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Enfermería Actual de Costa Rica

On-line version ISSN 1409-4568Print version ISSN 1409-4568

Enfermería Actual de Costa Rica  n.39 San José Jul./Dec. 2020

http://dx.doi.org/10.15517/revenf.v0i39.38784 

Artículos Originales

O enfrentamento do tratamento da doença falciforme: desafios e perspectivas vivenciadas pela família

El enfrentamiento del tratamiento de la enfermedad falciforme: desafíos y perspectivas vivenciadas por la familia

Coping with the treatment of sickle cell disease: challenges and perspectives experienced by the family

Rhalliete Souza 1 
http://orcid.org/0000-0003-4450-9493

Brenda do Socorro Gomes da Cunha2 
http://orcid.org/0000-0002-0772-4293

Elenilda Farias de Oliveira3 
http://orcid.org/0000-0001-8544-5161

Ana Joyce Araújo4 
http://orcid.org/0000-0003-1478-9439

Viviane Silva de Jesus5 
http://orcid.org/0000-0001-6869-3980

Ohana Cunha do Nascimento6 
http://orcid.org/0000-0002-6538-6851

1. Enfermeira. Discente Gestão em Gestão Pública. Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Correio eletrônico: rhallietesouza@gmail.com

2 . Enfermeira, especialista em Saúde Pública pela Universidade Federal Fluminense. Docente na Instituição de Ensino FAM. Correio eletrônico: brendacunha350@gmail.com

3. Enfermeira. Doutora em enfermagem. Professora da Faculdade Adventista da Bahia. Brasil. Correio eletrônico: didafarias@yahoo.com

4. Discente em enfermagem da Faculdade Adventista da Bahia. Brasil. Correio eletrônico: annajoyces2@hotmail.com

5. Mestra. Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia e Pitágoras Medicina Eunápolis. Correio eletrônico: vivi_humaniza@hotmail.com.

6. Enfermeira. Especialista em saúde mental. Mestre em saúde coletiva - UEFS. Docente na Universidade Estadual de Feira de Santana e Universidade Salvador. Correio eletrônico: ohana.cunha@hotmail.com.

Resumo

A doença falciforme é um distúrbio hemolítico grave causado por mutação genética, o que ocasiona a produção da hemoglobina S mutante. Este estudo teve como objetivo compreender a forma de enfrentamento dos familiares frente ao tratamento da doença falciforme. Trata-se de uma pesquisa de campo, com uma abordagem qualitativa. O estudo utilizou como base entrevistas realizadas com mães de crianças e adolescentes com doença falciforme assistidas pelo Centro de Referência de uma cidade do estado da Bahia, Brasil, no ano de 2017. Com base nas informações coletadas foi possível perceber que pessoas com anemia falciforme, durante boa parte da vida, requerem tratamentos específicos que poderão ser executados por elas mesmas ou com ajuda e encorajamento de outras pessoas, em geral familiares. É muito importante refletir sobre a efetividade do tratamento não só do ponto de vista técnico como também sob a ótica do paciente, de sua família e da sociedade.

Descritores: Anemia-Falciforme; Dor; Tratamento.

Resumen

La enfermedad de falciforme es un trastorno hemolítico grave causado por la mutación genética, lo que ocasiona la producción de la hemoglobina S mutante. Este estudio tuvo como objetivo comprender la forma de enfrentamiento de los familiares frente al tratamiento de la enfermedad falciforme. Se trata de una investigación de campo, con un enfoque cualitativo. El estudio utilizó como base entrevistas realizadas con madres de niños y adolescentes con enfermedad falciforme asistidas por el Centro de Referencia de una ciudad del estado de Bahía, Brasil, en el año 2017. Con base en las informaciones recogidas fue posible percibir que personas con anemia falciforme durante buena parte de la vida, requieren tratamientos específicos que pueden ser ejecutados por ellas mismas o con ayuda y atención de otras personas, en general familiares. Es muy importante reflexionar sobre la efectividad del tratamiento no sólo desde el punto de vista técnico, sino también, bajo la óptica del paciente, de su familia y de la sociedad.

Descriptores: Anemia-de-Células-Falciformes; Dolor; Tratamiento.

