Introdução
A morte é um evento que suscita pensamentos ambíguos, sentimentos e emoções tanto no indivíduo que está morrendo quanto naqueles à sua volta1. Também, é o fim das atividades vitais de um organismo, com a cessação irreversível de toda a atividade cerebral. Entretanto, para a cultura ocidental, o conceito de morte se resume a um fim, como se houvesse a perda de tudo que pertence à vida, o rompimento total dos laços sociais2,3.
Um dos eventos que pode levar à morte e tornar o pensamento sobre ela mais frequente no dia a dia é o adoecimento. Este se dá, muitas vezes, pelo diagnóstico de câncer, considerado na atualidade a doença da morte, mesmo com os avanços da ciência4,5. Dessa forma, gera reações emocionais significativas, como ansiedade, medo, insegurança, depressão, entre outras. Mesmo o prognóstico sendo positivo quando diagnosticado precocemente, a maior parte das pessoas percebe o câncer como uma “sentença de morte”. Isso se deve por ser conhecida como uma doença dolorosa e que gera sofrimento6.
Da mesma forma, o estigma ligado à morte pode estar relacionado aos índices de óbito. O câncer é a segunda principal causa de morte em todo o mundo, sendo responsável por cerca de uma em cada seis mortes em 20187. Da mesma forma, é a segunda causa nas Américas, com 3.792.000 novos casos - 21% do total mundial - além de 1.371.000 mortes, em 20188. No Brasil, a estimativa de 2020 foi de 309.230 casos novos em homens e 316.140 em mulheres, contabilizando 16.137 óbitos em homens por cânceres de traqueia, brônquios e pulmões, enquanto, nas mulheres, a mortalidade maior foi por câncer de mama, chegando aos 16.724 óbitos9. Pela sua alta incidência e mortalidade, o câncer se mantém ligado à ideia de morte, ainda um tabu na sociedade10.
Por conta disso, se afasta a morte no cotidiano, pelo silêncio, pela ausência dela no discurso, uma vez que culturalmente representa o desconhecido, o oculto e o fim11,12. Entretanto, estudo de revisão aponta a necessidade e importância de prover espaço de escuta de dúvidas, aflições e angústias de pacientes e familiares, para melhor direcionar assuntos que envolvam a terminalidade da vida13.
Na temática, há algumas publicações que abordam o tema, como a atitude de profissionais da saúde frente à morte e seus significados14,15, a atitude de pacientes em cuidados paliativos frente à morte na atenção domiciliar16, as necessidades dos pacientes em cuidados paliativos com câncer diante do processo de morte e morrer3, a morte para cuidadores familiares17, e o que uma morte boa seria para pacientes oncológicos18. Entretanto, este estudo avança em apresentar o significado da morte para os pacientes oncológicos hospitalizados, que, por vezes, testemunham a morte de outros pacientes e que, possivelmente por isso, a sentem mais próxima de si mesmos19.
Desta forma, sendo o câncer uma doença que ameaça a vida, desperta emoções, sentimentos e frequentemente é responsável por sofrimento psicossocial significativo, que está presente no cotidiano dos hospitais oncológicos, se acredita na necessidade da realização deste estudo. Assim, este tem a seguinte questão norteadora: quais os significados da morte para adultos com câncer hospitalizados? Para respondê-la, delineou-se como objetivo conhecer os significados da morte para adultos com câncer hospitalizados.
Metodologia
Este estudo se trata de uma pesquisa de natureza qualitativa, do tipo descritiva, realizada em duas unidades de internamento adulto de um hospital oncológico do Paraná/Brasil, que assiste pacientes clínicos, cirúrgicos e em cuidados paliativos. A pesquisa qualitativa emprega diversas concepções filosóficas, estratégias de investigação e métodos de coleta, análise e interpretação de dados. Por lentes despidas de filtros, é possível conhecer o significado que as pessoas ou grupos atribuem ao problema ou questão, pois parte de premissas individuais, modos singulares de compreensão de mundo20.
Dos 30 pacientes elegíveis, indicados pela equipe de enfermagem, médica e administrativa, 27 aceitaram participar da pesquisa e três recusaram, por não manifestarem interesse, e foram selecionadas para compor uma amostra intencional. Esta é aquela cujas características são definidas para um propósito relevante para o estudo21. Foram incluídos pacientes com idade acima de 18 anos com diagnóstico de câncer em qualquer estágio e modalidade de tratamento, hospitalizados por tempo indeterminado. Excluíram-se aqueles com rebaixamento de nível de consciência e em desorganização emocional.
