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Enfermería Actual de Costa Rica

On-line version ISSN 1409-4568Print version ISSN 1409-4568

Enfermería Actual de Costa Rica  n.37 San José Jul./Dec. 2019

http://dx.doi.org/10.15517/revenf.v0ino.37.35525 

Artículos originales

Enfrentamento de enfermeiras frente à morte no processo de cuidar em emergencia

Enfrentamiento de enfermeros a la muerte en el proceso de cuidado en la sala de emergencia

Confrontation of nurses to death in the process of care in the emergency room

Greicy Ventura1 

Bianca Silva2 

Karla Vieira Heinzen3 

Maria Lígia dos Reis Bellaguarda4 

Bruna Pedroso Canever5 

Valdete Prevê Pereira6 

1Enfermera. Lámina Medicina Diagnóstica. Brasil. Correo electrónico: guezynha_@hotmail.com

2Enfermera. Grande Florianópolis. Brasil. Correo electrónico: biancasiilva@hotmail.com

3Enfermera. Centro Universitário Estácio de Santa Catarina. Brasil. Correo electrónico: karlavieira2@gmail.com

4Enfermera. Doctora. Docente del Departamento de Enfermería de la Universidad Federal de Santa Catarina. Brasil. Correo electrónico: bellaguardaml@gmail.com

5Enfermera. Doctora. Docente del Departamento de Enfermería de la Universidad Federal de Santa Catarina. Brasil. Correo electrónico: brunacanever@gmail.com

6Enfermera. Docente del Curso de Enfermería Centro Universitário Estácio de Santa Catarina. Brasil. Correo electrónico: detepreve@yahoo.com.br

Resumo

23.

O processo de trabalho de enfermeiras e enfermeiros nas emergências é gerador de estresse e traz à tona fragilidades do profissional no tocante a sentimentos referentes ao sofrimento e vivência cotidiana com a morte. Isto, em decorrência da interação e o envolvimento necessário à assistência e nas tomadas de decisão em acordo a gravidade do paciente e família. Assim, este estudo objetiva conhecer o enfrentamento da enfermeira no cuidado diante do processo de morte, em emergência. Pesquisa documental, realizada com oito enfermeiras numa emergência de um hospital privado de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, entre maio e junho de 2015. Os dados foram analisados à luz da análise de conteúdo de Bardin e da relação interpessoal de Travelbee. Emergiram duas categorias: A morte vivida por enfermeiras em emergência, O Humano e o técnico no enfrentamento da morte em emergência. Conclui-se que o enfermeiro ao lidar com a morte em meio ao cuidado de restauração da vida mostra-se limitado e necessita de amparo emocional e racional para o cuidado a essa clientela nesse ambiente específico.

Palavras chave: Enfermagem; Enfermeiras-e-Enfermeiros; Emergências; Morte

Resumen

27.

El proceso de trabajo de enfermeras y enfermeros en las emergencias es generador de estrés y trae a la superficie fragilidades del profesional en cuanto a sentimientos referentes al sufrimiento y vivencia cotidiana con la muerte. Esto, como consecuencia de la interacción y la implicación necesaria para la asistencia y las tomas de decisión en concordancia con la gravedad del paciente y la familia. Por lo tanto, este estudio objetiva conocer el enfrentamiento de la enfermera en el cuidado ante el proceso de muerte, en emergencia. Investigación documental, realizada con ocho enfermeras en una emergencia de un hospital privado de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, entre mayo y junio de 2015. Los datos fueron analizados a la luz del análisis de contenido de Bardin y de la relación interpersonal de Travelbee. Emergieron dos categorías: La muerte vivida por enfermeros en emergencia, el Humano y el técnico en el enfrentamiento de la muerte en emergencia. Se concluye que el enfermero al lidiar con la muerte en medio del cuidado de restauración de la vida se muestra limitado y necesita de amparo emocional y racional para el cuidado a esa clientela en ese ambiente específico.

