Introdução
A morte está presente no cotidiano das vivências coletivas e na formação dos trabalhadores da saúde, porém ainda é uma temática que é tratada de forma técnica e carregada de tabus nos distintos espaços de assistência a saúde1.
Apesar da morte ser um fenômeno parte do processo natural da vida e uma ocorrência constante no cotidiano dos profissionais de saúde, estes ainda a veem como uma inimiga a ser vencida, ou quando não conseguem vencê-la, sentem-se na condição de derrotados.
Percebe-se que de fato a morte é tida como um acontecimento atemorizante, condição esta que precisa ser desconstruída e, para tanto os conhecimentos sobre Tanatologia e os Cuidados Paliativos podem ser o início deste diálogo.
Tais abordagens são de fundamental importância diante do arcabouço de saberes que visam proporcionar ao paciente e sua família, reflexões e atitudes de resiliência de modo a ajudar a melhor convivência com a situação de adoecimento do ente querido e a proporcionar dignidade no processo de morrer e na morte. Os principios norteadores dos cuidados paliativos têm como foco principal a qualidade de vida e a dignidade humana2.
Historicamente os Cuidados Paliativos têm tido um impacto social positivo com repercussão na saúde das pessoas em processo de morrer 1-2. O movimento moderno pelos cuidados paliativos teve início a partir dos esforços de uma grande personalidade, a enfermeira, assistente social e médica inglesa Cicely Saunders, a idealizadora e criadora, na década de 1960, do St. Christopher Hospice na cidade de Londres no Reino Unido. Sendo este um fato marcante no modo de assistir a pessoa que está morrendo, de forma integral, com respeito a sua autonomia e a dignidade humana3.
Para cuidar com foco na abordagem dos cuidados paliativos, faz-se necessário uma atuação em equipe interdisciplinar, com formação especializada com ênfase numa comunicação compassiva, atenção à família e conhecimento no manejo de sintomas2. Nesse contexto, a enfermeira tem um papel relevante na composição da equipe, de modo a atuar juntamente com o médico e demais profissionais da equipe multidisciplinar4.
O cuidado com a família é parte essencial desse processo, a qual integra a unidade de cuidados - paciente/familia e deve ser vista e assistida pela equipe de cuidados paliativos, fortalecendo os vínculos entre família, paciente e equipe, em busca por alcançar um resultado satisfatório nessa fase tão difícil que é o processo de morrer5. Para tal,a comunicação é o pilar dessa convivência e, em prol de um patamar eficiente e eficaz é preciso estabelecer um diálogo aberto, de confiança mútua e verdadeira, de modo que o plano terapêutico seja construído e acordado entre paciente, família e equipe. Dentre os instrumentos de comunicação, pode ser citada a conferência familiar como uma das formas de abordagem terapêutica que oportuniza o tripé: paciente, família e equipe a desenvolver uma comunicação afetiva e efetiva6.
Para além dos cuidados com a família, o trabalho em equipe baseado numa comunicação compassiva, é imprescindível e deve buscar uma atenção especial no controle dos sintomas no paciente em cuidados paliativos, em especial a dor crônica, a qual por si só, já compromete a qualidade de vida dos pacientes com doenças terminais. Assim, é necessário que haja um monitoramento eficaz para controlar e diminuir esse efeito, tornando sua prevenção um meio viável para que o sofrimento possa ser aliviado7.
Pressupõe-se que conhecer como a família percebe o cuidado com a dor crônica, pode proporcionar oportunidade de reflexões por parte da equipe sobre mudanças de paradigmas na assistência à pessoa em cuidados paliativos, com ênfase no melhor manejo da dor e no alívio do sofrimento. Nessa perspectiva, surgem as seguintes perguntas de investigação: Qual a perspectiva da família diante do controle da dor crônica em seu ente querido em cuidados paliativos? E, quais as estratégias utilizadas pelo familiar/cuidador no lidar com a dor crônica de seu ente querido? Assim, o presente artigo tem como objetivo conhecer a perspectiva do familiar/cuidador no enfrentamento da dor crônica do seu ente querido em cuidados paliativos.
