Introdução
O estresse, palavra derivada do latim e empregada popularmente a partir do século XVII, tem como principais significados o cansaço e a fadiga. O sintoma surge como uma resposta do organismo a uma situação considerada conflitante. O estresse também pode ser entendido como reação do organismo associada a componentes psicológicos, físicos e hormonais, em situações com necessidade de grande adaptação a um evento importante1. O estresse no trabalho, chamado de estresse ocupacional, refere-se à dificuldade de adaptação às demandas existentes no trabalho e àquelas que o próprio indivíduo identifica2,3.
A atividade docente é considerada uma das mais estressantes, pois conduz ao desgaste físico e emocional e contribui para o surgimento de síndromes, como a de Burnout (SB). A profissão, nos últimos tempos, tem sofrido transformações relevantes quanto à metodologia, obsolescência e questões econômicas, que se associam à desvalorizações e críticas4. Os profissionais de ensino estão mais expostos a ambientes conflitivos e de exigências no trabalho, tais como tarefas extraclasses, reuniões e atividades adicionais, problemas com alunos que chegam a ameaças verbais e físicas, pressão do tempo, relacionamento tenso com os pais, a falta de espírito de equipe que gera um clima negativo, prejudicando o ambiente de trabalho, a pouca possibilidade de crescimento na carreira e os salários defasados5. Quando os estressores superam a capacidade do indivíduo em gerenciá-los, pode resultar em sobrecarga, desmotivação e consequências graves como burnout6.
Esse último termo origina-se do verbo inglês to burn out que remete queimar-se por completo, consumir-se. É uma doença característica do trabalho resultante do esgotamento, da decepção e da perda do interesse pelas atividades profissionais com que lidam direta ou indiretamente com pessoas. Caracteriza-se por três dimensões: exaustão emocional (EE), despersonificação (DE) e redução da realização pessoal (RP). A patologia pode incluir em sua definição: comportamentos de incapacidade de envolvimento emocional; pouca realização profissional; depressão; irritabilidade; comportamento frio e impessoal; e comprometimento da realização das atividades do trabalho6,7.
Um aspecto a ser considerado na atualidade é a magnitude dos aspectos psicossociais representado, em grande parte, pelo estresse na sociedade moderna. As condições sociais de trabalho e o estresse psicológico mostram-se, cada vez mais, como fatores de risco ocupacional que afetam praticamente toda a população economicamente ativa8. Dessa forma, burnout atinge várias profissões, mas tem um enfoque de estudo vinculado a profissões de ensino e serviços de saúde, por estarem relacionadas ao intenso e contínuo contato emocional com pessoas5. A intensidade desse fenômeno e o impacto sobre a economia também podem ser evidenciados por meio de afastamentos, ausências e baixa produtividade8.
As alterações psíquicas desses trabalhadores trazem prejuízos ao indivíduo na vida social além de afetar a qualidade da atividade desenvolvida. O equilíbrio no ambiente de trabalho depende de estratégias e manobras que visam evitar ou reduzir doenças advindas do estresse no trabalho9.
Conforme o exposto, este estudo teve como objetivo conhecer a prevalência de suspeita de SB entre docentes.
Material e método
Trata-se de uma pesquisa descritiva realizada por meio de levantamento (Suvey). Esse tipo de pesquisa procura a frequência com que o evento ocorre, suas características, causas, natureza, relações com outros eventos e como este foi tratado10.
Os participantes do estudo foram 52 docentes do ensino fundamental, médio, supletivo e técnico, que trabalham em um colégio estadual do município de Niterói. O campo de atuação é dividido em: ensino fundamental e ensino médio (turno da manhã); ensino fundamental (turno da tarde); supletivo e técnico em contabilidade (turno da noite).
A coleta de dados foi realizada no ano de 2014, utilizando como instrumento um questionário autoaplicado, contendo perguntas fechadas e seções, organizadas pelos seguintes assuntos: aspectos relacionados às características sociodemográficas como cor da pele autorreferida, sexo, faixa etária, escolaridade e renda per capita por salário mínimo. Os estratos da variável cor da pele basearam-se na classificação proposta pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística11. Em relação ao aspecto de trabalho, foram estudadas as variáveis: área de atuação; carga horária semanal e carga horária.