Palabras claves: Enfermeras; Enfermería; Emergencias; Muerte

Abstract

31.

The work process of nurses in emergencies is a source of stress and brings to the surface the weaknesses of the professional in terms of feelings related to suffering and daily experience with death. This, as a consequence of the interaction and the necessary implication for assistance and decision making by the severity of the patient and the family. Therefore, this study aims to know the confrontation of the nurse in the care before the death process, in an emergency. Documentary research, conducted with eight nurses in an emergency at a private hospital in Florianópolis, Santa Catarina, Brazil, between May and June 2015. The data were analyzed in light of Bardin's content analysis and Travelbee's interpersonal relationship. Two categories emerged: The death experienced by nurses in an emergency, the Human and the technician in the confrontation of death in an emergency. It is concluded that the nurse in dealing with death in the middle of the restoration care of life is limited and needs emotional and rational protection for the care of that clientele in that specific environment.

Keywords: Death; Emergencies; Nurses; Nursing

Introdução

As enfermeiras são profissionais que têm um papel importante na assistência ao paciente e famílias no processo da morte e do morrer e, acompanham a ampliação dos espaços de desenvolvimento do cuidado. E, há nos contextos assistenciais em saúde, um crescente desenvolvimento de estudos e instrumentos que auxiliam o profissional na promoção do aperfeiçoamento de habilidades para o atendimento ao paciente e à família à morte. O que faz pensar esse evento e o cuidado a ele dispensados, uma vez que os cenários de assistência influenciam os modos de atenção e exigem aptidões específicas do profissional de saúde.

O contexto dos serviços de urgência e emergência apresentam-se como área de complexidade de assistência, diversidade de casos, fluxo e volume de trabalho intenso, o que o torna um serviço diferenciado1. Exige, desta forma, conhecimento, experiência, domínio e a habilidade profissional para lidar com o risco de morte. O atendimento prestado em emergência exige agilidade e objetividade por parte dos profissionais, para que o suporte à vida seja eficaz e efetivo2.

O cuidado de enfermagem está presente no cotidiano, devido à proximidade com o doente e a família, podendo estimular sensações de tristeza, misturadas às frustrações e impotência. Culturalmente, as relações estabelecidas com as manifestações da vida, do envelhecimento, do adoecimento e do morrer são tratadas distintamente entre as gerações e demarcam a história das sociedades.

E requer, principalmente, competência do profissional enfermeiro no tocante à atenção emocional ao paciente e à família. O que remete as questões das relações interpessoais. A morte é um acontecimento singular e cada experiência mostra-se única e seu direcionamento e abordagem dependem de valores e premissas de crenças das pessoas, familiares e profissionais da saúde3. E na maioria das vezes são momentos de aflição e dor que ficam marcados na memória dos envolvidos como evento reflexivo e, de sofrimento. A formação do enfermeiro apresenta-se incipiente nas questões que pensam, abordam e cuidam acerca do processo da morte e do morrer. Algo que leva à reflexão, a formação de um profissional que tem em sua realidade de trabalho o limiar da saúde e da vida. O que justifica estudos referentes ao processo de morte e morrer de pacientes e, o cuidado também com suas famílias.

Neste estudo, especificamente, a contribuição para a assistência de enfermagem no âmbito da emergência aos pacientes na morte e no morrer está em emergir os enfrentamentos das enfermeiras diante de pessoas que necessitam de habilidades técnicas, tecnológicas, científicas, sensíveis e emocionais no desenvolvimento do cuidado no processo de morte e morrer. Entenda-se que, na área complexa da emergência as pessoas encontramse em sofrimento físico e mental, em processo agudo passível de cronicidade, casos de morte iminente ou adentram à instituição já sem vida. O que, reitera a necessidade de habilidades da enfermeira em atitudes que atendam necessidades de processo de morrer e morte propriamente considerado, que perpassam na maioria das vezes pelo atendimento à terminalidade. O que fez as autoras pensarem este estudo, a partir da memória de enfermeiras, momentos da práxis cotidiana em que a razão/ciência e a emoção/sensibilidade precisam agir conjuntamente.

