 | 0 | 0 |
M2 | 45 | 359 | 0 | 0 | 0 | 0 | 2.162 | 72 | 23 | 0 |
M3 | 1 | 25 | 0 | 0 | 0 | 0 | 2.744 | 6 | 23 | 0 |
M4 | 18 | 359 | 0 | 0 | 0 | 0 | 2,744 | 51 | 23 | 0 |
M5 | 7 | 14 | 0 | 0 | 0 | 0 | 2.744 | 2 | 23 | 0 |
TOTAL | 91 | 763 | 10 | 0 | 0 | 0 | 12.558 | 131 | 92 | 15 |
Fonte: Elaboração própria
Ver en pdf Quadro 2Categorização dos estudos selecionados.
Ver en pdf Quadro 3Diagnósticos de Enfermagem para cada evidência encontrada nos estudos.
Desse modo, traçou-se 29 diagnósticos distribuídos nos seguintes domínios: Promoção da saúde 3(10,3%); Atividade/repouso 3(10,3%); Percepção/cognição 4(13,9%); Autopercepção 5(17,2%); Papéis e relacionamentos 2(6,9%); Sexualidade 1(3,4%); Enfrentamento/tolerância ao estresse 3(10,3%); Princípios da vida 2(6,9%); Segurança/proteção 4(13,9%) e Conforto 2(6,9%), conforme descritos a seguir:
Domínio 1 - Promoção da saúde: Comportamento de saúde propenso a risco (00188), Manutenção ineficaz da saúde (00099) e Risco de síndrome do idoso frágil (00231).
Domínio 2 - Nutrição: Nenhum diagnóstico traçado.
Domínio 3 - Eliminação e troca: Nenhum diagnóstico traçado.
Domínio 4 - Atividade/repouso: Déficit no autocuidado para banho (00108), Déficit no autocuidado para higiene íntima (00110), Autonegligência (00193).
Domínio 5 - Percepção/cognição: Comunicação verbal prejudicada (00051), Disposição para comunicação melhorada (00157), Conhecimento deficiente (00126) e Disposição para conhecimento melhorado (00161)
Domínio 6 - Autopercepção: Risco de dignidade humana comprometida (00174), Desesperança (00124), Risco de distúrbio na identidade pessoal (00225), Risco de baixa autoestima situacional (00153), Distúrbio na imagem corporal (00118).
Domínio 7 - Papéis e relacionamentos: Tensão do papel de cuidador (00061), Relacionamento ineficaz (00223).
Domínio 8 - Sexualidade: Padrão de sexualidade ineficaz (00065).
Domínio 9 - Enfrentamento/tolerância ao estresse: Sobrecarga de estresse (00177), Risco de resiliência prejudicada (00211), Risco de sentimento de impotência (00152).
Domínio 10 - Princípios davida: Conflito de decisão (00083), Sofrimento moral (00175).
Domínio 11 - Segurança/proteção: Risco de infecção (00004), Risco de automutilação (00139), Risco de suicídio (00150), Risco de violência direcionada a si mesmo (00140).
Domínio 12 - Conforto: Conforto prejudicado (00214), Risco de solidão (00054).
Discussão
A promoção da saúde fundamenta-se no campo de formulações teóricas e se caracteriza como um espaço de ações práticas na realidade social. No contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), trata-se de uma importante estratégia para fomentar mudanças no modelo de organização dos serviços, contribuindo de maneira significativa na prevenção de doenças36. Assim, dentre os diagnósticos de promoção da saúde, o comportamento de saúde propenso a risco (00188) foi identificado em seis estudos23,25,26,29,32,34. Tal diagnóstico foi traçado considerando as evidências de que os idosos não se consideram população vulnerável às IST, possuem resistência quanto ao uso do preservativo e baixa taxa de testagem para rastreamento das referidas infecções.
Esses resultados demonstram a imprescindibilidade de atenção especial a esses fatores durante a assistência em saúde da população idosa, especialmente da Atenção Primária, pois diversos estudos10,37-40vêm alertando sobre o aumento da prevalência e incidência de IST nessa faixa etária. Além do mais, o número crescente dessas infeções na terceira idade refletem a ideia de que os próprios idosos, profissionais de saúde e sociedade acreditam que o envelhecimento reduz as chances de acometimento por alguma infecção sexual, por considerarem que os idosos são assexuados41. Em decorrência disso, ocorre a negligência da sexualidade entre esse grupo, o que favorece a manutenção do comportamento de risco e a cadeia de transmissão.