Os dados foram coletados no período de dezembro de 2019 a março de 2020, por meio de dois instrumentos construídos pelas pesquisadoras: o perfil sociodemográfico e clínico do participante e o roteiro de entrevista semiestruturada, com a questão disparadora: o que significa a morte para você? É importante ressaltar que a pergunta foi validada por meio de um teste piloto com três participantes, os quais foram incluídos no estudo, uma vez que a pergunta, bem como os próprios instrumentos criados pelas autoras, corresponderam ao objetivo, e não apresentou limitadores aos participantes.
A entrevista foi realizada em data e horário previamente agendados, nas unidades de internação clínica e cirúrgica; foi utilizado dispositivo gravador de voz, com média de duração de dez minutos. Após isso, as entrevistas foram transcritas em documento Libre Office e inseridas no Software Iramuteq para elencar as classes.
Para a análise de dados, utilizou-se método de análise de conteúdo de Creswell em seis etapas20. A primeira correspondeu à organização e preparação dos dados para a análise - as entrevistas foram transcritas na íntegra; na segunda, fez-se a leitura das entrevistas transcritas em sua totalidade; seguiu-se à terceira etapa de codificação dos dados, processados pelo software Iramuteq, que resultou em seis classes; a quarta etapa foi da descrição dos dados, com base na codificação atribuída, em que emergiram quatro categorias relacionadas aos significados; a quinta etapa envolveu a representação da análise, pela fala dos participantes e pela análise de similitude e nuvem de palavras, gerados pelo software Iramuteq; a última etapa foi de interpretação da análise, com os significados extraídos interpretados e correlacionados com os achados existentes da literatura, relacionados à temática, e preferencialmente atualizados.
Este estudo respeitou os preceitos éticos da Resolução CNS nº 466/201222, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos, pelo Parecer nº 3711006, sob o Certificado de Apreciação e Aprovação Ética nº 20721719500000098. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e foram identificados pelo código: P (participante) + número em algarismos arábicos em ordem crescente dos participantes entrevistados + F ou M (gênero feminino ou masculino) + unidade de internação (A ou B - ambas clínico-cirúrgicas).
Resultados
Dos 27 participantes, 59% (n=16) eram do sexo feminino, 52% (n=14) moravam em Curitiba (Paraná), 18,5% (n=5) na região metropolitana de Curitiba, e 29,5% (n=8) em demais cidades do estado do Paraná, eram predominantemente brancos (77,5%; n=21), católicos (66,5%; n=18), casados (55,5%; n=15), com baixa escolaridade (52%; n=14) e tinham em média 2,6 filhos. Quanto ao cuidador principal, se dividiam entre familiares não-cônjuges (48%; n=11), cônjuges (33%; n=9), não possuíam cuidadores (18,5%; n=5) ou eram informais (7,5%; n=2). Em relação às atividades ocupacionais e/ou profissionais, 59% (n=16) estavam afastados para tratamento médico, 15% (n=4) eram aposentados, 11% (n=3) trabalhadores domésticos, 11% (n=3) trabalhadores do comércio, 11% (n=3) do lar e 7,5% (n=2) eram mestres de obra/pedreiro. No tocante às características clínicas, 44,5% (n=12) dos participantes tinham diagnóstico de câncer hematológico, e 55,5% (n=15) tumores sólidos; 26% (n=7) estavam em estadiamento IV, com metástase óssea e pulmonar. Em relação ao tratamento, 66,5% (n=18) participantes fizeram quimioterapia, 18,5% (n=5), radioterapia e 55,5% (n=15) foram submetidos a procedimentos cirúrgicos.
Após codificação dos dados pelo software Iramuteq, emergiram 52 segmentos, 27 números de textos, correspondentes ao número de participantes entrevistados, 415 formas e 1.629 ocorrências, gerados em nove segundos, que compuseram seis classes e quatro categorias: a morte como mudança de vida e passagem; quando a morte é melhor que o sofrimento; a expectativa na intervenção divina; e a morte negada e distanciada, apresentadas a seguir (Figura 1).
