SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 issue35Oral health of drugs users institutionalized author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Enfermería Actual de Costa Rica

On-line version ISSN 1409-4568Print version ISSN 1409-4568

Enfermería Actual de Costa Rica  n.35 San José Jul./Dec. 2018

http://dx.doi.org/10.15517/revenf.v0i35.31555 

Artículos originales

A arte de pintar o ventre materno: história oral de enfermeiras e obstetrizes

El arte de pintar el vientre materno: la historia oral de las enfermeras y parteras

The art of maternal womb painting: oral history of nurses and midwives

Júnia Aparecida Laiada Mata1 

Antonieta Keiko Kakuda Shimo2 

1Enfermeira, Doutora em Ciências da Saúde, Universidade Federal do Rio Grande do Sul- UFRGS, Brasil. Correio eletrônico: jumata.2905@gmail.com. Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS.

2Enfermeira, Doutora em Enfermagem, Universidade Estatal de Campinas-UNICAMP, Brasil. Correio eletrônico: akkshimo@gmail.com. Universidad Estatal de Campinas-UNICAMP.

Resumo

Objetivou-se, neste estudo, descrever quando, como e por que a enfermeira e a obstetriz aplicam a pintura no ventre de gestantes. Tratou-se de uma pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa, na qual foi adotado o método da história oral temática. Participaram sete profissionais de saúde que aplicam a pintura no ventre e atendem gestantes no Brasil. A coleta ocorreu por meio de entrevistas, realizadas entre os meses de janeiro e maio de 2016. Os dados foram analisados com base na análise temática de conteúdo, de Laurence Bardin. A partir dos discursos, elaborou-se uma árvore histórica da pintura no ventre e emergiram três categorias que elucidam quando, como e por que a enfermeira e a obstetriz aplicam esta arte. Conclui-se que a pintura no ventre tem sido adotada no cuidado pré-natal e dentro da maternidade como estratégia de educação em saúde e na promoção do bem-estar materno e familiar.

Palavras-chave: Arte; Enfermagem; História; Obstetrícia; Pintura

Resumen

El objetivo de este estudio fue describir cuándo, cómo y por qué la enfermera y la partera aplican la pintura en el vientre de mujeres embarazadas. Se trata de un estudio exploratorio cualitativo, donde se adoptó la metodología de la historia oral temática. Participaron siete profesionales de salud, los cuales aplican la pintura en vientre y atienden a mujeres embarazadas en Brasil. La recolección de datos ocurrió a través de entrevistas, realizadas entre Enero y Mayo de 2016. Los datos fueron analizados de conformidad con el análisis temático de contenido, de Laurence Bardin. A partir de los informes, ha sido elaborado un árbol histórico de la pintura en el vientre, junto a eso emergieron tres categorías las cuales aclaran cuándo, cómo y por qué la enfermera y partera aplican este arte. Se concluye que la pintura en el vientre ha sido adoptada en la atención prenatal y también dentro de la maternidad como estrategia de educación en salud, además de promover el bienestar materno y familiar.

Palabras clave: Arte; Enfermería; Historia; Obstetricia; Pintura

Abstract

The present study aimed to describe when, how and why the nurse and the midwife apply the painting on pregnant wombs. It was an exploratory research, qualitative approach, in which thematic oral history was adopted as method. Seven health professionals, who apply painting on the womb and attend pregnant women in Brazil, took part of it. The data provided through interviews conducted between January and May 2016. Data were examined based on the thematic analysis of content, of Laurence Bardin. From the interviews, historical tree of womb painting has been drawn up and three categories emerged, which clarify when, how and why the nurse and the midwife apply this art. The womb painting has been adopted in the prenatal care and in the maternity as a strategy for health education and the promotion of maternal and family well-being.

Key words: Art; History; Nursing; Obstretics; Paint

Introdução

A enfermagem tem a arte em sua essência. Sua precursora, Florence Nightingale, defendia o uso de plantas de cores fortes, quadros ou gravuras nos ambientes e o rodízio destes, para proporcionar bem-estar aos doentes. Também recomendava a leitura, o bordado e a escrita como medidas para reduzir o estresse, reconhecendo os efeitos da mente sobre o corpo1. Desde seus primórdios, esta profissão foi marcada pelo humanismo, abordando o ser humano em sua inter-relação com o ambiente físico, psicológico e social.

Algumas teorias da enfermagem revelam um pensamento holístico. A Teoria Interpessoal de Hildegard Peplau, define a enfermagem como uma arte terapêutica e um processo interpessoal, que envolve a interação entre dois ou mais indivíduos que compartilham uma meta. Nesta, a relação entre enfermeira e cliente deve considerar os valores, as experiências de vida, a religião, a etnia, a cultura e a família1.

Jean Watson, também enfatiza a natureza interpessoal do cuidado, caracterizando a enfermeira como coparticipante do cliente, incluindo a alma como um fator importante. Defende que a enfermagem tem o propósito de auxiliar as pessoas a atingirem um alto grau de harmonia com elas mesmas1.

Marta Rogers e Betty Neuman, enfocam em suas teorias a totalidade do ser humano. Segundo Rogers, os indivíduos são campos de energia irredutíveis, indivisíveis e pandimensionais, beneficiam-se da enfermagem que participa em harmonia com o seu processo de mudança. Para Neuman, a enfermagem tem como foco principal auxiliar o ser humano a atingir, manter e recuperar a estabilidade1.

Os paradigmas humanista e holístico são inerentes à enfermagem, que tem o seu fazer entremeado por práticas que ultrapassam o aspecto biológico e buscam atender os indivíduos em sua inteireza, como por exemplo, as artes.

Na atual perspectiva de atenção obstétrica, na qual a humanização impera, o uso da arte tem sido ampliado no cuidado. Enfermeiras e obstetrizes têm pintado o ventre de mulheres, durante o pré-natal e dentro da maternidade, aplicando técnicas diversificadas, com o propósito de desenvolver uma assistência humanizada e integral.

Historicamente, a arte vem sendo aplicada com finalidades curativas2 e os seus efeitos terapêuticos são reconhecidos há séculos3. Existem pesquisas que abordam sobre o uso terapêutico das artes visuais na saúde. Entretanto, até o presente momento, não existiam investigações científicas sobre a aplicação da pintura no ventre materno.

Objetivou-se, neste trabalho, descrever quando, como e por que a enfermeira e a obstetriz aplicam a pintura no ventre de gestantes. Inovamos ao abordar sobre a inserção de uma nova arte visual na saúde, podendo contribuir para ampliar a sua visibilidade, o seu uso na prática profissional e a sua investigação no meio científico.

Material e métodos

Trata-se de uma pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa, na qual foi adotado o método da história oral temática, que consiste em uma forma de recuperar o passado relacionado a determinado tema, conforme concebido pelos que o viveram4. A mesma respeitou critérios consolidados para estudos qualitativos5, desvelando o passado dos atores sociais relativo à experiência com a pintura no ventre de gestantes.

A definição das participantes do estudo foi intencional6, sendo considerados a representatividade e o significado da experiência de cada uma no grupo pesquisado. Determinou-se o seu tamanho por meio da saturação de dados. Participaram sete profissionais de saúde que aplicavam a pintura no ventre e atendiam gestantes no Brasil, incluindo uma enfermeira generalista, quatro enfermeiras obstetras e duas obstetrizes. Considerou-se como critério de descontinuação deixar de participar de qualquer etapa da coleta.

A produção dos dados foi realizada pela autora principal, que é cientista e enfermeira obstetra, e se deu nas seguintes etapas: 1) Levantamento das potenciais voluntárias, por meio da rede mundial de computadores; 2) Convite das profissionais realizado pessoalmente, via telefone e/ou e-mail; 3) Agendamento das entrevistas e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); 4) Levantamento biográfico das voluntárias, elaborando-se um roteiro individual, aberto e flexível, que foi aplicado nas entrevistas; 5) Entrevista individual, audiogravada com gravador digital, apoiada por um roteiro guia geral, constituído de duas partes: a) informações para a caracterização sociodemográfica; b) perguntas que buscaram investigar sobre a participação da profissional no tema investigado, a saber: 1- Relate quando você iniciou a pintura do ventre materno; 2- Por que você começou a aplicar esta pintura em gestantes? 3- Você teve alguma referência (algo ou alguém) para iniciar a arte? Se sim, quem (ou o quê)? Quando?; 4- Como você nomeia esta arte? Por quê?; 5- Em que momento você realiza a pintura no ventre da gestante?; 6- Descreva como você faz a pintura no abdome materno (material, técnica de pintura, duração, o desenvolvimento da ação); 7- O que você sente ao realizar a pintura no ventre materno?; 8- O que você percebe na gestante quando está realizando a pintura?; 9- Você pode indicar para participar da pesquisa mais alguma profissional que faz essa arte?; 10- Tem mais alguma informação em relação à pintura que você deseja relatar? Previamente à coleta, este instrumento passou por um pré-teste e foi considerado adequado, não sofrendo modificações. Salienta-se que o roteiro individual, considerou a história de vida das entrevistadas, permitindo a melhor compreensão do relato da experiência de cada uma, do seu discurso e das suas referências mais particulares.