Abstract

Sickle cell disease is a serious hemolytic disorder caused by genetic mutation, which causes production of the mutant hemoglobin S. The objective of this paper was to understand how family members cope with the treatment of sickle cell disease. This is a field research with a qualitative approach. The study used as a basis interviews conducted with mothers of children and adolescents with sickle cell disease assisted by the Reference Center of a city in the state of Bahia, Brazil, in the year 2017. Based on the information collected it was possible to perceive that people with sickle cell anemia during good require specific treatments that may be performed by themselves or with the help and encouragement of others, usually family members. It is very important to reflect on the effectiveness of treatment not only from the technical point of view but also from the point of view of the patient, his family and society

Descriptors: Pain; Sickle-Cell-Disease; Treatment.

Introdução

A Doença Falciforme (DF) é uma doença genética, crônica degenerativa, que apresenta severas intercorrências, principalmente nos primeiros cinco anos de vida, com alto índice de morbimortalidade, consequente à complicações vaso-oclusivas como crises recorrentes de dor, síndrome torácica aguda, sequestro esplênico, priaprismo, necrose asséptica de ossos e acidentes vasculares cerebrais1.

Os portadores de DF são acometidos desde o início de suas vidas pelos fenômenos de vaso-oclusão, que têm como consequência a lesão tecidual irreversível dos diferentes órgãos. Tais lesões são responsáveis pela manifestação clínica mais característica da DF, que é a dor em extremidades, região lombar, abdome ou tórax. A crise álgica manifesta-se, comumente, a partir dos 24 meses de vida2.

A algia é a causa mais comum de procura ao serviço de emergência pelo paciente e, muitas vezes, resulta em internação hospitalar. Em virtude da gravidade dos sinais e sintomas da doença, da alta incidência e morbimortalidade, foi implantado, a partir de 2001, no Brasil, o diagnóstico precoce das hemoglobinopatias pela triagem neonatal / Teste do Pezinho3.

A triagem neonatal visa detectar a DF de maneira mais rápida, possibilitando a condução de tratamento mais qualificado, tornando possível a prevenção das complicações, minimizando as intercorrências e, consequentemente, aumentando a sobrevida com melhoria da qualidade de vida dos portadores2.

Vale ressaltar que, os tratamentos específicos para a DF ainda são inexistentes, o que justifica a relevância do diagnóstico precoce. Após a constatação da enfermidade, iniciam-se os protocolos de tratamento estabelecidos por grupos cooperativos nacionais ou internacionais, baseados essencialmente na combinação de diferentes medicamentos de uso contínuo e tratamento de suporte. Devido à intensidade do tratamento é importante que ele ocorra em centro especializado no tratamento de doenças hematológicas3.

A partir do exposto e diante das dificuldades enfrentadas pelas famílias no tratamento de suas crianças, apresenta-se a questão: Quais os meios para tratar a dor na doença falciforme? Com intuito de responder esta questão, foi estabelecido como objetivo compreender a forma de enfrentamento dos familiares frente ao tratamento da DF em crianças. Desta forma, espera-se que, com a realização do presente estudo, seja possível incentivar reflexões sobre a importância de construir novas estratégias de promoção à saúde, por meio de ações que visem oferecer subsídios para a implementação de políticas públicas voltadas para a melhoria da qualidade de vida desses pacientes.

Materiais e métodos

A população estudada compreendeu sete pais/responsáveis de crianças (2 a 11 anos) e adolescentes (12 a 18 anos) diagnosticados com DF, que eram acompanhadas pelo centro de referência e que estavam disponíveis para participação na pesquisa no momento de sua realização. Para fins de anonimato, a identidade das entrevistadas foi substituída por nomes de mulheres africanas.

A pesquisa foi realizada através de uma abordagem qualitativa, que tem como finalidade evidenciar os fatores subjetivos pertinentes às abordagens temáticas do estudo proposto. Sobre o estudo qualitativo “considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números”4.