Para a avaliação de burnout, utilizou-se o Maslach BurnoutInventory (MBI), questionário contendo vinte e duas questões com pontuação de zero a cinco, para avaliar se o trabalhador se expõe a síndrome, variando de acordo com a percepção da intensidade de estresse profissional12.
O MBI é formado por escala de frequência com 5 pontos, os quais avaliam 3 dimensões: esgotamento emocional (9 afirmativas); despersonificação (5 afirmativas) e realização pessoal (8 afirmativas), em sua versão adaptada e validada para o português com profissionais de enfermagem13.
A pontuação foi obtida pela soma dos valores em cada subescala. Foram utilizados pontos de corte, no qual os autores consideraram que, na subescala esgotamento emocional, pontuação ≥ 27 seria indicativa de alto nível. Nas subescalas despersonificação e realização pessoal, a pontuação ≥ 10 indicou nível alto e ≥ 40 indicou nível baixo, respectivamente8,14.
Devido à ausência de consenso na literatura científica para o diagnóstico, foram utilizados como critérios para SB o grau elevado nas dimensões esgotamento emocional e despersonificação, somado a grau baixo em realização pessoal15, ou apenas uma das dimensões em desequilíbrio. A prevalência foi verificada também pelo critério de Golembiewski, Manzenrieder e Carter, que consideram apenas a despersonificação como preditora da síndrome16.
Resultados
Caracterização sociodemográfica
A população estudada apresentou acima de 25 anos, sendo a média de idade mais encontrada acima de 47 anos - 24 pessoas (53,8%) com desvio padrão de ( 8,5, a cor da pele mais referida foi a branca - 42 pessoas (80,8%), predominou o sexo feminino - 45 pessoas (86,5%), com nível de pós-graduação sensu ou stricto sensu- 32 pessoas (61,5%) e ganhos financeiros da família acima de sete salários mínimos - 33 pessoas (63,5%).
Descrição do mbi referente às dimensões da síndrome de burnout
Segundo critério de Ramirez, não foram encontrados suspeitos, de acordo com Grunfeld, 33 casos (63,5%) e, com Golembieviski, 15 casos (28,8%).
A partir da observação dessas três dimensões que compõem a síndrome, pode-se constatar a existência de maior frequência de respostas positivas para a dimensão “esgotamento emocional”, com destaque para as questões: sinto que meu trabalho está me desgastando (90,4%) e quando termino minha jornada de trabalho sinto-me esgotado (a) (88,5%). (Tabela 1)
Em relação à dimensão “realização pessoal” pode-se perceber pelas frequências das respostas, que os docentes sentem-se satisfeitos com sua função social, pois as respostas se mantiveram positivas, acima de 90%. (Tabela 1)
Quanto à dimensão “despersonificação” duas questões foram mais citadas como comuns: sinto que me tornei mais duro (a) com as pessoas, desde que comecei este trabalho (67,3%), e - fico preocupado (a) que este trabalho esteja me enrijecendo emocionalmente (65,4%). (Tabela 1)
DIMENSÕES E QUESTÕES | 88.Frecuencia 89. | 90. 91. 92.|
---|---|---|
ƒi Sim | 93.Fi | 94. 95.|
ESGOTAMENTO EMOCIONAL | 96.97. | 98. 99. |
Sinto que meu trabalho está me desgastando | 100.47 | 101.90,4 | 102. 103.
Quando termino minha jornada de trabalho sinto-me esgotado (a). | 104.46 | 105.88,5 | 106. 107.
Quando me levanto pela manhã e me deparo com outra jornada de trabalho, já me sinto esgotado(a). | 108.45 | 109.86,5 | 110. 111.
Sinto que estou trabalhando demais. | 112.44 | 113.84,6 | 114. 115.
Sinto-me frustrado(a) com meu trabalho. | 116.43 | 117.82,7 | 118. 119.
Sinto-me como se estivesse no limite de minhas possibilidades. | 120.40 | 121.76,9 | 122. 123.
Sinto-me emocionalmente decepcionado(a) com meu trabalho. | 124.41 | 125.78,8 | 126. 127.
Sinto que trabalhar todo o dia com pessoas me cansa. | 128.35 | 129.67,3 | 130. 131.
Sinto que trabalhar em contato direto com pessoas, todo o dia, me estressa. | 132.35 | 133.67,3 | 134. 135.
REALIZAÇÃO PESSOAL | 136.137. | 138. 139. |
Sinto que estou exercendo influência positiva na vida de pessoas por meio do meu trabalho. | 140.52 | 141.100,0 | 142. 143.
