Introdução
Estima-se que os transtornos mentais correspondem aproximadamente 12% das doenças1. Dentre eles, destacam-se os transtornos mentais comuns (TMC), uma das morbidades psíquicas com maior prevalência, acometendo cerca de um terço da população em diferentes faixas etárias1. Os TMC são manifestações sentimentais de inutilidade, insônia, dificuldade de concentração, irritabilidade, fadiga, esquecimento e queixas somáticas que estão aliados à ansiedade e depressão2.
Os TMC são responsáveis pelo alto impacto social e econômico, em virtude das ausências no trabalho e aumento da demanda pelos serviços de saúde3, além dos impactos indesejáveis no bem-estar pessoal e familiar, configurando-se, portanto, como um importante problema de saúde pública. No contexto do idoso, as situações de baixa produtividade, abandono e isolamento social, dentre outros fatores, podem aumentar a exposição às comorbidades psíquicas e repercutir negativamente na saúde1.
Vale mencionar que, o Brasil será mundialmente o sexto país com maior quantitativo de idosos até 20254, o que ressalta a imprescindibilidade de ações que agreguem qualidade aos anos adicionais de vida dos idosos, cumprindo desse modo, a proposta de promoção e proteção da saúde e do envelhecimento ativo. Nesse sentido, a sexualidade pode ser um campo relevante para ser explorado, especialmente, pelas enfermeiras da Estratégia de Saúde da Família (ESF), um modelo assistencial da atenção primária à saúde do Brasil. Citamos a ESF por ser o principal modelo de reordenação da rede de saúde do Brasil, sendo que em outros países, a atenção primária pode ser executada por diferentes modelos que também podem se constituir como campo para o desenvolvimento de práticas em sexualidade com pessoas idosas.
A sexualidade integra um conjunto de necessidades básicas do ser humano e deve ser experienciada de forma plena e satisfatória5. Ela é definida como um componente multidimensional em que o indivíduo explicita pensamentos, sentimentos e cognições, tais como as expressões de amor, afeto, intimidade, companheirismo, toque, abraço, incluindo a atividade sexual6. Portanto, trata-se de um processo natural que responde a uma necessidade fisiológica e emocional do ser humano, manifestando-se de diversas maneirais nas diferentes fases do ciclo vital4.
Desse modo, a sexualidade está presente em todas as idades, não desaparece na velhice5 e só tem fim após a morte do indivíduo6. Vale destacar que o processo de envelhecimento não impossibilita as vivências da sexualidade pelo idoso7. Pelo contrário, a vivência satisfatória da sexualidade na velhice contribui de forma significativa para a qualidade de vida4,6, saúde e bem-estar da pessoa idosa6.
Deve-se lembrar que o envelhecimento ocorre em um processo singular e complexo, mas não significa dependência ou incapacidade funcional. Ressalta-se que, mesmo se houver perdas funcionais, a velhice pode ser vivenciada de forma bem-sucedida4. Todavia, a grande problemática é que a maioria dos profissionais da ESF não considera a sexualidade em suas práticas assistenciais, devido a predominância da atenção à saúde focada, quase sempre, nos aspectos patológicos e curativistas8.
Além disso, a sexualidade na velhice é envolvida por diversos mitos e preconceitos pela sociedade atual. A falsa crença de que a sexualidade é permitida somente na juventude contribui para o fortalecimento social de que sua vivência na velhice é uma prática incomum e imoral. Não obstante, essa construção social também tem impactos na assistência à saúde, pois culmina na falta de atenção dos profissionais sobre a necessidade de abordar essa temática em suas consultas, e como consequência, colabora no incremento da vulnerabilidade dos idosos7.