A memória é dinâmica está aberta ao diálogo entre a lembrança e o universo individual e coletivo. Há uma riqueza de elementos na utilização da memória para a apropriação de fatos, de maneira ativa e interativa. No contexto em decurso, a memória emerge como a internalização da experiência no processo da morte e os enfrentamentos que decorrem do profissional nessa situação específica. E é questionado como se dá o enfrentamento da morte por enfermeiras em emergência? Diante do que, este estudo teve o objetivo de conhecer o enfrentamento do enfermeiro no cuidado diante do processo de morte, em emergência.

Materias y método

Pesquisa qualitativa de abordagem documental, realizada em uma emergência privada, de um município da Grande Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, entre maio e junho de 2015. A Pesquisa documental apresenta características como a temporalidade (retrospectivos ou contemporâneos) e a globalidade das informações pela investigação de várias áreas da sociedade, expresso em materiais orais, escritos, bibliográficos, vestígios4. Quando há o registro descrito, narrado e impresso, mostram-se como fontes documentos, convertendo rememorações descritas em dados analisáveis4.

Utilizada a Teoria da relação interpessoal de Joyce Travelbee5 para fundamentar a argumentação do processo de enfrentamento da situação de morte pelos enfermeiras. A emergência do estudo é considerada de porte II conforme a Política Nacional de Urgência e Emergência (mínimo 11 leitos, atendimento médio de 250 pessoas/dia) (6.

A escolha das participantes do estudo seguiu a amostragem aleatória não probabilística. O marco amostral foi as 10 enfermeiras da emergência em estudo e as unidades amostrais seguiram os critérios de inclusão para a participação no estudo. Assim, a amostra de participantes que responderam a este estudo foi de 8 enfermeiras, locadas na emergência foco do estudo, aceitaram participar e sob critério de inclusão: enfermeiras em atividade na instituição durante a realização do estudo. As participantes eram do sexo feminino, entre 24 e 31 anos e com experiência de 1 a 6 anos em emergência. E, o turno de trabalho decorreu entre os turnos diurno e noturno em que os horários e local para as descrições foram definidos dentro dos limites e possibilidades indicadas pelas participantes e na sala de estudos da instituição. As histórias foram descritas num tempo médio de 45 minutos por participante.

A coleta de dados seguiu a rememoração de histórias vividas pelas participantes do estudo, em situações de morte e morrer de pacientes e o apoio a suas famílias, durante a prática assistencial em emergência. As rememorações foram realizadas a partir da entrega de um impresso com cabeçalho solicitando que rememorassem, contassem de forma descritiva/narrativa uma experiência de como enfrentaram técnica, científica, emocional e sensível, na emergência, a morte e o morrer de pacientes atendidos durante o exercício profissional. Essas experiências rememoradas formaram as fontes documentais, quando descritas em forma de contação de histórias. Os documentos descritos foram identificados com a inicial “E” da palavra Enfermeiro seguida do numeral 1, 2, 3, sucessivamente, seguindo a ordem de realização da contação da história. As informações foram descritas e seguiram o critério posicional direto, a partir da disponibilidade de fontes diretas e testemunhais, intencional voluntário e qualidade do documento cultural, classificado pela opção por materiais impressos constituídos das histórias dos enfrentamentos de enfermeiras com mortes no cuidado em emergência4.

O tratamento das informações foi composto pelo método analítico de Bardin pré-análise, exploração dos dados e fase de interpretação7. Neste estudo realizou-se leitura exaustiva das histórias descritas pelos participantes. O processo de codificação dos dados se deu em dois ciclos, o primeiro pelo método literário e de linguagem, que foram elencadas as codificações narrativas e, também o método exploratório, sendo abordada a codificação holística. O segundo ciclo foi baseado na codificação de padrões na expressão de enfrentamentos e sentimentos semelhantes. Assim, os resultados surgiram a partir da análise temática de palavras, enunciações que apareceram com maior frequência, ou seja, repetição de aparição. Na sequência, com a exploração, foram elencados códigos que formaram as unidades de significação e, depois de interpretadas e analisadas compuseram duas categorias.