O presente estudo teve como cenário o município de Feira de Santana, Bahia, Brasil, localizado no Recôncavo Baiano, a 116 quilômetros da capital, onde está situado o Centro de Referência e Atendimento a Pessoas com Doença Falciforme. Segundo a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia em 2017 foi registrado o total de 548 casos de transtornos falciformes no estado da Bahia, desses 512 na cidade de Salvador, e um caso notificado no município de Feira de Santana5.

As entrevistas ocorreram nos meses de junho a novembro de 2017. A coleta de dados ocorreu através de entrevista semiestruturada, com a seguinte questão norteadora: O que você faz quando seu filho apresenta crise de dor? As entrevistas foram gravadas após consentimento dos participantes e seus áudios serão arquivados por um período de cinco anos. Foram realizadas na sede do centro de referência e os áudios foram transcritos e submetidos à análise qualitativa proposta por Laurence Bardin6.

Os dados foram sistematizados por meio do método de análise de conteúdo temática, seguindo as fases de pré-análise, exploração do material, tratamento, inferência e interpretação dos resultados obtidos. Para organização das entrevistas foram utilizados o Pacote do Microsoft Office Word e Excel. Com base no processo de sistematização, o material empírico foi agrupado por semelhanças e diferenças, possibilitando a emersão de categorias temáticas, a saber: “Adoção de práticas alternativas”, “Automedicação para dor” e “Terapêutica realizada no hospital”.

Considerações éticas

Aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade Adventista da Bahia (Parecer nº 2.968.064). A pesquisa atendeu aos preceitos estabelecidos na Resolução 466/2012 de não maleficência, beneficência, voluntariedade, proteção da dignidade, respeito à liberdade e à decisão do participante. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

No que tange ao tratamento da algia na DF, as mães revelaram diferentes recursos que são utilizados na abordagem da dor. As principais práticas citadas referiam-se a terapias alternativas, automedicação e assistência hospitalar, além de também citarem como faziam para obter a medicação. A percepção da mãe acerca da dor influenciava na escolha de algum método de intervenção para alívio da dor, conforme descrito nas categorias a seguir:

Adoção de Práticas alternativas

As mães adotavam diferentes terapias alternativas como a utilização de remédios naturais, chás, massagens ou atendiam aos desejos de seus filhos, embora também compreendessem que em alguns momentos tais práticas não eram suficientes.

Minha filha faz uso de alguns remédios naturais. Ela gosta de chá de erva-doce, camomila, cidreira, capim santo e quioiô. (Zuri)

Quando minha filha sente dor, eu dou massagem para relaxamento e realizo alguns desejos para favorecer sua recuperação mais rápida. (Zahra)

Eu passo a mão suavemente sobre o local da dor, o que contribui para aliviar, porém às vezes ela é tão forte que nem isso ajuda. (Bejide)

Automedicação para dor

A prática da automedicação no tratamento da algia também foi evidenciada. Através das suas vivências, as mães demonstraram habilidade em reconhecer os aspectos clínicos da doença, o que lhes permitiam avaliar a intensidade da dor, a escolha do medicamento, intervalos de administração, a resposta da criança diante da terapia e, inclusive, necessidade de encaminhamento para o serviço de saúde, no caso de tais medidas não serem eficazes.

Quando ela está com crises álgicas, eu não ofereço tratamento natural. Procuro saber quando começou, sua duração e intensidade. Eu também apalpo o lugar que ela esta referindo dor e vejo se tem alguma alteração. Dependendo da localização, eu administro a medicação, segundo a prescrição médica: dipirona, ibuprofeno ou paracetamol. A partir disso, eu observo se a dor cessará e mantenho em observação. Se a medicação não fizer efeito, eu a levo direto para a emergência. (Zuri)

Quando meu filho começa a sentir dor, eu administro dipirona de 6/6 h e intercalo com ibuprofeno ou cetoprofeno de 8/8 h. (Ramla)

Quando a dor está fraca ou se ele reclama da circulação, das articulações, dos braços, das pernas, eu administro ibuprofeno. Se a dor melhorar e ele não tiver febre, não precisa procurar atendimento. Mas se ele tiver febre, eu vou pro hospital. (Zuhaila)

Terapêutica realizada no hospital

A despeito da adoção de terapias distintas no manejo da dor, por vezes era necessário o acompanhamento em nível hospitalar, nos casos em que a abordagem domiciliar não era eficaz. Nessas situações, as genitoras relataram a prescrição medicamentosa de venóclise, analgésicos, antibióticos ou transfusão sanguínea.