As falas dos participantes foram ordenadas a partir dos vocábulos: passagem, viver, morrer, medo e aceitar, que foram os mais frequentes, com valores de qui-quadrado mínimo de 3,4 e p<0,0001. É possível observar os vocábulos mais utilizados em ordem decrescente de ocorrência no dendograma da Figura 1, bem como as classes geradas pelo programa (Figura 2).
Por meio das Figuras 2 e 3, se visualizam a análise de similitude e a nuvem de palavras, pelas quais é possível perceber a presença e significância da palavra “morte”, indicando como os participantes reportaram seus pensamentos e percepções em relação ao significado dela. A análise de similitude se fundamenta na teoria dos grafos e é alcançada com base na concorrência de palavras em segmentos de texto23, enquanto a nuvem de palavras produz uma representação gráfica das ocorrências do corpus, tendo cada palavra um tamanho proporcional à sua frequência24.
Observa-se, na Figura 3, que ligadas ao vocábulo “morte” estão palavras como aceitar, alívio, sentimento, medo e triste, indicando o significado dela como um momento difícil, que atinge a todos em algum momento da vida. Isso também é acentuado pelos “braços” da Figura 2, em que o vocábulo “morte” está correlacionado às palavras “vida”, “Deus”, “ficar” e “melhor”, que direcionam à vida eterna ou à vinculação a Deus.
As classes identificadas e as categorias são apresentadas a seguir.
Classes 1 e 6 - Categoria: Quando a morte é melhor que o sofrimento
Nesta categoria, a morte surge como algo melhor que o sofrimento, por vezes, um alívio, tanto para o paciente quanto para a família. Isto se deve pelas tantas limitações e imposições que resultam do adoecimento e agravamento da doença.
Nas classes 1 e 6, os vocábulos mais presentes foram: morrer, passar, difícil, ficar e medo.
(...) se eu estivesse sofrendo muito, com dor, eu ia preferir morrer, se tivesse chance. Ficar sofrendo aqui, para quê? Mesmo se eu tivesse alta e ficasse em casa numa cama sofrendo, dizendo que não vai ter cura, eu preferiria morrer de uma vez. (P4mB)
A pessoa que fica em cima de uma cama, dependendo da família para tudo, é melhor a morte do que o sofrimento. Assim não sente dor, não sente nada. É um alívio para a pessoa, alívio para a família, alívio para a pessoa que está sofrendo ali, sabe? (P14fA)
A morte deve ser a melhor coisa que existe na vida. Eu penso assim. A morte vai ser o livramento disso aqui (...), que é o que dói, o que adoece. (...) Eu imagino que seja tirar esse peso todo e finalmente ficar livre, ficar solto. (P15fB)
Mesmo percebendo o processo de morte como algo ruim, ela pode indicar alívio, algo positivo que vem para acabar com as dores e tudo que envolve o agravamento da doença. A dependência oriunda do processo de adoecimento também foi fator que provocou sofrimento. Pelos depoimentos, se pode entender que depender do outro leva a um aumento de angústia; por isso, se percebe a morte como libertação, uma vez que ficar no hospital e viver a progressão da doença e do sofrimento pode ser, por vezes, pior. Dessa forma, os participantes a percebem como um alívio no final de vida, por vezes a retratando como algo positivo.
Classe 2 - Categoria: A expectativa na intervenção divina
Nesta categoria, os participantes trouxeram relatos sobre a religiosidade e espiritualidade, bem como sua importância ao longo do tratamento e conforto em relação ao significado da morte. Por vezes, demonstraram certa expectativa divina pelo melhor, depositando em Deus confiança e esperança nos dias que se sucederiam.
Os vocábulos mais presentes nesta classe foram: melhor, viver, Deus, querer e medo.
Eu não tenho medo da morte. Eu sou Testemunha de Jeová, eu acredito na bíblia, e na vida eterna. (...) Eu vou lutar contra a minha doença até as últimas consequências, que é isso que Deus quer que a gente faça; que acredite no profissional, que procure o médico, que faça o que eles querem. Eu preciso fazer a minha parte para que Ele (Deus) faça a minha. (P8mA)
Eu acho que um dia todo mundo vai, porque isso já está escrito, sei que Deus que dita, então Ele é o dono da morte, da vida e da morte; Ele determina a hora que você vai. (...) Então cada um tem que compreender as coisas de Deus porque é tudo de Deus, nada é por acaso. Não sou eu que comando, é Ele que comanda a nossa vida, Ele que coordena tudo, que comanda tudo, e a morte também, então é só Ele que pode nos levar daqui para lá. (P25fB)
A morte para mim é uma passagem para algo melhor, eu espero em Deus, porque eu já fiz muita coisa errada, não estou fazendo mais, e espero que seja uma passagem boa. (P21mA)
Alguns participantes, quando perguntados sobre o que pensavam sobre a morte, trouxeram Deus em suas falas, citando que Ele possui controle sobre suas vidas, que dita o que está por vir, mesmo que seja a morte. Esta, sendo um desígnio divino, passa a ser boa. Também demonstram fé e crença, na expectativa da intervenção divina. De certa forma, a religião ou a crença em Deus despertam confiança no futuro.