Na primeira etapa, identificaram-se três profissionais, que atuavam nos seguintes estados: São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Todas aceitaram participar da pesquisa. Utilizou-se a estratégia bola-de-neve6, na qual as pré-selecionadas indicaram outras voluntárias.

As entrevistas foram desenvolvidas entre os meses de janeiro e maio de 2016, pessoalmente (03) ou por meio de videoconferência com apoio do software Skype® (04). O fechamento do grupo se deu na sétima participante, considerando a saturação e o alcance do objetivo proposto.

No total, foram 3h44min de entrevistas gravadas. Os discursos foram transcritos concomitantemente à coleta, com o apoio do Express Scribe Transcription Software Pro®, confirmados com as voluntárias e analisados à luz da análise temática de conteúdo, de Laurence Bardin7.

Nessa vertente, os resultados foram organizados e explorados por meio de três etapas: a pré-análise, na qual foram sistematizadas as ideias iniciais; a exploração do material, em que os dados foram codificados e transformados em conteúdos temáticos; e a análise dos conteúdos, que envolveu a aplicação de inferências e interpretações fundamentadas nos pressupostos da investigação e no seu referencial teórico7.

Seis das entrevistadas foram codificadas com nomes de mulheres que atuaram no campo da arte. Foi mantida a identificação de uma (Naolí Vinaver), devido a sua representatividade e o seu pioneirismo na aplicação da pintura no ventre de gestantes. A mesma consentiu e autorizou as autoras a divulgarem o seu nome na pesquisa.

Este artigo é resultado da tese de doutorado intitulada “Vivência da Arte da Pintura do Ventre Materno por Profissionais e Gestantes: Histórias, Emoções e Significados”8, desenvolvida na Faculdade de Enfermagem da Universidade Estadual de Campinas (FEnf/Unicamp).

Considerações éticas

A tese foi avaliada e autorizada pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Unicamp (CAAE: 48174715.1.0000.5404) e da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba - SMS/Curitiba (CAAE: 48174715.1.3001.0101).

Resultados

Caracterização das profissionais

Na Tabela 1 está disposta a caracterização das enfermeiras e obstetrizes, buscando principalmente apresentar o lugar de fala de cada uma.

Tabela 1 Caracterização das profissionais estudadas8. Campinas, SP, Brasil, 2017. (N=7) 

Características n
Nacionalidade
Brasileira Mexicana 06 01
Cidade, Estado e Região onde reside e atua
Recife, Pernambuco, Nordeste Fortaleza, Ceará, Nordeste São Carlos, São Paulo, Sudeste Curitiba, Paraná, Sul Florianópolis, Santa Catarina, Sul 01 01 01 02 02
Idade (anos)
Entre 25 e 30 34 50 05 01 01
Formação profissional
Enfermagem Obstetrícia Midwifery* 05 01 01
País onde se formou
Brasil Estados Unidos da América (EUA) 06 01
Ano em que se formou
1989 2003 2008 2010 2013 01 01 01 02 02
Especialização
Obstetrícia Residência em saúde da mulher com ênfase em obstetrícia Obstetrícia e neonatologia Saúde da família Não possui 02 01 01 01 02
Âmbito onde atende gestantes
Somente no hospitalar Somente no domiciliar Domiciliar e hospitalar Domiciliar e em consultório próprio 02 01 03 01
Tempo de experiência no atendimento a gestantes após a formação (anos)
Entre 2 e 4 9 12 26 04 01 01 01
Tempo de experiência na realização da pintura no ventre de gestantes (anos)
Até 1 Entre 2 e 3 23 03 03 01
Fez curso para aprender sobre a pintura no ventre de gestantes
Sim Não 02 05

*Formação no âmbito internacional - Licensed Midwife.

Árvore histórica da pintura no ventre de gestantes

Sobre quando começaram a aplicar a pintura no ventre de gestantes e a referência que tiveram para iniciá-la, as participantes expressaram:

“Veio do fato que eu sou filha de uma família de artistas. Minha mãe é pintora, meu pai era fotógrafo e também ceramista, escultor. O meu irmão é pintor e a minha irmã é bailarina. O tio é fotógrafo famoso lá no México. Então todo mundo na minha família tem a ver com as artes. E, curiosamente, a gente pintava quando a gente era criança. A gente sempre pintava. O passatempo óbvio pra todo mundo era pegar uma folha de papel, uma caneta, um lápis e pintar. Eu lembro das cenas familiares, aonde todo mundo tava escutando uma música clássica e, na mesa, todo mundo desenhando, pintando na paz. Então, pra mim foi um passo assim, absolutamente natural. Sabe de onde veio a minha inspiração? Quando eu pari o meu primeiro filho e aí eu fui acompanhando as gestantes, ele vinha comigo nos pré-natais. Como ele estava tão acostumado a pintar sobre papel, eu sempre dava papel pra ele pintar. E aí ele ficava calminho pintando. E ele começou a querer pintar. E aí ele pensou na barriga pra ele pintar. Aí eu pensei: meu Deus! Que boa ideia! Pintar na barriga! Me veio assim como uma brincadeira dele, sabe? Aí eu peguei um lápis de olho. Falei pra mulher: vamos tentar? Já que ele teve essa boa ideia de pintar, vamos pintar o que eu estou sentindo? Aí eu coloquei esse lápis de olho na barriga dela e comecei a pintar o contorno do corpinho do bebê dela na barriga. E ficou lindo! Ficou uma surpresa pra todo mundo. Inclusive pra mim e pro meu filho. A gente estava assim assustados, de tão lindo que foi. Aí eu já não parei mais. Aí fui aprimorando, aprimorando. E aí fui pintando em todas as mulheres que eu fazia pré-natal. Eu comecei no ano de 93. Acho que deve ter sido em 1993, quando meu filho já estava com um aninho e pouco. E aí houve que quando eu engravidei do meu segundo filho, o primeiro filho já pintava direto na minha barriga. Minha barriga virou uma tela de pintar para ele. Mas foi nesse ano, em 93, que a gente começou” (Naolí Vinaver).

“A Naolí, que trabalha comigo no grupo, que foi quem iniciou as pinturas. Ela é a criadora, né? E eu fui aprendendo a fazer os desenhos e, hoje em dia, faço sempre nos pré-natais. Na verdade, acho que comecei há quase três anos, porque outro dia veio uma gestante que atendi o primeiro parto dela e já faz quase três anos. E eu pintei a barriga dela” (Sofonisba Anguissola).

“Tem mais ou menos um ano e meio que comecei. Foi no final de 2014. Entre novembro e dezembro. Dentro da maternidade tem algumas enfermeiras que já faziam. A primeira vez que vi foi em rede social mesmo. De enfermeiros que eu tenho contato. Não sei se me lembro quem” (Artemisia Gentileschi).

“A pintura eu comecei em 2014. Foi quando eu tive acesso a um grupo de gestantes daqui da minha cidade, por conta da segunda faculdade que eu iniciei em 2014. E nesse grupo tinha outra amiga minha, que também fazia o curso. E, então, a gente firmou uma parceria e começou a procurar quem queria. Mas assim, a figura inicial foi a da Naolí. A ideia da pintura gestacional dela. Então, foi a partir da figura da Naolí. E depois a gente começou a procurar bastante imagens pela internet” (Tarsila do Amaral).

“Eu acho que há mais ou menos um ano, acredito eu. Na verdade, eu tinha convivência com você e com as meninas da maternidade que faziam a pintura. E aí eu já tinha vontade de fazer. Já tinha convivido isso com você. E aí um dia eu resolvi tentar e fiz. E deu certo. Agora eu tenho feito sempre. Teve a Naolí. Eu vi você fazendo e também uma enfermeira da maternidade. Foram vocês [a referência]” (Anita Malfatti).