Considerações éticas

Ressalta-se, o respeito à Resolução n. 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde para pesquisa com seres humanos e este estudo foi realizado em consonância ao Parecer nº. 1.044.870/2015, de 28 de abril de 2015, do Comitê de Ética em Pesquisa8.

Resultados

A morte vivida por enfermeiras em emergência como categoria primeira no contexto deste estudo é constituída de argumentos sensíveis, relacionados à empatia e ao sofrimento da família das vítimas, o vínculo e a espiritualidade. Das oito histórias, seis denotam as significações elencadas na primeira categoria como mostradas a seguir:

[...] Eu sabia que era terminal e que nada podia ser feito, que ele morreria ali, a vontade foi de correr, fugir, chorar, sentimento de tristeza, frustração, incapacidade diante da situação. (E1)

[...] O maior sentimento é ver o sofrimento dos familiares frente à perda do ente querido, no momento de estresse cabe à equipe de enfermagem acalentar os familiares que sofrem muito (E7).

[…] Como estes pacientes ficam poucas horas em atendimento, dificilmente há vínculo com paciente e família, somente em alguns casos quando são pacientes recorrentes na emergência […] algumas vezes acabo envolvida emocionalmente (E5).

[...] já chegou em óbito, sem pulso […] comecei a chorar e todos me perguntaram se era meu pai, respondi que sim, pai do meu marido. (E8)

[…] óbito 1h e 30 minutos depois da chegada, todos da equipe se olharam com "receio" de contar para mãe do mesmo, pois era idosa, sozinha sem nenhum outro acompanhante para dar suporte. (E2)

[...] Oriento à família quanto à rotinas e documentos em caso de óbito. Rezo/oro para que o paciente fique em paz e que Deus dê conforto a família neste momento. (E3)

Já a segunda categoria, O Humano e o técnico no enfrentamento da morte em emergencia formou-se a partir do sentimento de cansaço, de impotência, a dificuldade de entender e se preparar para a morte e os equipamentos inadequados no processo de trabalho. Evidencia-se, como segue, as expressões que relacionam à técnica e à humanidade:

[...] No pronto atendimento as situações de óbito são comuns e infelizmente enfrentadas como rotina. Como estes pacientes ficam poucas horas em atendimento, dificilmente há vínculo com paciente e família, somente em alguns casos quando são pacientes recorrentes na emergência (E5).

[...] Após realizar tudo o que é possível pela vida do paciente, como massagem cardíaca, ventilação, aquecimento, medicações e infusões. Acaba surgindo o sentimento de impotência, pois nada mais pode ser feito. A saúde e a vida do paciente não podem ser recuperadas. [...] Eu como profissional enfermeira fico triste, bem como os demais, pois somos seres humanos também (E3).

[...] não se conseguiu acesso periférico, ambú com defeito (não montado corretamente). Médico avaliou pupila, auscultou e nem entubou (E6).

[...] Em geral a perda de pacientes na emergência é difícil para a equipe, porém o sentimento acaba sendo interrompido pelo fluxo de atendimento e pela estruturação da equipe frente a novos casos de emergência que surgirão [...] Como emergência é um ambiente aonde a rotatividade de clientes é muito grande acaba ficando mais difícil de criar um vínculo maior com o paciente. (E7)

[…] percebo com o passar dos anos e das vivências o quanto somos profissionais e tentamos muitas vezes fugir dos nossos próprios sentimentos, sendo um pouco mais frios em determinadas situações. (E8)

[...] O fluxo de pacientes é muito intenso, logo após o óbito liberamos o corpo, orientamos as partes burocráticas ao familiar e em seguida já temos outro paciente para atender. (E5)