Metodología
Trata-se de um estudo exploratório e descritivo, de abordagem qualitativa, que buscou analisar os dados levantados por meio de entrevistas semiestruturadas com familiares cuidadores de pacientes em cuidados paliativos e com relato de dor crônica, na região do Piemonte da Chapada Diamantina no Norte do Itapicuru, Bahia, Brasil. A aproximação com os participantes do estudo ocorreu por meio da Técnica da Bola de Neve, a qual busca identificar participantes a partir de redes de convivências/sociais como forma de obter sua população de estudo. A indicação vem de uma pessoa chave que deu a recomendação de uma fonte de informação e fez a primeira intermediação entre pesquisador e participante ampliando assim o leque de participantes do estudo8.
Foram adotados como critérios de inclusão: ser familiar/cuidador de pessoa com doença oncológica, relato de dor crônica e ser maior de dezoito anos. E como critérios de exclusão: ausência de queixa de dor crônica e o cuidador principal não ser um familiar. Todos os participantes foram esclarecidos e após o aceite em participar da pesquisa, assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE).
As entrevistas ocorreram em local reservado, em data e hora previamente agendadas, nos meses de janeiro a abril de 2018, foram audiogravadas e em seguida transcritas para posterior análise, a qual ocorreu com base na Técnica de Análise de Conteúdo de Bardin9. A coleta dos dados foi encerrada no momento em que foi identificado os sinais de saturação, ou seja, ponto no qual não se obtinha nenhuma nova informação sobre o fenômeno em estudo.
A análise dos dados seguiu o fluxo metodológico conforme recomenda a Técnica de Análise de Conteúdo9: 1) pré-análise - realizada por meio da leitura exaustiva das falas em busca de melhor conhecer, compreender e interpretar o conteúdo nelas impressos; 2) exploração do material - etapa em que ocorreram os recortes das entrevistas, o que originou as unidades de registro e em seguida as unidades de significado; 3) tratamento dos resultados - como etapa final de análise, possibilitou emergir as categorias de maior relevância em relação ao objeto de estudo, as quais posteriormente foram discutidas de acordo com a literatura correlata.
Da análise, emergiram quatro categorias temáticas: 1) Sentimentos vivenciados por familiares/cuidadores; 2) Uso limitado de analgésicos como recurso terapêutico para controle álgico; 3) Desconhecimento das terapias não farmacológicas no manejo das crises álgicas e, 4) A comunicação como recurso terapêutico de suporte nas crises álgicas.
Considerações éticas
O estudo foi apreciado e aprovado pelo Conselho de Ética e Pesquisa/UNEB sob o n° 2.245.482/2017, sendo respeitados os preceitos éticos e legais concernentes às investigações com seres humanos, conforme preconizam as resoluções n°466 de 12 de dezembro de 2012 e nº 510 de 07 de abril de 2016, do Conselho Nacional de Saúde 9-10.
Resultados
Caracterização dos familiares/cuidadores - participantes do estudo
Dos nove participantes, sete eram mulheres e dois homens, com idade que variou entre 27 e 65 anos. Todos informaram ser o cuidador principal e familiar do paciente. Os pacientes apresentavam diagnóstico clínico de doença oncológica e histórico de dor crônica. Quanto ao tempo de prestação dos cuidados, este variou entre dois meses e cinco anos. Quanto à religião seis declararam o catolicismo; dois, o protestantismo e um, declarou-se sem religião. Sobre o nível de escolaridade, dois participantes informaram ter nível superior; quatro, com nível médio; dois, com ensino fundamental completo e um, não escolarizado.
Categoria 01: Sentimentos vivenciados por familiares cuidadores
Devido à ação devastadora da doença, em especial a doença oncológica, que foi parte do cenário dos participantes deste estudo, foi possível inferir que os sentimentos de medo, medo da morte, do desconhecido, a angústia, insegurança e impotência, foram aqueles que mais marcaram as falas dos familiares/cuidadores em relação ao cuidado do seu ente querido com dor crônica. Como pode ser observado nos fragmentos de falas apresentados a seguir: Bastante medo. O nome câncer traz junto uma sentença de morte. (F1) Trouxe medo e angústia, hoje em dia quando alguém fala de que alguém faleceu que a gente sabe que tava com a doença, eu já associo logo a ele assim, você associa logo ao seu familiar. (F2)
Muito angustiante, eu senti muito pela família que chorou bastante, tinha medo que ela não conseguisse se recuperar (F5).