Em relação ao Domínio Atividade/Repouso, os diagnósticos Déficit no autocuidado para banho (00108) e Déficit no autocuidado para higiene íntima, foi traçado conforme as evidências encontradas em um estudo24 que aborda a sexualidade do cônjuge-cuidador do idoso em processo demencial. Os idosos que vivem com demência podem ter sua sexualidade preservada e desfrutada conforme a disposição e adaptação às limitações impostas pelo declínio cognitivo. Desse modo, os profissionais de saúde devem também considerar essa população como sexualmente ativa e prover meios para desfrutar a sexualidade como forma de promoção e proteção da saúde. Sustenta-se esse argumento em alguns estudos que evidenciam benefícios da sexualidade para os idosos com demência como a redução do impacto da demência na vida do casal42, melhor saúde mental e qualidade de vida43, redução das taxas de solidão43, além de potencializar a saúde e o bem-estar desses idosos44.
Entretanto, vale ressaltar que os idosos que cursam com algum tipo de demência podem ter alterações comportamentais evidenciadas por hipersexualidade, considerada um estado mórbido8. Esse estado de hipersexualidade pode se expressar através de atos libidinosos e expressões verbais sexualmente explícitas, nos quais devem ser reprimidos8,45. Portanto, ela não preenche os critérios para ser considerada uma sexualidade saudável e precisa de intervenção médica para sua redução.
No que concerne ao Domínio Percepção/Cognição, o diagnóstico Comunicação verbal prejudicada (00051) foi evidenciada em sete estudos20,21,23,24,26,27,31, em que se observou resistência dos idosos em falar sobre a sexualidade com profissionais ou familiares23,26, a questão da invisibilidade da sexualidade do idoso20, baixo nível de conhecimento sobre sexualidade21,27e necessidade de abordagem profissional sobre sexualidade24,31. Outro diagnóstico encontrado nesse domínio foi a Disposição para comunicação melhorada (00157) traçada por meio de evidências encontradas em dois estudos21,34. As evidências foram: o diálogo sobre sexualidade presente entre 68,8% dos idosos34 e a confirmação de que os idosos com maior grau de instrução evidenciaram mais atitudes favoráveis à sexualidade21.
A literatura evidencia constantes barreiras encontradas na comunicação entre idosos e profissionais da saúde. Dentre elas, a deficiência na formação acadêmica sobre a geriatria e gerontologia é identificada como um dos principais obstáculos46. Em decorrência disso, a maioria dos profissionais da Atenção Básica não adota a sexualidade como abordagem assistencial durante suas consultas devido a reprodução de práticas estritamente curativistas com foco central nos processos patológicos47. A comunicação em saúde é uma ferramenta estratégica no SUS que orienta a tomada de decisão e o desenvolvimento de práticas assistenciais voltadas à promoção da saúde48.Desse modo, pode-se afirmar que, dentre as principais funções da comunicação, destacam-se o entendimento do mundo e de algumas dimensões que nos cercam, o relacionamento com as demais pessoas e a autotransformação. Para o alcance da efetividade de uma comunicação, é necessário que haja interação entre o emissor e receptor para que toda a informação seja, de fato, compreendida49.
Além do mais, para que ocorra uma comunicação efetiva, torna-se necessário a criação de vínculos, mas percebe-se que os profissionais apresentam dificuldades em se aproximarem dos usuários ao ponto de investigar com maior profundidade as suas necessidades e investir no fortalecimento do vínculo. Os próprios usuários relatam que não se sentem acolhidos quando recorrem aos serviços de saúde e alegam falta de qualificação profissional que atenda às suas demandas50. Um estudo51 realizou um percurso cuidativo-educativo dialógico sobre sexualidade com mulheres idosas. As estratégias utilizadas por esses autores permitiram alcançar a eficácia da comunicação de tal modo que se mostraram como importantes ferramentas de cuidado, pois possibilitaram romper com o preconceito referente à sexualidade na terceira idade, promover a saúde das idosas e revelar novas formas de cuidar51.