Nesse contexto, considerando a importância da sexualidade na saúde dos idosos; a falta de abordagens pelos profissionais da saúde e, especialmente, a necessidade de investir em novas estratégias assistenciais com foco na promoção e proteção à saúde, justifica-se o desenvolvimento desse estudo no sentido de aprofundar discussões sobre a integralidade assistencial e os benefícios da sexualidade na saúde dos idosos. Assim, a hipótese desse estudo é que a sexualidade está associada às variáveis biosociodemográficas e correlacionada à suspeição de TMC nessa população. No intuito de testá-la, objetivou-se por meio desse estudo analisar a associação entre as vivências da sexualidade com as variáveis biosociodemográficas e saúde mental de idosos.
Método
Trata-se de um estudo seccional, descritivo e analítico construído conforme as recomendações do checklist STROBE9.
Para determinar a amostra considerou-se uma população infinita, prevalência de TMC em idosos de 25%1, α=0,05% e IC=95%, resultando em uma amostra mínima de 289 participantes idosos residentes em comunidade. Todavia, acrescentou-se mais participantes para compensar possíveis perdas e taxas de não respostas, totalizando uma amostra final de 300 idosos que preencheram os seguintes critérios de inclusão: ter idade maior ou igual a 60 anos, conforme padronização do Brasil, ser casado(a) ou possuir parceria fixa, em virtude do instrumento utilizado também considerar a sexualidade vivida entre o cônjuge, sendo, portanto, um quesito obrigatório10; de ambos os sexos (masculino e feminino) e residir no nordeste brasileiro. Foram excluídos os idosos residentes em instituições de longa permanência e similares e, aqueles hospitalizados durante o período de coleta de dados. Por se tratarem de idosos com interação ativa em redes sociais e habilidades no manuseio de aparelhos eletrônicos que permitem acesso à internet, dispensou-se a aplicação de instrumento para avaliação da cognição.
Os dados foram coletados exclusivamente online entre os meses de agosto e outubro de 2020 por meio da Rede Social Facebook. Foi criada uma página destinada ao desenvolvimento de investigações científicas, onde os pesquisadores publicaram o hiperlink de acesso ao questionário da pesquisa. Esse hiperlink foi acompanhado por um convite em forma de banner digital que convidava o público-alvo para participar do estudo. Não obstante, os autores utilizaram a estratégia de geolocalização, no qual foi possível delimitar somente a região nordeste como cenário de estudo, além de aplicar mensalmente o impulsionamento de postagem, para que o Facebook ampliasse a divulgação para o máximo de pessoas possíveis, até o alcance do tamanho amostral.
O questionário da pesquisa foi elaborado pelo Google Forms e organizado em três blocos: biosociodemográfico, sexualidade e saúde mental. Vale ressaltar que, antes dos participantes terem acesso ao questionário, exigiu-se de forma obrigatória a inclusão do e-mail no campo solicitado, para que os pesquisadores pudessem reduzir vieses por meio da identificação de respostas múltiplas pelo mesmo participante. Além disso, em uma página prévia aos instrumentos, foi disponibilizado na íntegra o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), sendo que, para prosseguir com o estudo, o participante teve que clicar na opção “Li e aceito participar deste estudo”, uma etapa obrigatória.
O bloco biosociodemográfico foi delineado com questões construídas pelos próprios pesquisadores no intuito de traçar o perfil dos participantes, tais como faixa etária, orientação sexual, religião, sexo (masculino e feminino), etnia escolaridade, estado civil, tempo que convive com o parceiro, se mora com os filhos, orientação sexual e se já tiveram orientação sobre sexualidade pelos profissionais da saúde.
O bloco sexualidade foi elaborado com a Escala de Vivências Afetivas e Sexuais do Idoso (EVASI) construída e validada no Brasil10. Trata-se de uma escala estruturada em três dimensões: ato sexual, relações afetivas e adversidades física e social, além de possuir 38 itens com cinco possibilidades de respostas: (1=nunca), (2=raramente), (3=às vezes), (4=frequentemente) e (5=sempre). A escala não possui ponto de corte e o resultado é interpretado na perspectiva de que a maior/menor pontuação representa, respectivamente, melhor/pior vivência da sexualidade pelos idosos10. Durante o processo de validação, a autora encontrou boa confiabilidade para as três dimensões por meio do alfa de Cronbach: ato sexual (α=0,96), relações afetivas (α=0,96) e adversidades física e social (α=0,71)10.