Creio que consigo muitas coisas valiosas nesse trabalho. | 144.51 | 145.98,1 | 146. 147.
Sinto que posso criar, com facilidade, um clima agradável em meu trabalho. | 148.51 | 149.98,1 | 150. 151.
Sinto que, no meu trabalho, os problemas emocionais são tratados de forma que atender. | 152.44 | 153.84,6 | 154. 155.
Sinto-me estimulado depois de haver trabalho diretamente com quem tenho que atender. | 156.49 | 157.94,2 | 158. 159.
Sinto-me com muita energia no meu trabalho. | 160.48 | 161.92,3 | 162. 163.
Sinto que trato com muita eficiência os problemas das pessoas as quais tenho que atender. | 164.51 | 165.98,1 | 166. 167.
Sinto que posso entender facilmente as pessoas que tenho que atender. | 168.51 | 169.98,1 | 170. 171.
DESPERSONIFICAÇÃO | 172.173. | 174. 175. |
Sinto que me tornei mais duro(a) com as pessoas, desde que comecei este trabalho. | 176.35 | 177.67,3 | 178. 179.
Fico preocupado(a) que este trabalho esteja me enrijecendo emocionalmente. | 180.34 | 181.65,4 | 182. 183.
Sinto que realmente não me importa o que ocorra com as pessoas as quais tenho que atender profissionalmente | 184.17 | 185.32,7 | 186. 187.
Sinto que estou tratando algumas pessoas com as quais me relaciono no meu trabalho como se fossem objetos impessoais | 188.7 | 189.13,5 | 190. 191.
Parece-me que os beneficiados com meu trabalho culpam-me por alguns de seus problemas | 192.26 | 193.50,0 |
Legenda: Total de docentes = 52, 100,0%
Fonte: elaboração própria.
Segundo a análise das dimensões da síndrome, constata-se que o esgotamento emocional e a realização pessoal se encontram elevados. A despersonificação apresentou escore médio.
Dos pesquisados, 50,0% (n=26) referiram estar pouco estressados, 19,2% (n=10) referiram não estar nem um pouco estressados, 17,3% (n=9) referiram estar estressados e 13,5% (n=7) referiram estar muito estressados, embora 59,6% (n=31) referiram estar felizes no trabalho, e 40,4% (n=21 pessoas) referiram não estar felizes com o trabalho por algum motivo, 53,8% (n=28) pensaram em abandonar o trabalho e 75% (n=39) referiram não pensar no trabalho nos dias de folga.
Os escores das dimensões da Síndrome de Burnout encontram-se a seguir, onde se pode observar 40,4% (n=21) dos docentes com grau expressivo de esgotamento emocional, seguido de 28,8% (n=15) em despersonificação alta, e 11,5 % (n=6) com realização pessoal baixa (Tabela 2).
Dimensões 204. Investigadas | 205.Escores 206. 207. | 208.Suspeitos 209. 210. | 211.Tendência central 212. | 213. 214. 215.|||||
216. Alto*-médio-baixo 217. | 218.fi | 219.Fi | 220.Média 221. encontrada | 222.Desvio 223. padrão | 224. 225.||||
Esgotamento emocional | 226.≥27 | 227.19-26 | 228.<19 | 229.21 | 230.40,4 | 231.25,0 | 232.15,4 | 233. 234.|
Despersonificação | 235.≥10 | 236.06-09 | 237.<06 | 238.15 | 239.28,8 | 240.09,0 | 241.05,2 | 242. 243.|
Realização pessoal | 244.≤33 | 245.34-39 | 246.≥40 | 247.06 | 248.11,5 | 249.27,0 | 250.09,5 |
Legenda:Total de docentes = 52, 100,0%
Fonte: elaboração própria.
Discussão
As consequências do burnout têm efeitos negativos para a organização de ensino, para o indivíduo e sua profissão17. Professores com fortes sentimentos vocacionais são mais vulneráveis à síndrome, pois ao evitar ver sua atividade como trabalho, mas sim como vocação, tendem a envolver-se de forma excessiva, podendo resultar em sobrecarga de trabalho18. O profissional docente lida com grandes contingentes de pessoas, em atividades envolvendo grupos que exigem complexidade de ações e agilidade de pensamentos, para a tomada de atitudes proativas que permitam o desenvolvimento de seus discentes.