O sentimento que eu tive era que ela ia morrer, e foi um choque pra toda família, todo mundo mesmo, a doença por si só já agravava, todo mundo dizia vai morrer. (F7) Meu sentimento é muita dor, dor profunda, medo de perder a irmã, medo de ver as crianças precisando dela (choro). (F9)
Categoria 02: Uso limitado de analgésicos como recurso terapêutico para controle álgico
Seguir com rigorosidade a prescrição medicamentosa em relação aos analgésicos como principal forma de alívio da dor marcou as falas dos entrevistados, com a ressalva de que nenhum cita o uso da morfina no controle da dor, mesmo aqueles que relatam o não controle da dor com os analgésicos fracos, tendo como consequência um controle inadequado da dor crônica e o aumento do sofrimento devido ao seu subtratamento, como pode ser ilustrado com as seguintes falas: Eu converso com ela para ela tomar a medicação certa na hora certa e na dosagem. (F1)
Dou o medicamento na hora correta para evitar a dor, mas não recebi nenhuma orientação para aliviar a dor.
Ele diz que já tá cansado, não aguenta mais isso. (F2)
Eu dou Dipirona quando ele tá gemendo (...) Dipirona, que é o que o médico passa (...)Tem vez que ele fica tão, agoniado tão nervoso (...) eu dei o remédio, mas não serviu de nada(...)Ele geme a noite toda, em todo lugar que ele se vira ele geme (F3).
Ela tem crises de dor fortíssima que infelizmente ou felizmente só alivia com o uso da Dolantina (F6).
A crise é quando movimentava ela, se ela ficasse deitada ela não sentia nada, mas se movimentasse para dá banho, ir no banheiro aí ela sentia dor quando movimentava ela (F8).
Categoria 03: Desconhecimento das terapias não farmacológicas no manejo das crises álgicas
Das falas analisadas não foi possível observar relato de uso das terapias não farmacológicas para o controle e alívio da dor crônica. As ideias das mensagens giram sempre em torno do uso dos analgésicos alopáticos.
Nenhum dos participantes mencionou o uso das práticas integrativas e complementares. Os relatos transmitem a mensagem de que os familiares/cuidadores nunca ouviram falar das medidas não farmacológicas para alívio da dor, com exceção de uma participante que mesmo não tenho esta consciência, citou o uso de chás.
Eu só sei lidar com a dor assim tomar o remédio assim, tomar no tempo adequado, mas outra coisa eu não sei não. (F1)
Nunca ouvi falar nisso de prevenção de dor (F3).
Aí ela (paciente) me orienta eu quero um chá, de tal coisa aí eu vou lá e faço. (...) não nunca ouvi se eu falar em técnica de alívio de dor pra você eu tô mentido (F4).
Levantar ela, sempre segurando no local que estava afetado pressionar com força mesmo e ali ela não ia sentir a dor, então a gente tentava ter sempre esse cuidado (...) não tenho esse conhecimento nenhuma de técnica de alívio de dor (F9).
Categoria 04: A comunicação como recurso terapêutico de suporte nas crises álgicas
Os familiares descrevem em suas falas que sempre estão conversando com os seus entes queridos e procuram não os deixar sozinhos durante as crises de dor, assim permanecem com eles conversando, fazendo companhia para que se sintam assistidos em suas aflições. Por conseguinte, foi possível identificar o uso de estratégias como a comunicação compassiva e a presença marcante, citados como medidas de conforto que acalmam o paciente.
Recursos que têm demostrado efeito benéfico, como pode ser observado nas falas a seguir: Consigo falar com ela de como ela quer ser tratada ela faz os pedidos dela (...) Quando está na crise de dor tento acalmar segurando na mão (F1).
Conversar, ficar ouvindo(...) tentar deixar ele mais calmo para evitar ansiedade (F2).
Olha, eu pergunto pra ela “o que é melhor pra você? o que eu posso fazer pra você?” aí ela me orienta ela sempre tá comigo, eu nunca deixo ela só, ela pede pra mim isso. (F4)
A gente sempre procura conversar muito com ela (F6).