Por fim, o bloco saúde mental foi elaborado com o Self-report Questionnaire (SRQ-20), validado para o Brasil11,12com o objetivo de rastrear a suspeição de TMC. É composto por 20 questões que avaliam quatro domínios: humor depressivo-ansioso, sintomas somáticos, decréscimo de energia vital e pensamentos depressivos. Todas as possibilidades de respostas são dicotômicas (sim/não), o que possibilita o alcance de um escore mínimo de 0 pontos (nenhuma probabilidade) a um escore máximo 20 pontos (extrema probabilidade) do participante ter TMC. Foi adotado ponto de corte ≥ 5 respostas positivas para ambos os sexos, conforme estudos prévios13. O instrumento SRQ-20 apresenta sensibilidade de 83% e especificidade de 80%11, além de apresentar confiabilidade satisfatória por meio do alfa de Cronbach de 0,8612.
Os dados foram armazenados e analisados pelo software estatístico IBM SPSS®. Após constatar a distribuição anormal dos dados por meio do teste Kolmogorov - Smirnov (p<0,05), recorreu-se a estatística descritiva e analítica não paramétrica, cujos resultados estão expressos em porcentagem, mediana, intervalo interquartil, posto médio e estatística de teste. Foi utilizado o teste de Mann-Whitney para analisar as variáveis com duas categorias e o teste de Kruskal-Wallis para analisar as variáveis com mais de duas categorias. Para a análise da variável independente (sexualidade) e a variável dependente (saúde mental), utilizou-se a correlação de Spearman (ρ), adotando intervalo de confiança de 95% (p<0,05) para todas as análises estatísticas.
Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo no ano de 2020, sob parecer n. 4.319.644 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE): 32004820.0.0000.5393.
Resultado
Predominou-se no presente estudo os idosos do sexo masculino (n=206; 68,7%), com idade entre 60 e 64 anos (n=128; 42,7%), autodeclarados brancos (n=213; 71,0%), com ensino superior (n=137; 45,7%) e que nunca receberam orientações sobre sexualidade pelos profissionais de saúde (n=227; 75,7%). Além do mais, evidenciou-se prevalência geral de TMC de 31% (n=93) e os idosos do sexo masculino foram os mais acometidos, conforme Tabela 1.
Conforme Tabela 2, o teste de Mann-Whitney demonstrou associação significativa entre o sexo feminino e, os sintomas somáticos e decréscimo de energia vital. Já o teste de Kruskal-Wallis demonstrou que os idosos com idade entre 65 e 69 anos melhor vivenciam o ato sexual. Além disso, aqueles com parceria fixa melhor vivenciam o ato sexual, melhor vivenciam as relações afetivas e possuem menores adversidades física e social relacionadas as suas vivências em sexualidade (Tabela 2).
Observa-se na Tabela 3 que, os idosos com suspeição de TMC tiveram as menores medianas nas dimensões ato sexual e relações afetivas, indicando que esse grupo pior vivencia essas duas dimensões de sua sexualidade quando comparado com os idosos sem suspeição. Não obstante, observou-se que os participantes com suspeição de TMC tiveram maior mediana na dimensão adversidades física e social evidenciando que possuem pior enfrentamento face a tais adversidades (Tabela 3).
A Tabela 4 demonstra que, todas as dimensões da sexualidade estão significativamente correlacionadas a todos os domínios do SRQ-20. Todavia, as correlações foram fracas e moderadas e, a maior correlação identificada foi negativa entre as relações afetivas e os sentimentos relacionados ao humor depressivo-ansioso (Tabela 4).