Classes 3 e 4 - Categoria: A morte negada e distanciada
Nesta categoria, os participantes relataram temer a morte e evitar pensar nela, também sentindo dificuldade de expressar seus sentimentos ou pensamentos em relação à finitude. A reflexão a respeito da morte pode desencadear sentimentos e emoções difíceis e penosas. Desta forma, se tende a distanciá-la e negá-la, evitando o enfrentamento das emoções que manifestam-se em volta da própria mortalidade.
Os vocábulos presentes nesta classe foram: nunca, nada, pensar, aceitar, hora e morte.
Eu não penso sobre a morte, morrer. A gente luta para não morrer. É difícil, mas se tiver que acontecer, temos que aceitar, vamos fazer o quê? Não quero e nem penso em morrer. (P7mA)
Não sei dizer. Nunca pensei. Tenho medo. Eu tenho medo da morte, eu acho que eu estou muito jovem ainda. Não sei falar. Não sei dizer direito. Sensação estranha. Acho que é o fim. (P9mA)
Sobre a morte é difícil falar. A morte, eu não sei. Não vou saber te responder. Não penso, e não tenho medo também. (P10mA)
O relato de não querer morrer, querer viver mais, mesmo sabendo da facticidade, é compreensível, visto que 15 dos participantes eram casados e tinham de dois a três filhos, o que pode estar conectado à ideia de vê-los crescer ou de aproveitar a vida ao lado das pessoas queridas. Além disso, alguns pacientes criaram barreiras, os chamados mecanismos de defesa, para os impedir de se conectar e sentir algo em relação ao que estavam vendo e percebendo, uma forma de evitar sentir o inevitável, de pensar e refletir sobre o que pode causar dor, de criar uma barreira na tentativa de afastar a própria morte.
Classe 5 - Categoria: A morte como mudança de vida e passagem
Nos depoimentos desta categoria, se observa a morte como um sono profundo, mudança de uma vida para outra, uma passagem e um recomeço. Por mais complexo que seja repensar a morte a partir de uma visão natural, que faz parte do viver, há pacientes que demonstraram aceitação frente à finitude da existência, uma crença em algo melhor após a morte, que se mostrou como uma forma de adquirir certo conforto diante do desconhecido. Assim, a morte surge como uma mudança de vida, para uma vida boa, melhor, sem sofrimento e adoecimento, pensamento associado e fomentado nas crenças religiosas e de pós-morte.
Na classe, os vocábulos mais presentes foram: passagem, acreditar e vida.
A morte para mim é como um sono profundo. (...) Quando você apaga, que você dorme, e você não sabe o que está passando; a morte é a mesma coisa, que nem um sono. Só de uma passagem para outra. Eu sou muito católico, eu acredito que existe o outro lado da vida. (P13mA)
Eu acho que é só uma passagem, porque na minha religião, na minha cabeça, a gente tem uma vida eterna e aprende que é uma passagem. Você mede seus atos, você é julgado pelos seus atos, pela sua vida, e vai passar a vida na eternidade, no bem ou no mal. (P16fB)
A morte para mim é o mesmo que uma mudança de vida. É uma coisa que não se quer para ninguém e acontece dentro da família, e tem que se conformar, não tem o que fazer. É difícil. (P20mA)
Os participantes relataram a morte como “uma mudança de vida”, que geralmente não se deseja, mas que ocorre sem ter o que fazer, o que retrata certa frustração diante de sua inevitabilidade. É uma aceitação discreta, sincera, de alguém que já viveu a morte de familiares e entende que não se pode evitá-la, como relatado pelo participante P20mA. Além disso, ligada à religiosidade e a crenças em algo maior, para outros participantes, ela surge como uma passagem, seja para outra vida, seja uma vida eterna, e até mesmo um momento de penitência, de julgamento de atos realizados enquanto na Terra. O fato de acreditar que há algo após a morte parece reconfortar e trazer alento aos pacientes acometidos pelo câncer.