“Olha, eu já sabia que existia essa técnica de pintura da barriga através das fotos da Naolí Vinaver e pelas redes sociais. Eu ainda não conhecia Naolí, mas sempre tive vontade de fazer o curso dela. Mas aí eu tinha um grupo de gestantes aqui em uma comunidade bem carente. E, então, fiquei coordenando esse grupo de gestante e tive a ideia de fazer a pintura de barriga. Mesmo sem ter aula com a Naolí. E aí foi quando também me interessei em fazer o curso dela em Florianópolis. Foi quando tudo começou também a fluir de uma forma mais natural assim, porque eu aprendi a técnica. E aí quando voltei do curso, que eu fiz em março de 2015, no ano passado, desde então eu tenho feito isso como uma prática minha” (Frida Kahlo).

“Olha, eu já tinha feito uma oficina em 2010 ou 2009 talvez. Eu tive a oportunidade de conhecer a pintura da barriga feita pela Naolí em uma oficina que eu fui fazer em Recife. Vi como era a técnica. Mas aprender a técnica, eu aprendi há seis meses. Em uma vivência, uma oportunidade que eu tive com a Naolí em um curso lá em Florianópolis, que foi em novembro do ano passado [2015]. Então, foi a partir de novembro que eu comecei a fazer” (Tomie Ohtake).

Uma das entrevistadas viajou para vinte e quatro países, para conhecer as diferentes culturas de parto. Por isso, foi perguntado a ela se, em algum momento, verificou a prática da pintura no ventre de gestantes nos lugares que visitou. A resposta dada pela voluntária foi:

“Não. Viajei pra vinte e quatro países. E é algo muito particular assim, não é muito conhecido, sabe? Muitas vezes você oferece e as pessoas ficam surpresas” (Sofonisba Anguissola).

Naolí Vinaver referiu ter ensinado esta arte para profissionais de diversos países.

“Eu tenho visitado uns 35 países. Acho que agora é mais de 35 países. Como palestrante dando oficinas. Ministrando oficinas, seminários, simpósios de vários tipos. Eu fui pra China, fui pro Japão, Holanda, França, Itália, Grécia. Já fui pra Eslováquia, Rússia, Alemanha, Portugal, Inglaterra. Das Américas já tem também. A gente foi para as Barramas, Jamaica, Porto Rico, Costa Rica, o México, obviamente. Canadá e os Estados Unidos em muitas cidades. No Sul da América é o Brasil praticamente. Ainda não fui para os nossos países vizinhos. Aí eu tenho dado, em todos esses países, oficinas de Rebozo e também para pintar barrigas, porque como eu comecei a pintar barrigas me veio uma intuição de que eu poderia plasmar. Vamos considerar uns 37 países. E pra vários desses países eu já viajei várias vezes. Por exemplo, eu vinha pro Brasil desde o ano 2003. Eu vim 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010. Eu já me mudei em 2011. Então, antes de me mudar, eu visitei o Brasil oito vezes. E em cada uma dessas visitas eu devo ter ido pra umas vinte cidades. E nessas vinte cidades tinha curso aonde o mínimo era de 30 pessoas. E isso é sem contar os congressos no Brasil. Porque os congressos no Brasil, aqueles congressos no Rio de Janeiro, de ecologia do parto, eu dei oficinas de pintar barriga. E ali tinha 150 pessoas. Eu já fiz oficinas em sessão geral, aonde tem um começo de duas mil pessoas, como por exemplo, nas Ilhas Canárias, na Espanha. Aí eu me colocava no palco do teatro, na frente de duas mil pessoas, com câmera e tela na parede mostrando a técnica de pintar. Então, já teve uns cinco congressos internacionais de fazer isso” (Naolí Vinaver).

Quando indagada se em algum dos cursos ou palestras que desenvolveu conheceu pessoas que já faziam a pintura, Naolí afirmou:

“Nunca. Por isso que eu sei que fui eu que comecei. Porque nunca tinha alguém que dizia: eu já também tô fazendo há anos. Jamais. Agora já, mas é porque já tô há tantos anos fazendo que agora já encontro pessoas que dizem: ah, eu também faço assim ou desse outro jeito. Mas nenhuma das pessoas com anos assim. Algumas fazem há três, quatro anos. Mas assim, nos primeiros dez anos era total sensação. Já depois começou outras pessoas fazerem” (Naolí Vinaver).

A obstetriz/parteira tradicional também referiu que até o presente momento não produziu publicações sobre o assunto, mas que deseja escrever um livro.

“Não. Não tenho. Por isso que eu pensei: ah, vou fazer esse livro. Porque até agora não tem. Não tem [algo publicado]” (Naolí Vinaver).

Diante dos discursos supracitados, foi elaborada uma árvore histórica da pintura no ventre de gestantes (Figura 1), elucidando o trajeto histórico da técnica e a referência que inspirou as profissionais estudadas.

Figura 1: Árvore histórica da pintura no ventre de gestantes, concebida a partir dos resultados da pesquisa8. Campinas, São Paulo, Brasil, 2017. 

Categorias de análise relativas à prática da pintura em gestantes

A partir da análise temática de conteúdo, foram identificadas as unidades de significado presentes nos discursos, emergindo cinco subcategorias que culminaram em três grandes categorias de análise, conforme apresentado na Figura 2.

Figura 2: Categorias e subcategorias do estudo. Campinas, SP, Brasil, 2017. 

Quando a enfermeira e a obstetriz aplicam a pintura no ventre de gestantes

Momento da gestação em que as profissionais realizam a pintura no ventre

Em relação ao momento da gestação em que realizavam a pintura no ventre, seis voluntárias demonstraram priorizar o terceiro trimestre gestacional. Somente três afirmaram fazê-la em qualquer período.

“Olha, eu já fiz pintura na barriga desde muito pequenininho, porque mesmo que eu não vou saber a posição do bebê, eu deixo bem claro. Aí eu falo que vou pintar o bebê livremente, mas no tamanho que ele é. Livremente, porque não dá pra sentir a posição. Porque o bebê fica feito um acrobata. Mas eu já fiz a partir de oito semanas. Já tenho feito com 12, com 15, qualquer uma. Independentemente da idade gestacional, ela tá gravidíssima. Então, não é por ser uma idade gestacional temprana, assim cedo no ciclo do processo gestacional, que vai ter um efeito menos forte. Eu acho que o impacto pode ser igualmente importante. Então, se a mulher quer, eu ofereço. Se ela quer, eu faço” (Naolí Vinaver).

“Depois de umas 25 semanas dá pra ter mais clareza da posição do bebê. Antes disso eu faço mais pelo tamanho do útero. Não pelo tamanho do bebê. Não sei exatamente a posição que tá o bebê. E isso também não importa muito nessa fase da gestação” (Sofonisba Anguissola).

“A gente fazia uma conversa com elas [as gestantes] sobre o processo da gestação, o início do trabalho de parto, os métodos de relaxamento e aí a gente fazia uma oferta de marcar um momento para fazer esse retorno [à maternidade]. Então, esse retorno acontecia normalmente na visita da gestante, que elas já estão pra mais de 30 semanas de gestação” (Artemisia Gentileschi).

“Em torno de 34 semanas a gente oferece para o casal. Quando a barriga tá um pouquinho maior. Porque daí a imagem fica um pouco maior. A gente também oferece e é por escolha do casal. Mas a gente sempre fala que é melhor mais para o final da gestação, por conta do tamanho da barriga e do espaço que a gente tem pra pintar” (Tarsila do Amaral).

“Normalmente a partir de 37 semanas eu faço” (Anita Malfatti).

“Olha, em qualquer momento que ela quiser. Mas se ela estiver com a gestação bem inicial, no primeiro trimestre e, quiser fazer a pintura, eu faço. Mas como prioridade eu oriento a mulher que seria interessante como ritual de despedida da barriga. Com 39 ou 40 semanas a gente faz esse ritual na casa dela se for parto domiciliar ou a gestante da comunidade” (Frida Kahlo).

“Normalmente no terceiro trimestre. A partir de 32 semanas. É mais difícil em gestantes que chegam pra gente no início da gestação” (Tomie Ohtake).

Tipo de atendimento que envolve a pintura no ventre de gestantes

As entrevistadas costumavam implementar a pintura nas consultas de pré-natal (três), em chás de bebê (uma), em ritual de “despedida da barriga” (duas) e dentro da maternidade (duas).