Discussão
Esse estudo evidenciou prevalência geral de 31% de TMC entre os idosos brasileiros. Além disso, os participantes do sexo masculino foram os mais acometidos pela morbidade psíquica, o que diverge de um estudo semelhante no qual identificou o sexo feminino com maior prevalência1. Vale destacar que as estimativas da prevalência de TMC possuem variações consideráveis na literatura. Entretanto, uma a cada seis pessoas que vivem em comunidade podem apresentar esses transtornos e aproximadamente 50% das pessoas acometidas apresentam sintomatologias que requerem intervenções dos profissionais de saúde14.
A associação significativa entre o sexo feminino encontrada nesse estudo foi com os sintomas somáticos e com o decréscimo de energia vital. Os sintomas somáticos são caracterizados por cefaleia, má digestão, insônia, inapetência, desconforto estomacal e tremores nas mãos. Já o decréscimo de energia vital envolve fadiga, sofrimento nas atividades laborais, dificuldade na tomada de decisões, em sentir satisfação nas tarefas e em pensar com clareza15.
O sofrimento entre as mulheres está intimamente ligado, mas não restrito, à construção social e as questões de gênero. Nesse sentido, convém destacar que em todo o processo de socialização, a mulher foi condicionada a ser contida em suas emoções, o que pode favorecer descargas emocionais manifestadas
Variáveis | Com suspeição de TMC | Sem suspeição de TMC | |||
---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | ||
Sexo | |||||
Masculino | 57 | 61,3 | 149 | 72,0 | |
Feminino | 36 | 38,7 | 58 | 28,0 | |
Idade | |||||
Entre 60 - 64 anos | 43 | 46,2 | 85 | 41,1 | |
Entre 65 - 69 anos | 30 | 32,3 | 75 | 36,2 | |
Entre 70 - 74 anos | 13 | 14,0 | 36 | 17,4 | |
Entre 75 - 79 anos | 6 | 6,5 | 9 | 4,3 | |
Entre 80 - 84 anos | 1 | 1,1 | 2 | 1,0 | |
Religião | |||||
Católico | 60 | 64,5 | 127 | 61,4 | |
Protestante | 13 | 14,0 | 24 | 11,6 | |
Espírita | 7 | 7,5 | 20 | 9,7 | |
Religiões de origens africanas | 1 | 1,1 | 4 | 1,9 | |
Outras | 5 | 5,4 | 8 | 3,9 | |
Sem religião | 7 | 7,5 | 24 | 11,6 | |
Etnia | |||||
Branca | 60 | 64,5 | 153 | 73,9 | |
Amarela | 4 | 4,3 | 2 | 1,0 | |
Negra | 3 | 3,2 | 10 | 4,8 | |
Parda | 23 | 24,7 | 39 | 18,8 | |
Indígena | 2 | 2,2 | 2 | 1,0 | |
Não sabe | 1 | 1,1 | 1 | 0,5 | |
Escolaridade | |||||
Primário | 10 | 10,8 | 20 | 9,7 | |
Fundamental I | 2 | 2,2 | 16 | 7,7 | |
Fundamental II | 5 | 5,4 | 14 | 6,8 | |
Médio | 29 | 31,2 | 66 | 31,9 | |
Superior | 46 | 49,5 | 91 | 44,0 | |
Sem escolaridade | 1 | 1,1 | 0 | 0,0 | |
Estado civil | |||||
Casado | 61 | 65,6 | 149 | 72,0 | |
União estável | 11 | 11,8 | 31 | 15,0 | |
Com parceiro(a) fixo(a) | 21 | 22,6 | 27 | 13,0 | |
Tempo de convivência com o parceiro | |||||
≤ 5 anos | 18 | 19,4 | 25 | 12,1 | |
Entre 6 e 10 anos | 4 | 4,3 | 18 | 8,7 | |
Entre 11 e 15 anos | 6 | 6,5 | 12 | 5,8 | |
Entre 16 e 20 anos | 3 | 3,2 | 13 | 6,3 | |
> 20 anos | 62 | 66,7 | 139 | 67,1 | |
Mora com os filhos | |||||
Sim | 24 | 25,8 | 54 | 26,1 | |
Não | 63 | 67,7 | 140 | 67,6 | |