A busca constante por condições mais dignas de sobrevivência tem levado a classe trabalhadora a mudanças de hábitos que sobrecarregam seu dia-a-dia de trabalho e obrigações. Entretanto, a classe dos professores não foge a essa característica ao prolongar sua jornada de trabalho ao lar, e ainda, ao submeterem-se as más-condições de trabalho oferecidas, nas quais se incluem a desvalorização profissional e o estresse diário ocasionado por uma série de fatores negativos que se estendem, desde o campo político até o social19.
Observa-se que a classe trabalhadora docente, para conseguir ao menos voz na sociedade, acaba tendo que recorrer a greves, manifestações, e paralisações reivindicando melhores salários e condições de trabalho. A grande questão é, se esses docentes com desgaste emocional reconhecem que necessitam de ajuda profissional. Pois as estratégias de enfrentamento relatadas na literatura são individuais como: autocontrole; suporte social; melhor administração do tempo; resolução de problemas e reavaliação positiva de fatores que podem amenizar os sinais e sintomas de burnout6. Podem ser ressaltadas, também, estratégias coletivas como: dialogar mais sobre as dificuldades; e atividades recreativas. Isso se soma a constatação deste estudo ter encontrado esgotamento emocional acima da média e os docentes referirem que se sentem esgotados, após a jornada e que esse processo causa desgaste.
Para desempenhar as funções docentes, são exigidas diversas condições, e o professor sofre um desgaste físico e psicológico ao tentar suprir determinadas demandas, o que em muitos casos ocasiona o estresse ocupacional20. Nessa ótica cabe destacar o número desmedido de turmas e de matérias lecionadas, além de múltiplos vínculos empregatícios para manter um padrão socioeconômico.
Socialmente é aceitável sentir-se exausto em função do trabalho. Em muitos casos, isso faz com que o profissional seja mais valorizado, inclusive pelo corpo diretivo, o qual passa a ver esses trabalhadores como dedicados e comprometidos com as metas e objetivos institucionais, estratégia essa bastante utilizada pelas organizações, na busca de mais produtividade. O número de alunos atendidos diariamente pelos docentes interfere significativamente no esgotamento emocional. Uma elevação no número de discentes corresponde ao aumento de demanda, tornando o trabalhador mais vulnerável ao burnout18.
Características geradoras de estresse são a precariedade na infraestrutura das escolas e a sobrecarga de trabalho, pois os professores assumem outras atividades, como cuidador e/ou secretário21. Uma pesquisa mostra que os professores de ensino fundamental e médio apresentam mais atitudes negativas em relação aos alunos e menor frequência de realização profissional19. Essa constatação que se afirma com os achados da despersonificação neste estudo, onde se encontrou escore médio nessa dimensão, o que pode fazer com que se sintam frios, mais preocupados e enrijecidos emocionalmente. Contudo, constata-se por meio deste estudo que a dimensão referente à realização pessoal encontra-se em escore elevado, demonstrado por respostas afirmativas quanto à satisfação com sua atividade profissional.
A identificação de possíveis agentes estressores no trabalho corresponde ao início da mudança que deve ser realizada no ambiente de trabalho. Esse processo deve ser feito precocemente, desenvolvendo soluções para minimizar efeitos nocivos, tornando o cotidiano mais produtivo e prazeroso. A educação em saúde, por meio de discussões temáticas, panfletos educativos e palestras sustentam o arcabouço de informações necessárias para fornecer subsídios ao trabalhador para detecção precoce de sintomas de SB e o autocuidado.
Conclusão
Foi observada a prevalência expressiva de SB entre professores o que gera alerta sobre as condições de trabalho e saúde psíquica desses profissionais. A exaustão emocional e despersonificação mostraram-se no estrato médio segundo MBI, embora de acordo com os critérios diagnósticos, pode-se constatar prevalência de 84,6% de suspeitos entre o grupo. O fato se confirma quando se observa que 53,8% dos sujeitos da pesquisa pensaram alguma vez em abandonar suas funções de trabalho.
Este estudo destaca a importância da pesquisa nessa área e da necessidade de novas ações que alterem as condições de trabalho, viabilizando melhor qualidade de vida e bem-estar do trabalhador. Além disso, fornece subsídios para reflexão quanto à organização do trabalho e qualidade de vida profissional.
Declaração de conflito de interesses
Os autores declaram que não têm nenhum tipo de conflito de interesses.