Aquelas que aplicavam na maternidade tiveram contato com a autora principal deste artigo, que foi precursora da pintura no ventre de gestantes e parturientes no hospital onde atuavam.

“Eu faço na consulta pré-natal e a gente começa conversando. Como ela está vivenciado a gestação dela. Toda a parte subjetiva, emocional e também nutricional, enfim. Aí a gente vai aos poucos na parte de medir a pressão, aí ela vai deitar, vamos apalpar a barriga e, uma vez que eu apalpei a barriga e medi a barriga, eu gosto de pintar” (Naolí Vinaver).

“Durante a consulta de pré-natal [faz a pintura]. Depois da gente ter conversado, depois da avaliação” (Sofonisba Anguissola).

“O agendamento [da pintura] fazia na visita [à maternidade]. E, aí, as que tinham interesse retornavam um tempo depois pra pintar” (Artemisia Gentileschi).

“Em algumas ocasiões a gente já fez em chás de bebês. Fazemos em cerimônias de despedida da barriga, que é como se fosse um chá de bênçãos” (Tarsila do Amaral).

“Normalmente eu faço dentro da maternidade. Então são as pacientes que já estão em idade gestacional de termo. A partir de 37 semanas. Que internaram para induzir” (Anita Malfatti).

“Toda gestante que eu atendo em parto domiciliar a gente tem um ritual, que é chamado de despedida da barriga com chá de bênçãos, que inclui a técnica da pintura” (Frida Kahlo).

“É algo [a pintura] que eu realizo em gestantes que eu tenho mais facilidade. Que eu tenho uma vinculação maior. Talvez mais pra frente [do pré-natal] assim. A partir de 32 semanas. E apesar de fazer a palpação em todas as consultas, essas mais demoradas assim, normalmente a gente faz no final da gestação” (Tomie Ohtake).

Como a enfermeira e a obstetriz aplicam a pintura no ventre de gestantes

Denominação da técnica

Verificou-se, nos discursos, como as profissionais nomeiam a pintura feita no ventre de gestantes e quais são os motivos que as levam a adotar diferentes denominações, como: ultrassom natural (três), pintura de barriga (duas), ultrassom gestacional (uma) e ecografia natural (uma).

“Eu inventei esse nome junto com amigas em um jantar, como eu tava te contando. Em um jantar durante um congresso, nos Estados Unidos. Acho que no ano 96 foi que fui pensando nesse nome junto com a Anne May Gaskin. Eu acho que ela tava na mesa. Eu acredito que estava a Elisabeth Davis. Enfim, as minhas colegas da época, parteiras lá dos Estados Unidos. E elas estavam adorando me ver pintar as barrigas. Elas não chegaram nessa época a pintar. Eu era a única que pintava nessa época. As pessoas ainda não tinham pegado a prática e ficavam meio que admirando. Mas aí nesse jantar eu falei: eu preciso encontrar um nome. Porque tudo bem que é uma pintura, mas tem um propósito bem objetivo, que inclusive pode concorrer com a necessidade das mulheres de fazer o ultrassom convencional. Porque todo mundo concorda de que já existe evidência que o ultrassom convencional não é necessariamente inócuo. Ele também tem efeitos nocivos no crescimento do bebê, quando é exageradamente aplicado. Então, nesse jantar a gente tava ali e eu chamei assim: ajudem a pensar em um nome para essa minha arte de pintar as barrigas com objetividade! Que eu acho que essa técnica pode concorrer mesmo com essa necessidade das mulheres de sentir, de ver e, inclusive, dos profissionais de querer estar mostrando uma objetividade pra mulher. Aí, então, a gente começou brincando, brincando, brincando. E a gente arrumou. Acho que vai ter que se chamar ultrassom natural. A gente falou de ultrassom ecológico, a gente falou de desenho científico. Enfim, teve várias propostas. Mas assim, o que pegou mais foi o ultrassom natural. Eu gostei. A partir de então eu comecei a chamar assim” (Naolí Vinaver).

“Ultrassom natural, porque eu tô fazendo um desenho para que a mulher consiga visualizar como é que tá o bebê dentro da barriga. Que é o que o ultrassom faz, né? Ele vai mostrar o bebê na tela. E não assim por fora da barriga. E o ultrassom é um método que não é natural. Ele é eletrônico. E, então, esse é o ultrassom natural. Não precisa de nenhuma tecnologia assim. Só de lápis e algumas coisas pra colorir. Eu faço com sombra, com batom. E não tem dano nenhum pro bebê” (Sofonisba Anguissola).

“Eu nomeio como ultrassom natural mesmo. Que foi o que eu aprendi com ela [Naolí]. Arteterapia na gestação com a ultrassom natural. E sempre quando eu menciono essa arteterapia, eu falo da Naolí. Sobre a história que ela construiu e que foi uma técnica ensinada por ela. Não é uma técnica minha. E eu digo que não fui eu que inventei. Existe uma pessoa por trás disso tudo. Uma idealizadora. Que tem motivado muita gente pelo Brasil todo. Não só pelo Brasil, né? Pelo mundo. Trazendo essa ressignificação do que é a arte na gestação. Trabalhando o emocional sobretudo” (Frida Kahlo).

“Normalmente a gente chama de pintura de barriga. E pintura de barriga é como é conhecido mais até pelas mulheres. Acho que elas compreendem mais assim. Por isso, chamo assim” (Artemisia Gentileschi).

“Olha, na verdade, eu não gosto desse nome que as pessoas utilizam, de ultrassom natural. É um nome que eu acho que, assim, pelo o que eu percebi, a própria Naolí chama dessa forma. Mas eu, na verdade, eu acho que não deveria ser associado ao ultrassom. Eu chamo de pintura na barriga mesmo. Esse é o termo que eu utilizo. E eu não gosto de utilizar esse termo de ultrassom natural, porque eu acho que descaracteriza a pintura como uma arte” (Tomie Ohtake).

“A gente fala que é ultrassom gestacional. É porque daí a gente consegue mostrar pro casal a posição que o bebê se encontra” (Tarsila do Amaral).

“Acho que mais ecografia natural. É o que eu falo para elas [as gestantes]. Se eu falar ecografia, daí dá pra entender mais que é alguma coisa relacionada à barriga e a posição do bebê dentro da barriga, sabe? E natural, por ser feita à mão com tinta, enfim” (Anita Malfatti).

Naolí Vinaver ressaltou por qual motivo nomeou a técnica como ultrassom natural.

“Eu acho importante colocar aqui, porque que o nome ultrassom natural veio. Podendo ser pintura, podendo ser uma coisa assim muito mais subjetiva, gostosa, né? Porque o nome ultrassom é um nome totalmente de uma época de um intervencionismo. De um contexto médico. E pelo motivo de que com as mãos uma parteira treinada, com experiência, consegue sentir a posição do bebê, a posição precisa. Então, o nascimento do nome, o termo ultrassom natural, não é porque eu gosto da palavra ultrassom. Mas é porque a ideia era concorrer mesmo com um abuso. Um abuso do uso do ultrassom convencional. Que tem efeitos colaterais, que tem efeitos secundários que não estão sendo pesquisados a fundo. Porque tem interesses financeiros muito grandes. Mas é uma proposta como uma alternativa objetiva e prática, realmente aplicável ao cuidado pré-natal sério. Que possa ser uma ferramenta de base pra mulher sentir: meu bebê tá bem, tá bem posicionado, tá crescendo bem, tá com suficiente líquido amniótico, eu vou no parto com essa certeza. Então, foi uma escolha consciente pra trazer à luz, pra trazer à consciência, justamente de que é uma opção” (Naolí Vinaver).

Formas de aplicação

Quadro 1: Formas de aplicação da pintura no ventre de gestantes, identificadas nos discursos das entrevistadas8. Campinas, São Paulo, Brasil, 2017. 