A gente faz o possível e o impossível para não deixar ela só, a gente faz de tudo pra tá perto e ela tá bem e motivada (F7).
Discussão
Vale destacar a questão de gênero quanto à prestação dos cuidados com o predomínio do feminino, como já esperado e identificado em outros estudos que mostram que tal condição é uma construção histórica da figura feminina, intrínseca as práticas do cuidar12.
Todavia, o que nos instiga a trazer essa discussão, foram as falas de dois familiares/cuidadores, homens, que evidenciam a fragilidade na prestação dos cuidados e talvez a ausência de uma sensibilidade autocontrolada para cuidar de um ente com uma doença terminal, no momento que eles relatam que não conseguem suportar o sofrimento do outro em uma crise de dor, tendo como reação a fuga ou o pedido de ajuda à mulher mais próxima que encontra.
Dentre os sentimentos apontados pelos entrevistados, o medo e a impotência foram os mais marcantes, o que é comum diante de situações de perdas. Estudos mostram que as crenças familiares e suas vivências de perda é o que determinará a forma de como essa família passa a agir frente ao diagnóstico de uma doença fora de possibilidade de cura em um ente querido12.
Os resultados apontam também um fato notório de que no enfretamento de uma doença terminal em um membro da família, esta sofre, pois recai sobre ela a presença das vivências com a finitude da vida. Logo, é necessário que sejam estabelecidas medidas de reorganização de suas vidas, com suporte da equipe a este familiar/cuidador.
Tal apoio deve ocorrer com base nos princípios filosóficos dos cuidados paliativos, abordagem filosófica que reconhece que o fim da vida precisa ser encarado da forma mais natural possível, onde a morte faz parte da etapa da vida e para aqueles que ficam, os familiares, é necessário haver um plano de cuidados, tão essencial quanto os cuidados prestados ao paciente.
Estudo realizado na Noruega com familiares de paciente em cuidados paliativos e que investigou o sofrimento destes familiares quando da prestação dos cuidados, aponta que o sofrimento familiar é um reflexo do sofrimento do doente, e isso traz para o cuidador uma desordem de sentimentos no acompanhamento de seu familiar, pois há uma identificação na relação angustiante, o que é sentido intensamente por ambos13. Nesse conflito de sentimentos os familiares vivenciam uma carga emocional muito pesada, por necessitar manter o equilíbrio para continuar prestando o cuidado ao seu ente querido mesmo diante da inexorabilidade da morte.
O medo da morte gera o sentimento de perda, de luto, o que se inicia desde o momento que a pessoa percebe que a morte é iminente, o que traz a necessidade de ajustamento à nova realidade que a condição apresenta, impactando as funções familiares e modificando-as, e no geral, diante desta situação associa-se outra que é a de que apenas um membro da família passa a ser o cuidador principal14, condição tal que acarreta uma sobrecarga sobre este familiar/cuidador.
A sensação de que a morte está sempre rondando o cotidiano de quem cuida está presente nos discursos de todos os familiares participantes deste estudo. Pesquisas14-15 salientam que estes familiares mencionam que a sentença de morte está lançada sobre seu ente querido, o que leva a um sentimento antecipado de perda. É preciso que ese aspecto seja respeitado e acompanhado com apoio da equipe de cuidados paliativos tratando esta situação como um processo de luto antecipado, atendendo assim, às necessidades advindas da doença, bem como os conflitos psicológicos e sociais.
Além do sofrimento que já é esperado diante da perda, outro sentimento que pode ser prevenido e minimizado passa pelo controle da dor crônica, todavia as falas demonstram que este manejo ainda é subdimensionado e acarreta sofrimento tanto para os pacientes quando para os familiares/cuidadores, situação marcante no cotidiano dos participantes deste estudo, haja vista que a dor é subtratada como evidenciado nas falas.
Condição esta que é encontrada nos estudos como um descuidado resultante do subtratamento da dor crônica em consequência de uma prescrição medicamentosa inadequada no sentido de não atender a real necessidade do paciente, o que passa muitas vezes por não considerar o uso de um opioide potente como medicamento de escolha para o tratamento da dor crônica.