[...] Na academia não somos preparados para lidar com a perda, lidar com situações críticas, a gente é ensinado a dar a vida, a gente aprende a cuidar e a esperar que tudo saia bem e acreditamos que tudo vai sair bem, mas quando você vai para a prática não é esta a realidade que encontramos, inevitavelmente temos que lidar com a morte. (E4)

Discussão

Os recursos de enfrentamento apresentam-se, neste estudo, com caráter intencional ou voluntário, como esforços cognitivos e comportamentais para reagir a um desafio, conflito, perda, sofrimento9. Para fundamentar a análise se utilizou a perspectiva da Teoria da Relação Pessoa-Pessoa de Travelbee, devido os pressupostos de interação, ainda que, as relações são a essência e o propósito da Enfermagem e as pessoas são influenciadas pelo meio ambiente, cultura e experiências de vida.

O processo da morte e do morrer é implícito no processo de viver humano e depreende escuta e observação atenta, onde o sensível é inerente ao cuidado. O objeto de trabalho do profissional enfermeiro é o paciente, a família, a comunidade. E apresenta como objeto de estudo o cuidado, desde o nascimento até a morte. Neste sentido, o produto do trabalho de um enfermeiro refere-se à preservação da vida, ao seu restabelecimento.

Assim, o trabalho em emergência enfatiza as ações da preservação da vida. Os enfrentamentos diante do cuidado à vida apresentam-se diferenciados, pois resultam de histórias de vida próprias desses profissionais, de cultura múltipla das pessoas atendidas e que chegam aos cuidados de formas diversas. Embora a morte faça parte da vida e, seja um ciclo que não podemos modificar, falar e estar diante dela sempre deixa o profissional da saúde intimidado. Falar e rememorar sobre a morte e o morrer e o cuidado do paciente neste processo, de certa forma organiza os sentimentos e auxilia na vivência de forma mais humanizada10.

O compartilhamento de sentimentos e emoções pelo contato assíduo com o paciente pode resultar em um envolvimento emocional, esse envolvimento favorece a empatia e torna-se essencial quando se propõe ajudar alguém. Os profissionais demonstram esta empatia em suas atitudes, como carinho, respeito e receptividade que ocorrem mesmo que o contato tenha sido de curta duração. E corrobora ao que refere Travelbee, que para estabelecer o relacionamento terapêutico, é necessário ir além dos papéis de enfermeira e paciente5.

O Enfermeiro na emergência apresenta uma dinâmica muito específica. A alta rotatividade de pacientes, de casos clínicos, requer habilidades técnico científicas e as tomadas de decisão. No entanto, o desfecho das situações de saúde, nem sempre são as de restabelecimento, sendo a morte grande possibilidade da realidade em uma emergência. São diversas as reações e sentimentos expostos por membros das equipes de enfermagem que atuam frente à morte11.

Neste estudo, as rememorações enfatizam as experiências racionais, emocionais e espirituais. Seriam características da experiência da doença e de dor referidas por Travelbee5. Refere-se ao enfrentamento específico de cada pessoa a determinados eventos, caracterizado pelo silêncio, isolamento, choro e a busca de justificativas para este evento. Utilizam mecanismos de defesa, como a negação, uma tentativa de colocar a morte em um lugar de exclusão e silêncio para lidar com a morte e o morrer do paciente cuidado. Toda circunstância de perda gera sofrimento e transtorno ao profissional, independente do cuidado ou tempo dispensado à pessoa. Assemelha-se, a conspiração do silêncio apresentado por pacientes e suas famílias no processo de morte e morrer, o enfrentamento nesta fase da vida12.

Constata-se que, mesmo que todo o possível tenha sido feito para salvar o paciente, o desfecho morte não é aceito pelos profissionais, causando frustração, tristeza, perda, impotência, estresse, fracasso e culpa.