No que diz respeito ao Domínio Autopercepção, nota-se os diagnósticos mais prevalentes: Risco de dignidade humana comprometida (00174)22,27,29, Risco de baixa autoestima situacional (00153)22,27,33e Risco de distúrbio na identidade pessoal (00225)22,27. Esses três diagnósticos compartilham evidências em comum que são a predominância da cultura machista no campo da sexualidade, associando-a à força, virilidade e aspectos físicos27; além da presença de patologias, modificações fisiológicas e o preconceito da família22 que interferem na expressão da sexualidade entre os idosos. Cita-se além disso, a disfunção sexual33, que pode gerar perda de autoestima e repercutir de forma significativa nos aspectos relacionados à autopercepção e perda da identidade pessoal, saúde, bem-estar e qualidade de vida, tanto na população feminina52-55quanto na masculina56-58.
Há ainda a prevalência no discurso de que a AIDS está associada a “grupos de risco” e de comportamento tido como imoral29. Esse discurso favorece com que os idosos se exponham a maior risco de adquirir IST, visto que, em seus pensamentos (autopercepção), estariam livres dessas doenças pois os mesmos acreditam não adotar práticas consideradas imorais, justificando, desta forma, o não uso de preservativos.
Em relação ao Domínio Papéis e Relacionamentos, traçou-se os diagnósticos Relacionamento ineficaz (00223) e Tensão do papel de cuidador (00061)entre casais em que um dos cônjuges sofre demência24. No contexto dos idosos sem alterações demenciais, diversos estudos2,22,46,59apontam a família como obstáculo, inibindo os idosos de vivenciarem sua sexualidade de maneira livre e plena. Nesta perspectiva, o enfermeiro deve estar atento a esses processos familiares e trabalhar de forma educativa a sexualidade com o as famílias de sua área de abrangência. Quando se trata de idosos com demência, deve-se considerar as repercussões da doença no contexto familiar, especialmente no membro que assume o papel de cuidador.As famílias cuidadoras acompanham toda a evolução da doença, expressadas por alterações físicas, cognitivas e comportamentais que interferem na rotina de cuidados e no campo afetivo, exigindo, portanto, mudanças de atitudes e comportamentos tanto do idoso quanto do cuidador que precisa se adaptar em cada fase do processo demencial60.
Essa adaptação, que apresenta uma característica progressiva, pode gerar sobrecarga nos familiares cuidadores, principalmente quando se trata do cônjuge cuidador. Como consequência dessa sobrecarga, os laços afetivos entre o casal podem sofrer influência justamente pela inversão de papeis observadas entre o ser que cuida e o ser que é cuidado.
No Domínio Sexualidade, foram traçados o diagnóstico Padrão de sexualidade ineficaz (00065) em quatro estudos22,24,27,33, relacionados à sobrecarga do cônjuge cuidador do idoso com doença de Alzheimer24; disfunção sexual33; associação errônea da sexualidade apenas para as pessoas jovens, viris e com porte físico condizente com os padrões de beleza impostos pela sociedade27; além do preconceito da família e das alterações fisiológicas, patológicas e biológicas expressadas pelos idosos22.
Possivelmente, considerando a importância da sexualidade entre a população idosa, a ciência avançou nos últimos anos, desenvolvendo diversas opções terapêuticas para a disfunção sexual. Dentre as opções, cita-se as próteses penianas, psicoterapia, hormonioterapia, procedimentos cirúrgicos, medicamentos orais e injetáveis, dentre outros8. Além do mais, precisa-se abordar a sexualidade dos idosos contrapondo aos estereótipos da sexualidade impostos pela sociedade e, especialmente, pelas redes midiáticas, que desconsideram a velhice no contexto da sexualidade61. Com isso, torna-se importante sustentar as práticas profissionais nas dimensões do cuidado integral em saúde e estimular os idosos a vivenciarem todas as dimensões da vida que lhes proporcionem bem-estar2.
No que se refere ao Enfrentamento/Tolerância ao estresse, predominou-se o diagnóstico Risco de resiliência prejudicada (00211) evidenciada em dois estudos22,33 referentes à disfunção sexual33 e as alterações biológicas, fisiológicas, patologias e preconceito da família22 que se destacaram por serem obstáculos que inibem a sexualidade dos idosos. A definição de resiliência vem sendo incorporada em diversos campos do conhecimento. Trata-se de um conceito originado na física, definindo-a como a capacidade de um determinado corpo em readquirir suas propriedades após modificações em sua forma primária oriundas de um agente externo62.Na saúde, indivíduos poucos resilientes, possuem maior exposição ao estresse e enfrentamento insuficiente frente às adversidades. Em decorrência disso, pode-se desenvolver sintomas depressivos, baixa autoestima, ansiedade, raiva e impulsividade63.