Não tem filhos | 6 | 6,5 | 13 | 6,3 | |
Já teve orientação sobre sexualidade pelos profissionais de saúde? | |||||
Sim | 21 | 22,6 | 52 | 25,1 | |
Não | 72 | 77,4 | 155 | 74,9 | |
Orientação sexual | |||||
Heterossexual | 82 | 88,2 | 182 | 87,9 | |
Homossexual | 0 | 0,0 | 5 | 2,4 | |
Bissexual | 0 | 0,0 | 4 | 1,9 | |
Outros | 11 | 11,8 | 16 | 7,7 |
Fonte: Elaboração própria
Sexualidade | Saúde mental | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Variáveis | Ato sexual | Relações afetivas | Adversidades física e social | Humor depressivo-ansioso | Sintomas somáticos | Decréscimo de energia vital | Pensamentos depressivos |
Sexo | |||||||
Masculino | 145,61 | 145,41 | 153,47 | 146,00 | 143,33 | 144,02 | 153,70 |
Feminino | 161,22 | 161,66 | 143,99 | 160,36 | 166,21 | 164,69 | 143,48 |
Valor p | 0,148 | 0,132 | 0,376 | 0,158 | 0,026* | 0,039* | 0,239 |
Faixa etária | |||||||
60 - 64 | 155,21 | 152,28 | 142,63 | 154,80 | 148,04 | 161,07 | 144,52 |
65 - 69 | 156,35 | 155,32 | 151,59 | 142,84 | 155,43 | 136,50 | 148,80 |
70 - 74 | 145,83 | 141,08 | 163,42 | 160,32 | 154,71 | 147,24 | 158,01 |
75 - 79 | 108,17 | 144,73 | 145,90 | 141,17 | 120,43 | 157,27 | 180,17 |
80 - 84 | 32,83 | 88,50 | 260,50 | 121,17 | 164,50 | 208,83 | 194,33 |
Valor p | 0,039† | 0,634 | 0,129 | 0,633 | 0,611 | 0,129 | 0,242 |
Estado civil | |||||||
Casado | 134,46 | 139,66 | 155,41 | 151,45 | 147,35 | 147,54 | 148,99 |
União estável | 176,10 | 174,50 | 160,61 | 140,17 | 140,31 | 142,30 | 146,89 |
Com parceiro(a) fixo(a) | 198,27 | 176,91 | 120,16 | 155,38 | 173,21 | 170,61 | 160,25 |
Valor p | <0,001† | 0,004† | 0,027† | 0,647 | 0,101 | 0,157 | 0,563 |
Fonte: Elaboração própria
*Significância estatística pelo teste de Mann-Whitney (p<0,05)
†Significância estatística pelo teste de Kruskal-Wallis (p<0,05)
Dimensões da sexualidade | Com suspeição de TMC | Sem suspeição de TMC | Valor de p |
Mediana (IQ) | Mediana (IQ) | ||
Ato sexual | 65,00 (52,00-76,50) | 77,00 (68,00-81,00) | <0,001* |
Relações Afetivas | 68,00 (53,50-75,50) | 77,00 (70,00-82,00) | <0,001* |
Adversidades física e social | 8,00 (7,00-10,00) | 7,00 (5,00-9,00) | <0,001* |
Fonte: Elaboração própria
*Diferença estatisticamente significante pelo teste de Mann-Whitney (p<0,05)
Sexualidade | Saúde mental | ρ de Spearman | Valor de p |
Ato sexual | Humor depressivo-ansioso | -0,386‡ | <0,001 |
Sintomas somáticos | -0,172† | 0,003 | |
Decréscimo de energia vital | -0,286† | <0,001 | |
Pensamentos depressivos | -0,225† | <0,001 | |
Relações Afetivas | Humor depressivo-ansioso | -0,408‡ | <0,001 |
Sintomas somáticos | -0,222† | <0,001 | |
Decréscimo de energia vital | -0,306‡ | <0,001 | |
Pensamentos depressivos | -0,243† | <0,001 | |
Adversidades física e social | Humor depressivo-ansioso | 0,318‡ | <0,001 |
Sintomas somáticos | 0,224† | <0,001 | |
Decréscimo de energia vital | 0,287† | <0,001 | |
Pensamentos depressivos | 0,174† | 0,002 |
Fonte: Elaboração própria
†Correlações fracas
‡Correlações moderdas
pelo sofrimento psíquico e TEM16.