É administrado o soro com a medicação e os sintomas vão passando aos pouquinhos. Ela nunca tomou bolsa de sangue. (Bejide)

O médico dela prescreveu dipirona em caso de crises álgicas. (Nyimbo)

Ele recebe a transfusão sempre que a hemoglobina está muito baixa. Durante o tratamento, ele ainda usa analgésicos e antibiótico. (Shahida)

Discussão

As mães entrevistadas revelaram uma variedade de recursos, os quais elas faziam uso para tratamento dos sinais apresentados por seus filhos com DF. Esse achado tem íntima relação com o fato de que as pessoas com anemia falciforme, ao longo da vida, requerem cuidados específicos que poderão ser executados por elas mesmas ou com ajuda e encorajamento de outras pessoas, em geral familiares7.

A patologia é caracterizada por uma variedade de sintomas que o paciente manifesta. Importante sinalizar que a dor se destaca pela frequência e intensidade com a qual ocorre, como tem sido mostrado em pesquisa internacional realizada em Kinshasa, República Democrática do Congo, África. A crise álgica foi a primeira causa de hospitalização e representa 37,6% dos eventos agudos, sendo os ossos a localização mais comum, representando 57,3% dos episódios8.

Diante disso, a enfermagem, no cuidado direto às pessoas com doença falciforme, tem como meta o alívio da dor, com base em uma avaliação integral. Isto implica que o enfermeiro conheça a fisiologia da dor, com vistas à implementação de práticas educativas junto a essas pessoas, identificando e prevenindo crises álgicas para reduzir complicações, bem como incentivando ações de autocuidado7.

Ainda relacionada à dor, geralmente associada como causa, tem-se a vaso-oclusão. Estudo realizado na Universidade de Washington evidenciou que 60% dos pacientes com a DF terão pelo menos uma vaso-oclusão anualmente e 20% terão múltiplos episódios que requerem cuidados hospitalares”9.

Para alívio da dor, as mães recorriam a algumas opções de tratamento que eram conhecidas por sua eficácia, como hidratação venosa, analgésicos, antibióticos com finalidade profilática e suplementos vitamínicos. O tratamento da DF incluía a suplementação de ácido fólico, analgésicos, anti-inflamatórios, hidroxiuréia (para pacientes que se adequassem ao protocolo), hidratação venosa nas crises álgicas, realização de transfusão sanguínea, o uso profilático de antibióticos (em menores de 5 anos de idade), imunizações periódicas e do tratamento específico das complicações secundárias à doença10.

Tais medicamentos poderiam ser de uso hospitalar ou domiciliar, conforme a necessidade da criança durante a crise álgica. No ambiente hospitalar, os fármacos mais utilizados após a admissão dos pacientes são os opióides como a morfina, oxicodona e hidromorfona. Em um estudo realizado pela Rede de Pesquisa Aplicada em Cuidados Pediátricos de Emergência os autores revelaram que pacientes que tiveram opióides orais iniciados nas primeiras 24 horas tiveram melhor alteração nos escores da qualidade de vida relacionada à saúde durante a alta, em comparação com aqueles que tiveram opióides orais iniciados após 24 horas, cujos escores apresentaram decréscimo”11.

Os episódios vaso-oclusivos podem interromper a qualidade de vida das crianças com DF, com ramificações psicológicas, como transtorno de estresse pós-traumático, falta de confiança nos profissionais de saúde e percepções alteradas de futuros procedimentos médicos. Ademais, crianças com a DF, hospitalizadas por um vaso-oclusão, têm uma duração média de permanência de 4,5 dias, contribuindo para redução ainda mais acentuada da qualidade de vida destes infantes9.