A equipe de enfermagem, que atua na emergência, necessita preparo para atender as variadas situações de emergência, deparando-se com stress constante. São inúmeras atividades executadas, interrupções frequentes, imprevistos, e também o contato direto com o sofrimento e a morte. A enfermeira estabelece, segundo Travelbee, um relacionamento por meio da comunicação o que lhes permite cumprir a finalidade do cuidado5. Pode-se considerar, que a comunicação é o próprio vínculo que se estabelece e permeia a relação do cuidado.

No espaço da emergência, com alternância de pacientes e, período de permanência curto, a relação profissional, paciente e família, se dão centrada na confiança do familiar na práxis do profissional. A relação é estabelecida em prol da confiança no cuidado a ser dispensado. Diferente, a afetividade criada em internações, o vínculo entre a enfermeira, paciente e família se desenvolve na vivência com o sofrimento e peculiaridades da vida do outro11. Constata-se, que o enfrentamento da enfermeira nas questões da morte, no atendimento de emergência, é dificultado pelo fator surpresa do evento. Traduz-se pela adaptação da profissional frente ao evento de atendimento emergencial, a surpresa do caso clínico em questão e a pessoa a ser atendida.

Quanto mais se sabe a respeito do paciente “Maior é a possibilidade de empatia e maior a compreensão de suas emoções, percepções e necessidades”10. Há dificuldade em lidar com a morte, quando o paciente que chega à unidade é seu parente ou conhecido. E, qual o enfrentamento, quando a enfermeira que recebe, atende e cuida abruptamente na emergência, é o familiar que sofre a perda?

A morte é um fato inevitável, e apesar do desconforto de comunicar más notícias faz parte da rotina dos profissionais de saúde, que diante de tal compromisso enfrentam grande dificuldade. O modo de se expressar e abordar a família são algumas das dificuldades enfrentadas por enfermeiras e apresenta significados fruto das interações do profissional ao longo da vida. E ainda, a transferência da responsabilidade da informação aos familiares é uma forma de não enfrentar as próprias emoções ou mesmo evitar reações aversivas por parte de pacientes e familiares2, (13.

As enfermeiras e a equipe de saúde têm papel preponderante no cuidado à família. As bases éticas de respeito, justiça, compromisso e amor ao próximo são fundamentais para firmar a conscientização da morte e do morrer ao ser humano na relação de cuidado10.

As relações entre enfermeiras, pacientes e familiares são sempre difíceis em situações de morte e se torna mais complexo dependendo da cronologia que assume a realidade da morte. No paciente idoso, em relação aos jovens, a morte é vista com menor sofrimento, devido a cronologia da vida, completaram todo o processo de desenvolvimento e estão no estágio final do ciclo vital. Já realizaram o esperado, como se completassem o ciclo vital, trabalharam, constituíram família11. A realidade é que a morte tem maior probabilidade biológica de ocorrência nos idosos, porém, é uma possibilidade que está presente desde o nascimento.

A espiritualidade permite à pessoa compreender, mediante a crença, de que nada ocorre por acaso e que os acontecimentos da vida são determinados por uma força superior e que a dor por uma perda pela morte independe da idade, sexo e credo13. Da mesma forma, o enfrentamento da enfermeira se dá por meio da maturidade, crenças e filosofia de vida adquiridos na existência em família, em sociedade e na formação profissional.

Quando o ser humano se vê confrontado pela morte ou qualquer outra experiência adversa, um dos primeiros recursos, na tentativa de superação da crise é a espiritualidade/religiosidade. O principal sentimento que a religião pode trazer ao paciente ou familiar é o de esperança, mas também pode trazer benefícios como motivação, suporte social e emocional. A religiosidade é parte imprescindível na vida de muitas famílias, utilizada como estratégia de enfrentamento nas situações de doença e morte8, (14. A vivência da morte por enfermeiras neste estudo vem evidenciar conforme Travelbee que a maioria das pessoas, pelo menos uma vez na vida, teve ou terá como experiência a alegria, a felicidade, o amor, o sofrimento e a morte5.