Nesse sentido, deve-se levar em consideração que as mulheres que hoje são idosas, já passaram pela infância, juventude e fase adulta, além de terem vivenciado a fase reprodutiva e a não reprodutiva e diversos outros contextos sociais e pessoais. Desta forma, o modo que essas mulheres vivenciaram quanti-qualitativamente todas essas especificidades pode repercutir na maneira como elas percebem e experienciam sua sexualidade na velhice.
Diante desse contexto, um estudo realizado com mulheres adultas revelou que as participantes mais velhas, com baixa escolaridade, com poucas horas de sono, separadas ou viúvas integram o seguimento com maior vulnerabilidade aos TMC e, portanto, devem ser consideradas com prioridade nos serviços de saúde17. Assim, a alta prevalência de TMC entre o sexo feminino expõe um processo de envelhecimento mais desafiador, visto que essas mulheres já foram submetidas às sobrecargas em grande parte de suas vidas, tiveram acesso restrito ao lazer, convivem com doenças crônicas e disfuncionalidades, além de várias outras adversidades provenientes dos papéis de gênero16.
Outro achado relevante de nosso estudo diz respeito a predominância de idosos que nunca receberam orientações sobre sexualidade pelos profissionais de saúde. Quaisquer orientações realizadas por esses profissionais são consideradas práticas educativas que se inserem no campo da educação em saúde e permeiam diversos temas relacionados às necessidades dos usuários18.
Destaca-se que as ações educativas possuem como principal objetivo tornar os envolvidos ativos sobre sua saúde, respeitando sua autonomia e valorizando seu potencial, de tal forma que a mudança de comportamento seja efetiva e promova benefícios na qualidade de vida19. Nesse contexto, a ESF se consolida como lócus das ações educativas, dado que a integralidade do trabalho desenvolvido pelos profissionais possibilita e provoca esforços capazes de cooperar na manutenção da saúde individual e coletiva, que por sua vez, mobiliza o pensamento crítico e transformador de mudanças pessoais e sociais20.
Nesta perspectiva, um estudo19 realizado com 1.281 idosos evidenciou que as orientações fornecidas pelos profissionais de saúde podem contribuir positivamente para a adoção de práticas saudáveis e redução de hábitos prejudiciais à saúde, constituindo-se como uma poderosa estratégia para a promoção da saúde do idoso19. Assim, os profissionais da ESF possuem funções de extrema relevância no desenvolvimento de ações educativas planejadas e direcionadas com vistas à qualidade de vida dos usuários. Tais ações devem ser articuladas de forma multiprofissional e ter caráter permanente para o alcance da promoção da saúde20.
Fato é que a sexualidade na velhice continua sendo um campo negligenciado pelos serviços de saúde e pelo poder público, sendo considerada como algo inexistente na velhice21, o que contribui para atitudes mais conservadoras entre os profissionais7,21e na dificuldade dos idosos solicitarem informações sobre a temática22.