Discussão
O significado da morte se caracteriza, em alguns estudos, para o paciente com câncer, como um processo que é bom, quando é o resultado de uma morte confortável, rápida, independente e com sofrimento minimizado, bem como quando mantêm as relações sociais intactas18,25, o que nem sempre ocorre. Consequentemente, ela ainda desperta os mais diversos sentimentos, pensamentos e emoções10, principalmente em pessoas jovens como as do estudo, que em sua maioria possuem filhos, são casadas e sentem que têm muito a viver.
Os pacientes passaram por diversos procedimentos cirúrgicos, modalidades e protocolos de tratamento, tendo grande parte se afastado de suas atividades laborais, o que comprometeu a renda familiar, afetando a qualidade de vida e suas percepções sobre o momento que estavam vivendo26.
Estar consciente do processo de adoecimento, bem como da dependência que surge com o agravamento da doença, pode ser desolador, causar ansiedade e medo diante do que está por vir. Por conta disso, alguns participantes relataram perceber a morte como algo positivo quando vem para aliviar o sofrimento, sendo por vezes melhor do que depender de entes queridos para realização do cuidado íntimo, por exemplo27.
Da mesma forma para cuidadores familiares de um estudo brasileiro, esses acreditavam que a morte pode proporcionar alívio diante de um sofrimento que se prolonga, tanto para o paciente quanto para os demais envolvidos. Os dados deste estudo corroboram com a literatura, mostrando uma representação diferente daquela usual na cultura do ocidente, em que a morte é geralmente concebida como um momento de dor e angústia17.
Neste cenário, o paciente pode se sentir um fardo diante do nível de dependência de cuidados que cai sobre os familiares, dando origem a sentimentos de culpa e angústia. É importante, enquanto profissional da saúde, proporcionar espaço aos pacientes para falar de seus sentimentos e emoções, identificar suas necessidades e, assim, estabelecer um plano de cuidados mais holístico a partir da escuta ativa, tanto para o paciente quanto seus familiares3.
Ademais, os pacientes oncológicos podem apresentar algumas atitudes frente à morte, muito similares aos participantes deste estudo, como arrependimento ou culpa por ações do passado que os levaram ao estado de saúde e enfermidade atual; a reflexões sobre a morte e o pós-morte; a ressignificar as experiências de vida; a manifestar e fortificar a fé, a religião e a expectativa em uma intervenção divina, bem como a fazerem planos para o futuro e mencionarem desejos16. Neste ínterim, se acredita que as atitudes frente à inevitabilidade da morte são influenciadas pelas representações e significados daquela para os pacientes com câncer.
Além disso, diante do medo do desconhecido que a morte pode desencadear, grande parte dos pacientes trouxe Deus em suas falas, como o Ser/algo que possui controle sobre suas vidas, que dita o que está por vir e que oferece segurança. Junto a isso, em alguns momentos, foi possível notar a barganha, em que os pacientes expressaram ter de realizar a sua parte para que Deus fizesse a dele, como uma negociação. No estágio da barganha, existem uma finalidade e uma recompensa futura no sofrimento28.
Nesses casos, muitas vezes, os pacientes não sabem lidar com a morte e aceitá-la, sentem dificuldade em descrever o que significa, recorrendo à religião em busca de conforto espiritual29, principalmente porque a espiritualidade se correlaciona positivamente com a qualidade de vida e pode levar a uma melhor aceitação da doença, trazendo benefícios30. Quando trabalhada, a dimensão espiritual pode conferir consolo, apoio e força psicológica aos pacientes que se encontram com doenças que ameaçam a vida31,32.
Neste ínterim, Deus aparece como principal fonte das expectativas de cura. No entanto, o apego a Ele aponta certa contradição. Ao mesmo tempo que se esforçam, segundo seus depoimentos, para deixar claro que a fé traz tranquilidade diante da doença, apegam-se a uma cura que só pode vir de algo mágico e não mais dos meios técnico-científicos. Assim, por um lado, a fé é capaz de oferecer suporte e trazer certo sentido a essa vivência33, mas, por outro, a associação entre doença e castigo divino pode acarretar efeitos que oferecem riscos ao equilíbrio do paciente e da família, ocasionando um impacto negativo no bem-estar, na qualidade de vida e na adesão ao tratamento34.