Como faz a pintura nas gestantes?
Realiza a palpação obstétrica - n = 7
“Aí eu vou palpar, sentir onde que está a cabeça, aonde que tá o bumbum, aonde que estão as costas do bebê. Aí vou procurando os pezinhos, as perninhas. A partir de 30 semanas é muito fácil sentir isso tudo. Às vezes com 27 e 28 já dá pra sentir, dependendo do tônus muscular abdominal da mulher. Mas assim, com certeza de 30 semanas pra cima já dá” (Naolí Vinaver).
“Eu vou palpando o bebê e sentindo onde é que estão as partes. A cabecinha, as costinhas, os pezinhos, as perninhas. A posição também dá pra ver pelo ultrassom que ela tenha feito. Onde está a posição da placenta” (Sofonisba Anguissola).
“A gente coloca a mulher numa posição confortável e vai conversando com ela. Faz a manobra [palpação obstétrica] pra verificar e ficar o mais próximo possível da realidade” (Artemisia Gentileschi).
“Eu consigo apalpar o bebê e aí eu faço o desenho. E aí a gente mostra pro casal em que posição que o bebê se encontra” (Tarsila do Amaral).
“Primeiro eu faço a palpação do ventre pra ver qual é a posição do bebê, do dorso, enfim” (Anita Malfatti).
“Na técnica, incialmente você tem que identificar qual a posição que o bebê tá. Então, antes inclusive de você chegar a fazer a manobra de Leopold, você pede licença ao bebê. Peço licença à mulher, coloco a mão na barriga, fecho os olhos e falo pedindo permissão e que o bebê possa se mostrar com a posição que ele tá. Esse é um momento de muito amor. Depois desse primeiro momento, a gente vai fazendo a manobra de Leopold, de forma muito delicada e vai mostrando passo a passo qual a parte identificada do bebê” (Frida Kahlo).
“Primeiro, normalmente, eu faço a palpação. Pra fazer a ausculta do bebê e pra saber a posição do bebê. Normalmente, eu identifico cabeça e nádega. Que eu acho que é o que dá pra gente perceber com mais facilidade. E aí bracinhos. Às vezes dá pra palpar o pé também e dá pra gente ter ideia da localização do pé. Mas os bracinhos é algo meio que nem sempre eu acho que eu consigo identificar com facilidade. É mais realmente pela identificação do bumbum, cabeça e nádega” (Tomie Ohtake).
Desenha à mão livre, sem uso de moldes - n = 3
“Aí eu vou primeiro pintar a circunferência da cabeça, porque é o mais fácil que tem e o mais claro que tem. Já pintei a cabeça, aí eu vou pro bumbum que é a outra referência clara. Como eu já pintei a cabeça e o bumbum, aí eu posso tranquilamente unir a linha entre o bumbum e a cabeça, passando pelo pescocinho. Aí já vou sentir aonde que estão os pés. E aí, às vezes, o que pega talvez um pouco mais, que talvez você vai improvisar um pouquinho mais, é a parte dos braços e as mãos. Porque às vezes não vai dar pra sentir aonde estão as mãozinhas. Às vezes você sente mesmo os ombros. Aí depois, você vai marcar o útero ao redor dessa figura corporal do bebê. E também vai achar onde que tá a placenta. Você pode auscultar pra ver se ouve a placenta, o batimento da placenta. Se você não conseguiu ouvir, pergunta se a mulher sabe por algum ultrassom. Se eles falaram se ela tá baixa, se ela tá anterior, posterior, fúndica, segmentar, enfim. E aí, então, finaliza o desenho da placenta aonde você acha que ela tá e o cordão umbilical, conectando com a barriguinha do bebê. Aí já fechou bem o útero e eu gosto de colocar uns desenhos. Alguma coisa por fora do útero que seja mais no nível simbólico. E eu falo com a mulher: olha, isso aqui, aqui e aqui é bem objetivo. Agora isso aqui é liberdade artística da gente. Esse bebê não tem pétalas, não tem flores, não tem. Mas é uma inspiração artística. Aí ela entende a diferença. Do que é subjetivo e do que é objetivo” (Naolí Vinaver).
“Geralmente, eu faço algum desenho ao redor do útero também. Algumas flores ou pétalas. Enfim, o que eu sentir necessidade de fazer na hora assim. Ou o que a mulher me pedir que ela gostaria que eu fizesse. E aí depois eu deixo colorido o desenho” (Sofonisba Anguissola).
“Faço a palpação. Utilizo o lápis pra fazer o contorno do bebê” (Tomie Ohtake).
Desenha com o apoio de molde - n = 4
“Por falta de destreza manual, até quando foi lançado o desafio de começar com tudo isso, eu e mais outra enfermeira, a gente sentou e pensou em alguns moldes pra facilitar um pouco o desenho. Porque fazer à mão livre a gente viu que ia ser meio difícil. Então, para o bebê mesmo, a gente utiliza um molde como sendo pra ficar um pouco mais adequado” (Artemisia Gentileschi).
“Eu levo já os desenhos, os moldes prontos. Eu tenho dois desenhos de bebês. E aí eu ofereço para o casal. O casal escolhe qual bebê eles querem. E aí eu pergunto o quê que eles querem que a gente desenhe em volta e como que é. Tem um desenho muito conhecido que a gente sempre faz. Que é um bebê dentro de uma copa de árvore. É um dos nossos desenhos que o pessoal gosta mais. Então, a gente se apoia nesse desenho. Dependendo do momento, eu faço decalque” (Tarsila do Amaral).
“Lá na maternidade, as meninas têm uns moldes prontos. Eu não gosto muito de usar os moldes, mas às vezes eu uso também. Daí às vezes eu mostro pra elas [gestantes]: oh, a gente tem esse, esse e esse molde. Como que você acha que teu bebê tá mais parecido? E daí eu desenho” (Anita Malfatti).
“No curso de Naolí e, antes de fazer, eu nunca fui muito boa de desenho. Aí eu disse: Deus do céu, que desafio! Vamos lá pra ver se isso é possível! E eu conseguia fazer, mas não saía aquele desenho tão bonito. Mas depois eu fui agregando a minha técnica ao molde. E aí eu tenho vários moldes de tamanhos diferentes do bebê, porque dá pra utilizar. O molde é só pra iniciar de forma mais rápida porque geralmente quando eu faço tem várias gestantes pra fazer. Então, o desenho é exatamente como o bebê tá. Mas eu posso modificar. O molde só vai me direcionar. Pra mim fica mais fácil. Bem mais possível fazer” (Frida Kahlo).
Pinta com os dedos - n= 4
“Eu já pintei com tudo. Já pintei com pincel, já pintei com os dedos, pegando a tinta com os dedos pra colorir, de uma forma mais assim. Diversas técnicas. Já pintei com esponja. Agora tô pintando com lápis de olho e usando os dedos para colocar sombras coloridas no líquido amniótico e no corpinho do bebê” (Naolí Vinaver).
“Pinto com os dedos ou com aquela esponjinha de sombra assim, sabe? Um dos dois. Se são lugares mais detalhados eu não faço com a esponjinha, eu prefiro usar o dedo” (Sofonisba Anguissola).
“Eu pinto com o dedo. Eu gosto muito de pintar com o dedo. Eu sinto mais, sabe? E também o desenho fica melhor. Principalmente quando você vai pintar com sombra. Nunca uso a paletinha não” (Frida Kahlo).
“Eu utilizo as mãos. Eu faço o contorno com o batom, mas eu espalho com os dedos. E a sombra também fica melhor quando dá pra utilizar os dedos. Eu prefiro utilizar os dedos do que utilizar o pincel” (Tomie Ohtake).
Pinta com pincéis - n= 4
“Eu uso lápis de olho pra fazer o contorno e tinta guache pra fazer a pintura com pincel” (Artemisia Gentileschi).
“A gente usa pincel e em alguns momentos esponja” (Tarsila do Amaral).
“Eu não pinto com o dedo, eu pinto com pincel” (Anita Malfatti).
“Mas quando é essa tinta de rosto, que ela é mais líquida, aí eu tenho pincéis. Pincéis de vários tamanhos. Todo o tipo. Cotonete também, às vezes eu uso” (Frida Kahlo).
Material que utiliza no desenvolvimento da pintura
Lápis delineador para olhos - n= 7
“Agora tô pintando com lápis de olho [...]” (Naolí Vinaver).
“Eu faço com lápis de olho” (Sofonisba Anguissola).
“Eu uso lápis de olho pra fazer o contorno [...]” (Artemisia Gentileschi).
“Dependendo do tempo, faço decalque ou desenho. Ou então eu faço o desenho observando. Eu observo um outro desenho e faço com lápis preto de olho mesmo” (Tarsila do Amaral).
“Daí eu faço o desenho com o lápis de olho” (Anita Malfatti).
“Depois que eu faço o molde, eu vou dando forma à posição exata que o bebê está. Isso com lápis de olho” (Frida Kahlo).
“E aí depois de identificar a posição, eu utilizo pintura e maquiagem. Batons, sombra, lápis delineador de olho” (Tomie Ohtake).
Batom e sombra - n= 3
“Ultimamente eu tenho gostado das maquiagens pra face [sombras], porque tem muitas cores. E eu tô usando batom pra lábios pra parte do corpo do bebê porque eu consegui fazer uma sensação de tridimensional. Eu coloco o batom no contorno todo do corpinho do bebê e aí uso o meu dedo pra esbarrar, esfumar. Aí o contorno fica mais escuro e em direção pro centro do corpo vai ficando mais clarinho. Aí dá uma sensação tridimensional. Posso mostrar. Eu criei. Eu tenho inventado tudo. Tem sido um processo bem criativo” (Naolí Vinaver).
“Aí eu sempre faço com batom ou com sombra” (Sofonisba Anguissola).
“Eu uso batom e uso maquiagem, sombra” (Tomie Ohtake).
Tinta para pintura corporal - n= 2
“E aí a gente usa tintas [para pintura corporal] de vários tipos. Tintas importadas, tintas nacionais” (Tarsila do Amaral).
“E aí eu vou mesclando com a tinta de rosto, tinta corporal também, pancake e sombra. Dá pra fazer uma mistura bem legal” (Frida Kahlo).
Tinta guache - n= 2
“Eu uso lápis de olho pra fazer o contorno e tinta guache pra fazer a pintura com pincel” (Artemisia Gentileschi).
“Eu uso lápis de olho e lá na maternidade a gente tem guache. A gente não tem a tinta própria pra isso assim. Então, é esse material que a gente usa. Guache, pincel e o lápis de olho” (Anita Malfatti).
Tempo gasto para realizar a pintura
Menor tempo: 10 minutos Maior tempo: 90 minutos
“Geralmente leva uma meia horinha, quando você capricha. Pode ser feito bem mais rápido. Pode ser em 10 minutos, só pra deixar claríssimo a parte mais objetiva” (Naolí Vinaver).
“Levo uns 10 minutos. Não é demorado” (Sofonisba Anguissola).
“O tempo depende. Se eu tô sozinha fazendo sem acompanhante, sem mais outra pessoa pra auxiliar, leva em torno de uns 45 a 50 minutos. Quando tem mais alguém, dá meia hora. Porque daí acaba sendo um pouco mais rápido pra pintar” (Artemisia Gentileschi).
“Depende mais do desenho. Mas em torno de 45 minutos a uma hora” (Tarsila do Amaral).
“Mais ou menos uma hora, uma hora e pouquinho. É demorado assim” (Anita Malfatti).
“Se é uma gestante só e a gente vai fazer o ritual da despedida da barriga na casa dela, leva mais ou menos uma hora ou uma hora e meia de pintura” (Frida Kahlo).
“Eu acho que eu demoro uns 20 minutos mais ou menos. Eu acredito que uns 20 minutos a meia hora” (Tomie Ohtake).
Participação de terceiros
Estímulo à participação de pessoas significativas para a gestante no processo - n= 6
“Aí eu gosto de pedir ajuda. Uma colaboração do pai, dos irmãos. Não importa se o desenho fica engraçadinho, meio borradinho, se o filho mais velho tá participando. É a parte emocional, né? De compartilhar seu momento. É muita emoção ali” (Naolí Vinaver).
“[...] E também pra, enfim, se tiver outro filho, sabe? Ele ajuda a desenhar e também fica mais real pra ele” (Sofonisba Anguissola).
“Coloca o molde e faz o desenho à lapis e, se o acompanhante tá junto, coloca ele também pra pintar a parte da tinta” (Artemisia Gentileschi).
“Às vezes, se o pai tá perto, eu mostro e peço para ele apalpar: oh, aqui tá o bumbum, aqui a cabecinha. Pra sempre ele tá participando do processo” (Tarsila do Amaral).
“Porque também a gente pede para o companheiro pintar. Alguém da casa que tiver, também pinta. É bem legal. Todo mundo participa. Se tiver criança, ela também pinta” (Frida Kahlo).
“E aí, às vezes, se ela tiver com acompanhante, eu pergunto se o acompanhante também quer ajudar lá na construção e no colorir da barriga. Normalmente, os acompanhantes querem participar da pintura” (Tomie Ohtake).