O tratamento farmacológico de acordo com a escada de três degraus que é a associação de analgésicos, AINES, opioides fracos e opioides fortes e coadjuvantes, preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) debe ser a base do controle da dor crônica, conforme sua mesuração16.
A analgesia é uma necessidade no contexto dos pacientes em cuidados paliativos, pois a dor é uma das sintomatologias mais desagradáveis que se possa vivenciar. Se não controlada, causa maiores complicações e aumenta o estresse17.
Assim é possível afirmar que o uso de analgésicos, especialmente dos opioides devem fazer parte dos cuidados prestados aos pacientes com uma doença terminal. Todavia, também se faz necessário que o familiar/cuidador seja orientado quanto ao uso desses medicamentos, pois em sua grande maioria as prescrições medicamentosas fazem parte da rotina desses pacientes e cuidadores, mas os mesmos desconhecem seus efeitos, suas ações e o seu uso sistemático e preventivo no controle da dor, muitas vezes isso faz com que eles sintam-se inseguros, como mostram os resultados deste estudo.
Por isso, é necessário que além da equipe de saúde, o paciente e o familiar devem ter conhecimento acerca da tolerabilidade e o tipo de dor, para que a prescrição seja realizada de modo adequado e entendida18.
Valendo destacar que além de todos os recursos medicamentosos, cuidar do paciente com dor crônica ultrapassa a administração de fármacos analgésicos e vai além, com a premente necessidade de uma relação profissional/familiar/paciente de modo empático, fortalecendo os vínculos afetivos com o propósito de aliviar, confortar, apoiar, promover o alívio do sofrimento tanto para o paciente quanto para seu familiar/cuidador16.
Assim, é importante reafirmar que uma das necessidades advindas da situação de ter uma doença terminal com consequente dor crônica, é o controle da dor. Esse controle deve ser realizado adequadamente e a partir de ações multiformes, agindo em todos os contextos álgicos, utilizando os analgésicos de acordo com a intensidade da dor, mas também, das intervenções não farmacológicas as quais devem fazer parte de um conjunto integrativo de todos os aspectos psicológico, social e espiritual. Vale ressaltar que as técnicas de alívio têm custos reduzidos que podem ser instruídos ao paciente e cuidador19.
Neste estudo, apenas um dos entrevistados cita o uso de um analgésico forte - a petidina (dolantina), mas nenhum cita o uso da morfina no tratamento da dor crônica. O recomendado pelo Ministério da Saúde é que para o tratamento das dores moderadas a intensa deve-se manter um controle rigoroso na administração de medicamentos, respeitando e mantendo intervalos fixos, pois assim assegura-se que a dose a ser administrada seja fornecida antes que o efeito da dose anterior tenha acabado, impedindo que os sintomas voltem a ser sentidos bem como impedindo a tolerância ao medicamento para que a dose seja mantida.
Deve ocorrer a orientação ao paciente e ao cuidador tanto escrita quanto verbal, sobre os nomes do medicamento, sua indicação, dosagem, intervalos e possíveis efeitos colaterais20.
Então, é possibilitado ao cuidador uma forma de melhor controle e manejo das prescrições e os possíveis efeitos colaterais que os medicamentos venham a causar, diminuindo o estresse do familiar/cuidador quanto ao uso de medicamentos, seus efeitos e reações.
A escolha do medicamento deve ser conforme a necessidade e o estado do paciente, conforme a OMS descreve na Escada Analgésica com recomendações quanto ao uso dos fármacos conforme a intensidade da dor, que vai do degrau da dor leve, moderada e severa21. Sempre lembrando que, quando os pacientes com dor crônica relatam a persistência da dor, isso indica que as estratégias de analgesia não estão atingindo o controle da dor22.
Tem-se a comunicação como uma ferramenta valiosa para a tomada de decisões nestes momentos, permitindo ao paciente a oportunidade de escolhas em relação ao tratamento, considerando suas opções e expectativas 16,23.
Sempre permitido que o familiar esteja junto ao paciente e equipe como parte de um elo comunicativo seguro no qual a verbalização das angústias e sentimentos são divididos por todos, proporcionado também o apoio emocional. Isso faz com que as terapêuticas estabelecidas tenham mais aceitação por parte do paciente e família.