A emergência é um ambiente que exige agilidade de pensamento e ações, de resolutividade e o uso de técnicas complexas e competentes. As pessoas em geral apresentam-se temerosas ao adentrar uma unidade de atendimentos de urgência e emergência. Assim, a técnica se mistura a humanidade na prestação do cuidado, da assistência e indica as possibilidades e as fragilidades no enfrentamento do sempre esperado, mas nunca aceito: a morte. Corrobora com o definido por Travelbee que o meio ambiente é aquele das “experiências de vida” onde as interações acontecem para o estabelecimento do cuidado, que neste estudo é a emergência, em que as significações e percepção do processo da morte e do morrer foram rememorados5.

O ambiente no qual é desenvolvido o cuidado de enfermagem e saúde influencia diretamente na assistência a ser prestada. Isto pois, apresentam características mais técnicas, alta rotatividade de casos e agravos, pacientes críticos, instabilidade dos pacientes, fragilidade nos recursos humanos e materiais, sobrecarga de trabalho sobre a equipe de enfermagem entre outras condições que desestabilizam os profissionais14. Ainda assim, enfermeiras são seres humanos que cuidam de outros seres humanos, com particularidades e especificidades que precisam ser compreendidas para facilitar a atenção à saúde. A equipe de enfermagem é a que passa mais tempo com o paciente e que primeiro atende às suas necessidades.

A preparação do profissional para o atendimento de urgências e emergências é imprescindível para que esses profissionais tenham a percepção e estejam encorajados a enfrentarem situações inusitadas. É, portanto fundamental a consciência do humano em meio ao cuidado em emergência, aí a subjetividade da percepção da necessidade de diálogo entre o ser que cuida e o ser cuidado14.

Os mecanismos de defesa mais adotados nessas situações são de negação e evasão e ao usarem esses mecanismos, uma barreira protetora pode aparentar insensibilidade e frieza e, possivelmente, interfere na forma de cuidar. Talvez a maior dificuldade do ser humano em lidar com a morte seja o fato de não saber certamente o que ela significa, é o chamado desconhecido que causa medo e angústia14. O fazer profissional caracteriza-se em muitos momentos como competência técnica e por vezes é até confundida com o tecnicismo.

Os profissionais da enfermagem além de enfrentar a perda do ser cuidado pela morte vivenciam o sofrimento. Algumas enfermeiras evitam abordar o assunto, pois sofrem ao ver a dor dos pacientes e sentem essa perda, outros, valorizam o tempo que ainda dispõem e, passam a enxergar a vida de maneira mais plena. Muitos sentimentos aparecem, a fuga, a insegurança, e ainda verifica-se a dificuldade com materiais e equipamentos deteriorados ou até mesmo inexistentes. A atividade desgastante e complexa das profissionais enfermeiras da emergência faz emergir uma assistência distante ou ao simples cumprimento do dever dentro da competência profissional.

E, além das condições perenes de trabalho há as condições de equipamentos e materiais frágeis e precários, comprometendo a assistência num ambiente bastante específico e que requer a habilidade e o conhecimento profissional atrelado à tecnologia para restabelecer a vida.

O envolvimento com a vítima gera muitas vezes sentimentos que dificultam o enfrentamento da situação e preconizam o não envolvimento para mostrarem-se mais fortes no apoio à família. A qualidade e a quantidade do cuidado oferecido ao paciente em conformidade com o que descreve Travelbee, são influenciadas pela percepção da enfermeira e do paciente15. Os enfrentamentos das enfermeiras frente às experiências com a morte rememorados neste estudo evidenciam que se centra também no envolvimento emocional que somente técnico.

A emergência é um ambiente em que, o distanciamento do profissional da situação de sofrimento do paciente facilita o equilíbrio no manejo do contexto16. No entanto, a compreensão do processo de sofrimento, recusas, adaptações são explicadas quando se adentra o espaço emocional do outro14. A agitação na emergência é intensa o que leva alguns profissionais a um processo de rotinização da atenção prestada.