Por que a enfermeira e a obstetriz aplicam a pintura no ventre de gestantes

Vontade de compartilhar sensações, de promover conhecimento, alegria, aproximação e conexão entre mãe-feto, de confraternizar com a família e acessar o bebê

Segundo as entrevistadas, os principais motivos que as levam a aplicar a pintura em gestantes são: a vontade de compartilhar com a mulher o que sente com as mãos; a possibilidade de promover o conhecimento da gestante, da família e dos filhos mais velhos sobre o bebê; a promoção da alegria e da aproximação entre mãe-feto; a oportunidade de confraternizar com a família e de vincular-se à gestante; o acesso à energia vital do bebê por meio da prática; e a chance de estimular a conexão da mãe com o bebê.

“Eu comecei porque eu tinha uma vontade muito grande de compartilhar com a mulher o que eu tava sentindo com as mãos. Claro que eu pegava a mão dela e ela começava a sentir também, né? A cabeça, enfim. Mas eu senti uma necessidade de poder expandir a expressão dessa sensibilidade que você tem com as mãos palpando a barriga, em um aspecto visual” (Naolí Vinaver).

“Porque eu acho que é uma forma muito boa assim. E talvez a melhor forma para o casal conseguir visualizar o tamanho do bebê, a posição do bebê. Conseguir visualizar como é que tá o bebê ali dentro. E eu acho que a melhor forma de fazer isso é fazendo um desenho. Uma coisa é tu palpar e falar: oh, está em tal posição assim. Outra coisa é tu demonstrar com o desenho. Fica muito mais real assim. E, hoje em dia, eu faço em todas as consultas. Então, tem aquelas desde o comecinho, assim com sete semanas, que dá pra desenhar ainda na pelve. Então, o bebezinho já começa a crescer um pouquinho mais e, com umas doze semanas, já começo a fazer o desenho que dá para desenhar o útero fora da pelve. E aí ela [a gestante] vai fazendo o registro do acompanhamento do crescimento do bebê. E é muito legal. Elas [as gestantes] adoram. Ficam bem emocionadas de ver o bebezinho crescendo. É mais real assim a gestação. E também pra, enfim, se tiver outro filho, sabe? Ele ajuda a desenhar e também fica mais real pra ele. Ele tem a noção de que tem um irmãozinho chegando” (Sofonisba Anguissola).

“Mesmo que de uma forma ilustrativa a gente consegue trazer pra elas [as gestantes] essa felicidade. Elas parecem que sentem mais próximas do bebê por estar vendo aquele desenho na barriga delas. E quando a gente vê essa alegria, quando elas tiram fotos, quando o acompanhante tá junto e acaba ficando também emocionado de ver, essa emoção transmite também pra quem tá ali pintando” (Artemisia Gentileschi).

“Porque é uma forma de você mostrar como que é. Então assim, essa técnica a gente diz para as mulheres que é como se fosse um ultrassom do bebê. Eu palpo a barriga dela e vejo em que posição que o bebê está. Então, a gente faz o desenho de acordo com a posição que o bebê tá. Então isso mostra pra gestante ou pro casal como que o bebê tá posicionado na barriga dela” (Tarsila do Amaral).

“Eu sinto que a gente cria um vínculo naquele momento, sabe? É bem especial assim, bem gostoso esse momento. E pra mim é uma criação de vínculo mesmo. É um momento que eu consigo conhecer ela [a gestante] melhor e o familiar melhor também. Então, é um momento meio que de confraternização com a família mesmo, eu sinto isso” (Anita Malfatti).

“Porque eu vi, através dessas experiências que eu tive inicialmente, que tinha como vincular de uma forma muito satisfatória a gestante com o profissional de saúde e com o bebê, sabe? É um evento que a gente consegue proporcionar à mulher muita intimidade. É muito valoroso. E pra entrar em contato com a energia vital do bebê, pra gente tentar sentir qual é a vivência e qual é o sentimento que essa mulher tá tendo com a gestação” (Frida Kahlo).

“Eu percebi que as mulheres ficavam muito satisfeitas com a possibilidade de saber o tamanho do bebê e a posição do bebê. Então, eu percebi que trazia uma espécie de conexão maior assim. Uma percepção maior do bebê. E, aí, o que me despertou é que a pintura na barriga podia trazer o bebê de uma forma mais real. Então, essa foi uma das coisas que eu percebi. Que as mulheres conseguem perceber o bebê como algo mais real assim. Elas conseguem captar mais a existência do bebê. Não sei exatamente como te dizer isso. Mas a sensação que eu tenho é essa. Que quando elas visualizam o desenho na barriga, elas conseguem se conectar melhor com aquele bebê” (Tomie Ohtake).