As relações interpessoais utilizam a comunicação verbal e não verbal na emissão e recepção de mensagens, assim, a troca de informações por parte dos pacientes e familiares nas conversas é uma das evidências que tem um grau de grande valia. Assim as pessoas partilham significações e emoções próprias, tudo isso ocorre como uma troca de questionamentos e respostas geradas por essa partilha24. Notamos que essa troca, durante uma crise de dor, faz com que paciente e familiar tenham uma maior interação e cumplicidade e o suporte empático contribui para minimizar a crise de dor.
Um estudo realizado na cidade de Belo Horizonte (MG) com o objetivo de compreender o sofrimento do cuidador diante da situação-limite da terminalidade da existência, evidenciou que a conversa é um instrumento terapêutico que auxilia familiares e pacientes no percurso dos cuidados a pessoa com uma doença terminal25. Nela, as expectativas são expostas e o contato com o outro traz alívio durante as crises de dor, nos relatos deste estudo essa conversa durante a crise álgica é uma necessidade que o familiar tem para demonstrar ao seu ente querido que ele se importa com tudo que está acontecendo e que ele está ali fazendo o possível para aliviar todo sofrimento, tornando-se assim um instrumento terapêutico.
Um dos objetivos dos cuidados paliativos é permitir a autonomia e a tomada de decisões do paciente no que diz respeito a sua saúde e nesse intuito a comunicação é uma ferramenta extremamente importante, não apenas entre cuidador e paciente, mas envolvendo também profissionais de saúde. Informações claras sobre prognósticos permitem que familiares e paciente vivenciem a terminalidade de forma menos dolorosa. Dessa maneira, a comunicação deve ser aperfeiçoada para diminuir o impacto emocional e permitir assimilação gradual da realidade26.
Apesar de não ter aparecido nos resultados deste estudo, vale citar o uso das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) enquanto sistemas e recursos terapêuticos que visam estimular mecanismos naturais de alívio da dor por meio de tecnologias eficazes e seguras, com ênfase numa escuta acolhedora27. É preciso que essa medida de tratamento seja também reconhecida por cuidadores e equipe de saúde como auxílio no tratamento da dor crônica, pois, como já sinalizado, os familiares talvez utilizem as PICS, mas não as reconhecem como parte do tratamento ou como um instrumento terapêutico.
Há hoje o diálogo entre as práticas integrativas e a medicina convencional 28-29. Portanto, há possibilidade de ensinar ao cuidador/familiar formas de utilizá-las de modo consciente na terapêutica do seu familiar.
Sendo assim, podemos destacar algumas das PICS que o familiar/cuidador pode utilizar como meio de tratamento no cuidado e prevenção de crises de dor como uso de plantas medicinais na forma de chá, práticas corporais e massagens ensinadas pela equipe de saúde previamente treinada para tal29.
Conclusão
Dentro de todo o contexto de sofrimento que engloba o cuidado de um ente querido em cuidados paliativos e com crises de dor crônica, o cuidador sofre ao ver seu familiar padecendo, o que revela a insuficiência do controle álgico empregado e infere uma fragilidade no preparo do familiar/cuidador para lidar com esta questão. A equipe de saúde precisa garantir que as orientações sejam apreendidas aos familiares num trabalho de educação em saúde a fim de evitar prolongamentos de sofrimento ao paciente e ao cuidador/familiar.
Como limitação do estudo, pode ser citada a dificuldade na identificação de participantes, considerando que as pessoas ainda demonstram seus próprios preconceitos em expor seus sofrimentos, assim tentam esconder que na família há uma pessoa doente e principalmente se esta foi diagnosticada com um câncer. Talvez tentando esconder da sociedade, para que não aponte seus sentimentos e fragilidades na luta diária frente uma doença terminal de um ente querido.
Espera-se que os resultados deste estudo possam sensibilizar os profissionais de saúde em prol de uma melhora no subtratamento da dor crônica e que os princípios filosóficos dos cuidados paliativos possam alcançar todos que deles necessitam e assim consigam ter uma vida digna e com o mínimo de sofrimento e aqueles em cuidados de fim de vida possam ter dignidade no processo de morrer e o seu sofrimento amenizado, assim como suas crises de dor controladas.
Conflito de interesse
As autoras afirmam não haver conflitos de intereses