Além disso, pacientes com câncer podem apresentar uma postura negacionista diante do adoecimento e da própria mortalidade. A negação é um dos estágios da morte elencados por Elisabeth Kubler-Ross, que a define como uma defesa temporária depois de notícias inesperadas, que funciona como um mecanismo de defesa com o intuito de recuperação após choque. Mesmo considerando a morte como possibilidade e fato, eles podem deixar esse pensamento de lado para lutar pela vida28.
Isto se deve porque as emoções e os sentimentos em relação à morte podem ser tão fortes que alguns participantes decidem não conversar sobre ela ou não sabem se expressar em relação à mortalidade. O adoecimento os confronta com a própria finitude, principalmente quando do diagnóstico de câncer, que carrega um estigma social que o associa à morte e ao sofrimento. Esses fatores colocam o indivíduo diante da sua fragilidade, de um vazio de sentidos33.
Entretanto, foi possível perceber que os pacientes que possuíam crenças na vida após a morte, ou de que a morte do corpo não representava o fim, de certa forma, melhor definiam o significado, reagiam ou melhor aceitavam a morte e o adoecimento. Com isso, se pode pensar que a espiritualidade/religiosidade levam à aceitação da doença e aumentam a esperança no futuro35. Da mesma forma, o bem-estar religioso e espiritual proporcionam estilo de enfrentamento positivo, influenciando a maneira de lidar com o diagnóstico e a adesão ao tratamento oncológico, promovendo conforto e resiliência36,37, bem como levam a uma busca de sentidos para a vida e para a morte31. Além disso, a religiosidade e a espiritualidade estão associadas à qualidade de vida dos pacientes38, demonstrando que as crenças religiosas e as práticas de espiritualidade podem influenciar e ser benéficas na percepção da doença, da vida e de sua finitude.
É importante ressaltar a relevância de levar em conta no planejamento de cuidados os aspectos religiosos e espirituais de cada paciente, a fim de proporcionar um cuidado holístico e humanizado, abrangendo não somente as demandas físicas, mas emocionais, sociais e espirituais.
Não obstante, nesta conjuntura, há algumas barreiras mencionadas pelos profissionais da saúde como falta de tempo, de conhecimento e medo de impor suas próprias crenças, o que aponta uma insegurança e a necessidade de treinamento com relação à temática39. A reflexão sobre o processo de morte e morrer permite os estudantes e profissionais da saúde a dar sentido a esta experiência em diferentes esferas, ainda mais por verem o processo como parte integrante do ciclo vital humano, como evento inerente, percepção que se reflete nos aspectos social, espiritual e ético, enriquecendo o cenário no cuidado profissional de enfermagem14,15.
Por fim, a limitação do estudo está relacionada à amostra, por ser de participantes assistidos em um único hospital oncológico, limitando-se ao significado da morte para esse grupo específico. Além disso, não correlacionamos as características: idade, estadiamento e tratamento, que podem influenciar nos significados da morte para a população do estudo. Seria interessante o desenvolvimento de pesquisas em demais centros oncológicos ou com a população do estudo para nível de comparação e conhecimento, bem como a avaliação das demais variáveis e características não abordadas neste trabalho.
Conclusões
Este estudo avança e atinge o objetivo de conhecer os significados da morte para pacientes oncológicos hospitalizados, que no cotidiano hospitalar, se aproxima de sua experiência existencial. Para os pacientes adultos com câncer neste estudo, os significados da morte transitam entre ser um processo de passagem, de mudança de vida, que pode causar medo, insegurança, e que em Deus é possível encontrar o suporte para o enfrentamento do adoecimento e do agravamento da doença. Além disso, a morte, por vezes, surge como algo positivo, um alívio e um descanso. Entretanto, alguns pacientes, quando indagados sobre o significado da morte, relataram não pensar e evitar falar sobre, na tentativa de mantê-la longe, distante, o que foi nutrido pelo desejo de uma vida mais longa e próspera.
Desta forma, um aspecto importante deste estudo é a possibilidade de discussão a respeito da influência desses resultados no cuidado de enfermagem, que busca distanciar a morte de sua prática, mas que precisa ser estudada e compreendida para benefício dos pacientes e família.
DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES
As autoras declaram não haver conflito de interesses.