Desse modo, é necessário promover confortabilidade no ambiente para que os idosos tenham liberdade em expressar suas emoções e necessidades sem medo ou vergonha22, pois a vivência plena e satisfatória da sexualidade na velhice contribui significativamente para a promoção de melhor saúde, bem-estar e qualidade de vida4,6e a sua supressão ou anulação promove eventos indesejáveis à saúde do idoso, além de acelerar o processo de envelhecimento21,23.
Outro achado relevante do presente estudo é que os idosos com idade entre 65 e 69 anos melhor vivenciam o ato sexual, desmistificando a crença erroneamente divulgada de que os idosos são seres assexuados e que não possuem desejos6. Porém, sabe-se que os idosos continuam com os desejos e as atividades sexuais são influenciadas por diversos fatores como o gênero, disponibilidade de parceiros, saúde, interesse dos envolvidos, dentre outros24,25.
Corroborando com esses resultados, um estudo26 realizado com idosos poloneses demonstrou que, apesar do estereótipo de assexualidade, os idosos estavam sexualmente ativos e que a satisfação sexual se associou estatisticamente à satisfação global com a vida. Esses achados reforçam a necessidade e a importância da vivência saudável da sexualidade entre os idosos26.
Ainda nesse sentido, outro estudo de abrangência nacional27 realizado com idosos ingleses observou que, entre o grupo que possuía idade igual ou superior a 80 anos, 19% dos homens e 32% das mulheres tinham atividades sexuais com frequência, por pelo menos duas ou mais vezes por mês. Além disso, os autores ressaltam que, embora a frequência das relações sexuais diminua no decorrer dos anos, as pessoas idosas incluindo as octogenárias continuam com a vida sexual ativa27.
Destaca-se que atividade sexual na velhice é importante porque também envolve as expressões de afeto, admiração, lealdade e confiança mútuas. Nos idosos, a prática sexual contribui para manter elevado os níveis de energia com repercussões positivas na autoconfiança, que por sua vez, reafirma a sua capacidade física e auxilia no enfretamento do processo de envelhecimento26. Não obstante, a atividade sexual e a intimidade estão estatisticamente associadas a resultados positivos nas relações interpessoais, na qualidade de vida, na saúde física e mental24,28, além de reduzir os problemas físicos decorrentes do envelhecimento6, o que mais uma vez demonstra a necessidade de considerá-la durante as práticas assistenciais.
Outro fato interessante é que os idosos com parceria fixa melhor vivenciam o ato sexual, melhor vivenciam as relações afetivas e possuem menores adversidades física e social. As adversidades física e social são representadas pela percepção dos idosos em relação à saúde e sua influência nas vivências sexuais; no incômodo pessoal decorrente das mudanças ocasionadas pelo envelhecimento e no receio de serem vítimas de preconceito por tomarem atitudes que favoreçam suas vivências em sexualidade10.
Esses resultados chamam a atenção porque a maioria dos participantes eram casados e esperava-se que o casamento se constituiria como um fator que permitisse profundas vivências nas relações sexuais e afetivas, além de melhor enfrentamento das adversidades física e social.
Isso porque o casamento, especialmente na cultura brasileira, é tido como um espaço de afeto e as necessidades afetivas e sexuais entre os cônjuges fortalecem e mantém saudável a dinâmica conjugal29. Todavia, parece que os papéis sociais desempenhados pelos idosos dentro do casamento, os condicionam a um estado de comodismo. Sustenta-se essa inferência devido a rotina e a monotonia na relação entre os cônjuges casados no decorrer dos anos que podem influenciar de forma negativa no modo em que os casais idosos concebem a expressão de sua sexualidade30.