Discussão

Ao resgatar e interpretar o passado relacionado à experiência com a pintura no ventre de gestantes, vivenciado e testemunhado pelas entrevistadas, foi possível elaborar uma ‘árvore histórica’, que apresenta, em seu tronco e nas suas raízes, a mexicana Naolí Vinaver, pioneira nesta atividade e considerada referência, direta ou indireta, para as profissionais iniciarem a técnica.

Essa obstetriz/parteira tradicional tem fomentado a adoção desta arte por meio da internet e de seus cursos, ministrados há muitos anos no Brasil e no âmbito internacional.

Algumas voluntárias referiram ter conhecido a pintura em redes sociais, as quais são comunidades online na internet onde os indivíduos com interesses, objetivos ou práticas comuns, interagem socialmente e partilham conhecimentos, sendo consideradas influências significativas na mudança nos processos de comportamento e na recepção de inovações9-10. Os discursos revelaram que as redes contribuíram para a difusão de informações sobre a técnica de Naolí, repercutindo na sua adoção por algumas das investigadas.

Salienta-se que duas das entrevistadas descreveram suas técnicas de forma similar àquela praticada pela autora principal deste trabalho. Acredita-se que isso se deva ao fato de elas terem presenciado, antes de iniciar a prática, a cientista desenvolvendo a pintura na maternidade onde atuava.

Na narrativa de Naolí Vinaver, verifica-se que sua relação com a arte se originou na infância, no seio familiar, e que a sua inspiração emergiu de uma atitude de seu filho, em 1993, durante uma consulta de pré-natal.

Já as outras participantes começaram a desenvolver a pintura recentemente, a partir de demandas emergidas na prática profissional e fatores intrínsecos. Todas demonstraram aplicá-la com o intuito de relacionar-se de forma humanista e/ou holística com a gestante e sua família, bem como para expressar o seu cuidado por meio estético.

Essas são atitudes inerentes à prática da enfermagem que, em suas teorias, revela-se como ciência e arte que associa conhecimentos e habilidades para satisfazer as necessidades dos indivíduos, considerando aspectos bio-psico-sócio-espirituais1.

A maioria das participantes narrou realizar a pintura principalmente no terceiro trimestre gestacional, período no qual as mulheres podem apresentar ansiedade e angústia emocional11, ligadas a fantasias relacionadas ao parto, ao medo de ficar com deformações ou de ter um filho malformado12.

Ao representar o bebê por meio da arte, com o seu tamanho aproximado, na sua situação, posição e apresentação intraútero, as profissionais oportunizam à gestante conhecer o status do feto, podendo contribuir para o bem-estar materno.

Algumas entrevistadas mencionaram aplicar a técnica a qualquer momento da gestação, desde o primeiro trimestre, enfatizando a sua importância na promoção do saber sobre o crescimento do bebê.

Nesse sentido, identificou-se que a pintura também tem sido utilizada por elas como estratégia de educação perinatal, para orientar sobre a evolução da gestação. Na Teoria Interpessoal de Peplau1, está evidente que a enfermeira possui papel de educadora. O compartilhamento dos seus conhecimentos é atitude intrínseca ao cuidado de enfermagem.

O Ministério da Saúde (MS) recomenda o investimento em práticas educativas desde o primeiro trimestre gestacional, para facilitar a adaptação materna13. A educação no pré-natal oferece uma oportunidade valiosa para promover a saúde e reduzir riscos que possam causar impactos duradouros sobre os comportamentos de saúde da grávida e da família14.

No segundo trimestre, a gestante percebe e interpreta os movimentos fetais, o que se configura em uma interação com o bebê. Senti-lo e interagir com ele são fatores que contribuem para a vinculação pré-natal (VPN)15-16. Logo, aplicar estratégias de cuidado que promovam na mãe estas experiências, como a pintura no ventre, que envolve tocar o bebê intraútero e estimular que se mostre/movimente, pode contribuir para o processo de VPN.

Foi verificado, nas narrativas, que as profissionais percebem essa possibilidade e, inclusive, usam a arte como meio de promoção da aproximação e conexão entre gestante-feto.

Já foi constatado, em investigação científica, o potencial da Arte da Pintura do Ventre Materno na promoção de experiências do núcleo subjetivo da vinculação da mãe com o bebê8,17. Esta é desenvolvida com base em uma técnica que fomenta o bebê imaginário8.

As participantes mostraram se comunicar e compartilhar os seus saberes com as mulheres e famílias de maneira mais acessível, por meio da arte. Um estudo internacional aponta que a terminologia e a linguagem médica, usadas pelos trabalhadores da saúde, podem ser consideradas como mediadoras do desempoderamento de gestantes18.

Por isso, há necessidade de uma mudança na prática comunicativa no atendimento, realizando abordagens informais para a construção de relacionamentos bem-sucedidos com as mulheres que recebem o cuidado18.

A preocupação de algumas voluntárias com a comunicação acessível às mães, bem como o seu nível de compreensão, aparece também na justificativa delas referente à forma como nomeiam a pintura. Em decorrência disto, foram identificadas diferentes denominações.

Ao melhorar a comunicação no cuidado, as profissionais exercem a humanização, que envolve a democratização das relações no atendimento, a constituição de vínculos, a melhora nas comunicações e o estabelecimento de relações éticas e solidárias, pautadas na alteridade e no diálogo entre profissionais-usuários19-20.

Três entrevistadas aprenderam a pintura diretamente com Naolí Vinaver. Duas adotam sua designação (ultrassom natural) e uma, não, pois, em sua opinião, o termo ultrassom descaracteriza a ação como arte. Corroborando com a ideia apresentada em uma pesquisa, na qual foram propostos um conceito e uma denominação que se contrapõem à dimensão médica e tecnologizada que os termos ultrassom e ecografia dão à arte de pintar o ventre materno17.

Cabe destacar que, segundo Naolí, a escolha do nome se deu em um momento histórico marcado pelo intervencionismo na obstetrícia, e que a sua intenção foi mostrar que, por meio da arte, a profissional poderia revelar o tamanho e a posição precisa do bebê, assim como no ultrassom convencional.

Naquela época, ela já questionava, empiricamente, os riscos da submissão abusiva de gestantes a esse exame, defendendo o uso da arte como estratégia segura para promover o conhecimento da mulher sobre o estado do feto intraútero, sem causar efeitos nocivos a ele.

Pesquisas científicas evidenciam que o ultrassom pode causar efeitos térmicos nos tecidos fetais, tanto no primeiro trimestre, quando acontece a organogênese, quanto no segundo e terceiro trimestres, quando ocorre a migração das células21-22.

Experiências com animais comprovaram que os efeitos térmicos adversos podem ocorrer a qualquer momento da gestação, mas a magnitude e gravidade destes são maiores durante a organogênese. Há grande cautela em correlacionar tais resultados à raça humana, mas é importante considerar que o risco de danos térmicos ao recém-nascido pode ser pequeno, mas ele nunca é zero. Este risco aumenta linearmente com a exposição e exponencialmente com a elevação da temperatura21.

A pintura no ventre de gestantes tem o potencial de atender à necessidade que as mulheres possuem de conhecer o status fetal no território uterino, podendo ser inserida no contexto humanista ou holístico, representando um ótimo recurso para ajudar a diminuir a realização excessiva do ultrassom.

As falas das investigadas elucidam a busca em atender as gestantes de forma humanizada, segura e integral, o que vai ao encontro das diretrizes do MS13. Elas integram a pintura no ventre ao seu repertório de cuidados, aplicando-a em diferentes tipos de atendimento.

Tal iniciativa alinha-se às novas tendências de promoção da saúde. A ótica atual de cuidado, com enfoque humanístico, está levando ao ressurgimento de conhecimentos e práticas que incorporam as artes à saúde2.

As diferentes formas de aplicação da pintura nas gestantes, identificadas nas falas, estão relacionadas às habilidades das profissionais em desenhar e pintar, ao tempo e material disponíveis, à participação, ou não, de terceiros no processo, à filosofia de cuidado e à intencionalidade de cada uma.

Apesar de terem como referência a técnica de Naolí Vinaver, elas revelaram exercer uma liberdade artística, criando novos modos de fazer a arte. O artista é aquele que faz a arte e é dado a combinar sensações, imagens e representações. O seu ver é sempre um transformar, um combinar, um repensar os dados da experiência sensível23.