Outro fator inerente ao trabalho do enfermeiro está ligado às informações e orientações à família. Nos casos de óbitos em meio ao emocional a praticidade é necessária. Na verdade há uma ambiguidade de sentimentos e ações diante da morte de um paciente na emergência. A maneira como abordam pacientes e famílias no cuidado à morte estão intimamente ligados ao processo existencial do profissional, a educação familiar sobre a realidade da vida, o poder de enfrentamento do ser que é e se constituiu com o passar da existência.

Nas histórias de morte rememoradas os profissionais expressam que se sentem despreparados para lidar com a morte, muitas vezes por total silêncio da academia que o formou, deixando que a vivência da prática lhes ensine a melhor maneira de enfrentar.

A formação acadêmica tem o caráter de introduzir os fundamentos na educação profissional. Delineia a base necessária ao desenvolvimento de uma ocupação/profissão. O ciclo vital humano é estudado nas plataformas curriculares de maneira a proporcionar conhecimento, habilidade e atitude profissional de forma proativa. Isto se refere à busca necessária pelo acadêmico por mais conhecimento, mais habilidade o que desenhará a atitude requerida em cada situação de cuidado, no caso da formação em saúde e enfermagem.

O ensino do processo da morte e do morrer, ou da ciência da tanatologia requer estratégias imbuídas na reflexão, na discussão de casos, nas simulações, nos sofrimentos já vivenciados pelos participantes da disciplina. A educação sobre a morte e suas nuances envolve as dimensões existencial, cultural, religiosa e é muito particular de cada ser humano15.

A relação técnico x humano na vivência da morte por enfermeiras, em emergência, reflete diretamente a formação acadêmica, o conhecimento e habilidades para assistir o outro em situação da finitude humana, bem como a formação humanística reconhecida no ciclo vital. Diante do que, corroborando com Travelbee, a relação pessoapessoa influencia significativamente na atenção à saúde e, especificamente, em enfermagem5.

Importante pontuar, que o espaço da emergência não se caracteriza pelo atendimento de pacientes terminais17 ,a relação que se estabelece entre os profissionais e os pacientes é o de vulnerabilidade. Há o risco de morte, mas não o cotidiano no cuidado de enfermagem da morte anunciada, com sofrimento paulatino, enquanto processo de morrer. O enfrentamento da morte está frente à imprevisibilidade, o que não permite a programação da assistência no morrer, a vulnerabilidade pela sensação de abandono e solidão, e ainda, de inconsistência de recursos que ultrapassem e vençam a morte14.

Conclusão

Considera-se neste estudo, que o enfrentamento das enfermeiras frente á morte e ao morrer em emergência abrange: valores de não internalização da vivência desse processo; a formação profissional frágil nas questões da morte e do morrer, ambiente de assistência dinâmico que requer o tecnicismo e a tecnologia para resolutividade, fluxo de casos intenso, a relação tempo/atividade precisa de efetividade na recuperação da vida, condições materiais, de equipamentos e recursos humanos restritos para a atividade em emergência. Diante do que enfrentam de maneira a restringir o vínculo profissional-família- paciente, com um determinado afastamento emocional dos envolvidos. Isto remete a um enfrentamento centrado na ciência e técnica de cuidado e à fé e à espiritualidade para a cessação do sofrimento. A educação em saúde mostra-se como necessidade para auxiliar o enfrentamento, manter o equilíbrio e dirimir a tristeza e o silêncio, para o apoio à família. Por fim o estudo faz emergir a continuidade de discussão sobre a temática, haja vista que o enfrentamento das enfermeiras em emergência, no processo da morte e do morrer depende das experiências vividas e dos modos de entendimento deste processo na existência, por meio de crenças, valores e culturas estabelecidas.

Declaração de conflito de interesse

Os autores declaram não possuir conflito de interesse de qualquer natureza relacionado ao artigo

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Recibido: 07 de Diciembre de 2018; Aprobado: 15 de Junio de 2019

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