A dor durante a crise álgica, ou crise falcêmica, como é conhecida, apresenta particularidades que a diferenciam de outras modalidades de dor, como forte intensidade e elevada frequência. Durante as pesquisas identificaram-se três tipos de dor na doença falciforme, com diferentes gêneses: crises dolorosas agudas recorrentes, síndromes de dor crônica e dor neuropática. As crises agudas são a característica principal da doença falciforme e a principal causa de hospitalização entre os indivíduos portadores da doença. Pode ser desencadeada por diversos fatores - muitos deles desconhecidos - e por conta disso é difícil prever sua ocorrência. A dor neuropática é associada a sensações como dormência, formigamento e dor em pontadas ou agulhadas e tende a aumentar com a exposição ao frio ou calor. Ela pode ser resultante de lesão ou disfunção de nervos periféricos ou centrais ou ainda de lesão de tecidos decorrente de vaso-oclusão12- 13.

Por fim, a dor crônica na DF, assim como nas diversas enfermidades de longo prazo ou de duração indefinida, que é caracterizada por desconforto persistente, presença de hiperalgesia e alodínia, além de apresentar altos custos em saúde, pois a mesma apresenta alterações neurológicas/psiquiátricas como distúrbios do sono, depressão e ansiedade14.

Deste modo, a severidade da algia implica na necessidade de tratamento imediato, sendo, portanto, necessária a utilização da medicação dentro do ambiente doméstico. O uso de fármacos, nessas situações, pode ser considerado automedicação, momento em que o paciente escolhe qual droga utilizar, além das demais questões que envolvem a administração de determinado medicamento. Contudo, em se tratando de uma dor cuja frequência é elevada, essa prática torna-se positiva, uma vez que limita a procura pelo atendimento hospitalar, o que poderia contribuir para superlotação das emergências e custos10-12.

A terapia medicamentosa no domicílio para crianças e adolescentes portadores de DF é essencial para a continuidade da assistência e melhora do prognóstico. Para tanto, é fundamental que os cuidadores sejam preparados e orientados pelos profissionais para realizarem a correta administração das drogas, minimizando os erros e evitando consequentes riscos à criança e a si mesmos12. Essa prática tem sido reforçada por estudos na área de educação em saúde que estimula o autocuidado pelos pacientes e seus acompanhantes/responsáveis10.

Sendo assim, as mães foram orientadas pelos profissionais de saúde sobre como proceder para conseguir reconhecer as manifestações clínicas que seus filhos expressavam e ter autonomia para decidir por quais medicamentos e suas posologias. Nesse sentido, faz-se necessário as mães conhecerem as características clínicas da doença e os cuidados necessários durante as crises álgicas, o preparo e administração dos medicamentos no domicílio, bem como de seus efeitos adversos12.

Para além do uso de medicações alopáticas no tratamento da dor na doença falciforme, as mães, por vezes, recorriam ao uso de terapias alternativas, em estudo realizado em Kinshasa, República Democrática do Congo, na África. Alguns pacientes já adultos demonstraram certa frequência na procura por casas de oração ou serviços de curandeiros tradicionais”8. No presente estudo, as principais práticas evidenciadas foram uso de chás, massagens, oléo e gel, amplamente discutidas na literatura nacional e internacional que apresentaram sua eficácia e eficiência.

Práticas integrativas e complementares em saúde são regulamentadas como recursos terapêuticos, principalmente com o uso de plantas medicinais associadas à alimentação9, 14,15. Alguns princípios ativos de plantas medicinais vêm sendo estudados na DF para que possam proporcionar maior estabilidade à hemácia, atuar como agentes anti-falcização e melhorar o prognóstico e a saúde dos pacientes10,16.

Alguns estudos científicos têm apontado que o feijão guandu (Cajanus cajan (L.) Millsp - Fabaceae) seja um importante agente medicinal que atue, minimizando algumas complicações da DF através da inibição da falcização 10, 17. De modo semelhante, na Nigéria, o extrato aquoso da semente de C. cajan tem sido formulado e administrado para pacientes com DF com melhora na frequência de crises álgicas. No Brasil, não há existência de pesquisas que avaliem o uso dessas sementes nos pacientes com DF. Aqui, a fenilalanina tem sido apontada como o princípio ativo mais estudado que atuaria na reversão de hemácias falcizadas10.