No Domínio Princípio da Vida predominou o diagnóstico Conflito de decisão (00083) em um estudo22, associado especialmente aos dilemas entre a permissão e negação da vivência da sexualidade frente aos preconceitos familiares. Define-se conflito de decisão como um estado de incerteza sobre o percurso de uma determinada ação. Além do mais, considera-se que o nível de incerteza é maior quando há confronto entre decisões que abrangem aspectos relacionados a altos riscos e benefícios, incerteza nos resultados e mudanças nos valores pessoais64. Vale ressaltar que, a família se posiciona como uma importante fonte de apoio e incentivo aos idosos. Entretanto, observa-se que a família reforça o preconceito sobre a sexualidade na velhice, ridicularizando-a e induzindo os idosos a reprimirem seus desejos. Em decorrência desse processo familiar, os idosos criam resistência na comunicação e não dialogam sobre o assunto com seus familiares22.
No que concerne ao Domínio Segurança/proteção, predominou-se nesse domínio o diagnóstico Risco de infecção (00004) em 10 estudos20,21,23,25,26,29-32,34associados à resistência e/ou não utilização do preservativo23,26,31,34baixa taxa de realização de testes rápidos32, pouca valorização aos testes de rastreamento31, não se consideram como vulneráveis às IST25,29, e deficiência no conhecimento sobre a sexualidade e/ou infecções por via sexual20, 21,30.
Já no Domínio conforto, houve predominância dosdiagnósticos Conforto prejudicado (00214)22,24 e Risco de solidão (00054)22,24, associados à sexualidade do cônjuge cuidador de idoso com doença de Alzheimer24 e nas questões referentes aos idosos que convivem com o preconceito familiar22. Essas situações geradoras de estresse e sobrecarga psicossocial podem trazer impactos nas relações afetivas e sexuais dos idosos, o que demonstra a necessidade de maior atenção aos idosos que lidam com processos demenciais e convivem com famílias disfuncionais.
Vale ressaltar que, embora tenhamos traçado 29 diagnósticos de enfermagem, podem existir outros diagnósticos relacionados à temática, que não foram evidenciados no presente estudo devido a limitação quantitativa de artigos que investigam a sexualidade na terceira idade, o que impossibilitou a identificação de mais evidências que sustentassem a identificação de mais diagnósticos. Por conseguinte, acredita-se que a incorporação de práticas baseadas em evidências concernentes à sexualidade dos idosos podem ser uma ferramenta útil na identificação de mais diagnósticos e evidências relacionadas à sexualidade na velhice.
Esse estudo apresenta potencial para nortear e facilitar a assistência de enfermagem frente à sexualidade desse grupo etário, abordando os principais diagnósticos de enfermagem traçados a partir das evidências encontradas em artigos originais, nacionais e internacionais. Não obstante, sugere-se que estudos futuros revelem intervenções de enfermagem eficazes relacionadas à sexualidade de idosos e com isso, fortaleçam a proposta de envelhecimento ativo.
Conclusão
A maioria das situações relacionadas à sexualidade dos idosos encontradas no presente estudo foram as relacionadas com a autopercepção, o que nos permitiu traçar os diagnósticos de enfermagem com maior prevalência do Domínio 6 - Autopercepção da NANDA. Nesse domínio, foram traçados os seguintes títulos dos diagnósticos: Risco de dignidade humana comprometida (00174), Desesperança (00124), Risco de distúrbio na identidade pessoal (00225), Risco de baixa autoestima situacional (00153), Distúrbio na imagem corporal (00118).
Isso nos faz refletir sobre o poder que cada indivíduo detém, adquirido por meio da evolução de toda conjuntura político-social, que em diversas épocas moldam as suas crenças, atitudes e comportamentos. Nesta perspectiva, recomenda-se que a enfermagem deve estar atenta com mais profundidade aos aspectos que permeiam a subjetividade e os valores pessoais dos idosos, especialmente, os aspectos relacionados com a sexualidade nessa faixa etária para que de fato, seja alcançada a integralidade assistencial por meio de ações holísticas em saúde.
CONFLITO DE INTERESSE
Os autores declaram não haver conflitos de interesses