Além do mais, no presente estudo, os idosos com parceiro(a) fixo(a) são aqueles indivíduos viúvos ou divorciados que superaram os preconceitos relacionados à sexualidade na velhice e se permitiram vivenciar novas oportunidades em relacionamentos, com vistas a obtenção do prazer e preenchimento de sua identidade enquanto ser sexuado cuja sexualidade se manifesta em diferentes formas e momentos da vida. Essa realidade pode justificar, em partes, a razão dos idosos com parceiro(a) fixo(a) vivenciarem com mais profundidade sua sexualidade se comparados com os idosos casados ou em união estável.
Constatou-se também, que os idosos com suspeição de TMC pior experienciam o ato sexual e as relações afetivas, quando comparado com os idosos sem suspeição. Além disso, observou-se que os participantes com suspeição de TMC tiveram maior mediana na dimensão adversidades física e social, evidenciando que possuem pior enfrentamento face a tais adversidades. Esses resultados revelam que a suspeição de TMC está associada a pior vivência em sexualidade pelos idosos, o que aponta para uma situação de alerta, pois a presença de TMC que já promove eventos indesejáveis na vida da pessoa interfere em outros aspectos que poderiam atuar como fator de proteção, como é o caso da sexualidade.
Além disso, as melhores vivências nas relações afetivas estão estatisticamente correlacionadas a menores sentimentos relacionados ao humor depressivo-ansioso, embora a força da correlação encontrada seja moderada. A dimensão humor depressivo-ansioso é composta por sintomas de preocupação, susto com facilidade, nervosismo, tensão, choro e tristeza15. Nesse mesmo sentido, um estudo1 realizado com 310 idosos brasileiros identificou que a dimensão humor depressivo (nervosismo, tensão, preocupação ou facilidade em assustar-se) foram os mais prevalentes entre os participantes.
Fato é que a sexualidade continua sendo um componente integrante da qualidade de vida24, identidade, relacionamento social e saúde mental de muitos idosos6 e, portanto, sua consideração é fundamental para o planejamento das ações e serviços de saúde. Desse modo, a ampla compreensão da sexualidade na velhice favorece o aperfeiçoamento da educação, pesquisa, política e do atendimento a esse grupo populacional com significativo crescimento em todo o mundo24.
Destaca-se que esse estudo apresenta algumas limitações que devem ser consideradas. Primeiramente, devido à metodologia não probabilística, os resultados aqui revelados podem não representar a população e comprometer a validade externa. Outra limitação diz respeito aos diversos pontos de corte do SRQ-20 adotados nas investigações com os idosos, o que comprometeu a comparação dos nossos resultados com outros estudos nacionais e internacionais. Por fim, destaca-se que a grande maioria dos participantes se autodeclarou branco e com alto nível de escolaridade, o que provavelmente, reflete em uma minoria privilegiada socioeconomicamente, que por sua vez, pode não representar a realidade dos idosos brasileiros, especialmente, os usuários do Sistema Público de Saúde, embora o acesso seja universal e igualitário.
Vale mencionar que essas limitações não anula a relevância do presente estudo para o conhecimento e disseminação de informações sobre os benefícios da sexualidade na saúde mental dos idosos brasileiros. Todavia, sugere-se que mais investigações sejam desenvolvidas com os idosos com maior vulnerabilidade, no intuito, especialmente de subsidiar ações em sexualidade que mais se aproximem da realidade dos usuários.
Conclusão
Esse estudo permitiu evidenciar associação estatística entre o ato sexual e a faixa etária dos idosos. Além disso, todas as dimensões da sexualidade se associaram com o estado civil e foram significativamente correlacionadas a todos os domínios da saúde mental. Todavia, as correlações foram fracas e moderadas e, a maior correlação identificada foi negativa entre as relações afetivas e os sentimentos relacionados ao humor depressivo-ansioso. Destaca-se que, esses resultados apontam para a necessidade de considerar a sexualidade dos idosos como um possível fator que agregue melhor saúde mental.
CONFLITOS DE INTERESSE
Os autores declaram não haver conflitos de intereses.