Interessante ressaltar que uma mãe também desvelou a necessidade de satisfação de desejos pessoais de seus filhos, como uma forma de modificar a percepção cerebral da dor, o que pode ser justificado pela ativação de vias relacionadas ao sistema de recompensa, que servem para distrair a criança do foco principal e latente que é a dor, buscando desviar sua atenção. Essa prática justifica-se, uma vez que a dor é um processo físico, psíquico, e social, sendo, portanto, importante a implantação destas formas de tratamento para a dor, abrangendo tais aspectos18.

Há uma necessidade de acompanhamento dessas pessoas por uma equipe interdisciplinar, durante cada fase da vida, devendo-se respeitar as suas particularidades. Para isso, as Unidades de Saúde da Família (USFs) são responsáveis não só pelo diagnóstico precoce da anemia falciforme, mediante a triagem neonatal e o acompanhamento das pessoas adoecidas, como também pelos cuidados preventivos voltados para a educação em saúde e o planejamento para o autocuidado direcionado para cada etapa da vida19.

A despeito de que tais práticas supracitadas sejam eficazes, por vezes não são suficientes para promover o alívio da dor, sendo necessário, nesses casos, recorrer ao tratamento em ambiente hospitalar. Em estudo da Rede de Pesquisa Aplicada Pediátrica de Emergência, Salt Lake City, UT, é comum a procura pelo setor de emergência devido ao avento de dor, sendo esta a complicação mais comum da DF e é a principal causa das visitas ao departamento de emergência e hospitalizações para crianças que sofrem da doença11. Essa procura pelo serviço de saúde traz à mãe a segurança e a garantia da resolubilidade do problema de saúde de seus filhos, o que requer experiência e preparo profissional, além do acolhimento como tem sido mostrado no estudo13.

Perante a isso, percebe-se que a enfermagem tem um importante papel nesse processo de tratamento, pois, deve-se adotar a filosofia do autocuidado em indivíduos que vivem com anemia falciforme, a fim de despertar nessas pessoas o poder de gerenciar o autocuidado, estimulando o desenvolvimento do espírito crítico e reflexivo sobre a doença, a qualidade de vida, sua longevidade e o exercício do direito de cidadania. No entanto, para que essas ações tornem-se reais, é preciso que sejam subsidiadas por conhecimento científico e prático, pois, só assim, essa pessoa tornar-se-á independente e terá autonomia sobre o seu tratamento19.

Ademais, as evidências científicas reveladas neste estudo permitiram direcionar a enfermagem para uma gestão do cuidado, através da implantação do acolhimento e da humanização do atendimento, de modo a garantir o atendimento específico às necessidades de cada criança. Pode-se acrescentar, ainda, ações de educação em saúde com enfoque para o reconhecimento dos sinais e sintomas da DF, com vistas ao manejo terapêutico domiciliar adequado. Essas ações podem proporcionar uma assistência acolhedora, contribuindo para a saúde e qualidade de vida das crianças.

Conclusões

A elevada frequência na manifestação de sinais e sintomas por pacientes com doença falciforme revelam a importância da prestação do cuidado, seja no ambiente domiciliar ou hospitalar. O autocuidado e o atendimento ofertado pela equipe de profissionais na unidade de saúde são imprescindíveis, neste contexto. Deste modo, é necessário que os profissionais de saúde que prestam assistência ao paciente com doença falciforme reflitam sobre a efetividade do tratamento não só do ponto de vista técnico como também, sob a ótica do paciente, de sua família e da sociedade.

Deve-se partir da premissa que a doença é crônica, permeada por crises agudas e que não pode ser curada. É também fundamental buscar conhecer e entender os processos pelos quais esses indivíduos são conduzidos a viver. Não há dúvida que apenas a abordagem técnica não nos permite resolver as questões centrais sem considerar a profundidade dos significados da doença e da dor para aquele indivíduo. Desta forma, o modelo médico tradicional, no qual o paciente adota uma atitude passiva, deve ser rejeitado, dando lugar a uma relação mais igualitária, na qual o paciente passa a ser visto como parte ativa na tomada de decisões de seu tratamento.

Conflito de interesse

Os autores declaram que não possuem conflito de interesse de qualquer natureza relacionado ao artigo.

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Recebido: 28 de Agosto de 2019; Aceito: 09 de Março de 2020

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