Em síntese, foram identificadas duas linhas de aplicação da pintura: uma se baseia no desenho livre do bebê, sem condicionar a mãe e a família a imagens pré-definidas; e a outra utiliza moldes, os quais são apresentados à mulher para sua escolha. Ambas incluem a palpação obstétrica para a definição do status do feto intraútero.

Um estudo que investigou se um programa de intervenção de enfermagem baseado na palpação abdominal melhora as relações materno-fetais concluiu que o programa de manobras aumenta a consciência materna acerca das posições do bebê e potencializa o vínculo materno-fetal24.

Portanto, o ato de palpar o abdome e estimular a mulher e sua família a tocar e sentir as partes da criança, antes da realização do desenho em si, pode repercutir na experiência da vinculação.

Nenhuma das profissionais demonstrou conhecer sobre o bebê imaginário e estimular a descrição sobre ele antes e durante a execução da arte. Este é a imagem mental do feto, elaborada pela gestante (ou pelo casal) e colabora para o desenvolvimento da VPN25.

A Arte da Pintura do Ventre Materno8,17, técnica artística aplicada pela autora principal deste estudo no cuidado obstétrico, tem como primeiro passo o estímulo à mãe/família a descrever sobre o bebê imaginário. Esta medida é fundamental para a promoção da experiência do núcleo subjetivo da vinculação ou de amor com o bebê.

O material usado pelas entrevistadas abrange principalmente maquiagem. Contudo, duas referiram usar tinta guache. É importante que os produtos adotados sejam atóxicos e próprios para aplicação à pele humana.

A introdução de pessoas significativas para a grávida no processo da pintura era feita com frequência pelas voluntárias, envolvendo, principalmente, o parceiro e os filhos. O apoio social dos membros da família e a rede social são preditores muito significativos da vinculação materno-fetal26, por isso, a participação do companheiro e da família nas atividades do pré-natal deve ser estimulada.

Salienta-se como limitação dessa pesquisa o fato de uma das autoras implementar a Arte da Pintura do Ventre Materno8 na sua prática profissional, o que ofereceu o risco de tendenciamento em defesa desta técnica artística.

Para manter o rigor científico, dentro da abordagem qualitativa, desenvolveu-se a produção dos dados de forma criteriosa, com discussão e análise coletiva, entre as autoras e outras cientistas, dos resultados e das inferências realizadas.

Conclusões

Essa pesquisa possibilitou identificar aspectos importantes sobre a aplicação da pintura no ventre de gestantes por enfermeiras e obstetrizes, como: quando começaram a empreendê-la; qual foi a referência para iniciá-la; como a denominam e por quê; em que momento a utilizam; como a aplicam; e os motivos que as levam a implementá-la no atendimento obstétrico.

As entrevistadas adotam essa arte visual como estratégia de cuidado no pré-natal e dentro da maternidade, utilizando-a para a educação em saúde e na promoção do bem-estar emocional materno e familiar. Além disso, mostraram considerá-la mediadora da vinculação, seja entre mãe-bebê-família ou profissional-usuária-família.

Identificou-se Naolí Vinaver como referência, direta ou indireta, para a iniciação das profissionais estudadas na prática de pintar o ventre de gestantes, sendo pioneira na aplicação desta arte na obstetrícia e disseminadora do seu fazer.

Neste trabalho, a pintura no ventre de gestantes, realizada por enfermeiras e obstetrizes, ganhou cientificidade. Foi plantada a primeira semente para se refletir e discutir sobre a integração dessa arte visual na atenção à saúde materna, principalmente na enfermagem. Espera-se ampliar o seu uso neste campo.

Há um terreno fértil para que o conhecimento produzido até aqui germine, cresça e frutifique, por meio do desenvolvimento de novos estudos, em diferentes cenários, que permitam compreender mais esse fenômeno e os seus desfechos na prática em saúde materna.

Referências bibliográficas

1. George JB. Teorias de enfermagem: os fundamentos à prática profissional. 4 ed. Porto Alegre (RS): Artes Médicas Sul. 2000. [ Links ]

2. State of the Field Committee. State of the field report: Arts in healthcare. Washington (DC): Society for the Arts in Healthcare. 2009. [ Links ]

3. Arts Council England. Research report 36. Arts in health: a review of the medical literature -Dr. Rosalia Lelchuk Staricoff. Arts Council England. London (UK): Arts Council England. 2004. [ Links ]

4. Alberti V. Manual de história oral. 3 ed. Rio de Janeiro (RJ): Editora FGV; 2013. [ Links ]

5. Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. International Journal for Quality in Health Care. 2007; 19(6): 349-357. [ Links ]

6. Polit DF, Beck CT. Fundamentos de Pesquisa em Enfermagem: avaliação de evidências para a prática da enfermagem. 7 ed. Porto Alegre (RS): Artmed; 2011. [ Links ]

7. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa (PT): Edições 70; 2009. [ Links ]

8. Mata JAL. Vivência da Arte da Pintura do Ventre Materno por profissionais e gestantes: histórias, emoções e significados [Tese]. Campinas (SP): Faculdade de Enfermagem, Universidade Estadual de Campinas. 2017. [ Links ]

9. Chiu C, Hsu M, Wang E. Understanding knowledge sharing in virtual communities: An integration of social capital and social cognitive theories. Science Direct. 2006; 42:1872-1888. [ Links ]

10. Sales AE, Estabrooks CA, Valente TW. The impact of social networks on knowledge transfer in long-term care facilities: Protocol for a study. Implementation Science. 2010; 5(49): 1-10. [ Links ]

11. Rofé Y, Blittner M, Lewin I. Emotional experiences during the three trimesters of pregnancy. Journal of Clinical Psychology. 1993; 49(1): 3-12. [ Links ]

12. Maldonado MT. Psicologia da gravidez. 12 ed. Petrópolis (RJ): Vozes; 1991. [ Links ]

13. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa. Protocolos da Atenção Básica: saúde das mulheres. Brasília (DF): MS; 2016. [ Links ]

14. Gregory KD, Johnson CT, Johnson TR, Entman SS. The content of prenatal care. Update 2005. Womens Health Issues. 2006; 16(4): 198-215. [ Links ]

15. Vedova AMD, Dabrassi F, Imbasciati A. Assessing prenatal attachment in a sample of Italian women. Journal of Reproductive and Infant Psychology. 2008; 26(2): 86-98. [ Links ]

16. Righetti PL, Dell’Avanzo M, Grigio M, Nicolini U. Maternal/paternal antenatal attachment and forth-dimensional ultrasound technique: a preliminar report. British Journal of Psychology. 2005; 96(1):129-137. [ Links ]

17. Mata JAL, Shimo AKK. A representação social da arte da pintura do ventre materno para gestantes. Revista Pesquisa Qualitativa. 2017; 5(8): 250-268. [ Links ]

18. Allison RJ. Language matters! Pract Midwife. 2012:15(1):14-6. [ Links ]

19. Morin E. O método 6: ética. 4 ed. Porto Alegre (RS): Sulina; 2011. [ Links ]

20. Teixeira RR. Humanização e atenção primária à saúde. Ciênc Saúde Colet. 2005; 10(3): 585-597. [ Links ]

21. Church CC, Miller MW. Quantification of risk from fetal exposure to diagnostic ultrasound. Progress in biophysics and molecular biology. 2007; 93(1-3 ): 331-353. [ Links ]

22. Edwards MJ, Saunders RD, Shiota K. Effects of heat on embryos and foetuses. Int. J. Hyperthermia. 2003; 19(3):295-324. [ Links ]

23. Bosi A. Reflexões sobre a arte. 7 ed. São Paulo (SP): Editora Ática; 2008. [ Links ]

24. Nishikawa M, Sakakibara H. Effect of nursing intervention program using abdominal palpation of Leopold’s maneuvers on maternal-fetal attachment. Reproductive health. 2013; 10(12): 1-7. [ Links ]

25. Condon JT. The assessment of antenatal emotional attachment: development of a questionnaire instrument. British Journal of Medical Psychology. 1993; 66(2): 167-183. [ Links ]

26. Condon JT, Corkindale C. The correlates of antenatal attachment in pregnant women. British Journal of Medical Psychology . 1997; 70:359-372. [ Links ]

Recebido: 01 de Dezembro de 2017; Aceito: 15 de Março de 2018

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons